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Ação docente de um profissional de
Educação Física Escolar: um estudo de caso

   
*Acadêmica de Educação Física
**Mestrando em Desenvolvimento da Criança CUMSB/RJ
***Mestre em Educação: formação de professores UFJF
Escola de Educação Física de Caratinga - Caratinga-MG
(Brasil)
 
 
Kelly Aparecida Do Nascimento*
Vagner Maciel Freris**
Celeste Aparecida Dias e Sousa***

vagner@funec.br
 

 

 

 

 
Resumo
    O objetivo do presente estudo é analisar e interpretar as ações do profissional de Educação Física no contexto escolar, para analisar a qualidade e significância de suas aulas segundo a concepção sócio-histórica de ensino aprendizagem. A pesquisa teve como foco de investigação a prática docente de um profissional de Educação Física que atua na área escolar e foi realizada através de entrevistas não-estruturadas e observações participantes com o profissional e alunos. Os dados foram colhidos em uma turma da 7ª série( 1º ano do ciclo avançado) do ensino fundamental da Rede Estadual de ensino, formada por 29 alunos, sendo 18 meninos e 11 meninas, estando a escola situada na zona urbana do município de Caratinga, porém cerca de 70% dos alunos residem na zona rural. Foram analisadas algumas categorias consideradas por nós preponderantes nas aulas de Educação Física escolar. Os resultados revelaram a decadente situação que vem grassando a algumas décadas no contexto histórico em que a Educação Física está inserida.
    Unitermos: Educação Física. Profissional. Qualidade de aulas curriculares.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 68 - Enero de 2004

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Introdução

    O problema em questão enfoca a decadente situação da Educação Física escolar, principalmente em relação ao processo de aprendizagem e, subjacente a ela, a metodologia utilizada pelos profissionais que trabalham com essa disciplina.

    Os objetivos da Educação Física escolar relacionam-se segundo a concepção sócio-histórica de ensino e aprendizagem, aos seguintes aspectos: desenvolvimento da autonomia, do conceito de regras, da ética, da cooperação, do moral, do prazer, do reconhecimento da importância da atividade física, entre uma miríade de outros. A Educação Física para cumprir sua função no currículo escolar precisa ser planejada, significante, reflexiva, movimentada e não mecânica. Os professores precisam atentar-se a essas peculiaridades para que suas aulas não se tornem laissez-faire. E, como ressalta BORGES(1998), o profissional precisa ser um constante observador de classes, avaliar diariamente seu trabalho, procurando aprimorá-lo, aprofundá-lo e corrigi-lo, possibilitando o educando a ser o autor de sua própria educação.


Objetivos

  1. Analisar as ações e as representações do profissional de Educação Física no âmbito escolar.

  2. Realizar um paralelo entre as ações do profissional investigado e alguns autores especialistas, adeptos da concepção sócio-histórica de Educação Física Escolar.


Contextualização e metodologia

    Nossa base de dados para análise se constitui de entrevistas não-estruturadas, transcritas e observações participantes, com alunos e um profissional graduado, formado numa instituição particular e que ministra aulas na rede pública há aproximadamente cinco anos.

    Os dados foram colhidos em uma turma da 7ª série (1º ano do ciclo avançado) do ensino fundamental, da Rede Estadual de ensino, contendo 29 alunos, sendo 18 meninos e 11 meninas, estando a escola situada na zona urbana do município de Caratinga, porém cerca de 70% dos alunos residem na zona rural. Essa turma é classificada pelos professores como tranqüila e, que, normalmente, não apresenta problemas para a Direção escolar. Foram observadas dez aulas (consecutivas e isoladas) de Educação Física. A pesquisa foi efetuada no mês de abril e maio de 2002.

    A escola possui um pátio com 24m X 7,5m que fica em frente as salas de aula e funciona como quadra nos períodos de Educação Física. Atrás das salas existe uma área bem menor, de aproximadamente 4m X 6m que também é usada nessas aulas. A escola tem uma quantidade plausível de materiais para as aulas, entre eles bolas, petecas, rede e alguns joguinhos educativos.


Análise de dados

    As tendências da Educação Física que vigoraram até a década de 90, viam o corpo apenas do ponto de vista fisiológico e técnico. Entretanto, as discussões que foram feitas a partir desse período começaram a perceber uma Educação Física além dessas dimensões. A tendência sócio-histórica considera a dimensão cultural, social, afetiva e política, além da fisiológica e técnica. O indivíduo passa a ser um sujeito que tem uma história de vida individual que se constrói inserida no coletivo. Na concepção sócio-histórica teoria e prática constituem uma unidade indissolúvel. E como ressalta FREIRE (1996) a reflexão crítica se torna uma exigência da relação Teoria/Prática sem a qual a teoria pode ir virando blablablá e a prática ativismo. Essa concepção sugere como tarefa do professor desenvolver a cidadania a partir da cultura corporal.

    O profissional chegou na sala inculcando algumas medidas autoritárias aos alunos, como: "não quero... não façam... não pode... e vocês vão fazer!". O tom de voz que ele se dirigia aos alunos oscilou de acordo com as atitudes dos mesmos durante a aula, ora usou um tom autoritário, ora flexível. No interior das escolas não há mais lugar para medidas autoritárias, esse tipo de comportamento contribui para formar pessoas subservientes e heterônomas, facilmente controláveis por agentes externos. Esse perfil de formação não encontra espaço para o exercício da cidadania na sociedade atual e, não contribuem para formar autonomia moral e ética. Quem confirma isso de forma contundente são os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) que propõem a adoção de uma metodologia que busca o desenvolvimento da autonomia, cooperação, participação social e afirmação de valores e princípios democráticos. "Essa autonomia é facilitada a partir do momento em que o aluno conhece a importância da atividade física, os seus benefícios, as melhores maneiras de realizá-la, as principais modificações ocorridas no ser humano em função da prática da atividade física, além do conhecimento sobre o contexto das diferentes práticas corporais" (DARIDO, 1997: 197)

    O profissional perguntou aos alunos quem queria jogar futebol, a maioria dos meninos disseram que sim, então as meninas ficaram jogando vôlei, rebatendo a bola na outra área, a menor. Algumas permaneceram assentadas na arquibancada, conversando e observando o jogo. Algumas alunas, em número de quatro, jogaram futebol com os meninos. Segundo o profissional, que fez questão de deixar bem claro, isso só acontece quando tem que completar o time masculino, ou seja, meninos e meninas não se interagem nas aulas de Educação Física.

    A atitude desse profissional constitui um entrave para a compreensão das diferenças entre meninos e meninas, inclusive do ponto de vista biológico e anatômico. Ele dificulta a reciprocidade entre os alunos, o que impede "que observem-se, descubram-se, aprendam a ser tolerantes, a não discriminar e a compreender as diferenças, de forma a não produzir relações autoritárias"(PCN). Essa postura do profissional, que deveria ser de combate as práticas machistas, pode vir a reforçar entre os meninos a idéia de que mulher é sexo frágil, o que não passa de uma ideologia desenvolvida na antigüidade e ao longo da história. DARIDO (1997), ao examinar esta questão nota que a separação por sexo nas aulas de Educação Física, nem sempre é decisão tomada exclusivamente pelo profissional. Em alguns casos, a comunidade escolar, na figura dos diretores e coordenadores pedagógicos, impõem esta separação, o que não é o caso dessa comunidade, logo a professora poderia trabalhar com os dois sexos. No jogo realizado pelos meninos, o profissional colocou como regra que os times iriam permanecer na quadra por cinco minutos. Logo após, entraria o outro time. A competição sucedeu-se assim, o time que vencia ficava e o que perdia saia. Ficou claro que este profissional utilizou a competição como finalidade, contrariando assim os PCNs, que sugerem que ela seja tratada como meio, estratégia de jogo. A aula, segundo a concepção subjacente aos PCNs, tem uma função socializadora, educativa e formadora de solidariedade. Um dos objetivos da Educação Física passa justamente por esse ponto: fazer com que os alunos considerem o "adversário" não como inimigo a ser aniquilado, mas como um companheiro sem o qual o jogo tornaria impossível.

    Conversamos um pouco com as meninas que permaneceram assentadas na arquibancada. Perguntamos se gostam das aulas de Educação Física, disseram que sim, que mesmo não jogando, descansam das outras aulas. Afirmaram que às vezes jogam com os meninos, mas eles chutam muito forte e as machucam. De acordo com esse contexto, podemos constatar que os profissionais de Educação Física, não se incomodam com a exclusão destes alunos, à medida que, geralmente, a intenção é trabalhar apenas com a elite competitiva (comportamento predominante em muitos profissionais de Educação Física. É oriundo da Educação Física competitivista e tecnicista que vigorou na década de 70, visando a formação de atletas e heróis para representar a nação). Esse quadro faz com que a Educação Física mergulhe cada dia mais num estado de frivolidade. Com esse tipo de aula os alunos são impedidos de conhecer o lugar e função da disciplina no currículo escolar, e, nesse caso, ninguém valoriza aquilo que não conhece. Os desejos, as necessidades passam a existir a partir do momento que se conhece as coisas. Aí entra a Educação Física; que razão os alunos que contam com esse tipo de aula tem para desejar essa disciplina. Como vão desejar o tipo de aula que não conhecem?

    Alguns profissionais como esse, alegam que não trabalham diferente porque os alunos não aceitam, resistem querendo apenas futebol. Nesse caso, como os alunos não conhecem o diferente, cabe ao professor resistir a resistência do aluno e, com diplomacia, fazer aulas diferentes, com características sócio-históricas.

    Outra questão relevante é o gerenciamento do tempo. O profissional do qual referimos, não controla seu tempo, suas aulas não tem momento de reflexão, nem volta à calma. No término da aula, os alunos saem correndo e gritando ao retornar a sala. A volta à calma fica por conta do professor da disciplina da próximo horário. Também, sendo bem coerente, refletir o quê se os alunos sempre fazem a mesma coisa? E os objetivos, que deveriam ser retomados nesse último momento, para a compreensão por parte dos alunos, não ficaram explícitos em nenhuma das aulas. O momento de reflexão é, sem dúvida, a parte mais importante da aula de Educação Física, pois é onde o profissional faz o aluno perceber a grande importância de sua disciplina. Para NETO (2001) a estruturação de uma aula contém quatro partes distintas (1ª parte: introdutória, onde os alunos são conduzidos a compreender a tarefa; 2ª parte: chamada de fundamental, onde se trabalha as habilidades motoras importantes relacionadas ao tema da aula; 3ª parte: chamada de aplicada, quando se espera que o aluno consiga executar atividades mais complexas usando movimentos da fase anterior e a 4ª parte: final: quando além do repouso reflete-se o que foi trabalhado. " Um profissional de Educação Física, ao planejar suas aulas, deve se perguntar : que conteúdos e habilidades podem ajudar o aluno a ser um cidadão participativo?(...) Como a educação do corpo, do movimento e os esportes podem contribuir para o exercício de uma prática social mais consciente e menos alienada?" ( GHIRALDELLI JÚNIOR, 1997:11).

    MEDINA (2001) discute sobre estas questões enfatizando que a falta de volume de séria reflexão em torno do significado mais amplo e profundo dessa disciplina tem tirado dela a oportunidade de se estabelecer definitivamente como uma verdadeira arte e ciência do movimento humano. Completa dizendo que o certo é que a Educação Física não sairá de sua superficialidade enquanto não se posicionar criticamente em relação aos seus valores, ou, em outras palavras, não se questionar quanto ao real valor de sua prática para as pessoas e para as comunidades a que serve. Conclui-se assim com palavras do mesmo autor que, as vítimas da educação brasileira não são só aquelas que não têm acesso à escola.

    Salientando um pouco sobre a relação entre as aulas, o fato é que elas não tiveram nenhuma seqüência. Em todos os períodos foi utilizado o mesmo sistema e colocadas à margem as mesmas meninas. Baseado no pensamento de FREIRE(1980), constatamos que a consciência do profissional, aqui formada, oscila entre intransitiva e transitiva ingênua, ou seja, preocupada unicamente com os aspectos biológicos e algumas vezes até , com o psicológico.

    Através da entrevista com o profissional, ele nos disse que não força ninguém fazer nada. Se não fazem a atividade, o mesmo solicita um trabalho ou coloca falta. Colocou na biblioteca um livro pertinente à Educação Física, para fins de pesquisa. Quando resistem muito a fazer as atividades, o mesmo os manda irem para biblioteca e copiarem sobre um determinado assunto para explicarem a turma. Como são muito acanhados, tratando-se do fato de irem à frente da turma, acabam realizando a atividade.

    A alienação do profissional é tão lamuriante que ele não consegue perceber que está colocando o conhecimento teórico da sua disciplina como castigo. Uma consulta reflexiva com o "doutor Aurélio", faria esse profissional compreender o conceito de castigo, que é, em uma análise concisa, a pena que se inflige a um culpado; punição. Como o aluno pode gostar de algo que ele teve que cumprir como castigo?

    Um fato espantoso é que a diretoria está satisfeita com o seu desempenho, relacionando seu trabalho com profissionais anteriores, disseram-nos que a muito tempo nenhum profissional de Educação Física "controlava" tão bem as aulas.

    Estamos aqui diante do que SILVA (2000) chama de "coisificação do professor", que nada mais é do que triturar a sua consciência de modo a impedi-lo de exercer a prática da liberdade, significa mais especificamente, afastar a sua possibilidade de luta por uma nova concepção de vida do homem.

    Essa análise possibilita compreender o caos que tem se instalado na disciplina Educação Física, incluindo o não planejamento e descaso nas aulas por parte dos profissionais ."O professor, aos olhos dos dirigentes, é uma entidade vazia de significado, que não gera benefícios sociais visíveis. Ensino não exige trabalho, não é trabalho. Ensino é "bico", improvisação, é reprodução de uma realidade estática"(SILVA.2000:17). Contudo, é preciso enfatizar que "estes procedimentos não são resultados exclusivamente da falta de competência de um ou outro profissional, mas conseqüência de um contexto histórico-social porque passou a Educação Física no Brasil e no mundo"(DARIDO. 1997:193). Baseado nisso, ressaltamos que a compreensão da organização mental do professor de Educação Física é muito complexa, à vista que, houve de certa forma, uma incorporação das cinco tendências da Educação Física brasileira, e essas estão vivas nas cabeças dos profissionais atuais e, não raro, levam a um ecletismo pouco produtivo.

    GHIRALDELLI JÚNIOR(1997), destaca que a prática da Educação Física na escola pública precisa encontrar fórmulas ricas, capazes de utilizar o trabalho corporal e o movimento, próprios à aula de Educação Física, como aríetes contra a ideologia dominante. É interessante percebermos isso, para sensibilizarmos o quanto a Educação Física necessita deixar de ser como historicamente ela sempre foi, estando a serviço dos interesses do governo, da classe dominante, para ludibriar a população. Em vez disso, que ela sirva para o processo de humanização das pessoas.

    A cada dia que passa, a literatura de MEDINA (2001) vem nos convencendo de forma contundente, que, Educação Física precisa entrar em crise, para rever seus conceitos, pois a crise traz à tona todas as anomalias que perturbam uma instituição, porém, as instituições não mudarão se as pessoas que as constituem não mudarem. SILVA (2000) também trata da questão da crise, dizendo que ela nada mais é do que a perda das respostas nas quais nos apoiávamos. Não temos mais certezas. Vivemos, na educação, uma era de perplexidade. A Educação Física tem sido incapaz de justificar a si mesma. Isso se deve preponderantemente à falta de disposição crítica que tem caracterizado esse campo específico do conhecimento. "A Educação Física precisa de uma teoria que lhe dê suporte como atividade essencialmente - mas não exclusivamente prática" (MEDINA.2001, 16º ed.:72).


Conclusão

    A análise realizada a partir das aulas do profissional estudado é de suma importância para toda a classe, e tem caráter preponderante para os universitários, que estão em formação e que em meio a esse perplexo quadro relatado aqui, possam refletir o que está acontecendo com a profissão que escolhemos para nossa vida. Estamos caminhando para que nossa Educação Física Escolar constitua-se numa práxis, para que os profissionais que nela estejam inseridos possam somar e não ser "mais um". Somos educadores, formadores de opinião, cientistas do movimento, e essas palavras não podem constituir-se apenas de termos modistas e vazios, mas sim fazer-se presentes no cotidiano de cada verdadeiro profissional de Educação Física.

    Cabe unicamente ao profissional de Educação Física, fazer a escolha do seu itinerário, continuar no marasmo ou integrar-se aos que lutam para que a Educação Física seja mesmo uma ciência que estuda o ser humano em constante movimento, seja ele consciente ou inconsciente, o que no presente momento é utópico. Contudo, é importante lembrar que todo projeto, um dia também foi um sonho.


Bibliografia

  • BORGES, Célio José. Educação Física para o Pré-escolar. 4ªedição. São Paulo: SPRINT.1998.

  • DARIDO, Suraya Cristina. Professores de Educação Física: Procedimentos, avanços e dificuldades. In revista brasileira de ciências do esporte. Ijuí, v.18, nº3, pág. 192-206. 1997.

  • FREIRE, Paulo. Conscientização. São Paulo: moraes.1980.

  • FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. 23ª edição. São Paulo: Paz e Terra. 1996

  • GHIRALDELLI JÚNIOR, Paulo. Educação Física progressista: A Pedagogia Crítico-social dos Conteúdos e a Educação Física Brasileira. 6ª edição. São Paulo: Loyola.1997.

  • MEDINA, João Paulo Subirá. A Educação Física cuida do corpo... e "mente" . 16º edição. Campinas: Papirus, 2001.

  • NETO, Carlos Alberto Ferreira. Motricidade e Jogo na Infância, 3ª edição, Rio de Janeiro: SPRINT, 2001. Parâmetros Curriculares Nacionais: Educação Física/ Secretaria da educação Fundamental- Brasília: MEC/SEF, 1997.

  • SILVA, Ezequiel T. da. O professor e o combate à alienação imposta. 4º edição. São Paulo: Cortez. 2000.

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