Análise da postura de massagistas portadoras de deficiência visual (PDV) |
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* Fisioterapeuta, mestrando em Ergonomia pela UFSC ** Profª. de Educação Física, mestre em Ergonomia pela UFSC *** Psicóloga, mestranda em Ergonomia pela UFSC **** Profa. Dra. titular da Pós-Graduação em Engenharia de Produção, área de concentração Ergonomia/ UFSC. (Florianópolis, Santa Catarina - Brasil) |
Everton Campos* Rafaela Liberali Fiamoncini** Maria Esther Souza Baibich*** Leila Amaral Gontijo**** rafascampeche@bol.com.br (Brasil) |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 9 - N° 63 - Agosto de 2003 |
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Introdução
A ergonomia é uma ciência que está conceitual e eticamente comprometida com o ser humano, devendo ser entendida como a ciência da aplicação do conjunto de conhecimentos relativos ao homem, aos produtos e processos, visando ao funcionamento harmônico e seguro dos sistemas homem-máquina (Oliveira, 1998).
A origem do termo ergonomia remonta a 1857, quando o polonês W. Jastrezebowinsky deu como título a uma de suas obras "Esboço da ergonomia ou ciência do trabalho". O tema é retomado quase cem anos depois, em uma reunião de pesquisadores, com o intuito de formalizar a existência de um novo ramo de aplicação interdisciplinar desta ciência, desenvolver novos materiais tecnológicos e bélicos aos soldados da 2ª Guerra Mundial, amenizando muitos erros cometidos, alguns fatais, devido aos comandos complexos somados ao clima de tensão excessiva. Como sub-produto desse esforço de guerra, nasce em 12 de julho de 1949, o nome de uma nova ciência do trabalho, a ergonomia, compreendida a partir dos termos gregos ergo (trabalho) e nomos (normas, regras) (Moraes & Mont'Alvão, 2000).
A grande parte do dia de uma pessoa é dedicada ao trabalho, afetando assim sua qualidade de vida e de seus dependentes e, portanto, suas atividades laborais devem ser realizadas em condições tais que ajudem a promover a saúde, o equilíbrio bio-psico-físico-social deste indivíduo.
Wisner (1987) também concorda quando diz, que:
Oferecer boas condições de trabalho, significa oferecer boas condições de vida aos indivíduos. E condições de trabalho englobam tudo o que influencia o próprio trabalho. Trata-se não apenas do posto de trabalho e seu ambiente, como também das relações entre produção e salário; duração da jornada, da semana, do ano (férias), da vida de trabalho (aposentadoria); do repouso e alimentação (refeitórios, salas de repouso na empresa, alojamento para esportistas); do serviço médico, social, escolar, cultural, esportivo, etc. A ergonomia constitui uma parte importante, mas não exclusiva, da melhoria das condições de trabalho. Não se limita ao trabalho, no sentido restrito, de trabalho produtivo e assalariado, sendo útil na concepção de brinquedos, vestuários e nos esportes.
A Ergonomia independente de sua definição, objetiva sempre estudar o homem no trabalho, e suas interações. Sendo assim, quando se avalia o trabalho humano, considera-se em três níveis, segundo Moraes e Mont'Alvão (2000):
Nível das condições de trabalho (física, organizacional, química, ambiental);
Nível da atividade (decisões, deslocamentos, posturas assumidas);
Nível dos efeitos da atividade (carga de trabalho, custos humanos, desempenho, rendimento e produtividade).
O presente trabalho se enquadra no segundo nível, pois estudou as interações decorrentes do trabalho de massagistas portadoras de deficiência visual (PDV) engajadas em uma rotina de trabalho, sem interferir na real situação de trabalho, apenas avaliando o desempenho decorrente desta interação homem x trabalho, ao nível muscular e postural.
A Ergonomia como ciência interdisciplinar, utiliza o conhecimento de várias outras ciências para fundamentar-se. Como tecnologia é aplicação prática dos conhecimentos ergonômicos sobre as limitações, necessidades e características humanas. Sendo assim, algumas ciências são importantes em uma análise ergonômica, como a antropometria e a biomecânica ocupacional.
Neste estudo utilizou-se o conhecimento da biomecânica ocupacional, que estuda as interações entre o trabalho e o homem sob o ponto de vista dos movimentos músculo-esquelético envolvidos e, a sua conseqüência. Basicamente analisa as questões das posturas corporais no trabalho e a aplicação de forças (Lida, 1995).
O trabalho humano é bastante diversificado, podendo ser classificado segundo seu conteúdo em cinco classes básicas: geração de forças, coordenação sensório-motora, transformação de informações em reações, transformações de informações de entrada em informações de saída e geração de informações. E, também pode ser classificado em trabalho predominantemente corporal e predominantemente não corporal (Rohmert, 1983 citado por Sell, 2002).
Como o corpo está sujeito à carga tanto parado quanto em movimento, faz-se necessário diferenciar trabalho muscular estático de trabalho muscular dinâmico. O trabalho muscular estático se caracteriza por uma contração demorada do músculo e não há trabalho útil mensurável, pois não há alteração do comprimento dos músculos envolvidos. O trabalho muscular dinâmico caracteriza-se por uma seqüência rítmica de contração e relaxamento da musculatura envolvida (Sell, 2002). Geralmente em uma sessão de massagem a massagista assume diversas posições corporais para atingir seu objetivo, massagear o corpo por inteiro da cliente, utilizando-se tanto de posições estáticas quanto dinâmicas.
Neste estudo analisou-se três posições básicas utilizadas durante as sessões de massagens, especialmente o posicionamento do tronco. Segundo Hamill & Knutzen (1999), o posicionamento do tronco tem um papel significativo no desenvolvimento do rendimento de força nos vários movimentos.
Para manter as diferentes posições e posturas é necessário contrair os músculos, o que representa trabalho muscular estático e solicita a pessoa, levando rapidamente a fadiga (Sell, 2002). Quando estas posições e posturas são exigidas diariamente em uma rotina de 8 horas diárias, sobrecarrega o organismo levando a desenvolvimento de Ler/Dorts.
Sendo assim, pretende-se compreender, numa perspectiva ergonômica, as causas de queixas nos membros superiores em que muitas massagistas são submetidas, desencadeadas por excesso de atividade laboral e de mau posicionamento corporal.
O objetivo deste estudo foi o de analisar a postura assumida no trabalho de massagistas, como também propor estratégias para melhoria da posição assumida pelo corpo durante a execução de sua rotina de trabalho.
Procedimentos metodológicosA amostra do presente estudo foi composta de duas massagistas, com idade entre 37 a 42 anos, escolhidas propositalmente por serem uma categoria que utiliza o corpo como instrumento de trabalho e, por procurarem o setor médico do clube em que trabalham com queixas nos membros superiores.
Este estudo caracteriza-se por ser um estudo de caso com análise postural das massagistas desempenhando seu trabalho. O período de observação, ocorreu durante uma análise ergonômica do trabalho, na fase de análise da atividade durante três dias úteis de trabalho.
A instrumentação utilizada durante a observação: Nos dois primeiros dias apenas foi utilizado bloco de anotações e caneta. No terceiro dia, fez-se observação e gravação durante o período de uma massagem (trinta minutos) com auxílio de uma filmadora de Marca JVC modelo GR-AX404UM, como também de uma máquina fotográfica de marca Yashica MD 135 AE. Todos instrumentos foram usados com prévio consentimento da massagista e da cliente massageada. Também salientamos que só tivemos o consentimento de filmar o período de uma massagem, em que assinaram o formulário de consentimento livre e esclarecido, autorizando o estudo.
As posturas escolhidas para análise, foram as três posturas de tronco que tinham mais freqüência e período de permanência, como também os movimentos de membros superiores que haviam mais duração (sem contabilizar ao longo do tempo os movimentos de membros superiores).
A análise de carga horária/dia em cada postura, foi realizada contabilizando-se o período de permanência de cada uma, durante uma massagem que neste caso foi à sessão filmada. Em seguida multiplicou-se o resultado deste tempo (de cada postura) pela média de massagens diárias para, então, se obter o tempo total de permanência diário em cada postura.
Em relação à análise mecânica, analisou-se a biomecânica muscular das posturas escolhidas e sua carga diária.
Resultados e discussãoPosturas escolhidas:
A) Flexão de Tronco
B) Torção e Flexão de Tronco
C) Elevação de Carga (Elevação dos membros da cliente para alonga-la).Tempo total diário Postura A=(tempo total numa massagem) x (média de massagens diária)
A= 8,7 min. x 14
A= 121,8 min./diárioTempo total diário Postura B=(tempo total numa massagem) x (média de massagens diária)
B= 8,3 min. x 14
B= 116,2 min./diárioTempo total diário Postura C=(tempo total numa massagem) x (Média de massagens diária)
C= 2,2 min. x 14
C= 30,8 min./diárioNa média diária são 420 minutos trabalhados e 60 minutos de descanso. Destes 420 min., 268,8 min. a massagista permanece com uma das posturas analisadas anteriores. Os 151,2 minutos restantes são assumidas com locomoção em torno da maca ou outras posturas não tão freqüentes como as analisadas anteriormente e assumem um número grande de variação.
Durante todo período de massagem a massagista permanece em pé, portanto, a média diária em bipedestação são de 420 minutos diário.
Há movimentos constantes com os membros superiores: movimento de pinça, flexão e extensão de cotovelos, flexão e extensão de punhos e dedos, pronação de antebraços, desvio ulnar e radial de punho e flexão de ombro. Todos estes movimentos acontecem de forma complexa e necessitaria de mais equipamentos para se fazer uma análise fidedigna. Devido a isto optamos por fazer somente a análise postural do eixo principal do corpo humano: o tronco. Com os membros superiores, descrevemos seus movimentos mais importantes sem, no entanto, contabilizar seu período de permanência durante o trabalho analisado.
Na maior parte dos movimentos de massagem, a posição do massagista é um aspecto essencial para manutenção de sua saúde. A posição em relação tanto à maca de tratamento quanto ao paciente influenciam no gasto energético do massoterapeuta. Antes de analisarmos as posturas avaliadas propriamente ditas, pensamos que se faz necessário, expor primeiramente a musculatura do tronco envolvida nas três posturas e, em diversos movimentos utilizados:
Musculatura paraespinhal:
Dois grandes grupos: Eretor da Espinha e Posterior Profundo
1 Eretor da espinha:
Se origina como uma grande massa carnosa na região sacral, quando ascende na coluna vertebral se divide em três colunas principais: iliocostal, longíssimos e espinhal
Lombar, Torácico, Pescoço e Cabeça
Iliocostal e Longíssimo do Tórax: Unilateralmente, Flexão Lateral e Rotação para o mesmo lado.
Todos estendem e auxiliam na flexão da coluna em seus respectivos níveis.
2 Posterior profundo:
Intertransversários, interespinhais, rotadores e multifídio
Todos atuam na extensão e flexão da coluna
Ajuste fino, pequenos movimentos intervertebrais.
Unilateralmente: Flexão lateral e rotação para o lado oposto
Braços de alavanca muito pequenos
Maior massa em região cervical e lombar
Sustentam a coluna vertebral
Discussão da Postura A: O movimento que observamos nesta postura é chamada de inclinação anterior ou flexão de tronco. Inicia-se numa posição ereta e começa a inclinar-se anteriormente até parar e manter estático por um determinado período este grau de inclinação (como observamos na foto). Este movimento, segundo Hamill & Knutzen (1999) começa, na posição em pé, primeiramente pelos músculos abdominais e ilio-psoas. Assim que o movimento inicia-se, é continuado pela força da gravidade que age sobre o tronco e é controlado pela ação excêntrica dos músculos eretores da espinha. Existe um aumento gradual no nível de atividade nos músculos eretores conforme se aumenta o grau de inclinação. Segundo Lida (1995) nesta posição surge um momento (no sentido da Física), devido ao deslocamento do centro de gravidade para além do ponto de apoio dos pés no chão onde para equilibrar o corpo nesta posição, há uma solicitação adicional dos músculos em torno da articulação do dorso, os eretores.
A massagista analisada permanece, conforme já visto, aproximadamente 121,8 min./diário na posição de inclinação do tronco. Postura, que além da permanência de período prolongado, se estabelece numa inclinação que já exige um esforço extra da musculatura para manutenção da mesma. Fato este que faz explicitar a contribuição deste movimento para as dores nas costas previamente relatadas pela massagista.
Como também afirma Lida (1995) um dos efeitos de uma postura continuada é a fadiga, que provoca um redução reversível da capacidade do organismo e uma degradação qualitativa do trabalho realizado. Uma pessoa fatigada tende a aceitar menores padrões de precisão e segurança. Ela começa a fazer uma simplificação de sua tarefa, eliminando tudo o que não for essencial.
Discussão da Postura B: O movimento que observamos nesta postura é chamada de inclinação anterior (flexão) com rotação de tronco. Quanto à flexão, discutida anteriormente, as ações musculares são mais facilmente entendidas. Já quando se associa além da flexão, a rotação que é o caso, a análise muscular torna-se mais complicada, pois é produzida pelos músculos dos dois lados da coluna vertebral. Segundo Hamill & Knutzen (1999) na região lombar (local de dor da massagista) ficam ativos o multifídio e os músculos rotadores no lado para onde a rotação ocorre, enquanto que no outro lado ficam ativos o longuíssimo e o iliocostal. Observamos, portanto, a sobrecarga dos dois lados da coluna.
A massagista permanece aproximadamente 116,2 min./diário na posição de inclinação de tronco com rotação do mesmo. Longo período de exigência muscular, que além das exigências biomecânicas de flexão (relatadas anteriormente) se estabelece uma associação com a rotação numa inclinação que já exige um esforço maior da musculatura para manutenção da mesma. Esta postura também contribui para as dores nas costas da massagista.
Como a postura A, a B também pode causar fadiga como descreve Lida (1995) ao afirmar que quando a atividade muscular é muito intensa, o ritmo de produção do ácido lático, como subproduto do metabolismo, é maior que a capacidade do sistema circulatório em removê-lo, provocando, então, um desequilíbrio.
Discussão da Postura C: O movimento que observamos nesta postura é chamado elevação de carga com os membros superiores, em posição ortostática. Nesta postura, os músculos eretores da coluna também estão ativos para manutenção da postura do tronco e são gradualmente exigidos quanto maior for a carga imposta aos membros superiores como também quanto maior o afastamento desta carga em relação ao tronco (Hamill & Knutzen,1999).
A manutenção desta postura diária se contabiliza em torno de 30,8 min. Tempo relativamente grande se levarmos em conta que esta postura de manutenção de carga afastada do corpo aumenta o momento (relacionado ao conceito físico) e conseqüentemente a sobrecarga da musculatura eretora quanto maior o afastamento.
Análise da posição ortostática: São 420 minutos (7 horas) diários de manutenção da postura em pé. Na posição parada, em pé, é altamente fatigante porque exige muito trabalho estático da musculatura envolvida para manter esta posição, posição típica observada na atividade observada. O coração encontra maiores resistências para bombear sangue para os extremos do corpo.
Segundo Lida (1995) o trabalho estático compromete a circulação. Há um aumento da pressão interna, o que provoca um estrangulamento dos capilares. Um músculo sem circulação sangüínea fatiga rapidamente, não sendo possível mantê-lo por mais de 1 ou 2 minutos.
Conclusões e recomendaçõesConforme apontam os resultados, pode-se dizer que as posturas e posições assumidas pelas massagistas durante a execução de seu trabalho podem ser os precursores das dores nos membros superiores, ocasionadas pela fadiga muscular. Assim, a fadiga fisiológica desde que não ultrapasse os limites, é reversível e o corpo se recupera com pausas concedidas durante o trabalho, ou com o repouso diário.
Para a redução das exigências biomecânicas, deve se desenvolver um posto de trabalho que reduza as exigências biomecânicas, além de oferecer orientações de profissional qualificado quanto a hábitos posturais mais saudáveis e, cursos de atualização sobre massagem direcionado a ensinar sobre posturas mais adequadas na aplicação das técnicas de massagens.
Incluir programa de alongamentos e relaxamento durante a jornada de trabalho. Bem como, diminuir a velocidade quanto aos movimentos de membros superiores.
Quanto à elevação de carga (alongamentos nas clientes), devem manter a coluna reta e usar preferencialmente a musculatura da perna. Manter a carga mais próxima ao corpo.
Referências bibliográficas
Hamill, J. & Knutzen, K.M. (1999) Bases do movimento humano. São Paulo: Manole.
Lida, I. (1990) Ergonomia: projeto e produção. São Paulo: Editora Edgard Blücher Ltda.
Moraes, A. & Mont'Alvão, C. (2000) Ergonomia: conceitos e aplicações. Rio de Janeiro: 2AB.
Oliveira, C.R. (1998) Manual prático de Ler. Belo Horizonte: Editora Health.
Wisner, A. (1987) Por dentro do trabalho: ergonomia, método & técnica. São Paulo: Oboré.
revista
digital · Año 9 · N° 63 | Buenos Aires, Agosto 2003 |