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O treino da velocidade em nadadores jovens

   
* Clube de Natação da Maia
* Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física
Universidade do Porto
(Portugal)
 
 
Ana Querido*
Pedro Morouço* **
José Santos Silva* **
Ricardo Fernandes**

ricfer@fcdef.up.pt
 

 

 

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 9 - N° 67 - Diciembre de 2003

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1. Introdução

    O conceito de treino de velocidade em Natação Pura Desportiva (NPD) tem vindo a alterar-se ao longo dos anos. Segundo Hellard et al. (1998), a velocidade, enquanto capacidade, consiste na rapidez de execução de um determinado comportamento motor. Este autor salienta também que, em NPD, a velocidade se decompõe em três componentes principais: (i) a velocidade de reacção, de grande aplicação nas partidas; (ii) a velocidade cíclica, observada durante os diferentes percursos de nado e (iii) a velocidade acíclica, que é visível nas partidas e viragens.


2. Perspectiva Fisiológica

    Do ponto de vista fisiológico, a velocidade parece estar integrada no tradicionalmente designado "1º sistema fornecedor de energia" (anaeróbio aláctico), o qual envolve a separação de fosfagénios de alta energia (a fosfocreatina - CP) que, em conjunto com a adenosinatrifosfato (ATP) armazenada na célula, fornecem a energia imediata necessária nas fases iniciais dos exercícios intensos ou explosivos (Gastin, 2001). Este é o processo energético fundamental interveniente no treino de velocidade, o qual deverá ser alvo de potenciação por parte dos treinadores. No entanto, a duração deste também usualmente intitulado "sistema ATP-CP" não é alvo de consenso na literatura da especialidade. Enquanto Houston (1978), segundo Troup (1984), considerava que esta primeira fonte de energia se esgota entre os 10- 20 seg. de actividade, e Troup (1982, 1984) referia que o treino desta capacidade se deveria prolongar até aos 30 seg., alguns autores mais recentes apontam para intervalos consideravelmente menores. De facto, pudemos constatar que Olbrecht (2000) e Toubekis e Tokmakidis (2003) afirmam que durante esforços máximos de curta duração, a resíntese de ATP não pode ser mantida por mais do que alguns segundos. Assim, segundo Olbrecht (2000), o ser humano possui à sua disposição entre 11-23 mmol/kg de CP, o que povidencia energia suficiente para manter um esforço máximo por 4 segundos, aproximadamente.

    Na nossa opinião, pensamos que o treino especifico da velocidade em NPD deverá ficar situado entre as perspectivas mais restritivas e as mais abrangentes dos autores anteriormente referidos. Assim, exercícios de velocidade que se situem no intervalo compreendido entre os 5-10 seg. parecem-nos os mais adequadas. Esta é também a posição assumida por Manso et al. (1996), Hellard et al. (1998) e Vilas-Boas (2003).


3. Perspectiva Pedagógica

    Do ponto de vista pedagógico, Manno (1982) salienta que o desenvolvimento das qualidades físicas enquanto estão em natural desenvolvimento é uma condição essencial para se obter progresso desportivo. Desta forma, segundo este autor, conhecer a evolução das qualidades físicas, as sua fases de progresso, de estagnação e de regressão, sobretudo nos escalões Infantis e Juvenis de NPD (idades compreendidas entre os 11 e os 15 anos), é um aspecto decisivo na estruturação de uma base físico-motora que sirva de suporte a toda a preparação desportiva que se seguirá.

    Os nadadores, como grupo, parecem estar bastante predispostos para o treino de velocidade (inclusivamente em idades jovens). Alves (1990) e Manso et al. (1996), afirmam que o treino desta capacidade deve ser estimulada nas fases iniciais da carreira dos nadadores, especialmente nos casos do tempo de reacção e frequência de movimentos, estando estas capacidades mais relacionados com a maturação do sistema nervoso e não tanto a outros aspectos funcionais. A enorme plasticidade do sistema nervoso central nestas idades, inclusivé durante a fase pré-pubertal, faz com que esta etapa seja especialmente interessante para o treino de velocidade (Manso et al., 1996), aspecto este apoiado no facto de que entre os 9 e os 12 anos de idade se parecer produzir uma "fase sensível" da velocidade de reacção e da velocidade de frequencia gestual (Grosser, 1992). Olbrecht (2000) propôe o treino de velocidade, em nadadores de idade superiores a 10 anos, aspecto este inserido na fase do treino de base (fase esta iniciada entre os 10 e os 12 anos e com duracção de, aproximadamente, 4 anos).


4. Aplicação ao longo da época desportiva e exemplos práticos

    No clube a que pertencemos tentamos aplicar os conteúdos, meios e métodos de treino específicos da NPD com base nas leis da carga e do treino que são a base da Teoria e Metodologia do Treino Desportivo em geral. Assim, tendo em conta essas leis mais gerais, aliadas às perspectivas fisiológica e pedagógica do treino da velocidade em NPD que referimos nos parágrafos anteriores, passaremos, de seguida, a apresentar a forma como o treino da velocidade foi aplicado ao longo da época desportiva 2002/2003 no treino de nadadores Infantis (2º agrupamento) do Clube de Natação da Maia. Este grupo de trabalho foi constituído por 17 nadadores, sendo 9 Infantis de 1º ano (5 raparigas e 4 rapazes) e 8 Infantis de 2º ano (4 de cada género), com idades compreendidas entre os 11 e os 13 anos. Tendo em consideração o calendário competitivo para a época 2002/2003, a época desportiva foi dividida em 3 Macrociclos, de acordo com o modelo proposto por Tschiene (1983).

    Assim, no 1º Macrociclo (de Setembro a Dezembro de 2002), a percentagem do treino de velocidade foi de 0,6% do volume total nadado. Este valor é explicado pelo facto de, neste primeiro grande ciclo da época, ser dada uma maior importância a outros conteúdos do treino, como a procura de desenvolvimento da capacidade aeróbia, o qual é considerado como um ponto bastante importante do treino de jovens (Añó, 1997; Orbañanos, 1997; Navarro e Arsénio, s.d.). Note-se que o treino iminentemente aeróbio permite desenvolver índices funcionais como o limiar aeróbio e o limiar anaeróbio, tendo, também, um papel fundamental nos exercícios, unidades de treino e microciclos de recuperação. No 1º Macrociclo foi, também, atribuído grande peso ao treino da técnica de partir, nadar e virar, a qual que desempenha, nos dias de hoje, um papel crucial no quadro da estrutura de rendimento em NPD, nomeadamente em idades jovens (Vilas-Boas, 1998; Fernandes, 2001; Alves, 2002). Para uma análise mais detalhada deste 1º Macrociclo consultar Fernandes et al. (2003).

    No 2º Macrociclo da época desportiva em questão (de Janeiro a Abril de 2003), podemos observar um aumento da incidência do trabalho de velocidade, passando para valores percentuais de 1,2%. Este aumento justifica-se plenamente, pois é indiscutível que a maior parte das competições em NPD envolve distâncias curtas (50 a 200m), as quais implicam uma também curta duração do esforço. Como tal, procuramos, à medida que a época desportiva avança, aplicar o principio da especificidade da carga, dando maior importância ao desenvolvimento de capacidades mais relacionadas com o esforço específico da situação de competição.

    Em relação ao 3º Macrociclo da época (de Abril a Julho de 2003), o trabalho de velocidade passou novamente para os 0,6% do volume total de treino. Este facto deveu-se ao aumento significativo do treino dos aspectos anaeróbios, os quais são fundamentais em situação de competição, sendo exactamente nesta fase da época desportiva que as competições mais importantes têm lugar. Por outro lado, embora em termos percentuais a quantidade de treino de velocidade tenha diminuido em relação ao macrociclo anterior, na realidade esse facto não aconteceu porque o volume total por unidade de treino aumentou e, como tal, a duração global dos exercícios destinados a desenvolver a capacidade velocidade também aumentou.

    As percentagens de treino de velocidade realizadas durante os três macrociclos da época desportiva em causa estão, na nossa opinião, de acordo com a literatura da especialidade. Assim, Rushall (1998), ao referir que uma análise ao treinadores com mais sucesso revela que as percentagens óptimas no volume total de treino incluem 70-75% de exercícios de carácter aeróbio, 25-30% de actividades mistas aeróbias-anaeróbias e 2-3% de trabalho anaeróbio glicolítico e aláctico, sendo neste último tipo de actividades que podemos inserir o trabalho de velocidade.

    De seguida, passamos a apresentar alguns exemplos de exercícos de treino da velocidade que utilizamos na nossa realidade concreta no treino de jovens:

  1. execução de partidas, com diferentes estímulos de saída (auditivos, visuais e tácteis), tentando reagir rapidamente ao estímulo;

  2. execução de partidas, seguidas de deslize e realizando a primeira acção de membros superiores à intensidade máxima;

  3. repetições de 25m, sendo 12,5m de nado à intensidade máxima e 12,5m de nado à intensidade de nado normal;

  4. repetições de 20m a intensidade máxima com partida de bloco;

  5. repetições de 50m em que o nadador realiza 20m de nado normal + 10m a intensidade máxima (incluindo viragem) + 20m de nado normal;

  6. repetições de 50m em que o nadador realiza a técnica de saída da parede testa, a viragem e chegada à parede, à intensidade máxima, enquanto o restante percurso é realizado à intensidade baixa.



Bibliografia

  • Alves, F. (1990). Desenvolvimento da velocidade na categoria de juvenis. Conferência apresentada no XIV Meeting Internacional de Lisboa. ANL, Lisboa.

  • Alves, F. (2002). O treino técnico em natação pura. Boletim da Sociedade Portuguesa de Educação Física, 23: 37-58.

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  • Fernandes, R.(2001). Avaliação qualitativa da técnica de nadadores pré-júniores. Revista Natação, 11:caderno técnico.

  • Fernandes, R.; Morouço, P.; Querido, A.; Santos Silva, J.V. (2003). Operacionalização de um macrociclo de treino para nadadores jovens. Livro de Resumos do 26º Congresso Técnico-Científico da Associação Portuguesa de Técnicos de Natação e 8º Congresso Ibérico. Estoril.

  • Gastin, P. (2001). Energy system interaction and relative contribution during maximal exercise. Sports Medicine, 31 (10): 725-741.

  • Grosser, M. (1992). Entrenamiento de la velocidad. Fundamentos, métodos, programas. Martinez Roca. Barcelona.

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  • Houston, M. (1978). Metabolic responses to exercise, with special reference to training and competition in swimming. In: B. Eriksson; B. Furberg (eds.). Swimming Medicine IV: 207-230. University Park Press, Baltimore.

  • Manno, R. (1982). A evolução das qualidades físicas força, velocidade, resistência nas várias idades. Circular técnica, documentação e informação. Federação Portuguesa de Natação.

  • Manso, J.; Valdivielso, M. E Caballero, J. (1996). Bases teóricas del entrenamiento deportivo. Principios e aplicaciones. Gymnos Editorial. España.

  • Navarro, F. e Arsénio, O. (s.d.). Natacion II. La natación y su entrenamiento. Gymnos Editorial.

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  • Orbañanos, J. (1997). Planificación del entrenamiento de nadadores en sus primeras etapas. II Congreso Vasco de Técnicos de Natación: 11-31.

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  • Troup, J. (1982). A criança na natação. Considerações fisiológicas. Circular técnica, documentação e informação. Federação Portuguesa de Natação.

  • Troup, J. (1984). Review: energy systems and training considerations. Journal of Swimming Research, 1 (1): 13-16.

  • Tschienne, P. (1983). Aspetti metodologici dell' avviamento allo sport. In: Aspectti pedagogicie metodologici dell'avviamento allo sport: 19-55. Scuolla dello sport. Roma.

  • Vilas-Boas, J.P. (1998). A avaliação objectiva dos factores de rendimento em nadadores: contributo para o desenvolvimento da natação em Portugal. Documento de apoio à disciplina Metodologia I - Natação. Faculdade Ciências Desporto Ed. Física -UP.

  • Vilas-Boas, J.P. (2003). Concepção, articulação longitudinal e avaliação de séries de treino de recursos bioenergéticos em natação. Handouts das 3ª Jornadas de Natação de Sta Mª da Feira. Portugal.

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