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Educação Física na escola pública:
como os próprios profissionais percebem sua área de atuação

   
CEFET - PR/Unidade de Pato Branco
(Brasil)
 
 
Prof. Ms. Osney Marcos Cardoso
osney.cardoso@bol.com.br 
 

 

 

 

 
    O presente artigo que foi parte integrante da dissertação defendida junto ao mestrado em Educação da UNESP, Campús de Marília, visa analisar como os próprios profissionais de Educação Física inseridos na escola pública percebem o seu campo de atuação. Privilegiei a voz dos professores, pois ninguém melhor do que eles para falar de suas práticas, suas angústias e suas expectativas em relação a um assunto que os atinge quotidianamente em sua vida profissional e também pessoal. Foi utilizado para isso num primeiro momento uma pesquisa bibliográfica e posteriormente entrevistas semi-estruturadas. Busquei então travar um diálogo entre o que foi revelado pelo pensamento coletivo desses profissionais e o que a literatura especializada na área apresenta sobre a questão. Considerando o fenômeno a ser estudado optei pela trilha científica das ciências humanas e com a utilização de dados predominantemente qualitativos, realizei uma análise de conteúdos, seguindo uma metodologia de cunho dialético.

Ponencia presentada en el IV Encuentro Deporte y Ciencias Sociales, Buenos Aires, noviembre de 2002
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 8 - N° 56 - Enero de 2003

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Introdução
    Investigar a percepção que os próprios profissionais de Educação Física inseridos na escola pública tem do seu campo de atuação, é um trabalho de extrema complexidade. Isso por quê o ser humano como objeto de pesquisa é comcomitantemente sujeito, existindo assim, um forte envolvimento da questão valorativa.

    A preocupação com os valores é tão antiga como a humanidade. Os filósofos gregos já trabalhavam com categorias axiológicas, entretanto não o faziam de forma sistematizada. Somente a partir da segunda metade do século XIX, surge uma disciplina específica, a Teoria dos Valores ou Axiologia (do grego axios, valor). "A axiologia não se ocupa dos seres, mas das relações que se estabelecem entre os seres e o sujeito que os aprecia" (Aranha & Martins, 1995, p.273).

    Para que exista a relação de valor é necessário que exista o sujeito que valora, "valor e valoração são vistos como fatores recíprocos, interdependentes, dialéticamente relacionados" (Silva, 1986, p.128). O valor é aquilo que determina um maior interesse, é para o indivíduo mais valioso, e a valoração se dá em razão das necessidades pessoais ou sociais. Isto se dá a partir da vivência pessoal de cada indivíduo.

    De outro lado, a reação do sujeito não é exclusivamente pessoal. O indivíduo pertence a uma época e, como ser social, se insere, sempre na rede de relações de determinada sociedade; encontra-se igualmente imerso numa dada cultura, da qual se nutre espiritualmente, e a sua apreciação das coisas ou juízos de valor se conformam com regras, critérios e valores que não inventa ou descobre pessoalmente e que têm, portanto, uma significação social (Vázquez, 1975, p.123).

    Portanto, os valores nos são passados como herança de um dado sistema cultural no qual estamos inseridos. Dessa forma, tendo em vista a historicidade da Sociedade, isso indica que "os quadros de valores, como as civilizações e as pessoas, são mortais, têm ciclos de duração, surgimento e decadência final" (Silva, 1986, p.57).

    O quadro de valores é formado em muitas vezes inconscientemente, fazendo com que nossas condutas favoreçam a consolidação de valores com os quais não concordamos. Nesta situação contraditória entre valores reais e proclamados, o ser humano é levado a procurar a realização pessoal e profissional na busca da felicidade. "Definir realização humana é tão difícil quanto definir o que é felicidade. Nesse sentido, a realização humana é sempre um vir-a-ser, um projeto eternamente inacabado" (Cordi et al., 1995, p.149

    Sobre esse paradigma, é que o profissional de Educação Física que atua na escola pública, elabora o "imaginário" sobre sua profissão, o que acaba influenciando e refletindo na sua conduta pessoal e profissional.

    Nessa busca da construção dessa visão utilizo entrevistas semi-estruturadas, técnica que permite elaborar uma visão abrangente do pensamento dos profissionais envolvidos em relação ao assunto estudado. Entretanto a entrevista, a despeito de ser um excelente meio de coleta de dados, deve ser usada com cautela e jamais como única fonte de pesquisa. Assim,

    Não é suficiente perguntar aos professores o que fazem, porque entre as acções e as palavras há por vezes grandes divergências. Temos que chegar ao que os professores fazem através da observação direta e registrada que permita uma descrição detalhada do comportamento e uma reconstrução das intenções, estratégias e pressupostos. A confrontação com os dados directamente observáveis produz muitas vezes um choque educacional, a medida que os professores vão descobrindo que actuam segundo teorias de acção diferentes daquelas que professam. (Schön, 1995, p. 90)

    Mesmo considerando toda essa complexidade existente para buscar conhecer o pensamento dos profissionais de Educação Física sobre seu campo de inserção profissional, penso ter sido possível estabelecer esse imaginário com qualidade e clareza.

    Para buscar uma maior consistência sobre o assunto investigado, detive-me sobre a produção acadêmica relativa a essa área de conhecimento, onde procurei encontrar subsídios teóricos, que pudessem corroborar o discurso proferido ou também que pudessem contrapor-se a esse mesmo discurso, possibilitando flagrar suas inconsistências e contradições.


Do caminho percorrido na pesquisa
    Considerando o fenômeno a ser estudado, bem como os objetivos a serem alcançados, a trilha científica das ciências humanas e sociais pareceu a mais indicada para nortear a averiguação. Entretanto é preciso destacar que "a realidade social é o próprio dinamismo da vida individual e coletiva com todas as riquezas de significados dela transbordantes. Essa mesma qualidade é mais rica que qualquer teoria, qualquer pensamento e qualquer discurso que possamos elaborar sobre ela." (Minayo, 1994, p.15)

    Com a utilização de dados predominantemente qualitativos, busquei fazer uma análise de conteúdos, seguindo uma metodologia de cunho dialético. Metodologicamente, ao dizer que farei a utilização do instrumental dialético no estudo deste fenômeno social, significa que tentarei abarcar questões como a relatividade do social, os conflitos sociais, a historicidade e a processualidade da sociedade, bem como a possibilidade da mutação social e da transcendência, entendido aqui como a perspectiva de superação do sistema vigente, pois "toda a sociedade pode gerar a sua própria superação" (Demo, 1981, p.149).

    Foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas, para os profissionais de Educação Física inseridos na escola pública. As entrevistas1 foram gravadas, com a concordância prévia dos entrevistados. Privilegiar a voz dos próprios profissionais de Educação Física é relevante, já que a visão que os mesmos tem de sua área de atuação pode fazer uma significativa diferença quanto a qualidade dos serviços que colocarão a disposição dos seus alunos. Isso pode ser decisivo na busca por uma sociedade mais eqüitativa.


Com a palavra os "atores" envolvidos no processo
    Um dos primeiros aspectos abordados nas entrevistas se referia à escolha da profissão. Quais motivos tinham levado a tal escolha? O que era mais marcante? A família teve participação nesta escolha?

    A análise das entrevistas nos mostrou que a escolha de uma profissão é marcada por dúvidas, incertezas e inseguranças. Sem dúvida, entre as carreiras de nível universitário, as licenciaturas são uma das mais desvalorizadas socialmente e "nota-se, que a reação negativa se dá, na maioria das vezes, pela questão do status, seja financeiro, seja social desta profissão" (Moreno, 1996, p.113).

    Desta forma, o principal fator que determina o ingresso no curso de Educação Física é a relação que o futuro acadêmico já tem com a área esportiva. Em grande porcentagem dos casos trata-se de ex-atletas que, quando confrontados com a decisão de escolher uma profissão, acabam optando por uma que já lhes é familiar, reduzindo-se, assim, as incertezas.

    Também constitui-se objetivo de alguns, ao ingressarem na graduação em Educação Física, a possibilidade de continuarem exercendo a sua atividade como atletas, prolongando a carreira de jogador. Mesmo depois de formado, é possível exercer paralelamente a função de atleta e profissional da Educação Física, situação de difícil compatibilidade com outras carreiras profissionais.

    Alguns professores gostariam de ter seguido outras profissões, mas por não se sentirem preparados ou não terem conseguido aprovações nos vestibulares que desejavam, acabaram optando pelo curso de Educação Física. Mesmo quando o fato de terem praticado esportes, não é o fator decisivo para o engajamento no curso de Educação Física, esse fator, secundariamente, acaba influenciando na escolha da profissão. Assim, de acordo com Nóvoa, "...é útil questionar as regras de acesso às escolas de formação de professores e de recrutamento de docentes, que são duplamente inadequados: favorecem a entrada de indivíduos que jamais pensaram ser professores e que não se realizam nesta profissão e excluem as organizações escolares e os corpos docentes deste processo, dificultando um trabalho coletivo e participativo" (1991, p.22).

    Dentre os demais fatores, fora o esporte, tidos como decisivos na escolha da profissão de Educação Física, podemos citar a questão das pessoas já estarem atuando em algum segmento deste campo, mesmo não tendo formação acadêmica.

    O que causa um certo incômodo, ao se buscarem as causas que levaram as pessoas a fazerem a graduação em Educação Física, é que raramente se encontram expressões como "o sonho da minha vida era ser professor de Educação Física" ou "desde pequeno, meus pais sempre quiseram que eu fosse professor de Educação Física". Ou seja, quase nunca faz parte dos projetos de profissionalização de cada um, ou de seus familiares, o encaminhamento para a Educação Física.

    Pelo fato de que a maioria dos professores foram levados à escolha do curso de Educação Física não como vontade própria, mas por questões circunstanciais, torna-se difícil que se tenham profissionais realmente comprometidos com a profissão, que busquem a melhoria dela. Assim para Esteves, "... os professores enfrentam a sua profissão com uma atitude de desilusão e renúncia, que se foi desenvolvendo em paralelo com a degradação de sua imagem social" (1991, p.95). Assim, além de não lutarem para uma melhoria da sua profissão, normalmente ainda sua forma de atuação contribui para a formação de uma imagem pejorativa da profissão, poderíamos dizer uma deformação da imagem do professor de Educação Física.

    Posturas como deixar os alunos esperando do lado de fora, enquanto dez ou doze jogam, largar os alunos na quadra e ir tomar café, entregar uma bola e sair, não aparecer nos dias de chuva, chegar atrasado para a primeira aula, sair mais cedo, são comuns e todos percebem. Muito pior quando o discurso é um e a prática outra... (Betti, 1995, p.29).

    Quando, nas entrevistas, procurei saber quais eram as intenções de trabalho após a conclusão do curso, tornou-se notório que grande parte dos licenciados em Educação Física, pretendiam realmente ser técnicos em suas modalidades preferidas.

    O ideal de trabalho da grande maioria dos professores é a montagem de equipes de competição, mas pela dificuldade em sobreviver apenas com treinamentos, encontram na escola, senão um salário digno, justo e que realize, pelo menos uma certa estabilidade e uma remuneração mensal garantida. Nestes tempos de neoliberalismo, com a crescente perda dos direitos dos trabalhadores, a estabilidade no emprego, talvez seja um excelente caminho a se buscar.

    Uma parcela menor tinha como intenção realmente trabalhar na escola. Entretanto, isto não significa que a Educação Física escolar fosse o seu objetivo de trabalho. Isso acaba não surpreendendo pois os cursos de graduação estão estruturado de forma a valorizar primordialmente o esporte. Nas grades curriculares dos vários cursos de Educação Física analisados, com algumas variações, as disciplinas ditas esportivas ocupam em média 50% do total do horas/aulas ministradas.

    Os cursos de Educação Física, da maneira como vem sendo ministrados pelas Instituições de Ensino Superior, oferecem unicamente a habilitação em licenciatura, formando o profissional de Educação Física, voltado para a área da Educação. Via de regra, esses cursos apresentam um currículo quase inteiramente organizados com disciplinas de enorme abrangência de conteúdo da área desportiva, uma pequena concentração de disciplinas de conteúdo formativo no campo pedagógico, que não passam das obrigatórias por lei, e uma rápida passagem por disciplinas que apresentam aspectos programáticos de formação pedagógica e cultural geral (Tojal2, 1995: p.17-8).

    Assim se a intenção é a de formar professores de Educação Física, seria necessário dar suporte aos mesmos, tanto tecnicamente, como pedagogicamente. Entretanto, é dado pouco valor a disciplinas como História, Filosofia, Sociologia, nos cursos de formação de professores de Educação Física, " essa discriminação aliena a Educação Física de alguns de seus propósitos mais autênticos, fazendo-a assumir uma postura dogmática, acrítica, onde o discurso sobre o homem torna-se fragmentado e secundário" (Oliveira, 1990, p.89), deixando uma lacuna na formação profissional dos futuros professores de Educação Física.

    Outra questão que fica bastante evidenciada, é a facilidade de se conseguir emprego na área de Educação Física, visto que boa parte dos acadêmicos de Educação Física já estavam empregados, antes mesmo da conclusão do curso.

    Entretanto, o fato de conseguir empregar-se ainda durante o transcorrer do curso, ou logo após a formatura, pode acabar escondendo uma outra dificuldade que é conseguir bons ganhos salariais. A grande maioria para ter um padrão de vida satisfatório (em comparação com a miséria do povo brasileiro), tem normalmente mais de um emprego e alguns revelam-se verdadeiros mágicos, trabalhando em quatro ou cinco atividades regulares diferentes. Esta situação de excesso de trabalho, se não é a causa principal, pelo menos contribui muito para que a qualidade desse trabalho exercido pelo profissional de Educação Física se reduza acentuadamente, assim:

    Muitos profissionais fazem mal o seu trabalho, menos por incompetência e mais por incapacidade de cumprirem, simultaneamente, um enorme leque de funções. Para além de dar aulas, devem desempenhar tarefas de administração, reservar tempo para avaliar, reciclar-se, orientar os alunos e atender os pais, organizar atividades várias, assistir a seminários e reuniões de coordenação, de disciplina, ou de ano, porventura mesmo, vigiar edifícios e materiais, recreios e cantinas. (Esteves, 1991, p.108)

    Quando questionados sobre a estabilidade e a remuneração, a profissão de professor traz uma grande vantagem em relação à estabilidade no trabalho, pois a função de técnico mostra-se muito atrelada a resultados. Em relação à parte salarial também parece ser vantajosa a função de professor de Educação Física, mas baseando-se principalmente na questão da garantia do salário. O técnico desportivo para ser bem remunerado, além de depender sempre dos resultados imediatos, ainda precisa trabalhar dentro do chamado alto nível, o que se torna realidade para bem poucos.

    A questão da estabilidade, da garantia do emprego é, com certeza, o grande atrativo da profissão de professor de Educação Física na escola pública. Dos professores entrevistados, ninguém elegeu a profissão de técnico desportivo como estável. Para a função docente em Educação Física, apenas um pequeno grupo mostrou-se confuso com as mudanças nas regras da estabilidade do funcionalismo público, achando que, no momento, não possuem quase nenhuma segurança.

    Como um dos questionamentos chaves, era necessário considerarmos primeiramente em que segmento de trabalho estes profissionais entrevistados encontravam maior realização profissional e também em que área de atuação poderia haver um maior reconhecimento profissional.

    Em relação à realização pessoal, grande parte dos entrevistados declarou que era como técnico desportivo que encontravam maior realização profissional, e tinham, de uma maneira geral, bastante clareza do porquê isto acontecia. Temos ainda professores que, quando indagados, dizem que a realização deveria ocorrer como professor de Educação Física, porém confessam ser como técnico desportivo a sua verdadeira realização.

    Ocorreram dois depoimentos com enfoques diferenciados dos demais, o que os tornou bastante interessante. Houve uma professora que julga não encontrar realização profissional em nenhum dos dois segmentos de trabalho (técnico e/ou professor de Educação Física). A outra professora declarou não ter parado ainda para pensar sobre esta questão; ela está formada desde o ano de 1996, e já exercia um trabalho dentro do campo da Educação Física durante o seu tempo de acadêmica. Assim, fez algumas considerações, porém não conseguiu expressar claramente qual o seu campo de realização pessoal.

    Para um grupo de profissionais é possível encontrar a realização profissional em ambos os casos, quer atuando como técnico desportivo, quer atuando como professor de Educação Física.

    Dentre os profissionais que expressaram ser como professores de Educação Física que encontravam maior realização profissional, é possível perceber, nas suas falas, algumas dúvidas e os motivos apontados para esta realização são bastante truncados. E é possível encontrar um pequeno grupo de professores, que atuam com seu pólo de realização pessoal voltado para a docência, e que com facilidade conseguem descrever os motivos que levam a isto.

    A contradição fica evidenciada em determinados momentos, como quando um professor declara obter sua realização pessoal como professor de Educação Física e utiliza argumentos plausíveis em defesa de seu posicionamento. Entretanto, mais adiante em sua entrevista comenta a respeito do retorno financeiro, de como alguns colegas que seguiram a carreira de técnicos, principalmente no futebol, e que através de resultados positivos conseguiram uma boa situação profissional e o quanto isso é importante na sociedade atual. Este professor tece o comentário de que se estivesse iniciando hoje sua carreira profissional, certamente estaria partindo para o lado que ele classifica como tecnicista, pois lá estão as melhores chances e ainda que não abandona tudo em função do tempo de serviço que tem e de sua estabilidade profissional

    Fica evidenciado que para a grande maioria um maior reconhecimento profissional é encontrado como técnico desportivo, porém são os resultados que determinam este reconhecimento, "o que importa nos esportes é o resultado; o esportista vale o que vale seu resultado, e toda a sua atividade depende de seu sucesso" (Betti, 1991, p.50)

    Alguns poucos professores acham que o reconhecimento profissional pode ser encontrado nos dois segmentos de trabalho de forma idêntica e finalmente para dois professores do grupo o reconhecimento é maior dentro da Educação Física escolar. Estes professores reconhecem que, não é necessário vencer e conquistar títulos para ser reconhecido e sim que, "é importante que o professor tenha sempre em mente que a Educação Física implica antes e acima de tudo uma ação educativa e como tal um ato político" (Carmo, 1987, p.45).

    Nas entrevistados um aspecto evidenciado é o de não haver por parte das direções3 e dos demais colegas de trabalho uma real consideração pela disciplina de Educação Física em relação às demais disciplinas que compõem a grade curricular das escolas. É prática comum nas escolas requisitar o professor para preparar grupos de alunos para comemorações nas festividades em detrimento dos demais alunos, os quais ficam sem a sua aula de Educação Física e ganham como compensação, uma bola para desenvolverem uma atividade física/esportiva onde nem sempre há uma participação efetiva e, mesmo que haja, não preenche os requisitos de uma aula da disciplina. "A Educação Física como disciplina do currículo escolar, não tem, portanto, tarefas diferentes do que a escola em geral. Sendo assim considerações a seu respeito não podem afastá-la da responsabilidade que a população exige da escola: ensinar e ensinar bem" (Vago, 1995, p.212).

    Ainda, para um número significativo de professores de Educação Física o fato de serem solicitados no horário de suas aulas, para realizarem atividades extra-classes, não denota um desrespeito à disciplina nem ao profissional e sim, é um reconhecimento da competência e da liderança exercida pelos mesmos. De acordo com Moreno, "parece haver uma certa confusão em torno do que seria a função profissional, a qual vai desde dar aulas, passando por montar tablados, salvar vidas, até organizar festas ..." (1996, p.158).

    Os motivos apontados para esta desvalorização são variados, "... embora quase sempre apontem o desconhecimento dos outros em relação ao que se faz na área, ao que se estuda na profissão, como sua maior causa" (Moreno, 1996, p.161). Contribuiria para a visão negativa da disciplina de Educação Física o fato de ser uma aula muito exposta, ocorrendo normalmente em ambientes externos. É interessante o comentário tecido por um professor, que ao justificar por que a Educação Física não é respeitada na escola, destaca que ela já começou sua trajetória com um nome impróprio, pois não é possível educar somente o físico. O próprio nome da disciplina traz implicitamente uma desvalorização para ela.

    Alguns professores de Educação Física acreditam que está havendo uma melhora na imagem da disciplina perante os demais colegas, mas têm consciência que ainda é preciso modificar muita coisa para que a Educação Física, possa realmente estar integrada na escola e receba o respeito dos demais professores. Isto ocorre também porque " ... a ação profissional em Educação Física/esportes aparenta ser muito simples e não deixa transparecer à primeira vista, quais conhecimentos estão fundamentando aqueles procedimentos" (Betti, 1992, p.239).

    Uma questão constantemente citada pelos professores de Educação Física, como um fator importante na elaboração da imagem desta disciplina, pelos demais professores e a direção, é a própria atuação do profissional de Educação Física.

    Diante disso, precisamos nos conscientizar de que a nossa prática, enquanto classe de trabalhadores, não tem sido das mais bem elaboradas e isto também contribui para que as pessoas não conheçam para que serve a disciplina de Educação Física na escola. "Não adianta teimar, bater os pés, fazer 'birra' e 'beicinho', feito criança mimada, temos que admitir os fatos e fazer algo dentro do nosso meio de atuação, dentro de nossas 'trincheiras', para mudar o que está errado ou manipulado" (Godoy, 1995, p.43).

    Em relação a visão que o corpo docente e a direção da escola tem do treinamento desportivo, aparece muito fortemente a questão dos resultados como fator de reconhecimento. O ser campeão, parece ser definitivamente o que dá status ao treinamento desportivo, pois superar aos outros e a si mesmo, ser sempre o melhor, ser vencedor, são valores positivos dentro da nossa sociedade. Além disto, a submissão as regras vigentes (regras esportivas e sociais) amoldando-se ao que já está posto sem questionamentos, também faz com que o esporte seja profundamente útil à manutenção do sistema. Para Moreira o esporte é dependente dos valores praticados pelos sujeitos em sociedade. Portanto, " ... para a sociedade que valoriza a competição, o individualismo, a 'filosofia' de que o certo é levar vantagem. O esporte objetivado pelos indivíduos desta sociedade, terá conotação dogmática, onde o lema será vencer ou morrer" (1995, p.19).

    Determinados docentes de Educação Física, salientam que embora os demais professores e a direção gostem do treinamento desportivo, muitos não sabem que ele existe. Para muitos, a comunidade escolar não chega a tomar conhecimento do treinamento esportivo. É preciso lembrar que a maior parte deste grupo de professores, ao ser questionado sobre onde se encontraria maior reconhecimento profissional, afirmou ser no treinamento desportivo.

    É preciso olhar de maneira crítica o discurso de uma professora de Educação Física que, afirmou que, apesar das dificuldades, é um trabalho sério, bem feito e por isto reconhecido. Entretanto destacou que pelos treinamentos ocorrerem em ambiente externo, quando há chuvas, os treinos são dispensados. Por este posicionamento, pode-se verificar que estes treinamentos se resumem ao trabalho de quadra ou de pista. Diante disto surge a pergunta, o que tem de educacional este treinamento? Não seria o momento da chuva, uma excelente oportunidade, para discutirem-se temas sócio-políticos ligados ao esporte? Inclusive poderia ser o momento de um aprofundamento teórico das questões técnicas e táticas. Não estamos questionando a seriedade destes treinamentos, porém a limitação e a afirmação de educação através deste esporte.

    Uma outra questão levantada nas entrevistas para os professores de Educação Física, foi, quais seriam as qualidades necessárias, na sua visão, para que tivéssemos um bom professor de Educação Física e um bom técnico desportivo. Foram lembrados os aspectos da competência, da postura profissional, do relacionamento com alunos e atletas e a questão de atingir bons resultados para os técnicos desportivos.

    Entretanto, em nenhum momento foi mencionado, por qualquer dos entrevistados a questão da clareza política. Os motivos desta omissão não são possíveis de detectarmos neste momento, porém as conseqüências podem ser notadas, pois "a concepção que o professor tiver da sociedade, da educação e de homem é ponto referencial de todo o processo educativo escolar, que através dele se dará, isto é do seu cotidiano pedagógico" (Fink, 1995, p.24), desta maneira, "os currículos de graduação não deveriam alijar do processo educacional as atividades políticas, uma vez que toda e qualquer ação pedagógica é antes de tudo uma ação política" (Carmo, 1987, p.43).


Concluindo provisoriamente...
    Nossa tarefa aqui foi de buscar nas falas e na literatura analisada, os elementos para que pudéssemos ter uma síntese de todo o trabalho elaborado.

    A primeira preocupação levantada foi a de buscar os motivos que levaram as pessoas a buscarem a graduação em Educação Física. De forma incontestável, terem sido atletas coloca-se como fator primordial na hora de se decidir por uma carreira universitária. Entretanto, não é com o objetivo de se tornar professor de Educação Física. O que povoa suas expectativas é a possibilidade de se tornarem técnico de uma modalidade esportiva, na qual já tinham uma vivência positiva.

    Quando inseridos no mercado de trabalho e, isso ocorre até com uma certa facilidade (aceitando o discurso de que trabalho existe e não trabalha quem não quer, esquecendo-se assim sob quais condições se realiza esse trabalho) esses profissionais vão buscar a sua realização pessoal e profissional como técnicos desportivos. O fato de, em grande número, os acadêmicos e futuros profissionais terem sido atletas de certa, aguça ainda mais a esportivização da Educação Física escolar, no sentido da busca do pódio. Entretanto, nessa busca muitos se dispõe a tudo, até mesmo a utilizar processos que contrariem os aspectos formativos e educativos que devem obrigatoriamente fazer parte de qualquer tipo de ato social.

    Estas pessoas vêem na perspectiva de se tornarem grandes técnicos a possibilidade de serem socialmente reconhecidos e valorizados, já que o esporte de rendimento é guiado pela mesma lógica de produção do sistema capitalista.

    A sociedade capitalista estrutura-se numa hierarquia cuja ideologia dominante é a promoção social, a possibilidade aparente de escalar a pirâmide até o topo. A hierarquia tende a converter-se numa forma pura, aparentemente aberta a todos pelo critério de capacidade individual, mas na realidade oculta a real desigualdade entre os indivíduos. O esporte é a consagração objetiva da hierarquia, o esportista é imediatamente classificado pelo seu valor, estabelecendo o resultado esportivo uma hierarquia visível e indiscutível. (Betti, 1991, p.50)

    Porém, a dificuldade de se sobreviver como técnico desportivo, acaba empurrando esses profissionais para a função docente. A garantia do emprego é o fator fundamental que encaminha a maior parte dos egressos dos cursos de Educação Física, para atuarem como professores nas escolas, mesmo que isto não seja exatamente o que estes profissionais buscavam e desejavam para suas vidas.

    Assim, a realização torna-se difícil, e muitas vezes as pessoas não sabem o que esperam de sua vida profissional. A escolha de uma profissão se faz de maneira quase inconsciente e quando concluído o curso, continua essa jornada de inconsciência, de trabalho alienado, em que a vida nos leva ao sabor do vento e nós ao invés de construirmos a história somos levados por ela.

    Os docentes de Educação Física não conseguem de maneira geral serem reconhecidos como profissionais competentes, quando não atuam como técnicos desportivos. A comunidade escolar vê a Educação Física como uma disciplina fácil de ser trabalhada e que não envolve grandes responsabilidades. Assim, os professores de Educação Física são vistos como uma classe que pouca contribuição tem a dar para a formação do aluno.

    Fica evidenciado que grande parte dos professores de Educação Física não compreendem claramente a função social da escola e da disciplina, e nem conseguem separar o momento da aula do momento do treinamento.

    Não é na verdade, o trabalho realizado dentro do esporte de rendimento nas escolas que dá o reconhecimento ao profissional de Educação Física, esse trabalho em muitas das vezes passa até despercebido pela comunidade escolar. São os resultados conseguidos que dão notoriedade ao técnico desportivo. Isso se faz por uma associação ilegítima entre o esporte escolar e o esporte espetáculo.

    Embora o pensamento se mostre em muitos momentos contraditórios e as vezes até ingênuo, também em significativos momentos foi possível constatar o entendimento claro que alguns profissionais têm em relação aos problemas da Educação Física, tendo inclusive solução para alguns desses problemas. O que lhes falta é poder, são os meios para que se efetuem as mudanças necessárias.

    É preciso lembrar que o próprio sistema que teme a Educação, estrutura-se de forma a acomodar o profissional, para depois criticá-lo e desvalorizá-lo. Presos a toda uma engrenagem, os profissionais de Educação Física sofrem com as críticas e não conseguem estruturar-se para buscar a superação dessa situação.

    Espero poder ter colaborado para que frutos emerjam a partir da análise realizada. Assim, no momento, de forma provisória, foi o que consegui desvendar sobre o que pensam os profissionais de Educação Física das Escolas públicas da cidade de Pato Branco sobre seu campo de atuação.


Notas

  1. Neste artigo as falas não serão reproduzidas em função do espaço, já que necessariamente deveriam ser reproduzidas na íntegra para evitar posicionamentos tendenciosos.

  2. João Batista TOJAL, em seu livro Currículo de Graduação Em Educação Física - A Busca de um Modelo, faz uma análise abrangente sobre cursos de graduação em Educação Física no Estado de São Paulo, e é uma leitura que pode trazer maiores esclarecimentos sobre esta área de estudo.

  3. Pela estrutura desse artigo não é possível citar fatos que me foram denunciados pelos próprios profissionais em suas falas, e que podem dar a dimensão da real valorização (ou desvalorização) da disciplina de Educação Física nas escolas públicas da cidade de Pato Branco.


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  • VAGO, T.M. Educação Física Escolar: temos o que ensinar. Rev. Paul. Educ. Fís. São Paulo: supl.1, p.20-4, 1995

  • VÁZQUEZ, A.S. Objetivos da Ética. In: Ética. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975, p. 5-48.


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revista digital · Año 8 · N° 56 | Buenos Aires, Enero 2003  
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