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A Educação Ambiental no
contexto da Educação Física Escolar

   
Instituto Estadual de Educação Ponche Verde
Escola Superior de Educação Física - UFPel
(Brasil)
 
 
Prof. Esp. José Eduardo Nunes de Vargas*
Prof. Ms. Francisco José Pereira Tavares**

fran@ufpel.tche.br
 

 

 

 

 
    O presente estudo teve como objetivo elaborar uma proposta para o desenvolvimento da Educação Ambiental (EA) no meio escolar através da Educação Física (EF). Inicialmente identificamos as questões que nortearam o estudo, onde procuramos determinar como a EF pode contribuir na formação de valores e atitudes meio ambientais no meio escolar. Para tanto partimos da contextualização da EA, a partir de uma abordagem integrada do homem com o entorno. Após identificamos a competitividade e exclusão presentes no cotidiano da EF escolar. Com base no referencial teórico utilizado elaboramos uma proposição de EF Escolar num modelo de EA. Nesta proposta, identificamos os conteúdos que devem ser trabalhados nas aulas de EF, definidos segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais e apontamos para a necessidade destes conteúdos estarem alicerçados por uma nova ética que privilegie a educação em valores a partir de pressupostos como cooperação, igualdade de direitos, autonomia, democracia e participação. Como encaminhamento final, acreditamos que as reflexões aqui apresentadas possam contribuir, senão para a implementação de um projeto de ambientalização no contexto escolar, ao menos possam ser consideradas algumas proposições ou sugestões a que nos referimos, como rumo inicial que possa nortear outras formulações.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 69 - Febrero de 2004

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Introdução

    O mundo atual vive uma grave crise de valores e oportunidades protagonizada por vários séculos de exploração e desigualdades. No entanto, esta visão, alicerçada sobre valores antropocêntricos e fragmentados, centra seu enfoque no ser humano e precisa ser superada por uma outra que privilegie a interdependência, a igualdade de oportunidades e a solidariedade, com uma nova visão a cerca da relação do homem com o entorno.

    Neste sentido Reigota (1994) sustenta e identifica uma proposta que vai além de um mero sinônimo de meio natural. Para tanto Tavares (2002) difere claramente Meio Ambiente de Educação Ambiental:

  • Meio ambiente - Definido como o lugar determinado e ou percebido onde os aspectos naturais e sociais estão em relações dinâmicas e em constante interação, acarretando processos de transformação da natureza e da sociedade.

  • Educação Ambiental - Será entendida como uma perspectiva educativa, com caráter de educação permanente, que pode estar presente em todas as disciplinas, na tentativa de enfocar a compreensão e resolução de todos os problemas ambientais planetários.

    Temos convicção de que as idéias meio ambientais devem estar presentes em todos os espaços que educam o cidadão, desde praças e reservas ecológicas, passando por sindicatos e movimentos sociais, até chegar ao sistema educacional, este considerado como um dos locais privilegiados para a consecução da EA (Reigota, 1994). O que concordam Medina e Santos (2000), quando justificam a inserção da EA no currículo, no sentido de uma renovação educativa escolar visando uma melhoria na qualidade de ensino, respondendo às necessidades cognitivas, afetivas e éticas, capaz de contribuir para o desenvolvimento integral do sujeito.

    Para isto se faz necessário uma transformação nos valores e atitudes, afirma Guimarães (2000), para que se ande em direção a uma nova ética, sensibilizadora e transformadora para as relações integradas homem/sociedade/meio ambiente. O que pode ser observado no esquema que segue (figura 1), onde caracterizamos um modelo de EA, adaptado de Gonzáles Muñoz (1999) e referido por Tavares (2002) quando afirma que a Educação Ambiental caracteriza-se por ter um enfoque interdisciplinar, onde as condutas em relação ao entorno devem estar em constante aprendizado.

    Um novo entendimento na relação do ser humano com o ambiente então deve ser concebido, partindo de uma leitura crítica e reflexiva do entorno, caracterizada por um pensar global à cerca das problemáticas meio ambientais a partir da ação local. Este pensamento deve ter claro que os recursos naturais de nosso planeta são finitos e necessitam uma maior atenção à cerca dos recursos renováveis e não renováveis, conjuntamente a uma justa redistribuição e solidariedade que é outro princípio da Educação Ambiental. Finalmente esta solidariedade se fará presente a partir de uma nova ética, sensibilizadora e transformadora para as relações integradas homem/sociedade/meio ambiente, privilegiando o alcance de uma melhor qualidade de vida para todos os seres deste planeta.

    Por outro lado constatamos a Educação Física moldada em arquétipos olímpicos, onde as modalidades esportivas se dedicam ao rendimento e ao alto nível. Este sistema de competição escolar reflete de maneira clara esta constatação, que vai do plano local, passando pelo estadual até chegar ao federal.

    Enquanto orientada nos moldes do esporte de alto nível a Educação Física Escolar coloca o aluno mais como objeto do que como sujeito e indivíduo - exercícios articulares geométricos, proporcionados pela calistenia; formalismo diretivo do método Francês; e prontidões especiais de movimentos, caracterizadas pelo esporte de alto rendimento. As aulas nem sequer motivam e preparam o discente para efetuar em seu tempo livre uma prática esportiva que se reflita por toda a vida (Dieckert, Kurz & Brodtmann, 1985). O binômio Educação Física - Esportes, encontrado dentro das escolas, segundo Moreira (1993) coloca a disciplina como um conteúdo sem identidade e acrítico.

    A Educação Física escolar necessita de uma nova antropologia, onde os modelos de movimento estejam de acordo com a cultura deste país extremamente rico culturalmente, conforme citam Dieckert, Kurz & Brodtmann (1985).

Figura 1 - O paradigma da Educação Ambiental: organização esquemática

    Segundo Negrín Pérez e Torrez Vásquez (2000) a formação de convicções meio ambientais, através da EF, contribui na formação de gerações de homens preocupados com o humano, tendo em vista que o meio ambiente não é responsabilidade somente das Ciências Naturais, pois seu enfoque é interdisciplinar, além de multidisciplinar.

    Os pressupostos que fundamentam uma Educação Física num paradigma ambientalizado no meio escolar, para fins de consecução desta investigação, estão alicerçados nas proposições de Negrín Pérez e Torrez Vásquez (2000), e que explicitamos a seguir:

  • Ao identificar o aluno com seu meio natural a EF permite formar convicções meio ambientais;

  • O desfrute nos alunos pela descoberta de suas possibilidades na preservação do meio natural;

  • A compreensão e aprendizagem de conceitos meio ambientais relacionados com a EF, torna a atividade mais dinâmica e prazerosa;

  • O trabalho no espaço natural provoca uma disposição positiva acerca da natureza;

  • As relações interpessoais e de grupo encontram-se favorecidas.

    Por realizarem-se em sua maioria ao ar livre, as atividades pertinentes a EF, se configuram como um ótimo momento para a formação de convicções meio ambientais e proteção do meio ambiente. Além disto, o contato direto com o meio natural e seus objetivos baseados na eliminação do stress e da sobrecarga intelectual além da manutenção da qualidade de vida colocam a possibilidade do trabalho de uma EA, enfatizam Negrín Pérez e Torrez Vásquez (op cit).

    Além disso, o meio natural apresenta-se como local de grande interesse por parte dos alunos na medida que são realizadas atividades como:

  • Saneamento na comunidade, áreas naturais e no próprio espaço da EF;

  • Excursões;

  • Acampamentos recreativos;

  • Recreação turística como trilhas;

  • Cuidado e preservação das áreas desportivas;

  • Higiene pessoal e do vestuário, assim como da escola;

  • Exposições e outras atividades organizadas pelos estudantes;

  • Debates e seminários em grupos sobre determinado tema.

    Finalmente, a última proposição apresentada por Negrín Pérez e Torrez Vasquez (2000), se refere às relações interpessoais, as quais são analisadas por Vanzan (2000), quando observa que estas relações estão alicerçadas em princípios que buscam o resgate de valores onde hoje, em grande parte da sociedade, estão esquecidos. Estes valores são considerados como uma crença duradoura onde um modo de conduta é preferido de forma pessoal e social em relação a outro. As preferências por determinada maneira de ser são adquiridas através dos processos de socialização, por tanto no relacionamento interpessoal os valores são confrontados, aprendem a coexistir e são justificados em uma relação intersubjetiva carregada de significados. A partir disto se estrutura e organiza uma escala de valores.

    Identificamo-nos com a indicação dos valores que a escola deve promover, apresentados por Vanzan (op cit), onde se encontram a dignidade, a liberdade, o amor, a paz, a convivência, a justiça, a liberdade e a tolerância. Contudo observamos que estes somente serão alcançados pelos discentes à medida que o ambiente escolar estiver alicerçado nos valores citados, onde os docentes estejam com estes explicitados em suas maneiras de ser e a partir daí em sua prática educacional. Neste momento estaremos realizando em nossa prática docente uma EA, Educação esta que se diz, conforme afirma Guimarães (2000), transformadora de valores e atitudes através da construção de novos hábitos e conhecimentos, criando uma nova ética, sensibilizadora e conscientizadora no processo relacional.

    No intuito de promover esta mudança de paradigma em relação aos valores pessoais, a EF utiliza os jogos motores como instrumentos que permitem a oportunidade de criticar, acordar e elaborar normas para a construção de uma forma de pensar e agir harmoniosa e integradora que busque a transformação do atual quadro ambiental do nosso planeta.

    Para Vanzan (2000) o jogo por si só não é bom ou ruim o que deve ser revisto é a forma de utilização do mesmo, a partir da concepção sociológica do professor que os apresenta, que pode ser a de cumplicidade ou criticidade frente aos valores e idéias do modelo dominante. Pois a forma (modo de jogar, restrições, etc.) e o conteúdo (noções, habilidades e atitudes implicadas) do jogo irão afetar a consciência dos alunos.

    Por tudo isto o educador deve se perguntar, conforme refere Skliar (2000):

  • Qual minha atitude pessoal e profissional frente à realidade?

  • Para que modelo de homem trabalho?

  • Quais são meus objetivos e minhas intenções na hora de propor um jogo?

    A partir do esclarecimento dos objetivos, o professor terá a tarefa de eleger o jogo e a forma de trabalhá-lo, tendo claro que estas já estarão facilitadas, pois terá certeza sobre o que quer alcançar com a atividade.

    Os jogos que se coadunam com a EA em relação à EF Escolar, devem ser regidos por alguns indicadores apresentados por Vanzán (2000) e que apresentaremos a seguir:

  • Princípios: Ética social mediada por crítica, diálogo, reflexão, sensibilidade, autonomia, felicidade, criatividade, justiça, intelectualidade e argumentação desde a lógica social.

  • Regras: Jogos com regulamentação que responda a igualdade de oportunidades, equidade, integração, respeito à integridade, liberdade de consciência, desempenho, responsabilidade, solidariedade, compromisso e uso responsável da liberdade.

  • Organização: Consensual, responsável, convivência social pluralista e participativa.

    Contudo este jogo não vai atuar de forma mágica na construção de valores meio ambientais, é necessário que haja um comprometimento de toda a classe docente colocando estes valores como objetivos norteadores do processo de ensino, pois a EA é, antes de tudo, uma perspectiva educacional interdisciplinar que busca chamar a atenção para os problemas ambientais rumo a uma melhoria da qualidade de vida planetária.

    Com base nos pressupostos até então apresentados, encaminhamos uma proposição de EF que deve nortear o trabalho escolar num molde ambiental.

    Nele a Educação Física Escolar possui em seu corpo de conteúdos três blocos que se inter-relacionam entre si, tendo muito teor em comum a pesar de guardarem suas especificidades, segundo manifestação apresentada nos Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1998). Todos estes conteúdos devem ser apresentados, a partir de sua categoria conceitual (fatos, princípios e conceitos), procedimental (saber-fazer) e atitudinal (normas, valores e atitudes), segundo as intenções educativas.

    Estas intenções, segundo Guimarães (2000), devem estar alicerçadas por uma nova ética, sensibilizadora e conscientizadora, para as relações integradas ser humano/sociedade/natureza. A ética ocupa, portanto, papel de fundamental importância na Educação Ambiental, pois o seu conjunto de regras e valores, determina os julgamentos e ações humanos, conforme podemos observado no esquema ilustrado da figura 2:

Figura 2 - A Educação Física Escolar num modelo de Educação Ambiental

    Conforme afirma Tavares (2002), para a implementação de uma Educação Física Escolar nos moldes da Educação Ambiental é necessário que os conteúdos dirigidos pela primeira estejam de acordo com os princípios norteadores da segunda. Para tanto fundamentaremos nossa proposta objetivando alguns destes, definidos como cooperação, igualdade de direitos, autonomia, democracia e participação. Assim sendo a prática diária do professor deverá conduzir para estes, onde o modo de se trabalhar cada um dos conteúdos, mais do que sua seleção deverá estar imbuída por uma consciência meio ambiental.

    Com base neste paradigma que acreditamos ser possível a implantação da EA no contexto escolar através da EF, tanto em termos de trazer maiores possibilidades de se tornar sustentável no tempo quanto em termos de maximização de sua eficácia. E não será a EF isolada no interior dos muros escolares a responsável pela mudança social que propomos. Este paradigma educacional somente será viável a partir de uma visão de totalidade onde a interdisciplinaridade se faça presente, com outras disciplinas se identificando com a proposta da Educação Ambiental, agindo em cooperação na busca de soluções para a problemática meio ambiental.

    Mesmo encontrando resistências para desenvolver um modelo de EA a partir da EF, ainda que de forma muito menos abrangente do que se esteja idealizando, acreditamos que as reflexões aqui apresentadas possam contribuir, senão para a implementação de um projeto de ambientalização no contexto escolar, ao menos possam ser consideradas algumas proposições ou sugestões a que nos referimos, como rumo inicial que possa nortear outras formulações.


Referências bibliográficas

  • BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Educação Física / Secretaria de Educação Fundamental. - Brasília: MEC / SEF, 1998.

  • DIECKERT, J.; Kurz, D.; Brodtmann, D. Elementos e Princípios da Educação Física: uma antologia. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1985.

  • GONZÁLEZ MUÑHOZ, M. C. Principales tendencias y modelos de la Educación Ambiental en el sistema escolar. Revista Iberoamericana de Educación. Espanha, OEI, n 11, 1999a.

  • GUIMARÃES, M. A Dimensão ambiental na educação. Campinas: Papirus, 2000.

  • MEDINA, N. M. e SANTOS, E. da C. Educação Ambiental: uma metodologia participativa de formação. Petrópolis: Vozes, 2000.

  • MOREIRA, W. W. Educação Física e Esportes: perspectivas para o século XXI. Campinas: Papirus, 1993.

  • NEGRÍN PEREZ, R. e TORREZ VASQUEZ, N. de la. Consideraciones en relación con la Educación Física y la formación de valores medio ambientales. Disponivel: site Lecturas: Educación Física y Deportes (may. 2000) endereço: http://www.efdeportes.com.

  • REIGOTA, M. O que é Educação Ambiental. São Paulo: Brasiliense, 1994.

  • SKLIAR, M. Reflexiones en torno al juego. Lecturas: Educación Física y Deportes (Sep. 2000) endereço: http://www.efdeportes.com.

  • TAVARES, F. J. P. A Educação Ambiental na Formação Inicial de Professores de Educação Física. Rio Grande: 2002. 197 p. Dissertação de Mestrado (Programa de Mestrado em Educação Ambiental) - FURG.

  • VANZAN, J. ¿Competición o cooperación? Disponible: site Lecturas: Educación Física y Deportes (oct. 2000) endereço: http://www.efdeportes.com.

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