As relações necessárias entre a educação física e as ciências sociais |
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Curso de Educação Física Faculdade de Pato Branco - FADEP (Brasil) |
Prof. Ms. Santiago Pich, Acadêmica Arrekieli Boldori, Acadêmico Felipe Bebici, Acadêmica Franciely Pizato, Acadêmico Héber Murback, Acadêmica Regiane Zanotto y Acadêmica Zenaide Da Rocha Fragatta santiago@fadep.br |
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Ponencia presentada en el IV Encuentro Deporte y Ciencias Sociales, Buenos Aires, noviembre de 2002
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 8 - N° 55 - Diciembre de 2002 |
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A relação entre a Educação Física e as ciências sociais no âmbito brasileiro não conta com uma longa história1. Entendemos que esse quadro têm duas origens, por um lado a tradição heterônoma da Educação Física e sua vinculação às ciências naturais e a interesses políticos burgueses e por outro lado deve-se à própria tradição das ciências sociais pautada fortemente pelo dualismo, e o conseqüente privilégio dos objetos de estudo considerados mais elevados como as produções artísticas, a linguagem, as produções materiais, as organizações parentais, as dimensões macro-econômicas da sociedade, etc. Nesse contexto a dimensão corpórea do ser humano ficou relegada enquanto objeto de estudo por ser uma temática de relevância menor. Esse lugar reservado ao corpo muda consideravelmente quando as ciências sociais, particularmente nas décadas de 60 e 70, “despertam para o corpo”. No entanto, esse quadro sofreu mudanças importantes a partir dos anos 70 e 80 pelo interesse despertado na Educação Física por reflexões que encontraram suas bases nas ciências sociais, bem como pelo interesse crescente nas diversas ciências sociais pelo corpo enquanto objeto de estudo.
A Educação Física esteve pautada ao longo da sua história por uma perspectiva heterônoma de legitimação. Com isto queremos dizer que esta área de conhecimento conseguiu espaço no campo profissional e no campo acadêmico por interesses extrínsecos a ela . Esses interesses encontraram seu assento em diversos processos políticos e na consolidação da ciência moderna, neste caso de cunho biomédico, enquanto forma utilizada pelos segmentos dominantes para instituir uma ordem hegemônica favorável à manutenção do status quo da dominação burguesa.
A Educação Física que em momentos confundiu-se com ginástica, posteriormente com esporte, com recreação, com psicomotricidade, ficou adormecida ou despreocupada com uma volta para si, esqueceu a máxima socrática “conhece-te a ti mesmo”, não havia motivos para tal preocupação uma vez que o espaço que lhe era concedido ganhava cada vez mais apoio para continuar existindo.
O processo acima descrito encontra-se suficientemente descrito nas obras e autores como Castellani Filho (1988), Bracht (1999), Ghirardelli Jr. (1988) & Cavalcanti (1984). Porém, merece destaque a produção vasta de Innezil Penna Marinho, autor que através de numerosas obras que versaram sobre metodologia de ensino, filosofia, mas principalmente história tornou-se nas décadas de 40 e 50 o maximo expoente da produção acadêmica da Educação Física nas ciências sociais . Contudo o referido autor teve sua obra pautada por uma concepção positivista de ciência, diametralmente oposta daquela adotada pela corrente progressista da Educação Física brasileira que no presente trabalho será adotada como referência por entender que essa corrente é a que apresenta a mais consistente proposta para a construção do campo da Educação Física. No entanto, essa carência de reflexão começa a mudar a partir do momento em que reflexões que encontram suas bases nas ciências sociais aparecem no cenário da Educação Física. Reflexões como qual é a identidade da Educação Física?, qual é o objeto da área? A Educação Física é uma ciência ou uma prática pedagógica? O que é o corpo e o movimento? Qual é o papel da Educação Física na formação de um sujeito? Esses e outros questionamentos começaram a fazer efervescer o campo acadêmico da Educação Física na década de 80. Medina (1990) chama a atenção para a necessidade de uma crise, vejamos:
“Parece um tanto estranho acreditar que uma crise possa fornecer algum tipo de auxílio no desenvolvimento de uma área qualquer de atuação, em uma sociedade como a nossa tão cheia delas. Mas é exatamente isso que a nossa cultura e a Educação Física parecem estar precisando, caso pretendam evoluir.” (Medina, 1990, p. 19)
Uma das conseqüências mais relevantes desta nova relação estabelecida entre a Educação Física e as ciências sociais será a mudança na concepção de corpo e movimento que orientará a produção acadêmica nesta área de conhecimento. Observamos a partir deste momento um consenso sobre o estatuto sócio-histórico do conhecimento que o situa no patamar da cultura. Essa incorporação teórica será materializada no objeto proposto para a área, denominado de cultura corporal, cultura de movimento ou cultura corporal de movimento, vemos que as três propostas dão ênfase à dimensão cultural do movimento, isto é, o movimento assume agora o papel de dimensão constitutiva da identidade social dos sujeitos e o movimento é concebido como uma linguagem particular dentro do emaranhado do imaginário social (Pich, 2001). Outra postura assumida pela corrente progressista da Educação Física está relacionada à especificidade da atividade do profissional, um profissional que terá como matéria prima a sua relação com o outro orientado por um telos pedagógico, por uma intencionalidade pedagógica. Entendemos que Betti (1996) tenha sido o autor que mais bem abordou esta problemática, no entanto pensamos que é possível aportar uma caracterização mais clara, que deve surgir da análise das propostas elaboradas por intelectuais da Educação Física. No presente trabalho entenderemos a Educação Física como uma prática pedagógica de articulação interdisciplinar de conhecimento sobre a cultura corporal de movimento.
As ciências sociais, por sua vez também seguem um percurso cada vez mais interessante no sentido de uma reconciliação com o corpo. Se até um período eram as produções mais elevadas do espírito humano, como as grandes determinações de sistemas econômicos ou de modos de produção, a estruturação da linguagem verbal de uma sociedade, as instituições sociais tradicionais como a escola, a igreja, a família, a milícia, e notadamente o estado, observamos um interesse cada vez maior neste campo científico no sentido de compreender qual o estatuto do corpo no contexto social. As mais diversas disciplinas das ciências humanas revelam processos de problematização de questões ligadas ao corpo. Somente para citar alguns exemplos podemos citar a Friedrich Nietzche e Sigmund Freud que como vozes isoladas do seu tempo já lançavam alertas sobre o silenciamento do corpo operado na tradição ocidental. Na França será Maurice Merleau-Ponty quem problematize a partir da filosofia a condição corpórea do ser humano, dando à corporeidade um status ontológico na constituição do humano e Marcel Mauss quem introduza a discussão sobre o corpo como um elemento da cultura. A França será o grande celeiro de pensadores que inaugurarão uma tradição teórica que visa lançar luz sobre a problemática do corpo, encontramos nessa corrente autores ligados às mais diversas áreas como a psicologia onde se destacam Jaques Lacan e Henry Wallon, na psicocinética destaca-se Jean Le Boulch, na sociologia será Pierre Bourdieu quem chame a atenção para a problemática do corpo da constituição da identidade social do indivíduo, criando uma tradição assumida dentre outros por Luc Boltanski, e na filosofia Michel Foucault dará as contribuições mais expressivas. No entanto, na Alemanha também observamos um interessante trabalho de cunho filosófico desenvolvido por Norbert Elias, que será continuado na Inglaterra a partir da segunda guerra mundial, e atualmente é desenvolvido por grupos na França e na Inglaterra.
Os objetos de estudo desdobrados a partir da problemática do corpo são inúmeros, mas um dos mais significativos é sem nenhuma dúvida a preocupação de uma linha de autores entre os que se destacam Pierre Bourdieu, Michel Foucault e Norbert Elias com a capilarização das relações de poder na sociedade ocidental a partir da modernidade, e como esse processo teve e continua tendo seu assento no corpo. Sem dúvidas que cada um dos autores mencionados aborda o tema de uma perspectiva singular, no entanto entendemos que é na possibilidade de diálogo entre os mesmos que cada obra poderá ser melhor compreendida. Por outro lado Bourdieu, Foucault e Elias têm despertado grande interesse e provocações no campo acadêmico da Educação Física brasileira, motivo pelo qual entendemos que é relevante colocar esse caudal de produção em discussão. A continuação faremos uma revisão de algumas das teses centrais desses teóricos tentado sempre possibilitar um diálogo entre os mesmos e a Educação Física.
Corpo Disciplinado: Corpo e Poder em M. FoucaultPara Foucault, a estabilidade das sociedades desenvolvidas é o resultado do comando de organizações administrativas perfeitas. Isto é realizado através de vários fatores, que tornará cada indivíduo uma peça para a sociedade.
Foucault, vê o controle através de procedimentos disciplinares do corpo, são levados efeitos através das instituições sociais. Foucault (1991) denuncia o corpo submetido ao poder nas instituições, prisões, manicômios, fábricas e escolas. Onde o corpo é submetido à disciplina e ao controle.O autor enfatiza crítica sobre a tecnologia do poder que não é um fantasma em comando do corpo, mas sim materialidade do poder é quem exerce no corpo dos indivíduos.
Tudo ocorre em volta da sociedade. É a sociedade que impõe regras es vezes o indivíduo comete violência contra seu corpo, porque acha que seu corpo é um mero objeto e deve se adaptar com as exigências do momento dentro da sociedade, como por exemplo aos ditames da moda.
Entendemos com Foucault (1991) que o exercício do poder se dá a partir do acúmulo do conhecimento. Realmente temos um grande equivoco que acontece em nossa sociedade, há umdiscurso instituído que prega a idéia de sermos regidos por uma democracia, não sabemos até que ponto é possível pensar que vivemos numa sociedade realmente democrática. Concordamos com Michel Foucault quando o autor nos coloca o questionamento de se realmente existe democracia, se nós elegemos uma pessoa para exercer o poder sobre uma nação, sem podermos ter aceso a leis, normas, emfim toda uma ordem discursiva que caracteriza a sociedade contemporânea. No caso particular do conhecimento sobre o corpo coube às ciências biomédicas a soberania sobre o conhecimento a respeito do corpo. Ciências que adotaram uma perspectiva materialista-mecanicista para o trato do mesmo, tendo como conseqüência um processo de padronização da constituição da subjetividade humana. Para exemplificar essa situação podemos cita o processo do tratamento médico, no qual o processo de cura parte pelo diagnóstico de que identifica certos sintomas e os liga a uma origem etiológica. Para um quadro sintomático semelhante era receitado o mesmo medicamento, o médico não levava em consideração as diferenças de uma pessoa para outra, queremos dizer cada corpo (sujeito).
Foucault (1979) ressalta que diferentemente do século passado, o século XX priorizaria o investimento no corpo, sob forma de “controle estimulação”. O poder assume sua materialidade ao investir na “recuperação do corpo”, através de uma complexa rede investimentos como a publicidade, medicina e diferentes técnicas corporais, como a ginástica. É preciso parar e analisar as dimensões que foram dadas ao corpo humano e as suas funções, como as pessoas viam sua importância para viver.
O cuidado crescente com o corpo não é um fenômeno de longa data, pelo menos na forma massificada como pode-se constatar atualmente, por que há algum tempo atrás o corpo era considerado como um simples objeto de trabalho, que deveria estar sempre preparado para executar silenciosamente as ordens emanadas pelo sujeito no lugar de comando. O corpo era submisso e não se dava importância para ele, era uma “máquina de produzir”. E essa “máquina” deveria estar sempre em boas condições. Caso viesse a ter algum problema era mandada para a oficina para “consertar”; e assim as pessoas também se adoentassem iriam ao médico e ele receitaria o medicamento conforme os sintomas dela.
A diminuição da soberania corporal devido aos interesses por algumas tecnologias nas atividades físicas, os indivíduos se preocupam cada vez mais com o corpo e a aparência a ser apresentada ao público, que são influenciadas pelos meios de comunicação. Cada indivíduo se preocupa em cultivar seu corpo gastando seu tempo e se preocupando menos com as questões coletivas. Através da mídia é incorporado o interesse pela exercitação/excitação corporal, que cada vez mais se tem a necessidade de praticar exercícios físicos, mesmo que exija esforços e sofrimentos.
Isto aponta questões do poder que é exercido pelo mercado de consumo, onde cada indivíduo se torna objeto de uma atuação especialista que lhe prescreve uma disciplina para sua vida. Por exemplo: paga-se o que for preciso para que um profissional de academia mostre os caminhos necessários para a obtenção de resultados estéticos, para moldar o corpo de tal forma, que venha satisfazer os olhares da sociedade.
Para a cultura de consumo o corpo é um veículo de prazer, saúde, aptidões e beleza a qual favorece a indústria da moda. Na atividade física e esporte constitui uma forte ação disciplinadora, considerando o adestramento do corpo para fins competitivos no mundo esportivo.
A relação entre exercícios físicos e saúde está sendo um aliado da educação física, tanto na área de reabilitação física como em forma de lazer e esportes. Antes a educação física era considerada como esporte. Hoje há uma preocupação em adaptar a atividade física na sociedade como, bem-estar sendo ele um remédio para combater situações apresentadas como: obesidade, comportamentos com o corpo. Nas últimas décadas está se preocupando especialmente com bem-estar, definição lógica de normalização social. Pedraz (1997) defende a de uma relação incontestável entre o exercício físico e a saúde.
Esse processo constitui um problema político que se estabelece com a presença da figura do médico no espaço social, que assume a posição de detentor de saber-poder sobre o corpo com o processo da construção do saber da medicina (Foucault, 1991).
Pode ser considerado que não existe nenhuma prática independente de gostos, ideologias, o que entendemos é uma prática corporal que se concreta no decorrer da vida, mas que toda prática se transforma em critérios de definição da condição de classe, a partir dos critérios que a classe dominante impõe, do modo em que ela define tais critérios. Estas considerações podem (e devem) ser ligadas à relação entre exercício físico e saúde que é entendida como um conjunto de formalidades meramente técnicas, que se dá pela falta de considerações críticas em torno do entendimento de cada um dos termos, corpo e saúde.
A definição desses termos é altamente relevante uma vez que, como Foucault (1991) entende, cabe a uma parcela específica de especialistas esse trabalho. Esse processo terá como conseqüência também uma questão do poder, uma vez que a definição conceitual, sempre heterônoma aos sujeitos, implica a definição de um determinado estilo de vida, que é considerado como vida saudável uma ordem em que consiste em, comer bem, vestir-se bem, ir a festas, ter um tempo para lazer, descanso, higiene e trabalho. É um estilo de vida que cada vez mais se constitui pela ordem moral e racional. Um universo de uma sociedade de produtividade orientada pelo consumo, que possui como um dos seus suportes a administração política do corpo (Pedraz, 1997).
Quem será considerado em ter uma vida saudável? No processo de legitimação do exercício físico como paradigma um estilo de vida saudável, tem como processo de legitimação natural, um estilo de vida próprio, que seria distinto para classes acomodadas. Podemos observar que o exercício físico tem uma relação uma tanto técnica com a saúde e o bem estar corporal; determinadas pessoas na sociedade fazem com que a maioria da população siga seu modelo de corpo, bonito, saudável, forte. Freqüentemente, fazemos o que os “outros” consideram certo, seguimos a moda estilo, prejudicamos nossa saúde, tudo isso para que? Para que não sejamos excluídos da sociedade, para termos um corpo admirado, para a exaltação do nosso Narciso, para ser dignos do desejo. Em fim somos muito mais regulados pelas micro-redes de poder criadas no contexto social do que sujeitos soberanos.
Podemos entender, que aquele corpo que está ali presente, não é uma máquina que podemos regular, moldar e adaptar nas condições necessárias, mas sim um corpo sujeito que não pode ser desvinculado da sua dimensão reflexiva e afetiva, que pensa e tem ações e reações diversas.
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