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Análise biomecânica e neuromuscular da musculatura
extensora do trem inferior no salto de impulsão vertical.
Importância no Futebol e implicações para o treino de força - 1ª parte

   
* Licenciado em Ed. Física e Desporto (UTAD)
Mestrando em Ciências do Desporto - Treino de Alto Rendimento (FMH)
**Licenciado em Ciências do Desporto (FMH)
Mestrando em Ciências do Desporto - Treino de Alto Rendimento (FMH)
 
 
Pedro Silva*
s_pedro@sapo.pt
Gonçalo Oliveira**
frederic.k@mailcity.com
(Portugal)
 

 

 

 

 
Resumo
    O salto de impulsão vertical é uma acção motora bastante importante em várias modalidades desportivas. No futebol, este movimento faz parte das técnicas de guarda-redes e da técnica de cabeceamento, chegando a ser a segunda acção mais utilizada num jogo a seguir ao passe. Para melhorá-lo com o treino da força, é importante ter em conta determinados aspectos relativos à biomecânica do salto e relativos aos mecanismos da força, nomeadamente, os factores estruturais, nervosos e principalmente os factores relacionados com a acumulação de energia elástica nos músculos agonistas que permitem potenciar o salto com contra movimento (a elasticidade e o mecanismo reflexo).
    Unitermos: Salto. Força. Hipertrofia. Coordenação. Fibras. Elasticidade. Reflexo miotático.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 9 - N° 67 - Diciembre de 2003

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O objecto de estudo

    Qualquer actividade física ou modalidade desportiva é constituída por diversos gestos técnicos, desde o que aparentemente é mais simples (como é o caso do movimento dos membros inferiores na corrida) até ao mais complexo (por exemplo os variados saltos nas Actividades Gímnicas).

    O certo é que, em cada gesto técnico, em cada movimento, existe uma cadeia, por vezes complexa, de segmentos corporais, de grupos musculares, de ossos, de ligamentos ou tendões que permitem realizar determinados movimentos. Esse gesto poderá ser pior ou melhor executado, quanto pior ou melhor for a sincronização do movimento de todos os intervenientes directos ou indirectos dos segmentos circundantes.

    A escolha do salto de impulsão vertical deveu-se ao facto de este ser um gesto que é utilizado em várias modalidades sendo até, por vezes, o mais utilizado, chegando mesmo a rivalizar com a corrida em termos de tempo praticado por modalidade (Luhtanen, 1994).

    Para além deste factor, o salto de impulsão vertical é também um movimento de base muito importante para certos gestos técnicos, e até mesmo decisivo no sucesso de várias modalidades.


Importância em modalidades desportivas

    Como foi referido anteriormente, o salto de impulsão vertical serve de base à execução de diversos gestos técnicos muito importantes nas várias modalidades desportivas. Por exemplo, no Basquetebol, este movimento serve de base ao lançamento em suspensão e ao ressalto; no Voleibol, ao remate, ao bloco e ao serviço em suspensão; no Andebol, ao remate em suspensão; no Futebol ao remate de cabeça e ao trabalho do guarda-redes; no Atletismo, ao salto em altura e ao triplo salto; e assim como nestas, também em outras modalidades o salto de impulsão vertical se torna muito importante e mesmo decisivo, como é o caso das Actividades Gímnicas.

    Apesar desta importância para diversas modalidades, a caracterização do movimento em estudo, irá incidir no movimento de base para o cabeceamento no Futebol.

    A figura 1 resume o número de acções de um jogador de futebol de topo em jogos e sessões de treino. O conteúdo de uma sessão média de treino foi estimado de acordo com a opinião do autor. A diferença básica entre o jogo e o treino, é que a sessão de treino inclui um maior número de jogos em espaço reduzido com grande intensidade e grande número de contactos na bola, passes, corridas com bola, cabeceamentos, remates, desarmes, saltos e mudanças de direcção. Na figura 1 assumiu-se que o número de jogos por temporada foi de 60 e o número de sessões de treino de 220, o que significa 5 treinos semanais em 44 semanas por ano. Como podemos observar, o salto é a segunda acção mais utilizada num jogo (9), a seguir ao passe (35), o que por sua vez não é correspondido em termos de treino, onde o salto é ultrapassado pelas acções de corrida com bola e mudanças de direcção (Luhtanen, 1994).

Fig. 1 - Avaliação do valor de acções técnicas em condições de jogo e treino por temporada
(adaptado de Luthanen, s/d)


Produção do impulso de força no salto

    Diversos factores influenciam a produção de força durante o salto em vários segmentos corporais, articulações, músculos e tendões do ponto de vista mecânico e neuromuscular (Luhtanen, s/d):

  • Força, tensão, comprimento e velocidade de alongamento do músculo;

  • Ângulo, velocidade angular e sua ordem das articulações;

  • Ordem dos movimentos, tempo e soma das forças dos segmentos corporais;

  • Duração dos movimentos semelhantes;

  • Reflexos inibitórios e excitatórios.

    Convém, no entanto, comparar alguns tipos de saltos: o salto a dois pés e salto a um pé, e salto com e sem contra-movimento.

    O salto a dois pés apresenta grandes vantagens na altura alcançada pois o facto de se conseguir uma maior flexão do joelho e flexão dorsal do tornozelo, permite que os ângulos destas articulações sejam também maiores, gerando-se uma força muscular adicional responsável pelo maior deslocamento vertical conseguido por este salto em relação ao salto com um só apoio (Bradstrom et al, s/d).

    No que diz respeito ao salto com e sem contra-movimento, no primeiro consegue-se atingir uma altura maior, aproximadamente mais 2-4 cm, devido a vários factores. Primeiro, os tecidos elásticos servem de fonte de armazenamento de energia elástica durante a fase descendente, enquanto no salto sem contra-movimento, a energia é produzida apenas pelos elementos contrácteis. No salto com contra-movimento, as articulações flectem rapidamente, por um relaxamento do glúteo e alongamento dos quadricípedes. Durante a fase descendente do salto com contra-movimento, a energia gravitacional resulta de uma activação dos músculos extensores. Então, estes produzem uma contracção excêntrica para estender o joelho propulsionando o corpo ascendentemente.

    Existe ainda uma maior falta de coordenação no salto sem contra-movimento em relação ao salto com contra-movimento uma vez que este último é mais utilizado em situações diárias. Para além deste factor, também o facto de existir um aumento de activação das fibras musculares devido ao reflexo espinal causado pela contracção dos músculos posteriores da coxa no contra-movimento e a alteração na contracção dinâmica pela pré-activação no salto, influencia positivamente a altura atingida por este salto (Bobbert et al, 1996).


Articulações envolvidas

    Existe uma diferente contribuição de cada um dos segmentos corporais para o salto (Junior, 2001):

  1. Extensão dos joelhos: 56%;

  2. Flexão plantar: 22%;

  3. Extensão do tronco: 10%;

  4. Balanço dos membros superiores: 10%;

  5. Extensão do pescoço: 2%.

    Portanto, é fundamental caracterizar cada movimento de forma individualizada para se poder criar uma sequência de acontecimentos que têm como produto final, o salto de impulsão vertical. Não caracterizaremos a musculatura extensora do pescoço dada a sua reduzida importância para o salto.

    De acordo com o que foi atrás referido, as articulações fémuro-tibial e fémuro-patelar, são as que intervêm mais no salto de impulsão vertical, realizando-se numa primeira fase a flexão do joelho, seguido de uma rápida extensão do mesmo segmento corporal. Com menor participação que a articulação do joelho, mas não muito menos importantes, as articulações do tornozelo, sub-talar, de Chopart e Lisfranc, realizam primeiro uma flexão dorsal, para depois realizarem uma flexão plantar. A articulação coxo-femoral realiza uma pequena flexão do tronco, com uma rápida extensão do mesmo e as articulações escápulo-umeral e omo-costal balanceiam os braços de modo a que o corpo ganhe alguma velocidade angular.


Grupos musculares envolvidos

    No que diz respeito aos grupos musculares, é necessário dividir o movimento em duas fases distintas: a fase descendente e a fase ascendente. Na fase descendente existe uma retropulsão com hiperextensão dos braços e extensão dos antebraços, flexão da coxa, flexão dos joelhos e uma dorsiflexão dos tornozelos. Na hiperextensão dos membros superiores são responsáveis o deltóide posterior, o grande dorsal e o grande redondo ficando com funções de antagonismo, o músculo deltóide anterior, a porção clavicular do grande peitoral e o coraco-braquial. Na extensão, somente o tricípete braquial e o ancóneo intervêm. Os músculos bicípete braquial, o braquial anterior e o longo supinador realizam as acções de antagonismo.

    Ao contrário do que se possa pensar, os músculos posteriores da coxa não são responsáveis pela flexão do joelho na fase descendente do contra-movimento. Como já foi referido, esta consegue-se graças a um relaxamento do glúteo e a um alongamento dos músculos quadricípedes agonistas da extensão. Daí resulta a sua nomenclatura de musculatura extensora, visto serem os músculos extensores os principais intervenientes não só na extensão do joelho como também na flexão. No que diz respeito à fase ascendente, realizam-se exactamente as acções contrárias à fase descendente, ou seja, uma antepulsão com flexão dos braços e antebraços, uma extensão do tronco, da coxa e dos joelhos, e uma flexão plantar dos tornozelos.


Coordenação intermuscular

    No que diz respeito à relação agonistas/fixadores, esta acontece não só na hiperextensão do braço, como também na flexão da coxa. Por conseguinte, a hiperextensão do braço realizada pelo deltóide só é possível devido à sua origem no trapézio, em que este serve de músculo fixador do deltóide. Por outro lado, a flexão da coxa só é possível, porque os músculos da parede antero-abdominal (grande recto abdominal, o grande e pequeno oblíquo do abdómen e o transverso do abdómen) estabilizam a bacia, permitindo que o psoas-ilíaco, o recto femoral, o tensor da fascia lata e o pequeno glúteo realizem a respectiva acção.

    Relativamente à coordenação entre músculos monoarticulares e bi-articulares, é de se referir a flexão e extensão do braço realizada pelos músculos bi-articulares bicípete braquial e tricípete braquial respectivamente, que intervêm na articulação escápulo-umeral e cotovelo. Relativamente à flexão da coxa, o recto femoral intervém na sua acção bem como na acção de extensão do joelho. Também os gémeos realizam a flexão plantar e são agonistas auxiliares na flexão do joelho.

    Portanto, no que diz respeito aos membros inferiores, uma força produzida pelos poderosos músculos monoarticulares extensores da coxo-femoral e do joelho, é transmitida pelos músculos bi-articulares até ao tornozelo (Correia, 2003). Deste modo, a extensão da coxa leva a que indirectamente exista uma flexão plantar do tornozelo.


Os mecanismos da força

    De acordo com Verkhoshansky e Siff (2000), o aumento do potencial de força muscular depende da regulação intramuscular, do aumento de unidades motoras implicadas na tensão, do aumento da frequência de estímulos a que são expostos os motoneurónios e da sincronização das unidades motoras. Também Cometti (1999; 2001) refere que a força depende não só de factores estruturais, mas também de factores nervosos e factores relacionados com a elasticidade do músculo.

    Analisaremos de seguida cada um destes factores, seguindo principalmente os trabalhos realizados por este investigador e complementando-o com estudos de outros autores, que se familiarizem com o tema.


Factores estruturais

A hipertrofia

    A hipertrofia traduz-se num aumento da secção transversal do músculo e consequentemente da sua capacidade para produzir força (Harris & Dudley, 2000). Esta explica-se por quatro causas principais: o aumento do tamanho e do número das miofibrilhas (Correia, 2003), o desenvolvimento do tecido conjuntivo, o aumento da vascularização e, possivelmente, o aumento do número de fibras (a hiperplasia ainda não está demonstrada no Homem) (Cometti, 1999). As causas destes fenómenos não são conhecidas. Sabe-se apenas que a contracção muscular (especialmente a contracção verificada no treino de força) provoca a síntese de novos filamentos proteicos e o aumento da quantidade de elementos no sarcoplasma relacionados com o metabolismo da célula (Cometti, 2001; Correia, 2003).


Fibras Musculares e as suas modificações

    No que diz respeito às fibras musculares, é de se realçar, essencialmente, a dificuldade de transformação das fibras no sentido "lento" para "rápido", ou seja das tipo I para as tipo IIa e destas para as tipo IIb e a maior facilidade desta se conseguir no sentido inverso. A diferença entre estes tipos de fibras verifica-se sobretudo a nível da miosina lenta ou rápida que se reparte em função do tipo de fibras - miosina lenta para as fibras lentas e miosina rápida para as fibras rápidas (Cometti, 1999; 2001).

    Vários autores definiram que um futebolista possui em média 60% de fibras rápidas (Jacobs et al, 1982; Apor, 1988; Bosco, 1990) daí a importância do treino de força rápida no futebol.


O aumento dos sarcómeros em série

    Cometti (2001) sugere que o trabalho muscular em amplitude é susceptível de aumentar o número de sarcómeros em série (apesar de tal facto também não se encontrar ainda comprovado no Homem). Ao revés, um músculo que trabalha demasiado sobre amplitudes reduzidas e próximo da posição de encurtamento máximo, ou que se imobiliza, arrisca-se a ver diminuir o seu número de sarcómeros em série, e assim a sua eficácia na relação força-comprimento do músculo (Cometti, 1999; Cometti, 2001; Correia, 2003).


Factores nervosos

O recrutamento das fibras

    O recrutamento dos tipos de fibras, é classicamente explicado pela lei de Henneman, na qual as fibras lentas são recrutadas antes das fibras rápidas, mesmo em movimentos explosivos. Portanto não é possível seleccionar a activação de apenas um ou de outro tipo de fibras (Enoka, 1988). Actualmente as opiniões dividem-se quando se tratam de movimentos rápidos. Alguns autores defendem que as fibras rápidas são activadas sem passar pelas lentas.

    O esquema de Fukunaga explica a relação entre factores nervosos e hipertrofia. Na fase I da Figura 2, o atleta recruta ainda poucas fibras; na fase II, ao cabo de algumas semanas, o número de unidades motoras recrutadas aumenta, ainda sem hipertrofia, sendo o aumento da força justificado pelo uso de fibras que até então não intervinham; na fase III, a hipertrofia causada pela continuidade do treino é a causa principal pelo aumento de força. Isto significa que um futebolista que se inicia na musculação, inicialmente ganhará força rapidamente sem aumentar massa muscular (Cometti, 1999; Cometti, 2001).

    É também importante referir que o ganho de produção muscular conseguido à custa da optimização dos processos neurais permite ao músculo repetir mais execuções com cargas mais elevadas (Correia, 2003).

Fig. 2 - O papel do recrutamento no aumento da força segundo Fukunaga
(adaptado de Cometti, 1999).


A sincronização das unidades motoras

    A sincronização das unidades motoras é, de acordo com Zatsiorsky (1966) o factor mais importante para o desenvolvimento da força.

    Milner-Brown et al demonstrou que a sincronização dos músculos da mão era maior em halterofilistas do que em indivíduos sedentários. Demonstrou ainda que o número de unidades motoras sincronizadas poderia aumentar de forma significativa durante um período de treino de força (Cometti, 2001; Correia, 2003). Em situações de grande solicitação, algumas unidades motoras podem disparar de forma sincronizada, parecendo ser assim, mais evidente nos indivíduos que frequentemente exercem forças elevadas e breves. Essa sincronização pode ser desenvolvida por esse tipo de contracção (Correia, 2003). No entanto não foi ainda comprovada uma relação entre a sincronização de unidades motoras e o aumento de força nem se essa sincronização permite uma melhoria do aumento de força durante movimentos balísticos se da força máxima.

    Paillard (1976, citado por Cometti, 2001) procura explicar a sincronização das unidades motoras através da inibição do circuito de Renshaw. Segundo este autor, os motoneurónios vizinhos têm tendência a sincronizar-se pelo facto de estarem submetidos ao mesmo comando central e de estarem próximos do centro do mesmo núcleo motor. Os movimentos resultantes desta sincronização poderão ser movimentos violentos ou movimentos com tremores. Estes tremores acontecem quando as unidades motoras sincronizadas não funcionam correctamente sempre que um impulso nervoso provoca a sua estimulação máxima. Isto é susceptível de acontecer sob fadiga ou sob transtorno psicológico. É necessário então que, nos movimentos mais precisos e fluidos essas fibras possam ser dessincronizadas (Cometti, 2001). É aqui que actua o sistema de Renshaw. Estas células constituem motoneurónios inibitórios, com curto período de latência e elevada frequência de descarga e recebem ramos colaterais dos axónios de motoneurónios alfa, fazendo sinapse com os motoneurónios desse grupo motor e de outros músculos sinérgicos (Rigal, 1987; Correia, 2003). O seu papel inibidor impede, neste caso, que os motoneurónios se descarreguem ao máximo, protegendo-os, exercendo assim, uma acção dessincronizadora. As células de Renshaw são estimuladas preferencialmente pelos motoneurónios rápidos (Correia, 2003), no entanto também se encontram sob dependência dos centros superiores, ou seja, podem receber pelas vias descendentes uma influência facilitadora ou inibitória (Cometti, 2001). Assim, durante movimentos balísticos as células de Renshaw recebem um máximo de inibição do SNC, o que por sua vez poderá voltar a promover a sincronização. Esta sincronização das unidades motoras seria a responsável por um aumento mais rápido da força em movimentos explosivos, e possivelmente, embora em menor grau, de uma força máxima superior. De acordo com Correia (2003) o inverso também se verificaria, ou seja, contracções que desenvolvam forças muito elevadas ou que produzam fadiga intensa, constituem provavelmente o estímulo de treino que leva à sincronização. No entanto, este processo ainda não passa de uma hipótese.


A coordenação intermuscular

    Segundo Correia (2003), o principal aspecto ao nível da coordenação intermuscular reside na coordenação entre músculos agonistas e músculos antagonistas. Bangsbo (2002) refere que um nível elevado de força de base não pode ser utilizada eficazmente durante um jogo se um jogador não for capaz de coordenar a activação dos diferentes grupos musculares implicados num determinado movimento.

    Na fase inicial da aprendizagem de uma nova técnica (Enoka, 1988), os músculos apresentam um padrão de co-contracção em que o músculo antagonista activa simultaneamente a contracção travando o movimento desde o começo (Verkhoshansky & Siff, 2000; Correia, 2003). Com a repetição do movimento, o músculo antagonista vai sendo progressivamente inibido e o padrão de co-contracção dá lugar a um padrão fásico de actividade com activação recíproca entre músculos agonistas e antagonistas (Enoka, 1988; Correia, 2003).

    Cometti (2001) refere a contracção unilateral e bilateral como um aspecto também importante da coordenação intermuscular. Por exemplo, a força que se obtém ao contrair os músculos dos dois membros inferiores ao mesmo tempo, é em geral menor que a soma das forças desenvolvidas por cada um dos membros em separado. Enoka (1988) constatou que a altura conseguida com um salto a uma perna, é superior a 50% da altura conseguida com um salto a duas pernas. A explicação para este deficit bilateral também não é conhecida.

    Cometti (2001) compara ainda movimentos parecidos em condições diferentes. Verificou-se que, num agachamento médio realizado rapidamente com uma carga de 80% de uma repetição máxima (RM), há uma maior solicitação da massa muscular do que com uma carga de 60% levantada lentamente. Este exemplo demonstra a importância da qualidade de execução no trabalho de força. Verificou-se ainda que a qualidade dos exercícios de força em prensa para os membros inferiores é menor do que com exercícios de agachamento com peso livre, já que para efectuar o movimento rapidamente o atleta auxilia-se de suportes e a actividade muscular dos membros inferiores diminui.

    Segundo Correia (2003), não menos importante é a coordenação entre músculos sinérgicos. Por exemplo, no caso do salto de impulsão vertical, na flexão do joelho os músculos posteriores da coxa são agonistas principais, enquanto os gémeos são agonistas auxiliares. Esta coordenação entre músculos sinérgicos engloba também a coordenação entre músculos fixadores e músculos agonistas. No salto, a parede antero-lateral do abdómen possui uma função fixadora na estabilização da bacia, permitindo a utilização dos músculos flexores da coxa.


A importância da elasticidade e do mecanismo reflexo

    Nos saltos (bem como noutro tipo de movimentos), o alongamento prévio do músculo agonista potencia a contracção que se segue na fase principal do gesto (Enoka, 1988; Bosco, 1990; Cometti, 1998; Verkhoshansky & Siff, 2000; Correia, 2003). Essa potenciação é explicada pela utilização da energia elástica armazenada, pela existência de melhores condições mecânicas ao nível dos sarcómeros e pelo despoletar do reflexo miotático, libertando de forma explosiva energia elástica armazenada durante a acção muscular excêntrica (Verkhoshansky & Siff, 2000; Correia, 2003). No entanto, tanto o aproveitamento de energia elástica como a potenciação reflexa têm um tempo óptimo de utilização e arriscam-se a ver diminuir o ganho que fornecem se ocorrer um atraso entre o final da contracção excêntrica e o início da concêntrica, assim como também existe um grau de alongamento ideal que não corresponde à amplitude máxima de alongamento, uma vez que esta diminuiria o número de pontes cruzadas estabelecidas (Correia, 2003).

    O ciclo muscular alongamento/encurtamento é muito utilizado no treino pliométrico para o desenvolvimento da impulsão vertical. Este tipo de treino (saltos em profundidade) contribui para a redução do tempo total de contacto com o solo e potencia a impulsão vertical (Bosco, 1990; Cometti, 1998; Cometti, 2001). Os indivíduos treinados pré-activam (através do mecanismo gama) o seu músculo antes do contacto com o solo, elevando o seu stifness muscular na fase excêntrica, o que lhes permite um maior armazenamento de energia elástica (Bosco, 1990; Cometti, 1998; Cometti, 2001; Correia, 2003).


Implicações dos mecanismos da força para o treino

Implicações na hipertrofia

    O número de RM apresenta diferentes acções sobre a massa muscular: com 1 a 3 RM a melhoria da força dever-se-ia essencialmente a factores nervosos; com 6 a 121 RM a melhoria da força dever-se-ia à hipertrofia; acima de 15 RM não é considerado trabalho de força uma vez que são os factores energéticos que se tornam mais preponderantes (Cometti, 1999).

    Portanto, de modo a desenvolver a hipertrofia no músculo, deveremos trabalhar entre as 6 e as 12 RM com recuperações breves entre séries (Cometti, 1999) e utilizar de preferência exercícios do tipo excêntrico (Enoka, 1988). No entanto, no caso do salto de impulsão vertical, não devemos descurar a importância do ciclo de alongamento-encurtamento, por isso o trabalho excêntrico e concêntrico deve vir combinado. Para além disso, o trabalho unicamente excêntrico provoca uma destruição e deformação ao nível das fibras musculares, do tecido conjuntivo, do tendão e do sarcómero muito forte.

Implicações nos tipos de fibras musculares

    Seja qual for a sua posição no terreno, o futebolista deverá procurar desenvolver a activação das suas fibras rápidas. O tipo de treino mais adequado será aquele que utilize cargas pesadas, pliometria intensa e electroestimulação (Cometti 1999; 2001; 2002).

    Quer no salto de impulsão vertical quer no futebol, o desenvolvimento de fibras rápidas é muito importante. Para tal, o trabalho a realizar deve ser essencialmente qualitativo: executar os exercícios à velocidade máxima e recuperar bem entre exercícios (Cometti, 1999).

Implicações no desenvolvimento do número de sarcómeros em série

    Segundo Cometti (1999; 2001), para que se espere um eventual desenvolvimento dos sarcómeros em série, é aconselhável trabalhar a força em amplitude e fazer estiramentos musculares nas sessões de treino (especialmente nas sessões de musculação).

Implicações na sincronização das unidades motoras

    O trabalho explosivo com cargas pesadas e os exercícios com pesos, combinados com exercícios explosivos contribuem para o desenvolvimento da sincronização por uma hipotética inibição do sistema Renshaw (Zatsiorsky, 1966; Cometti 1999; Cometti, 2001; Cometti, 2002).

Implicações no recrutamento de fibras

    É muito importante para o treino de força, ter presente o princípio de recrutamento das fibras musculares verificado anteriormente. Assim, para desenvolver as fibras rápidas, é necessário criar tensões máximas no músculo, executando exercícios de máxima intensidade (Cometti, 1999).

Implicações na coordenação intermuscular

    No que diz respeito à coordenação entre músculos agonistas e músculos antagonistas, o treino da força leva a uma redução da co-contracção antagonista, potenciando a força produzida pelo músculo agonista (Correia, 2003). No caso dos saltos, isto significa que o treino de força levará a uma redução da co-contracção dos músculos posteriores, facilitando a acção dos músculos anteriores da coxa.

    É necessário ter em conta, no que diz respeito ao salto de impulsão vertical a um pé, que o trabalho de força com exercícios simétricos (mais fácil de executar) deve ser complementado com exercícios unilaterais para se conseguirem solicitações de força superiores (Cometti, 2001).

    Em relação à coordenação entre músculos sinérgicos, como verificamos anteriormente, a relação entre os músculos da parede antero-lateral do abdómen e os flexores da coxa é importante no salto de impulsão vertical. Portanto, o fortalecimento da parede abdominal é também um aspecto a ter em conta, não só para desenvolver esta coordenação, como também para prevenir lesões a nível da coluna lombar.

Implicações na elasticidade e no mecanismo reflexo

    É necessário ter presente, principalmente durante o treino pliométrico, o tempo óptimo de acumulação de energia elástica e de potenciação reflexa bem como o grau de alongamento ideal do músculo de cada atleta, para que os dois anteriores aconteçam. Para isso podem ser analisados os Squat Jump (SJ) e CounterMovement Jump (CMJ) em ergojump. A diferença CMJ-SJ informa-nos acerca da elasticidade muscular de um atleta (Bosco, 1990; Cometti, 1999).

Proposta de trabalho para investigações ulteriores

    Tornámos claro neste trabalho a importância da adaptação das fibras musculares quando analisamos o treino de força. Sabemos que existe um sentido na transformação do tipo de fibras que é mais favorável à adaptação neuromuscular. Assim é certo que existe mais dificuldade de transformação das fibras no sentido "lento" para "rápido" (Figura 3).

    Sabemos também que o futebol é uma modalidade essencialmente explosiva onde a força e a velocidade sobre curtas distâncias ocupam um papel importantíssimo (Bangsbo, 2002; Cometti, 1999; Cometti, 2002).

Fig. 3 - Transformação do tipo de fibras musculares (adaptado de Cometti, 2002).

    Este aspecto remete-nos para uma interrogação bastante pertinente:

    "Porque continuam, muitos treinadores, a seguir a planificação da sua época desportiva baseados na pirâmide de treino tradicional? Será que o desenvolvimento de fibras lentas no início de uma temporada não comprometerá o alcance de níveis superiores de força e velocidade por parte dos atletas no desenrolar da temporada?"

Fig. 4 - Contestação à fundamentação tradicional da melhoria das capacidades físicas
(adaptado de Cometti, 2002).


Bibliografia

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Bibliografia complementar

  • Correia, P. P. (1995). Anatomofisiologia. Estudos Práticos I. Cruz Quebrada: Edições FMH.

Outro artigos em Portugués

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