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A expressão corporal na formação de educadores

   
*Acadêmica formanda do Curso de
Educação Física da Universidade do Vale do Rio do Sinos
UNISINOS - São Leopoldo, RS
**Mestre em Educação e Professora do Curso de
Educação Física da
Universidade do Vale do Rio do Sinos
UNISINOS - São Leopoldo, RS e orientadora do trabalho.
 
 
Flávia Regina Seibert*
flaviaseibert@hotmail.com
Suzana Schuch Santos**
sschuch@portoweb.com.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
    Este trabalho é resultado de uma investigação de corte qualitativo realizada em 2002, no curso de Educação Física, junto aos acadêmicos de diferentes áreas do conhecimento que atuam em programas de extensão de caráter sócio-educativo na Universidade do Vale do Rio do Sinos - UNISINOS, em São Leopoldo, RS, Brasil. Descreve quais as modificações que o trabalho com expressão corporal produz na formação de educadores que atuam com crianças e adolescentes a partir de três categorias: eu comigo, eu com o outro, eu com o meu fazer profissional. Os sujeitos participaram de onze sessões de expressão corporal, constituídas por dinâmicas de expressividade, sensibilização corporal e contato com o ambiente e o outro. As informações foram obtidas através de questionários, pauta de observação, diários de campo e memoriais descritivos. Os resultados apontam para relevância da formação integral e a utilização de técnicas que contemplem a via do corpo, nos currículos acadêmicos que perspectivam ações educativas. Dentre as modificações, destacam-se o redimensionamento da percepção de si, resultante do aumento da auto-estima e do auto-conhecimento; e a melhora qualitativa das relações inter-pessoais, decorrentes da assunção da responsabilidade das mesmas e da abertura para o outro.

Ponencia presentada en el IV Encuentro Deporte y Ciencias Sociales, Buenos Aires, noviembre de 2002
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 8 - N° 55 - Diciembre de 2002

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    Poderia a Expressão Corporal surgir como um significativo instrumento de formação de educadores? Educadores são seres humanos e, portanto, sofrem, são felizes, têm raiva, angústias, medos, vontades, inseguranças, satisfações e insatisfações; e tudo isso faz parte de suas vidas, refletindo em todas as suas relações. No entanto, notamos que as suas formações acontecem, seguidamente, sob a forma de discussões teóricas, rotinas de leitura, seminários, palestras, quase sempre em salas, onde estes profissionais recebem um conhecimento, passiva ou ativamente. É cômodo, mas não seria incompleto? Percebendo a emergente necessidade de romper com a lógica desta formação convencional, apontamos para a necessária “mobilidade” dos mecanismos que são utilizados para efetivá-la, tanto na formação inicial (representada pela vida acadêmica), quanto na continuada (ampliadora da formação inicial, envolvendo aprendizagens de cunho atualizador), conforme sinaliza Negrine (1998) em seus estudos.

    O tema abordado nasceu inicialmente de um forte carinho pela dança, proveniente das diferentes vivências que tive nesta área; das aulas de Expressão Corporal que freqüentei para trabalhar melhor as questões pessoais; das percepções e reflexões que tive sobre a resistência de colegas da Educação Física em participar de momentos práticos na vida acadêmica, e da prática docente num programa de extensão universitária na UNISINOS, o PEI1, onde havia uma formação permanente que incluía pequenas vivências e práticas corporais, dirigidas pelos próprios monitores. A concepção e desenvolvimento deste estudo foram inspirados na Formação Pessoal (FP) 2, que, juntamente com a Teórica e a Pedagógica, compõe as três vertentes de formação de educadores. A FP é um tipo de terapia corporal que, segundo Negrine (1998, pg. 22), utiliza-se do corpo e situa-se “no âmbito das práticas corporais alternativas e constitui-se pelas implicações que desencadeia no processo de formação em uma terapia corporal”. Logo, nem sempre é possível se deparar com uma visão tranqüila daquilo que, ao longo do percurso, aparece. Os sentidos, percepções e convicções historicamente construídos e inscritos nos indivíduos, podem começar a ser percebidos de uma maneira diferente, talvez menos claros, ou menos exatos, mais ou menos distorcidos e compreendidos. Podem começar a ser revistos e resignificados.

    Sobre a expressão corporal, Renaud (1990) traz a idéia de que este tipo de vivência permite descobrir um corpo em relação, que rompe com aquilo que está constituído, já que toda expressão corporal individual permanece definida e limitada pela área cultural de origem. Salzer (1983), pondera que o resultado dessas práticas pode não aparecer como “algo durável”, porque as sessões não intervêm em causas sócio-políticas, psicológicas individuais e nem em mecanismos corporais condicionados para receber estas tensões, pois as preocupações diárias, a adesão ou recriação dessas preocupações pelo indivíduo, segundo ele, continuarão a acontecer. Sobre estas experiências corporais, Renaud (pg. 44) diz que servem “(...) de ponto de fixação a uma exploração da história individual”, onde as sedimentações sucessivas na memória do corpo emergem pouco a pouco, e interroga se a expressão corporal poderia se constituir numa primeira sensibilização dos docentes, neste campo ainda pouco explorado. A questão é: poderia?

    De acordo com a perspectiva de Salzer (1983) e seguindo a lógica do pensamento de Renaud e Negrine, o ser humano exerce um controle da atividade corporal que, muitas vezes, existe para dar conta de um comportamento social, onde há a necessidade do indivíduo de conciliar-se com uma norma. Ilustrando esta reflexão, Gaiger (2000) afirma que até mesmo nossos carinhos "estão sujeitos às formalidades" (pg. 96), o que deveria nos surpreender, porque a atividade educacional e o exercício deste ofício exigem, inevitavelmente, um canal aberto para a recepção dos educandos, seja quando nos solicitam explicitamente, seja quando começam a assumir atitudes para chamar nossa atenção, sinalizando suas carências. Para Salzer, é possível descobrir recursos e redirecioná-los segundo a própria vontade através de um trabalho sobre si mesmos e ele é pontual ao comentar a “reconciliação da pessoa com ela mesma” (pg. 42). Neste há a aceitação do corpo como ele é, em sua materialidade, e não exclusivamente através das impressões de uma outra pessoa ou do meio social. Assim, o educador muitas vezes vem de uma formação segmentada, rígida, contaminada pelos juízos de valor construídos e consolidados culturalmente, o que pode levar a uma construção pessoal deficitária, que dissemina todas essas “cargas” pelo seu ambiente de trabalho, podando possibilidades inovadoras. Ao dizer que “o corpo é na verdade vivido não somente em sua materialidade física, mas através de todos os juízos que os outros fizeram e foram se amontoando sobre essa matéria física bruta, neutra” (pg. 42), Salzer sintetiza esta idéia.

    O educador, por exercer um papel de referência, parece sentir uma responsabilidade maior quanto à questão dos enganos pessoais. Morin (2000) discute o potencial humano de mentira para si próprio3 que se ilustra na forte tendência de projetar suas falhas para o outro, não conseguindo admitir que, como qualquer um, é imperfeito e passível de enganos. Gaiger (2000) complementa, destacando que a compreensão de corpo e como cada um de nós vê e se relaciona com o próprio corpo "refletem substanciais heranças sócio-culturais onde o preconceito, o medo, a alienação, entre outras cargas negativas, estão fixadas e tomaram validade” (pg. 100) e pontua que "mudar significa, entre outras coisas, o reconhecimento de imperfeições, de incompletudes, de equívocos e, sobremaneira, requer a coragem de admitir e digerir perdas e a coragem de embrenhar-se em novas aprendizagens levantando novas hipóteses", advertindo que "não é fácil" (pg. 96). Numa linha analítica severa, Fávero (in: Alves,1995), é conclusivo ao afirmar que não tem cabimento continuarmos com cursos de "ilustração", de "memorização" ou de "adestramento" de mão-de-obra" (pg. 68). Freitas (in: Alves,1995) coloca que "a questão não é aumentar a prática em detrimento da teoria ou vice-versa". Para ele, "o problema consiste em adotarmos uma nova forma de produzir conhecimento no interior dos cursos de formação do educador" (pg. 93), onde, segundo Moreira (in: Alves,1995, pg. 40), deve-se combinar a linguagem da possibilidade, que significa facilitar ao futuro professor a aquisição de uma visão lúcida tanto do potencial transformador de seu trabalho, como das restrições que o perpassam, que não podem ser esquecidas ou minimizadas. É indiscutível, então, ressaltar a importância de cursos de formação que respondam à essas necessidades.

    Sob um enfoque temático diferenciado a respeito da formação, num diálogo com a corporeidade, Santos (1999) nos traz uma reflexão certeira: "Qual a concepção de ser humano que está sustentando a visão educativa?" (pg. 137). E, neste sentido, pergunto: Quais são as possibilidades de concepção do EU PRÓPRIO que alimentamos (e que nos são fornecidas como alimento) durante o longo processo de formação a que nos submetemos durante nossas vidas acadêmicas e depois, nas nossas vidas profissionais? E no fazer a que nos propomos no momento em que decidimos pela carreira educativa, que CORPO CONCEBIDO fala aos outros? Entender este ponto de vista é um grande passo para re-visitar nossos conceitos, porque, sobretudo, precisamos conseguir compreender as necessidades do aluno no nosso fazer pedagógico, e isso implica em doar-se. Santos (1999), defende o trabalho com a linguagem corporal e afirma que "a forma como as pessoas vivem sua experiência corporal, sentem sua consciência corporal ou de si próprias é fator determinante do modo como elas se inserem num grupo social". Ela diz que "os professores que hoje estão lecionando foram educados segundo um modelo racionalista, no qual a corporeidade não era valorizada". Deste modo, esta situação implica "uma necessária revisão do valor, do significado e do conhecimento que os professores possuem, inclusive do próprio corpo". Ressalta ainda o cuidado em não tornar esta discussão um obstáculo, mas sim, um elemento motivador que poderá resultar na "qualificação da vida pessoal e profissional do professor" (pg. 140). Utilizamos ainda luzes de Vygotski e sua teoria interacionista para compreender aspectos das relações interpessoais, e de Lapierre e Aucouturier, sobre a proposta de um espaço de reflexão para o adulto em formação.

    O objetivo do estudo realizado foi descrever as modificações que a Expressão Corporal produz na vida de educadores que trabalham com crianças e adolescentes, e no seu viver, identificando possíveis contribuições da mesma como instrumento de formação integral e profissional.

    O campo foi constituído pelos programas de extensão universitária da UNISINOS, através de monitores vinculados ao trabalho educacional com crianças e adolescentes. Foi embasado no paradigma qualitativo de pesquisa, no qual utilizamos o processo de triangulação de informações obtidas através de questionários - aplicados no início e no fim do estudo -, da pauta de observação das sessões, e do diário de campo. Os memoriais descritivos serviram para confirmar a análise. As informações foram agrupadas por categorias previamente definidas: a relação eu x eu, a relação eu x outro, a relação eu x ação profissional.

    Dentre as principais constatações, destacam-se: o aumento do auto-conhecimento, visualizado na percepção do tipo de relação “fechada” estabelecida com colegas e educandos no ambiente de trabalho, da tendência de transferir a “culpa” pelos insucessos das ações com os participantes, e da dificuldade com a linguagem não-verbal no cotidiano; o aumento da auto-estima com relação aos aspectos corporais próprios, identificados na aceitação da postura física, da altura, dos movimentos realizados nas dinâmicas das sessões e das próprias diferenças entre as pessoas, que deixou de ser um elemento “ameaçador”; e a melhora qualitativa das relações interpessoais no ambiente de trabalho, percebida no aumento da abertura e da tolerância com colegas e educandos.

    Houve, então, um redimensionamento da percepção de si, visualizado nas observações em laboratório (atitudes, verbalizações) e nas justificativas dos participantes para as perguntas dos questionários. O olhar lançado sobre aspectos corporais e comportamentais próprios com relação à atuação não foi sempre tranqüilo, causando, inclusive, o desencadeamento de pequeno conflito em alguns participantes.

    A implementação de metodologias que privilegiam a via do corpo nos programas de formação integral dos currículos, assim como o aprofundamento de estudos sobre esta temática, vão ao encontro da ruptura com a lógica da atual formação institucionalizada. Dificilmente pensamos esta formação dentro de uma concepção de corpo e movimento, onde os diferentes sentimentos que abrigamos dentro de nós, na pele, nos músculos, no espírito, nos olhos, no sentar, sorrir e respirar, possam ter uma oportunidade de ganhar liberdade, onde o equilíbrio pessoal tão procurado possa estar sendo contemplado. Não podemos esquecer que a continuidade do trabalho é de suma importância, porque os resultados obtidos não significam um impacto definitivo nos participantes, como sinaliza Salzer.


Notas

  1. Programa Escolinhas Integradas

  2. A Formação Pessoal (FP), refere-se à metodologia preconizada pelo Dr. Airton Negrine e será indicada por iniciais maiúsculas e seguidas de (FP). Quando mencionada formação pessoal sem iniciais maiúsculas e não seguidas de (FP), estaremos nos referindo à formação integral, que diz respeito à pessoa, e, portanto é pessoal.

  3. Sobre "ensinar a compreensão"e falando sobre o egocentrismo, Morin faz uma referência ao que ele chama de self-deception, que nada mais é do que a "tapeação de si”, que mascara carências e fraquezas próprias, onde a incompreensão de si desencadeia a incompreensão do outro.


Bibliografía

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  • BOADELLA, David. Nos Caminhos de Reich. São Paulo/SP: Summus, 1985

  • GAIGER, Paulo. Um Ensaio Sobre a Corporeidade. Porto Alegre/RS: Revista Perfil, Ano IV, Nº 4, 2000/2

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  • MINAYO, Maria Cecília de Souza. Pesquisa Social: Teoria, Método e Criatividade. Petrópolis/RJ: Editora Vozes, 2001

  • MORIN, Edgar. Amor, Poesia, Sabedoria. Rio de janeiro/RJ: Bertrand. 1998

  • ______ . Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. São Paulo/SP: Cortez, 2000

  • NEGRINE, Airton. Terapias Corporais : A Formação Pessoal do Adulto. Porto Alegre/RS: Edita,1998

  • NETO, Vicente Molina, TRIVIÑOS, Augusto. A Pesquisa Qualitativa na Educação Física. Porto Alegre/RS: UFRGS, 1999

  • OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vygotsky: Aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico. São Paulo/SP: Scipione, 1999

  • RENAUD, Claude-Pujade. Linguagem do Silêncio: Expressão Corporal. São Paulo/SP: Summus, 1990

  • SALZER, Jacques. A Expressão Corporal: Uma Disciplina da Comunicação. São Paulo/SP: Difel, 1993

  • SCHILDER, Paul. Sociologia da Imagem Corporal in: A Imagem do Corpo: As Energias Construtivas da Psique. São Paulo/SP: Martins Fontes, 1994.

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