efdeportes.com
Influência da Escola de Educação Física do Exército
na origem do currículo da educação física no Brasil

   
*Escola de Educação Física do Exército - Rio de Janeiro/RJ
**Universidade Castelo Branco - Rio de Janeiro/RJ
(Brasil)
 
 
Marco Túlio Baptista*
Elirez B. da Silva*
Fernanda B. Beltrão**
Nilza M. Macário**

tulio.marcia@uol.com.br
 

 

 

 

 
Resumo
    Em 1929, a primeira turma de professores de Educação Física formada pela EsEFEx e composta, dentre outros profissionais, de vinte professores civis, principiou a difusão da educação física pelo Brasil. No início deste período, o caráter militar dos currículos, mesmo em instituições de ensino civis, era evidente, uma vez que os primeiros professores sofreram forte influência da caserna. A evolução da tecnologia educacional adaptada ao contexto sócio-político de cada época, foi modificando este caráter militar dos currículos e passaram a possuir uma identidade própria. Desta forma, é inegável a contribuição da EsEFEx para a Educação Física nacional, reforçando a posição desta, como agente disseminador da Educação Física no Brasil.
    Unitermos: História. Criação. Professores. Formação. Ensino.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 9 - N° 62 - Julio de 2003

1 / 1

Introdução

    Desde o início da humanidade, as instituições de ensino estão em constantes reformas. Como exemplo, pode-se citar o período, em que predominava a civilização helênica, cuja preparação do indivíduo para a sociedade e a cultura, já eram assuntos amplamente debatidos pelos filósofos.

    Naquela época, os filósofos, ao se preocuparem em como preparar os indivíduos e o que estes deviam aprender, estavam, implicitamente, exercitando a conceituação de currículo, que, atualmente, segundo BELTRÃO (2000), é qualquer experiência, dentro ou fora da escola, que tenha como meta preparar o indivíduo para cumprir o seu papel de cidadão, colaborando na construção de uma sociedade melhor

    A EsEFEx, criada em 1933, foi a primeira escola a formar profissionais, em nível superior, na área de Educação Física. Hoje em dia, o Brasil possui 225 instituições de ensino superior de Educação Física, sendo 31.5% no estado de São Paulo e 7.5% no estado do Rio de Janeiro, totalizando 39% nos dois centros precursores da Educação Física do país.

    O objetivo deste estudo foi verificar a influência da EsEFEx na origem do currículo de Educação Física no Brasil. Para a consecução do objetivo traçado, foram consultados seis livros, seis dissertações de mestrado, uma tese de doutorado e um periódico.

    O que se apresentou foram idéias expostas, na literatura, sobre a influência da EsEFEx no processo de formação inicial do currículo em Educação Física no Brasil e sua interação com a política sócio-econômica vigente neste período de formação curricular.

    Espera-se que os achados do estudo possam contribuir para a história da Educação Física Brasileira e, principalmente, servir de parâmetros de comparação para se discutir a análise curricular do processo ensino-aprendizagem atual.


A EsEFEx e a Educação Física nacional

    Para se entender o transcurso histórico atual, é necessário analisar, obrigatoriamente, os fatores que o determinaram, ao longo dos anos. Desta forma, cabe recordar o papel e a função que a EsEFEx desempenhou, desde o início da implantação do curso de Educação Física no Brasil e sua influência sobre a formação do primeiro currículo de Educação Física.

    Em 1852, Período Imperial, o Presidente da Província do Amazonas, Toureiro Aranha, expediu um documento para a instrução pública, regulando que "a instrução compreenderá a Educação Física, moral e intelectual..." (MARINHO 1980, p. 159).

    No Período Imperial do Brasil, o principal acontecimento ocorrido para a educação física, foi o parecer de Rui Barbosa, em 12 de setembro de 1882, na Câmara dos Deputados, onde se discutiu o Projeto nº 224, Reforma do Ensino Primário, e as várias instituições complementares da instrução pública. Neste parecer, Rui Barbosa concluiu o pensamento de seu projeto, instituindo uma seção especial de ginástica, em cada escola normal; extensão obrigatória da ginástica a ambos os sexos; inserção da ginástica, nos programas escolares como matéria de estudo, e a equiparação em categoria e autoridade, de professores de ginástica, aos de todas as outras disciplinas (MARINHO, 1980).

    Foi naquela época que ocorreu a primeira tentativa para solucionar o problema da educação física no Brasil, e pela primeira vez cogitou-se a introdução de programas de educação física no currículo escolar (MARINHO, 1980). A partir de então, a educação física veio evoluindo gradativamente e ocupando papel de destaque no contexto educacional, com o aparecimento de leis e decretos que a regulamentavam, acrescido de uma mudança de mentalidade no conjunto da sociedade brasileira (PAIVA, 1985).

    A valorização da prática sistematizada de exercícios físicos, se inseriu, por sua utilidade, na manutenção da preparação física do combatente, como também, por sua utilidade, no processo disciplinar da tropa e no desenvolvimento do espírito de corpo (MELO, 2000).

    O pioneirismo das Forças Armadas na Educação Física foi enfatizado por MELO (2000), ao afirmar que "(...) parece claro que os militares foram os pioneiros a incluir em seus programas de formação, disciplinas ligadas à prática de exercícios físicos" (p.3) e "(...) fundamentalmente foram os militares os primeiros professores de Educação Física do país" (p.1).

    Esta influência estendeu-se, no meio civil da época, quando em 1922, ocorreu a criação do Centro Militar de Educação Física, que deveria ter, entre outros objetivos, o de ministrar cursos preparatórios para a formação de instrutores de Educação Física. Entretanto, este Centro começou a atuar efetivamente, em 1929, com a realização de um curso provisório de formação. A turma formada, em 1929, foi considerada a primeira, diplomada por curso oficial (MELO, 2000).

    Em 1930, o Ministério da Guerra promoveu uma reestruturação no Centro Militar de Educação Física, ligando-o, didática e diretamente, ao Estado-Maior do Exército, e, administrativamente, ao próprio Ministério da Guerra. Nesta mesma data, também foi transferido o Centro Militar para a Fortaleza de São João, na Urca (MARINHO, 1980).

    Em 1931, esse Centro passou a ser um estabelecimento independente, dentro do Exército. Dois anos depois, o Centro Militar foi substituído pela Escola de Educação Física do Exército (EsEFEx), criada, inicialmente, para formar instrutores, monitores, mestre d'armas, monitores de esgrima e médicos especializados, sendo aos civis, também permitido, tomarem parte dos cursos (MARINHO 1980).

    No Estado Novo ocorreu uma inquietação, ainda maior, com os rumos da Educação Física, quando foi levantada a necessidade de uma escola nacional padrão, principalmente, por meio de sua grade curricular. Pela primeira vez, após a criação do curso de Educação Física, ocorreu a preocupação com o currículo escolar CANTARINO FILHO (1982).


A EsEFEx e a formação da Escola Nacional de Educação Física e Desportos da Universidade do Brasil e da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo

    Nas duas primeiras décadas deste século, foram criadas as primeiras escolas de formação de professores de Educação Física no meio militar. Em 1939, foram criadas, também, as duas primeiras escolas civis: Escola de Educação Física do Estado de São Paulo - EEFUSP e Escola Nacional de Educação Física da Universidade do Brasil - ENEFD (CANTARINO FILHO, 1982).

    O grande passo para a criação de uma escola nacional, foi dado, com a criação da Divisão de Educação Física (DEF), do Ministério da Educação e da Saúde (MES), pela Lei No 378 de 13 de janeiro de 1937.

    A criação da Escola Nacional de Educação Física e Desportos da Universidade do Brasil (ENEFD), que teve como principais funções:

  • formar profissionais para área de Educação Física;

  • imprimir unidade teórica e prática no ensino na área do país;

  • difundir conhecimentos ligados à área;

  • realizar pesquisas que apontem os caminhos mais adequados para a educação física brasileira MELO (2000).

    O primeiro currículo de ensino da Educação Física universitária surgiu, segundo COSTA (1998), apenas na década de 30, contudo, o primeiro currículo reconhecido e divulgado, como de padrão nacional, foi o do curso superior da ENEFD, mais especificamente, em 1939. A partir desta data, muitas foram as críticas e comentários sobre as diretrizes curriculares e a criação da Escola Nacional de Educação Física e Desportos. A ENEFD recebeu a responsabilidade e incumbência na formação de equipes de especialistas em Educação Física para o meio civil.

    Porém, cabe ressaltar o parecer de MELO (1999), ao descrever a ENEFD como "(...) uma escola civil extremamente militarizada, sendo, no início, uma continuação do projeto militar, dentro da Universidade do Brasil" (p. 11). FARIA JUNIOR (1987), reafirmou o mesmo posicionamento, ao explicar que, mesmo com a criação das escolas civis, o caráter militar das escolas de Educação Física era, predominantemente, marcado pela influência militar.

    MELO (2000) corroborou com tal assertiva ao descrever que "Nesse processo de preparação, criação, instalação e construção, a ação dos militares foi inegável e de suma importância" (p.18), considerando a EsEFEx como célula máter, a origem da ENEFD. FERREIRA NETO (1999) reafirmou estes dados ao narrar que "Os militares são os responsáveis pelo processo de escolarização da Educação Física brasileira" (p.9).

    Prova disso, são os relatos de MASSUCATO e BARBANTI (1999) e de SILVA (1983), que descreveram a formação inicial da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFUSP). No princípio da formação da EEFUSP, foram comissionados quinze professores, para fazerem o Curso de Nível Superior ministrado pela EsEFEx, em 1933, uma vez que não se dispunha de professores especializados, diplomados no Brasil, para dar início às atividades desportivas da EEFUSP. A base de sustentação das escolas de Educação Física no Brasil, começou a estruturar-se nesse período, pois antes disso, existiam apenas professores leigos, em geral, estrangeiros radicados no Brasil e nenhuma organização administrativa.

    TAFFAREL (1993) acentuou a influência do militar na Educação Física, ao informar que, durante o regime militar, surgem inúmeros cursos superiores de Educação Física, sendo, em 1968, registrados quatro escolas superiores de Educação Física no Estado de São Paulo; em 1975 este número evolui para 36 e dois anos depois, constatou-se mais de 100 escolas no Brasil.

    PALAFOX (1990) corroborou com afirmação anterior, concluindo que o governo brasileiro, tendo como o principal pressuposto, a necessidade da melhoria da aptidão física da população como um todo, com a ajuda dos militares e tecnoburocratas, elaborou leis, decretos e currículos escolares que definiram a natureza cientifica da pesquisa nesta área, cuja finalidade era consolidar uma formação de mentalidade pragmático-tecnicista em consonância com o projeto Ideológico-Estatal mais amplo.

    O Decreto-lei nº 5343 de 25 de março de 1943, ainda vigente, que dispõe sobre a habilitação para a direção da Educação Física nos estabelecimentos de ensino de grau secundário, reconhece que os diplomas de instrutor de Educação Física, expedidos pela Escola de Educação Física do Exército, ficam equiparados, para todos os efeitos, aos diplomas de licenciado em Educação Física. Este reconhecimento foi um passo importante no incentivo ao desenvolvimento e aperfeiçoamento do profissional de Educação Física.

    Constata-se que, por meio da EsEFEx, a Educação Física brasileira, assumiu determinadas posturas filosóficas e ideológicas que, atualmente, devem ser consideradas, segundo uma perspectiva crítica, analisando-se a sua importância histórica, e os reflexos que se debruçam sobre a conjuntura vigente, do ensino, na própria Escola de Educação Física do Exército, como também em todas as instituições de ensino superior de Educação Física do Brasil.


Conclusão

    A primeira turma formada em 1929, pelo então Centro Militar de Educação Física, integrou oito oficiais instrutores, sessenta monitores, dois médicos militares e vinte professores civis (MARINHO, 1980). Estes professores civis foram os responsáveis por difundir a educação física pelo Brasil e, certamente, o conhecimento adquirido na EsEFEx gerou, não somente, influências regionais, como nacionais. Desde esta primeira turma de formação, os cursos universitários de Educação Física têm sofrido modificações em função do avanço tecnológico da educação, adaptando-se aos condicionantes sócio-político do país.

    A reforma educativa na área da Educação Física universitária não deve ser executada, somente pela necessidade de se adotar um processo educativo distinto do anterior, mas também, para formar professores, para atender às novas demandas do sistema e da legislação educativa em vigor, assim como, das carências profissionais da sociedade.

    A questão da formação inicial do curso de Educação Física no Brasil, se inicia com a própria história da EsEFEx. A vocação deste estabelecimento de ensino, desde a sua origem, como pólo gerador de conhecimentos e de formação de profissionais e docentes de nível superior contribuiu para o surgimento e planejamento inicial da relação docente-discente das atuais instituições de ensino superior de Educação Física brasileiras.

    Isto posto, conclui-se que a EsEFEx exerceu forte influência no processo de elaboração do currículo em Educação Física no Brasil. Estes currículos universitários, aos poucos, foram eliminando o caráter militar e passaram a adotar uma postura mais apropriada ao seu contexto educacional, reforçando a posição da EsEFEx, como agente disseminador da Educação Física nacional.


Referências

  • ARANDA, N. A. S. A prática de atividade física e/ou desportiva: interesses e atitudes dos alunos da UFRJ. Dissertação de Mestrado. UFRJ, Rio de Janeiro, 1982.

  • BELTRÃO, Fernanda Barroso. Pensando sobre o currículo e seus modelos. Mimeo, 2000.

  • CANTARINO FILHO, Mário. A educação física no Estado Novo: História e doutrina brasileira. Brasília: UnB, 1982 Dissertação (Mestrado).

  • COSTA, Lamartine Pereira. O novo currículo de formação de professores de Educação Física: implantação, desenvolvimento e perspectivas - 1988/1998. Relatório de pesquisa apresentado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, referente ao processo no 521417/93-7-documento final. Rio de Janeiro, 1998.

  • FARIA JUNIOR, Alfredo Gomes. (org) Fundamentos pedagógicos educação física. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1987.

  • FERREIRA NETO, Amarílio. A pedagogia no Exército e na escola: educação física brasileira (1880-1950). Aracruz: Faculdade de Ciências Humanas de Aracruz, 1999.

  • MARINHO, Inezil Penna. História Geral da Educação Física. São Paulo: Cia Brasil Editora, 1980.

  • MASSUCATO, José Geraldo e BARBANTI, Valdir José. Histórico da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo. Revista Paulista de Educação Física. v.13, p.7-12, dez. 1999, Número Especial.

  • MELO, Victor Andrade de. História da educação física e do esporte no Brasil: panorama e perspectivas. São Paulo: Ibrasa, 1999.

  • MELO, Victor Andrade de. O papel dos militares no desenvolvimento da formação profissional na educação física brasileira. Mimeo, 2000.

  • SOUZA, Celso. Atitude dos alunos da Universidade Estadual de Maringá em relação à disciplina prática desportiva e sua opinião sobre os componentes do plano curricular desta disciplina. Santa Maria, 1983. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - UFSM, 1983.

  • PAIVA, Pedro Alves. Avaliação dos fatores que afetam a Educação Física Curricular nas universidades federais brasileiras, segundo percepção dos coordenadores. Rio de Janeiro, 1985, 169f. Dissertação (Mestrado em educação Física) - UFRJ, 1985.

  • PALAFOX, Gabriel Humberto Munhoz. Educação Física no Brasil: aspectos filosóficos-pedagógicos subjacentes à política Nacional em Ciência e Tecnologia para esta área no período de 1970-1985. São Paulo, 1990, 164f. Dissertação (Mestrado) - PUC, 1990.

  • TAFFAREL, Celi Nelza Zulke. A formação do profissional da Educação: O processo de trabalho pedagógico e o trato com o conhecimento no curso de Educação Física. Campinas, 1993. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, 1993.

Outro artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/
http://www.efdeportes.com/ · FreeFind
   

revista digital · Año 9 · N° 62 | Buenos Aires, Julio 2003  
© 1997-2003 Derechos reservados