A expressão corporal na formação de educadores | |||
*Acadêmica formanda do Curso de Educação Física da Universidade do Vale do Rio do Sinos UNISINOS - São Leopoldo, RS **Mestre em Educação e Professora do Curso de Educação Física da Universidade do Vale do Rio do Sinos UNISINOS - São Leopoldo, RS e orientadora do trabalho. |
Flávia Regina Seibert* flaviaseibert@hotmail.com Suzana Schuch Santos** sschuch@portoweb.com.br (Brasil) |
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Ponencia presentada en el IV Encuentro Deporte y Ciencias Sociales, Buenos Aires, noviembre de 2002
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 8 - N° 55 - Diciembre de 2002 |
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Poderia a Expressão Corporal surgir como um significativo instrumento de formação de educadores? Educadores são seres humanos e, portanto, sofrem, são felizes, têm raiva, angústias, medos, vontades, inseguranças, satisfações e insatisfações; e tudo isso faz parte de suas vidas, refletindo em todas as suas relações. No entanto, notamos que as suas formações acontecem, seguidamente, sob a forma de discussões teóricas, rotinas de leitura, seminários, palestras, quase sempre em salas, onde estes profissionais recebem um conhecimento, passiva ou ativamente. É cômodo, mas não seria incompleto? Percebendo a emergente necessidade de romper com a lógica desta formação convencional, apontamos para a necessária “mobilidade” dos mecanismos que são utilizados para efetivá-la, tanto na formação inicial (representada pela vida acadêmica), quanto na continuada (ampliadora da formação inicial, envolvendo aprendizagens de cunho atualizador), conforme sinaliza Negrine (1998) em seus estudos.
O tema abordado nasceu inicialmente de um forte carinho pela dança, proveniente das diferentes vivências que tive nesta área; das aulas de Expressão Corporal que freqüentei para trabalhar melhor as questões pessoais; das percepções e reflexões que tive sobre a resistência de colegas da Educação Física em participar de momentos práticos na vida acadêmica, e da prática docente num programa de extensão universitária na UNISINOS, o PEI1, onde havia uma formação permanente que incluía pequenas vivências e práticas corporais, dirigidas pelos próprios monitores. A concepção e desenvolvimento deste estudo foram inspirados na Formação Pessoal (FP) 2, que, juntamente com a Teórica e a Pedagógica, compõe as três vertentes de formação de educadores. A FP é um tipo de terapia corporal que, segundo Negrine (1998, pg. 22), utiliza-se do corpo e situa-se “no âmbito das práticas corporais alternativas e constitui-se pelas implicações que desencadeia no processo de formação em uma terapia corporal”. Logo, nem sempre é possível se deparar com uma visão tranqüila daquilo que, ao longo do percurso, aparece. Os sentidos, percepções e convicções historicamente construídos e inscritos nos indivíduos, podem começar a ser percebidos de uma maneira diferente, talvez menos claros, ou menos exatos, mais ou menos distorcidos e compreendidos. Podem começar a ser revistos e resignificados.
Sobre a expressão corporal, Renaud (1990) traz a idéia de que este tipo de vivência permite descobrir um corpo em relação, que rompe com aquilo que está constituído, já que toda expressão corporal individual permanece definida e limitada pela área cultural de origem. Salzer (1983), pondera que o resultado dessas práticas pode não aparecer como “algo durável”, porque as sessões não intervêm em causas sócio-políticas, psicológicas individuais e nem em mecanismos corporais condicionados para receber estas tensões, pois as preocupações diárias, a adesão ou recriação dessas preocupações pelo indivíduo, segundo ele, continuarão a acontecer. Sobre estas experiências corporais, Renaud (pg. 44) diz que servem “(...) de ponto de fixação a uma exploração da história individual”, onde as sedimentações sucessivas na memória do corpo emergem pouco a pouco, e interroga se a expressão corporal poderia se constituir numa primeira sensibilização dos docentes, neste campo ainda pouco explorado. A questão é: poderia?
De acordo com a perspectiva de Salzer (1983) e seguindo a lógica do pensamento de Renaud e Negrine, o ser humano exerce um controle da atividade corporal que, muitas vezes, existe para dar conta de um comportamento social, onde há a necessidade do indivíduo de conciliar-se com uma norma. Ilustrando esta reflexão, Gaiger (2000) afirma que até mesmo nossos carinhos "estão sujeitos às formalidades" (pg. 96), o que deveria nos surpreender, porque a atividade educacional e o exercício deste ofício exigem, inevitavelmente, um canal aberto para a recepção dos educandos, seja quando nos solicitam explicitamente, seja quando começam a assumir atitudes para chamar nossa atenção, sinalizando suas carências. Para Salzer, é possível descobrir recursos e redirecioná-los segundo a própria vontade através de um trabalho sobre si mesmos e ele é pontual ao comentar a “reconciliação da pessoa com ela mesma” (pg. 42). Neste há a aceitação do corpo como ele é, em sua materialidade, e não exclusivamente através das impressões de uma outra pessoa ou do meio social. Assim, o educador muitas vezes vem de uma formação segmentada, rígida, contaminada pelos juízos de valor construídos e consolidados culturalmente, o que pode levar a uma construção pessoal deficitária, que dissemina todas essas “cargas” pelo seu ambiente de trabalho, podando possibilidades inovadoras. Ao dizer que “o corpo é na verdade vivido não somente em sua materialidade física, mas através de todos os juízos que os outros fizeram e foram se amontoando sobre essa matéria física bruta, neutra” (pg. 42), Salzer sintetiza esta idéia.
O educador, por exercer um papel de referência, parece sentir uma responsabilidade maior quanto à questão dos enganos pessoais. Morin (2000) discute o potencial humano de mentira para si próprio3 que se ilustra na forte tendência de projetar suas falhas para o outro, não conseguindo admitir que, como qualquer um, é imperfeito e passível de enganos. Gaiger (2000) complementa, destacando que a compreensão de corpo e como cada um de nós vê e se relaciona com o próprio corpo "refletem substanciais heranças sócio-culturais onde o preconceito, o medo, a alienação, entre outras cargas negativas, estão fixadas e tomaram validade” (pg. 100) e pontua que "mudar significa, entre outras coisas, o reconhecimento de imperfeições, de incompletudes, de equívocos e, sobremaneira, requer a coragem de admitir e digerir perdas e a coragem de embrenhar-se em novas aprendizagens levantando novas hipóteses", advertindo que "não é fácil" (pg. 96). Numa linha analítica severa, Fávero (in: Alves,1995), é conclusivo ao afirmar que não tem cabimento continuarmos com cursos de "ilustração", de "memorização" ou de "adestramento" de mão-de-obra" (pg. 68). Freitas (in: Alves,1995) coloca que "a questão não é aumentar a prática em detrimento da teoria ou vice-versa". Para ele, "o problema consiste em adotarmos uma nova forma de produzir conhecimento no interior dos cursos de formação do educador" (pg. 93), onde, segundo Moreira (in: Alves,1995, pg. 40), deve-se combinar a linguagem da possibilidade, que significa facilitar ao futuro professor a aquisição de uma visão lúcida tanto do potencial transformador de seu trabalho, como das restrições que o perpassam, que não podem ser esquecidas ou minimizadas. É indiscutível, então, ressaltar a importância de cursos de formação que respondam à essas necessidades.
Sob um enfoque temático diferenciado a respeito da formação, num diálogo com a corporeidade, Santos (1999) nos traz uma reflexão certeira: "Qual a concepção de ser humano que está sustentando a visão educativa?" (pg. 137). E, neste sentido, pergunto: Quais são as possibilidades de concepção do EU PRÓPRIO que alimentamos (e que nos são fornecidas como alimento) durante o longo processo de formação a que nos submetemos durante nossas vidas acadêmicas e depois, nas nossas vidas profissionais? E no fazer a que nos propomos no momento em que decidimos pela carreira educativa, que CORPO CONCEBIDO fala aos outros? Entender este ponto de vista é um grande passo para re-visitar nossos conceitos, porque, sobretudo, precisamos conseguir compreender as necessidades do aluno no nosso fazer pedagógico, e isso implica em doar-se. Santos (1999), defende o trabalho com a linguagem corporal e afirma que "a forma como as pessoas vivem sua experiência corporal, sentem sua consciência corporal ou de si próprias é fator determinante do modo como elas se inserem num grupo social". Ela diz que "os professores que hoje estão lecionando foram educados segundo um modelo racionalista, no qual a corporeidade não era valorizada". Deste modo, esta situação implica "uma necessária revisão do valor, do significado e do conhecimento que os professores possuem, inclusive do próprio corpo". Ressalta ainda o cuidado em não tornar esta discussão um obstáculo, mas sim, um elemento motivador que poderá resultar na "qualificação da vida pessoal e profissional do professor" (pg. 140). Utilizamos ainda luzes de Vygotski e sua teoria interacionista para compreender aspectos das relações interpessoais, e de Lapierre e Aucouturier, sobre a proposta de um espaço de reflexão para o adulto em formação.
O objetivo do estudo realizado foi descrever as modificações que a Expressão Corporal produz na vida de educadores que trabalham com crianças e adolescentes, e no seu viver, identificando possíveis contribuições da mesma como instrumento de formação integral e profissional.
O campo foi constituído pelos programas de extensão universitária da UNISINOS, através de monitores vinculados ao trabalho educacional com crianças e adolescentes. Foi embasado no paradigma qualitativo de pesquisa, no qual utilizamos o processo de triangulação de informações obtidas através de questionários - aplicados no início e no fim do estudo -, da pauta de observação das sessões, e do diário de campo. Os memoriais descritivos serviram para confirmar a análise. As informações foram agrupadas por categorias previamente definidas: a relação eu x eu, a relação eu x outro, a relação eu x ação profissional.
Dentre as principais constatações, destacam-se: o aumento do auto-conhecimento, visualizado na percepção do tipo de relação “fechada” estabelecida com colegas e educandos no ambiente de trabalho, da tendência de transferir a “culpa” pelos insucessos das ações com os participantes, e da dificuldade com a linguagem não-verbal no cotidiano; o aumento da auto-estima com relação aos aspectos corporais próprios, identificados na aceitação da postura física, da altura, dos movimentos realizados nas dinâmicas das sessões e das próprias diferenças entre as pessoas, que deixou de ser um elemento “ameaçador”; e a melhora qualitativa das relações interpessoais no ambiente de trabalho, percebida no aumento da abertura e da tolerância com colegas e educandos.
Houve, então, um redimensionamento da percepção de si, visualizado nas observações em laboratório (atitudes, verbalizações) e nas justificativas dos participantes para as perguntas dos questionários. O olhar lançado sobre aspectos corporais e comportamentais próprios com relação à atuação não foi sempre tranqüilo, causando, inclusive, o desencadeamento de pequeno conflito em alguns participantes.
A implementação de metodologias que privilegiam a via do corpo nos programas de formação integral dos currículos, assim como o aprofundamento de estudos sobre esta temática, vão ao encontro da ruptura com a lógica da atual formação institucionalizada. Dificilmente pensamos esta formação dentro de uma concepção de corpo e movimento, onde os diferentes sentimentos que abrigamos dentro de nós, na pele, nos músculos, no espírito, nos olhos, no sentar, sorrir e respirar, possam ter uma oportunidade de ganhar liberdade, onde o equilíbrio pessoal tão procurado possa estar sendo contemplado. Não podemos esquecer que a continuidade do trabalho é de suma importância, porque os resultados obtidos não significam um impacto definitivo nos participantes, como sinaliza Salzer.
Notas
Programa Escolinhas Integradas
A Formação Pessoal (FP), refere-se à metodologia preconizada pelo Dr. Airton Negrine e será indicada por iniciais maiúsculas e seguidas de (FP). Quando mencionada formação pessoal sem iniciais maiúsculas e não seguidas de (FP), estaremos nos referindo à formação integral, que diz respeito à pessoa, e, portanto é pessoal.
Sobre "ensinar a compreensão"e falando sobre o egocentrismo, Morin faz uma referência ao que ele chama de self-deception, que nada mais é do que a "tapeação de si”, que mascara carências e fraquezas próprias, onde a incompreensão de si desencadeia a incompreensão do outro.
Bibliografía
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BOADELLA, David. Nos Caminhos de Reich. São Paulo/SP: Summus, 1985
GAIGER, Paulo. Um Ensaio Sobre a Corporeidade. Porto Alegre/RS: Revista Perfil, Ano IV, Nº 4, 2000/2
LEOPARDI, Maria Tereza. Metodologia da pesquisa na Saúde. Santa Maria/RS: Pallotti, 2001
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MINAYO, Maria Cecília de Souza. Pesquisa Social: Teoria, Método e Criatividade. Petrópolis/RJ: Editora Vozes, 2001
MORIN, Edgar. Amor, Poesia, Sabedoria. Rio de janeiro/RJ: Bertrand. 1998
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digital · Año 8 · N° 55 | Buenos Aires, Diciembre 2002 |