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De comportamental à social: novos caminhos
da Psicologia do Esporte no Brasil

   
Mestre em Psicologia Social
Prof. Auxiliar - Depto. de Sociologia & Antropologia - UFMG
(Brasil)
 
 
Marcel de Almeida Freitas
marleoni@yahoo.com.br

 

 

 

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 9 - N° 65 - Octubre de 2003

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Introdução

    O esporte, entendido aqui como instituição social, veio se caracterizando ao longo dos últimos tempos como um dos grandes acontecimentos do século XX. A partir dos estudos efetivados especialmente em função do futebol teve início a articulação entre o lazer, o entretenimento e o lúdico com outros aspectos da cena social mais ampla: questões de gênero, de classe, étnicas, políticas, culturais.

    Propriamente em Psicologia do Esporte as pesquisas que começaram em fins do século XIX, estavam inseridas no modelo 'behaviorista', adequadas ao momento histórico vivido pela Psicologia como um todo. Conforme SALMUSKI (1992), surgiram os primeiros laboratórios em Psicologia do Esporte na Rússia e Alemanha durante a década de 20. Em seguida, também nos Estados Unidos, com a chegada de levas de pesquisadores do Leste Europeu fugitivos da guerra, começou-se a realizar pesquisas em Psicologia Comportamental do Esporte.

    Em 1965 foi fundada a International Society of Sport Psychology (ISSP). Já em 1979 é instituída a Sociedade Brasileira de Psicologia do Esporte, da Atividade Física e da Recreação. Por esta rubrica, nota-se que a Psicologia do Esporte tende, ainda hoje, a permanecer no campo da Educação Física e da Fisioterapia e, junto ao senso comum, é uma novidade que apenas começou a existir na década de 90, com a participação de psicólogos(as) nas delegações brasileiras durante as Copas do Mundo de Futebol.

    Todavia, a questão é bem mais complexa, posto que, como apontou o sociólogo Claus OFFE (1996), o trabalho tem tomado cada vez menos tempo na vida do sujeito ocidental e, assim, o tempo que este pode dispensar às várias modalidades de diversão e de lazer é cada vez maior. A par disto, com a mercantilização, o esporte foi se transformando num gigantesco fenômeno social, político e financeiro.


Surgimento e consolidação da Psicologia do Esporte

    Os investigadores em Psicologia do Esporte indicam que seu início aconteceu nos fins do século XIX e princípios do século XX. Nesta época, conforme RUBIO (2000), Norman Triplett, psicólogo da Universidade de Indiana, estudou a causa que conduzia os ciclistas que praticavam em coletividade a apresentarem melhor desempenho relativamente àqueles que atuavam sozinhos. A autora aponta como sendo Coleman Griffith aquele que realmente deu a partida na Psicologia do Esporte norte-americana; entre os trabalhos que escreveu sobre o tema destaca-se "Psicologia de Atletas" (1928) e, além disso, criou o primeiro laboratório de Psicologia do Esporte, na Universidade de Illinois.

    Quando da década de 1960, a Psicologia do Esporte adquiriu nova dimensão, tanto pelo fato de se disseminaram congressos para a divulgação de pesquisas quanto pela organização institucionalização do campo. Neste período, 1965, é erigida a Sociedade Internacional de Psicologia do Esporte, que, segundo a autora, se caracterizou por ver "(...) o desenvolvimento da Psicologia do Esporte como uma resposta à necessidade do mercado, ou seja, de nossa civilização" (RUBIO, 2000:19).

    Os anos 70, por seu turno, foram marcados pela legitimação da Psicologia do Esporte enquanto uma disciplina no sentido estrito do termo. As pesquisas de então enfatizavam especialmente os experimentos e a observação comportamental do atleta. Outro tipo de estudo que se destacou nesta época foram os relacionados à personalidade e aos mecanismos internos no que respeita à determinação da conduta esportiva e lúdica. Acreditava-se que a interação entre o sujeito e o ambiente era o fundamento da personalidade e do comportamento humano.

    Na década de 1980 a produção acadêmica se debruçou sobre o enfoque cognitivista. O interesse era verificar como os atletas mentalizavam suas ações e quais as interferências de tal dinâmica psíquica no rendimento. Assim sendo, houve um grande fomento das pesquisas sobre as representações mentais das imagens. Logo, "(...) a conseqüência desse desenvolvimento é que a sugestão e as técnicas cognitivas converteram-se em uma parte substancial da maioria dos programas de treinamento" (RUBIO, 2000:20).

    Na Europa Oriental, incluindo-se a Rússia, a Psicologia do Esporte também experimentou grande arrancada ao longo dos últimos 60 anos. Em razão disso "(...) os psicólogos do esporte na Europa do leste desempenharam papel ativo nas várias etapas de seleção, treinamento e preparação para competição de atletas" (RUBIO, 2000:21). O intuito era, entre outras coisas, a utilização dos excelentes índices dos esportistas do bloco socialista no confronto com o bloco capitalista, fato este que funcionava, do ponto de vista histórico, como importante indicador das rivalidades internacionais.

    As investigações se concentravam sobretudo no campo da Psicofisiologia, amparadas pelas técnicas oriundas dos estudos realizados no programa espacial soviético. Conforme KANTOR & RYZONKIN (apud RUBIO, 2000), as vertentes que mais receberam atenção destes cientistas foram as ligadas ao enfrentamento das situações competitivas e das situações de ansiedade assim como os contextos pré-disputas. A auto-hipnose foi um dos principais componentes da intervenção psicológica. Atualmente lembram o perfil dos atletas cubanos como herdeiro do conhecimento produzido durante o socialismo europeu.

    É isto que explica porque o país, que enfrenta séria crise financeira, consegue preservar excelentes níveis de performance esportiva em diversas modalidades.


Breve histórico da Psicologia do Esporte no Brasil

    O esporte entendido enquanto fenômeno social tem se destacado como uma das grandes instituições coletivas do final do século passado, sendo objeto de investigação em várias áreas. Entre estas se destaca a Psicologia do Esporte, que, apesar de ter surgido no início do século XX ainda é percebida como área emergente. Em termos sucintos é definida por Kátia Rubio como "o estudo científico de pessoas no contexto do esporte ou do exercício" (RUBIO, 2000:15). Conforme a American Psychological Association, o enfoque dos psicólogos esportivos esta direcionado para dois campos distintos, mas interconectados: 1- a otimização das performances e 2- a investigação de como a inserção em atividades físicas e esportivas transforma o âmbito psíquico e a saúde das pessoas.

    Relacionada à Educação Física e à Fisioterapia, a Psicologia do Esporte tem buscado ser reconhecida, atualmente, como uma disciplina da Psicologia, entendida como Psicologia aplicada. Tradicionalmente, porém, o que acontece é a relativa ausência da disciplina nas grades curriculares dos cursos de graduação em Psicologia no Brasil. Recentemente a tendência tem sido a elaboração de uma 'Ciências do Esporte', que congregaria então a Biomecânica, a Sociologia, a Antropologia, a Medicina e a Psicologia do Esporte, bem como outros campos do saber diretamente voltados para a prática esportiva (DISHMAN, apud RUBIO, 2000).

    Considerada então como uma sub-área das Ciências do Esporte e ao mesmo tempo uma especialidade da Psicologia, a Psicologia do Esporte vem se ocupando apenas de certos aspectos da Psicologia em geral. A clivagem aparece sobretudo na dicotomia construção teórica/pesquisa versus aplicação prática/intervenção psicológica, onde há uma concentração "na importância de variáveis independentes que influenciam a 'performance' (RUBIO, 2000: 17). É uma área que, entre outras coisas, se aproxima muito dos estudos em Psicologia que se ocupam da cognição, da percepção e da psicomotricidade.

    No Brasil, a recente história da Psicologia do Esporte começa nos anos 1950. O primeiro livro de Psicologia do Esporte foi realizado em 1962 por Athayde R. SILVA e Emílio MIRA (apud RUBIO, 2000). Em 1974 João Carvalhães, o primeiro psicólogo a atuar num clube de futebol, escreve "Psicologia no Futebol". Com a explosão de práticas psicológicas ligadas ao meio esportivo e mirando-se pelas instituições erigidas em outros países, é criada a Sociedade Brasileira de Psicologia do Esporte em 1979. Na década de 90 novo impulso é dado a este campo com o representativo aumento de profissionais, com a publicação de trabalhos científicos e o crescimento do número de pós-graduações latu sensu na área. O primeiro laboratório é criado pelo professor Dietmar Salmuski, na Universidade Federal de Minas Gerais.


A título de conclusão

    É permitido afirmar que hoje em dia a sub-área constituída pela Psicologia do Esporte congrega profissionais de diferentes campos, sendo que vem atraindo pesquisadores em Sociologia, Antropologia, Psicanálise, Filosofia, Administração e até Economia. Segundo RUBIO (2000), é um campo que poderia ser clivado em dois ramos distintos de atuação: num deles estaria a Psicologia do Esporte acadêmica, que tem seu interesse primordial voltado para a ciência e o ensino; no segundo se encontraria a Psicologia do Esporte aplica ou prática (psicodiagnóstico, intervenções, etc.). Apesar disso, só recentemente integrou as grades curriculares de alguns poucos cursos de graduação em Psicologia, mesmo assim como disciplina optativa, ao passo que já faz parte das grades curriculares dos cursos de Educação Física como disciplina obrigatória há mais de duas décadas.

    Assim sendo, a partir da década de 90, vem atraindo a atenção de cientistas de diversas áreas como a Antropologia, Sociologia, Pedagogia, Comunicação Social, Economia, Psicanálise e Ciência Política, fato este que incrementou os estudos existentes em Psicologia do Esporte, até a década de 1980, eminentemente experimentais e individualizantes. Desta forma, o intento deste texto foi mostrar uma nova perspectiva que se abre em Psicologia Social que, congregando contribuições das áreas acima citadas, poderia ser chamada de 'Psicologia Sócio-Cultural do Esporte'.

    Esta visão não se ocuparia tanto com o desempenho fisiólogico do atleta individualmente, mesmo porque deve delinear sua especificidade em relação à Educação Física, à Fisioterapia e à Psicomotricidade, mas se dedicaria especialmente à afetividade e aos vínculos grupais e ao fato de como o esporte pode ser encarado como um painel para as múltiplas relações sócio-culturais que caracterizam a sociedade, que no caso do Brasil, seriam a exclusão social, a misoginia, o racismo, a manipulação das massas, etc. Tomando-se o futebol como ilustração, temos os seguintes exemplos da interferência expressiva do esporte na vida social do Brasil:

  1. Micro-Política: a eleição de jogadores e dirigentes como vereadores e até deputados.

  2. Macro-Política: a derrota do Brasil pelo Uruguai na Copa de 1950 no Rio de Janeiro, dentro do Maracanã, mostrou como o imaginário social concebe o Brasil no contexto da América Latina, a 'cidade maravilhosa' e o então recém-inaugurado maior estádio de futebol do mundo.

  3. Economia: grandes corporações como Nike, Parmalat, entre outras, praticamente decidem campeonatos e, há quem diga, até mesmo competições internacionais.

  4. Psicanálise: alguns teóricos, tais como Jurandir F. COSTA (1995), entendem o futebol como uma forma de sublimação de desejos homoeróticos masculinos, insuflados por componentes falonarcísicos.

  5. Antropologia: Simoni GUEDES (1977) foi uma das primeiras teóricas a destacar que em nossa cultura masculinidade e futebol se confundem a tal ponto que não dizemos 'amanhã haverá jogo da seleção masculina de futebol'. Segundo ela, masculino e futebol no Brasil são pleonasmos.

    Em suma, seja enquanto instituição social ('o futebol brasileiro'), enquanto organização (os times e os clubes) ou enquanto grupo (as torcidas organizadas), o futebol, tomado como epítome do esporte brasileiro, mostra a riqueza deste campo denominado Psicologia Social do Esporte.


Bibliografia

  • ÁLVARO, Jose L.; GARRIDO, Alicia. Psicología Social. Perspectivas psicológicas y sociológicas. Madrid: McGraw Hill, 2003.

  • BLAU, Peter; SCOTT, Richard. Organizações formais. São Paulo: Atlas, 1970.

  • COSTA, Jurandir Freire. A face e o verso - estudos sobre o homoerotismo II. Rio de Janeiro: Escuta, 1995.

  • ______. O Futebol brasileiro - instituição zero. Rio de Janeiro: Museu Nacional, 1977 (Dissertação de Mestrado).

  • OFFE, Claus. Modernity and the State: East, West (Studies in Contemporary German Social Thought). Boston: The MIT Press, 1996.

  • RUBIO, Kátia (org.). Psicologia do Esporte. Interfaces, pesquisa e intervenção. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.

  • SALMUSKI, Dietmar. Psicologia do Esporte. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1992.

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