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Desporto e rendimento escolar

   
Mestre em Educação, professora do
Centro Federal de Educação Tecnológica do
Paraná/Unidade de Pato Branco e do Curso de
Educação Física das Faculdades de Pato Branco
 
 
Samoara Viacelli
samoarav@yahoo.com.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
    O desporto tem sido alvo de muitas críticas nos últimos tempos. Sua função educadora dentro do ambiente escolar tem sido questionada por alguns autores. Porém, os estudos realizados a esse respeito têm geralmente como objetivo principal, as questões sociais e culturais do esporte. São escassos os trabalhos que tratam especificamente da influência da prática desportiva na vida escolar dos alunos, verificando se há melhorias, prejuízos no rendimento escolar ou se este não sofre alterações devido às atividades esportivas dos alunos. Neste trabalho apresenta-se o resultado de uma pesquisa realizada com alunos-atletas e não-atletas investigando sua prática esportiva e seu rendimento escolar.
 
    The sport has been white of many critical ones in the last times. Its function educator inside of the pertaining to school environment has been questioned for some authors. However, the studies carried through to this respect have as objective generally main, the social matters and cultural of the sport. The works are scarce that specifically deal with the practical influence of the porting one in the pertaining to school life of the pupils, verifying if it has improvements, damages in the pertaining to school income or if this does not suffer alterations due to the sport activities from the pupils. In this work the result of a research carried through with pupil-athlete and not-athlete is presented investigating its practical sportiv and its pertaining to school income.

Ponencia presentada en el IV Encuentro Deporte y Ciencias Sociales, Buenos Aires, noviembre de 2002
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 8 - N° 55 - Diciembre de 2002

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    Existem muitos comentários e idéias diferentes a respeito da prática desportiva nas escolas. As opiniões são diversas e vão desde o apoio à existência das mesmas, até posicionamentos favoráveis à completa extinção dos desportos1 nas quadras escolares.

    Conforme TUBINO, “o principal equívoco histórico do entendimento do esporte-educação é a sua percepção como um ramo do esporte-performance, ou de rendimento. Nesta percepção equivocada, as competições escolares, que deveriam ter um sentido educativo, em vez disto, simplesmente reproduzem as competições de alto nível, com todas as suas características, inclusive com seus vícios, deformando qualquer conceito de educação. “(1992, p.31)

    Outra conseqüência negativa do desporto durante a adolescência, pode ser quanto ao insucesso na vida esportiva. “A competição (...) pode trazer conseqüências indesejáveis em Educação Física quando leva ao contínuo insucesso, resultando em frustração. E a continuada frustração se manifesta nas mais diversas formas de agressividade.” (SETTINERI, RIES, TARGA, 1979, P. 97)

    Além das críticas feitas por estes autores, existe outro fato que nos faz refletir sobre a existência do desporto nas escolas: a discriminação sofrida por atletas e profissionais de Educação Física baseada na crença de que pessoas envolvidas com esporte ou atividades físicas não gostam de estudar ou que são realmente “menos inteligentes”. Georges MAGNANE, (1969, p. 81) relata que para o jovem esportista “o intelectual é, senão o inimigo, pelo menos o estranho”. Esta forma de pensar não é exclusividade deste autor. Pelo contrário, é uma constante em nosso cotidiano e é reforçada através dos vários meios de comunicação. ARAÚJO FILHO contesta este tipo de atitude, expondo em uma carta intitulada “Carta em prol da dignidade e respeito do professor de Educação Física”, sua indignação sobre a forma como foram referidos os professores de Educação Física em determinada rede nacional de televisão, onde os mesmos foram taxados praticamente de analfabetos.

    Essa discriminação transpõe o âmbito escolar/colegial e está presente inclusive dentro das próprias universidades, local de formação dos professores de Educação Física. Na sua dissertação sobre a profissão “professor de Educação Física”, Andrea MORENO aponta que os professores denunciam “um certo olhar de menosprezo a tudo que se refere aos interesses do departamento de Educação Física” na Universidade (1996, p.159). Ainda no âmbito dos cursos superiores, em uma situação particular de preconceito explicito, fui surpreendida quando ao estar numa sala de professores lendo um livro, fui questionada: “o que você está fazendo?”; e ao responder que estava estudando, ouvi: “eu pensei que professores de Educação Física não precisavam estudar. Não é só ir lá e jogar bola?”

    Esse tipo de discriminação é reforçada pelos meios de comunicação, que conforme MORENO, “muitas vezes transmitem a imagem do profissional que está ‘congelada’ na cabeça das pessoas: alguém que não estuda muito ou não estuda nada, é alegre, que é burro, bonito e forte (no caso dos homens), bonita, sensual, ‘maravilhosa’ (no caso das mulheres).” (1996. p.162)

    No caso dos alunos-atletas, existe uma idéia formada semelhante às dos professores. Em uma entrevista com diretores de escola, foi solicitado que eles descrevessem um perfil dos alunos-atletas de sua escola. Seguem algumas declarações.

    Normalmente o atleta tem um perfil diferente do alunos, ele é mais desenvolto, mais sociável, até mais alegre. (...) Com relação às outras disciplinas, normalmente a gente observa, quase que com a maioria, não digo 100%, mas com a maioria, que eles, quando se sobressaem na parte de Educação Física, na parte do atletismo, como atleta, nas outras disciplinas eles não se sobressaem a altura. Eu acho até que já está na personalidade deles, de repente, em parte, porque ele gosta mais de movimento. E a gente percebe que este aluno, ele não vai de repente se sair bem mais tarde estudando direito, fazendo medicina, ele vai se sair bem realmente na parte de esporte ou naquilo que envolve a parte de esportes. Ele não é muito ligado muito nas disciplinas, e normalmente ele estuda as vezes até, porque a gente exige que ele estude que é uma das... vamos dizer assim, para ele poder participar ele tem que se sair bem. Então de repente, você tem que fazer até uma chantagenzinha com eles, para que eles se saiam bem em tudo, senão eles só ficam voltados para isso. A cabeça deles é bola, é jogar, e é isso. (Diretor 1)

    Eles são extrovertidos, tem disponibilidade de horário, nem sempre com bom desempenho em sala de aula (risadas). Tem um perfil meio característico. (Diretor 2)

    Olhando as notas de alguns, a gente observou que não são as melhores durante a aula de Educação Física. Eles se sobressaem no jogo, naquela hora deles ali, mas eles não se sobressaem entre os alunos. Isto eu tenho observado principalmente numa sexta série. Na aula assim eles não se sobressaem nas outras disciplinas. Eu acho engraçado isso. Me fez pensar, ver isso em relação a alguns alunos. (Diretor 3)

    Na fala dos três diretores citados, percebe-se que existe uma tendência a acreditar que alunos-atletas não são alunos com bom rendimento escolar.

    Por outro lado, o desporto na escola é revestido de justificativas como, por exemplo, o desenvolvimento integral dos indivíduos, do raciocínio, de lideranças, de espírito competitivo, da capacidade de trabalhar em equipes, melhoria da disposição, etc., ou seja, “Mens Sana in Corpore Sano”. Os benefícios do esporte e das atividades físicas invadiram a mídia e em seguida as empresas. Conforme reportagem exibida pela Rede Globo no Jornal Nacional do dia 18/05/02, uma Prefeitura Municipal brasileira está incentivando os seus servidores a participarem de competições, permitindo a eles uma diminuição de 1 a 2 horas diárias de sua carga horária para os treinamentos. Em outra reportagem da mesma emissora, esta no dia 19/05/02 no programa Fantástico, apresentou-se um empresa que oferece bônus para os funcionários que perderem peso, numa tentativa de incentivar a prática de atividades físicas dos funcionários.

    Outra mostra de incentivo do esporte na escola é o lançamento, por parte do Ministério do Esporte e Turismo do programa Esporte na Escola. No site deste programa vem a frase: “uma criança que pratica esportes é um aluno melhor.” (MINISTÉRIO DO ESPORTE E TURISMO, 2002)

    Podemos perceber uma certa contradição. Pessoas envolvidas com esporte se sentem discriminadas; diretores percebam certa “dificuldade” de alunos esportistas com as demais disciplinas; governo apoia o esporte na escola afirmando que assim ele será um melhor aluno. Passamos agora à opinião dos próprios alunos.

    Em entrevista realizada com 46 alunos atletas da rede pública e privada de ensino na cidade de Pato Branco no ano 1998 e 1999, pode-se constatar que a maioria dos alunos considerou que as atividades esportivas não influenciam em sua vida escolar, desde que eles saibam dividir o tempo entre as tarefas esportivas e escolares, e que não haja participação em muitos jogos e competições.

    Bom, eu acho que isso aí depende da pessoa. No meu caso não influencia. Eu estudo. Eu tenho horário para estudar e horário para praticar esporte. Eu divido isso. No meu caso eu acho que não influencia em nada. (aluno-atleta “D”)

    Eu acho que não influencia, porque eu tenho tempo para treinar e tempo para estudar. (aluno-atleta “E”)

    Não influencia. Não influencia porque eu me adapto a todos no tempo certo. (aluno-atleta “G”)

    eu diferencio bem, esportes e estudos e mantenho os dois assim ligados, faço os dois. (aluno-atleta “L”)

    Ajudar não ajuda. Atrapalhar também não. Acredito que não faz nada. A não ser que tu faça muito, que jogue demais, passe todo final de semana jogando. Aí tu vai perder muita aula, você vai perder muita coisa, aí tu não vai ter como levar. Mas no mais não, não influencia em nada. Não faz diferença você jogar ou não. Muitas vezes quem não joga, ainda vai pior. (aluno-atleta “I”)

    Os alunos que declararam que o esporte ajuda a melhorar suas notas, referiram-se ao bem estar, ao ânimo e a disposição provocada por este tipo de atividade. Mesmo assim, ressaltaram que se os treinamentos ou as competições forem numerosos, isto poderia vir a atrapalhar o seu rendimento escolar. Nesta pesquisa foram realizadas também coletas de dados em registros escolares fornecidos pela secretaria de cada escola, das doze turmas pesquisadas (Tabela 1). Destas, foram coletadas as notas bimestrais dos alunos-atletas e não-atletas de cada turma no período de 1998 até o término do terceiro bimestre de 1999. Cada turma foi dividida em dois grupos: os alunos-atletas, e não-atletas. O número de estudantes de cada grupo foi determinado pelo número de alunos-atletas daquela turma, ou seja, se em determinada turma havia 10 alunos-atletas, foram selecionados também 10 alunos não-atletas para fazerem parte da amostra2.

Tabela 1 - Número de alunos com notas coletadas, por turma/instituição.

    Após este trabalho, para cada aluno da amostra foi verificado o número Total de Notas Bimestrais (TNB), obtidas abaixo da média durante o período determinado para a pesquisa. A partir da soma dos TNB’s dos elementos do grupo, foi calculada a média de cada grupo, como é demonstrado na Tabela 2.

Tabela 2 - Número médio de notas bimestrais baixas das turmas/instituições investigadas

    No conjunto de alunos estudados, o número de notas baixas obtidas pelo grupo de alunos-atletas ou não-atletas pode variar por diversos fatores não considerados na presente investigação. Entre eles estão a capacidade individual de aprendizagem, a ajuda ou problemas familiares, a saúde, entre outros. Para responder se a diferença de notas ocorreu ao acaso ou não, deve-se submeter os dados a um teste de hipóteses. Nestes testes “as hipóteses feitas pelos pesquisadores são transformadas, pelos estatísticos, em hipóteses estatísticas, para que possam ser submetidas aos testes. (...) Existem sempre duas hipóteses em teste. (...) A primeira hipótese é denominada de hipótese de nulidade e a segunda é denominada hipótese alternativa.” (VIEIRA, 1989, p. 44)

    Através dos resultados dos testes de hipóteses, é possível afirmar se a hipótese de nulidade é aceita ou rejeitada. “É o que os estatísticos denominam nível de significância do teste (probabilidade de rejeitar a hipótese alternativa quando a hipótese de nulidade é verdadeira).” (VIEIRA, 1989, p. 44) Na presente pesquisa, o teste de hipótese utilizado foi o teste t de student.

    A comparação das notas bimestrais foi efetuada somente entre alunos da mesma turma e não entre as turmas, devido ao fato de existirem variações entre os dados, como por exemplo: diferenças na média bimestral exigida em cada escola, número de disciplinas, disciplinas diferentes, professores, etc. Estas discrepâncias podem produzir diferenças no rendimento escolar.

Tabela 3 - Valores médios e resultados as Análise de Variância, para comparação entre alunos-atletas e não-atletas por turma/instituição.

NS = diferenças não significativas S = diferenças significativas.

    Com a realização dos cálculos das médias em nove turmas analisadas, os alunos não-atletas apresentaram uma TNB maior que os alunos-atletas, ou seja, apresentaram durante o período definido para a pesquisa, mais notas baixas do que os alunos-atletas. Numa análise superficial, poder-se-ia concluir que os alunos não-atletas tiveram um rendimento escolar pior que os alunos-atletas. Entretanto, o teste t de student mostra que na realidade a diferença entre os valores das médias, em dez turmas, não é significante (Tabela 3). Além disso, das duas turmas que apresentaram diferenças significantes, em uma turma (6-A) foram os não atletas e em outra, (12-D) os alunos-atletas que apresentaram uma TNB maior.

    Baseados nestes dados podemos concluir que as diferenças entre a quantidade de notas obtidas abaixo na média escolar, ou seja, o rendimento escolar dos alunos, independe da sua prática esportiva. Ao que parece, neste grupo analisado a prática de atividades físicas não foi capaz de auxiliar e nem de prejudicar os alunos no que diz respeito ao rendimento escolar. Portanto, a predisposição de se considerar alunos-atleta como sendo alunos “com muito músculo e pouco cérebro” mostra-se como um tipo de pensamento preconceituoso e isento de visão crítica aprofundada.


Notas

  1. Lembramos que o termo “desporto” será aqui considerado sinônimo de esporte de rendimento, ou seja, aquilo que Kunz considera ser “um tipo de esporte que é sistematicamente treinado com o objetivo de participar periodicamente em competições esportivas” (1994, p.44).

  2. Estes, invariavelmente em maior número, foram selecionados através de sorteio para fazerem parte da amostra.


Referências bibliográficas

  • KUNZ, E. Transformação didático pedagógica do esporte. Ijuí: Unijuí, 1994. p.43-57.

  • MORENO, A. Educação Física: de que profissão e de que profissional se fala?...com a palavra, professores e alunos. Rio de Janeiro, 1996. 179p. Dissertação (Mestrado em Educação Brasileira) - Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

  • MINISTÉRIO DO ESPORTE E TURISMO. Esporte na escola. Disponível em:
    <https://www.met.gov.br/esportenaescola/> Acesso em: 22 mai. 2002.

  • TUBINO, M. J. G. As dimensões sociais do esporte. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1992. p.15-71.


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