Parâmetros para treinamento de futebol de campo nas categorias de base |
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* Graduado em Educação Física - UniFMU. Pós Graduado em Treinamento Desportivo - UniFMU Preparador Físico das categorias de base de futebol S. C. Corinthians Paulista São Paulo - SP |
Daniel Leite Portella* Rodrigo Monaco Marco Rodrigues da Silva Carlos Octavio do Vale Freitas dlportella@uol.com.br (Brasil) |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 9 - N° 63 - Agosto de 2003 |
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Introdução
As crianças se diferenciam dos adultos tanto fisicamente quanto psicologicamente (WEINECK, 1986), porém, são vistas, na maioria das vezes, como adultos em miniatura e por esse motivo, a exigência sobre elas é equivalente a exigência exercida sobre os adultos (BARBANTI, 1992 citado por PORTELLA, 2003). MEDINA (2000) citado por PORTELLA (2003), corrobora com a idéia acima, afirmando que a cobrança exercida sobre a criança nada mais é que o reflexo da cobrança na categoria adulta.
Por existir essa visão, a exigência exercida sobre a criança, que é comparável a de um adulto em muitos casos, reflete no treinamento dessas crianças. Tal exigência leva técnicos e preparadores físicos a adotar metodologias apropriadas para adultos e impróprias para as crianças, tornando o treinamento da criança áspero. FIORESE (1989), relata que não é possível conseguir uma geração de atletas de alto nível, se houver negligência com o trabalho da criança, colocando um árduo caminho no início de sua vida desportiva. ZAKHAROV & GOMES (1992) colocam que os primeiros êxitos de projeção de um atleta de futebol de campo, acontecem por volta dos 20 a 21 anos de idade e o nível de performance ótima por volta dos 22 a 26 anos de idade, ou seja, os primeiros resultados próximos dos melhores que o atleta conseguirá, virão apenas depois da puberdade.
WEINECK (1986), afirma que o treinamento para performance de púberes e pré-púberes, depende de condições e cuidados prévios. O autor ainda relata que a diferenciação do treinamento de um adulto e um púbere e pré-púbere, se deve ao crescimento e desenvolvimento, que gera mudanças fundamentais no organismo. De acordo com BECERRO (1989), na puberdade há um crescimento de 7 a 8 centímetros por ano em média, até os 10 anos de idade a criança adquiri metade do peso adulto e entre 12 e 14 anos ocorre o maior aumento na estatura, a partir dos 15 anos de idade os meninos tem um grande desenvolvimento da musculatura e as meninas com 12 anos desenvolvem caracteres sexuais femininos, resultado da excreção aumentada de hormônios. Existe mais transformações ocorrendo no organismo do jovem atleta e essas mudanças não podem ser ignoradas quando se elabora um programa de treinamento para atletas nessa faixa etária.
Na literatura, principalmente na brasileira, é escasso o material sobre treinamento para crianças e adolescentes, servindo como parâmetro para prescrição do treinamento. Por essa razão, essa pesquisa teve como objetivo definir alguns parâmetros para o futebol de campo nas categorias de base, para atletas entre 9 e 11 anos de idade.
Material e MétodoA pesquisa foi composta por um universo de n = 69 atletas, os quais se dividiram em três grupos: G1 para os atletas da categoria fraldinha, (nascidos em 1994), G2 para os atletas da categoria Sub -10, (nascidos em 1993) e G3 para os atletas da categoria Mirim, (nascidos em 1992). Todos são atletas do S. C. Corinthians Paulista. Eles realizaram dois treinos semanais por 8 semanas, cada treino com duração de 150 minutos cada, totalizando 2250 minutos ao final das oito semanas. A análise estatística foi feita através do teste "t" Student para amostras dependentes (THOMAS & NELSON, 2002), e o nível de significância adotado foi de p< 0,01.
TestesOs testes foram realizados na primeira semana de Fevereiro (Pré teste) e após a realização do período programado de treinos, realizou-se outra bateria de testes na primeira semana de Abril (Pós teste).
Medida antropométrica (MA)Consistiu na mensuração da altura dos atletas. Foi realizado com uma trena estendida e fixada à parede, perpendicularmente ao solo, e um esquadro de madeira, descendo junto a parede e parando no ponto mais alto do atleta. A unidade de medida adotada foi centímetros (cm).
Salto horizontal (SH)Com uma trena estendida e fixada ao solo , realizou-se o salto e a medida era feita a partir do ponto de partida até o calcâneo mais próximo do atleta, em relação ao ponto de partida. Foram realizados três saltos, não consecutivos, por atleta e levou-se em consideração a maior medida. A unidade de medida adotada foi centímetros, (cm).
Salto vertical (SV)Com uma fita métrica passando por baixo de um apoio fixado no solo e a extremidade da fita métrica presa à cintura do atleta, os atletas realizaram três saltos não consecutivos e foi considerada a maior medida. A unidade de medida adotada foi centímetros, (cm).
Teste de 20 metros (T20)Na pista foi mensurado 20 metros em linha reta, marcou-se o ponto de saída e o ponto de chegada para os atletas. A saída era autorizada após um sinal visual. A mensuração do tempo foi feita através de um cronômetro MONDAINE 3000 e a unidade de medida adotada foi segundos e centésimos de segundos.
Teste motor (TM)Os atletas realizaram chutes na bola contra a parede, a uma distância de 5 metros sem parar até perderem o controle da bola. A mensuração desse parâmetro foi feita em números absolutos de bolas contra a parede (nº b) e foi representado por TM I e a relação do número de bolas e o tempo gasto, em segundos (b/s), representado por TM II.
A resistência aeróbia não foi mensurada por motivos operacionais de tempo no treinamento diário e testes de controle.
ResultadosA análise dos resultados obtidos no pré teste nos mostrou médias com valores de 134 cm (MA), 25,18 cm (SV), 151,5 cm (SH), 4 segundos e 20 centésimos (T20), 0,79 b/s (TM II) e 5,14 bolas (TM I); para G1.
Para G2 os resultados foram 130 cm (MA), 43,38 cm (SV), 191,3 cm (SH), 3 segundos e 67 centésimos (T20) 0,71 b/s (TM II) e 6,4 bolas (TM I).
No G3, os resultados foram 143 cm (MA), 48,58 cm (SV), 189,4 cm (SH), 3 segundos e 56 centésimos (T20), 0,63 b/s (TM II) e 5,47 bolas (TM I).
No pós teste as médias dos resultados foram de 135 cm (MA), 29,27 cm (SV), 164 cm (SH), 3 segundos e 85 centésimos (T20), 0,80 b/s (TM II) e 4,57 bolas (TM I) para G1.
No G2, os resultados foram 141 cm (MA), 41,52 cm (SV), 186,5 cm (SH), 3 segundos e 45 centésimos (T20), 0,64 b/s (TM II) e 3,8 bolas (TM I).
Para G3 os resultados foram145,8 cm (MA), 48,77 cm (SV), 188,2 cm (SH), 3 segundos e 38 centésimos (T20), 0,74 b/s (TM II) e 5,75 bolas (TM I).
Tabela 1: Médias do Pré teste para G1, G2 e G3.
Tabela 2: Médias do Pós teste para G1, G2 e G3
* Nível de significância entre Pré teste e Pós teste, p< 0,01.
* Nível de significância entre Pré teste e Pós teste, p< 0,01.
* Nível de significância entre Pré teste e Pós teste, p< 0,01.
* Nível de significância entre Pré teste e Pós teste, p< 0,01.
* Nível de significância entre Pré teste e Pós teste, p< 0,01.
Discussão
Com os resultados dos testes podemos observar alguns aspectos em relação aos parâmetros mensurados.
Em G1 houve diferenças significativas entre o pré teste e o pós teste no SV, SH e T20. No que tange ao SV e SH, apenas esse grupo obteve uma diferença significativa nos valores, o que corrobora com GOMES (2002) e FIORESE (1989) que apontam esse período, nove anos de idade, como favorável para melhora da coordenação, pois o SV e SH, segundo BAR-OR (1989) depende tanto de coordenação intramuscular quanto de coordenação intermuscular para realização do mesmo, ou seja depende do padrão de coordenação de ativação dos músculos. Porém alguns autores relatam que as idades de dez e onze anos, referentes a G2 e G3 respectivamente, também são favoráveis para tal desenvolvimento, o que não aconteceu nesse caso, contudo o mesmo BAR-OR (1989) descreve também que o padrão de recrutamento de fibras não está totalmente estabilizado nessa idade, o que nos leva a pensar que possa ser uma explicação para a não melhora do SV e SH nos outros grupos.
O G2 apresentou uma melhora significativa nos parâmetros MA e T20. Esses resultados indicam uma facilidade nesse período, dez anos de idade, para o desenvolvimento de tais parâmetros, como apresenta GOMES (2002), ZAKHAROV & GOMES (1992) e MITRA & MOGOS (1982) citado por FIORESE (1989).
O G3 apresentou resultados que indicam uma melhora significativa nos aspectos MA, T20 e TM II. Autores como GOMES (2002), FILIN (1996), FIORESE (1989), MITRA & MOGOS (1982) citado por FIORESE (1989) e CAHPER (1980) citado por BARBANTI (1989), apresentam dados semelhantes aos obtidos nos testes.
Em nosso estudo, partir dos dez anos (G2 e G3) evidencia-se uma melhora significativa no aspecto MA, o que não havia acontecido em G1, nove anos. Podemos imaginar, a partir desses dados, que o processo de maturação, descrito anteriormente por BECERRO (1989), comece a ocorrer de forma inicial a partir dos 10 anos de idade.
O aspecto velocidade evidencia melhora significativa em todos os grupos, o que nos leva a crer que o período entre 9 e 11 anos é favorável para a melhora da velocidade, como relata também GOMES (2002), FILIN (1996), ZAKHAROV & GOMES (1992), FIORESE (1989), MITRA & MOGOS (1982) citado por FIORESE (1989).
Em relação ao TM, poderíamos afirmar que houve evolução se alguns dos parâmetros TMI ou TMII tivessem melhorado significativamente. Esse fato ocorreu apenas no G3 em TM II, que corrobora com FIORESE (1989), MITRA & MOGOS (1982) citado por FIORESE (1989) e GOMES (2002), que mostram o desenvolvimento da coordenação. Porém, G1 e G2 não mostraram melhoras e tais autores relatam que nesses períodos também há uma melhora nesse aspecto. Tal contradição pode ser explicada pelo fato do volume específico de trabalho técnico, ser diferenciado de um grupo para outro; e pelo fato que o TM requer uma coordenação fina, precisão, que será adquirida conforme a idade avança (BAR-OR, 1989)
Nem todos os valores apresentaram melhora do pré teste para o pós teste. Alguns apresentaram uma estagnação, como TM I no G1; outros mostraram uma involução na comparação dos resultados, como por exemplo SH no G3 e TM II no G2, porém essas quedas nos valores não foram significativas, com o grau de significância adotado de p< 0,01.
Conclusão
Com os dados obtidos nesse estudo, podemos concluir algumas questões. A valência física velocidade é perfeitamente treinável entre 9 e 11 anos. De acordo com os dados obtidos nesse estudo, nessas faixas etárias a velocidade sempre teve melhora significativa.
O padrão motor, especificado por TM I e TMII, mostrou-se favorável ao desenvolvimento em G3 (11 anos). Na literatura encontramos dados relatando uma melhora nas faixas etárias de 9 e 10 anos também, contudo nosso estudo não corroborou com esses dados. Uma das hipóteses para tal contradição pode ser um volume inadequado de estímulos específicos em relação à técnica e pelo fato que o TM requer uma coordenação fina, precisão, que será adquirida conforme a idade avança.
O mesmo aconteceu no aspecto SV e SH. Apenas os atletas de 9 anos apresentaram melhora significativa em tais parâmetros e a literatura aponta a idade de 10 e 11 anos como favoráveis para tal desenvolvimento. A explicação pode ser a mesma aplicada para o caso anterior, volume de treino inadequado.
A partir dos 10 anos pode-se constatar um aumento na estatura, evidenciado nesse estudo por MA, o que não foi observado em G1, mas sim em G2 e G3.
Os valores dos parâmetros apresentados nas tabelas 1 e 2, são valores de um início de trabalho (tabela 1) e oito semanas após o início (tabela 2). Isso mostra qual a evolução que poderá ocorrer em 8 semanas de trabalho e qual o nível de partida que devem-se apresentar tais atletas.
Os dados apresentados nesse estudo servem para que os profissionais que trabalham com a área de treinamento infantil, possam ter parâmetros referentes a atletas brasileiros, criados sob condições próprias do nosso país e possam orientar-se ao iniciar um trabalho com atletas de idade entre 9 e 11 anos no futebol de campo.
Referências bibliográficas
BARBANTI, V. Desenvolvimento das capacidades físicas básicas na puberdade. Revista Paulista de Educação Física. V.3 (5): 31-37, 1989.
BAR-OR, O. Advances in pediatric sports science. V.3. Illinois: Human Kinetic, p. 44-45, 1989.
BECERRO, M. El niño y el deporte. São Paulo: Weider, 1989.
FILIN, V.P. Desporto juvenil - teoria e metodologia. Londrina: CID, 1996.
FIORESE, L. O efeito do treinamento precoce em crianças e adolescentes. Revista da Fundação de Esporte e Turismo do Paraná. V.1 (2):23-31, 1989.
GOMES, A.C. Treinamento desportivo - estruturação e periodização. Porto Alegre: Artmed, 2002.
PORTELLA, D.L. A influência dos pais no rendimento das crianças em competições. EFDeportes.com. Disponível em http://www.efdeportes.com.
THOMAS, J.R.; NELSON, J.K. Métodos de pesquisa em atividade física. Porto Alegre: Artmed, 2002.
WEINECK, J. Manual de treinamento esportivo. São Paulo: Manole, 1986.
ZAKHAROV, A.; GOMES, A.C. Ciência do treinamento desportivo. Rio de Janeiro: Palestra Sport, 1992.
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digital · Año 9 · N° 63 | Buenos Aires, Agosto 2003 |