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A integração de alunos com necessidades educativas especiais nas
aulas de Educação Física. Um estudo de caso

   
*CERCIAG - Cooperativa Para a Educação e Reabilitação
de Crianças Inadaptadas de Águeda
**Departamento de Didáctica e Tecnologia Educativa
Universidade de Aveiro
 
 
Alice Silva
asilvapb@hotmail.com
Rui Neves
rneves@dte.ua.pt
(Portugal)
 

 

 

 

Estudo exploratório desenvolvido no contexto da acção de formação na modalidade de Projecto “Intervir, Reflectir e Desenvolver - Educação Física no 1º CEB” integrante do plano de formação do Centro de Formação de Professores de Águeda entre Outubro de 2000 e Abril de 2001.

Resumo
    O nosso artigo descreve e analisa um projecto de investigação-acção centrado na inclusão e participação de alunos com necessidades educativas especiais (NEE’s) nas aulas de Educação Física (EF). De forma multireferencial pretendeu-se conhecer as interacções sociais na dinâmica da aula de EF, suas características e implicação no desenvolvimento da própria aula. Trata-se de um estudo de caso, que utilizou como principal processo de análise a técnica dos incidentes críticos de ensino, durante as duas fases (I e II) de observação estruturada da aula. Foi possível identificar atitudes, comportamentos e alguns padrões de participação na aula de EF do aluno estudado, que relacionados com outros dados (teste sociométrico, percepções das professoras, natureza das actividades desportivas realizadas) nos permitirem enquadrar melhor toda a problemática em análise.
    Unitermos: Inclusão. Necessidades Educativas Especiais. Educação Física.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 8 - N° 54 - Noviembre de 2002

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Contextualização

    Nos últimos anos, muitos esforços têm convergido para a causa da integração dos alunos com necessidades educativas especiais (NEE’s) nas escolas do ensino regular. Mas, como acontece em qualquer mudança educativa também esta tem sido confrontada com as críticas dos seus opositores, podendo ser designada por «Utopia da Integração» (Coll, 1995:15), visto ser teoricamente aceite mas, na prática, objecto de resistências.

    As várias interpretações e críticas têm contribuído para o esclarecimento do conceito, tendo levado alguns autores como Hegarty, (apud Coll, 1995:15), a falar em termos de «educar alunos com NEE’s na escola regular», pressupondo o assumir da responsabilidade do sistema educacional pela resposta global a este objectivo.

    E, para clarificar o que realmente se pretende, o conceito de «inclusão» que, para além de integração física pressupõe participação através de uma verdadeira igualdade de oportunidades, de forma a que todos os alunos aprendam juntos, sempre que possível, independentemente das suas dificuldades ou diferenças, transforma a diversidade num «factor de enriquecimento e um motor de desenvolvimento» (Costa, 1997:9)

    De acordo com a perspectiva ecológica de Bronfenbrenner (apud Portugal, 1992), o crescimento e aprendizagem dependem de uma constante ligação do indivíduo com os diversos sistemas de relação que o rodeiam, que se encaixam uns nos outros, estabelecendo, directa ou indirectamente, fluxos de interacção entre si, influenciando todo o desenvolvimento da criança. Deste modo, compreende-se a importância do grupo, uma vez que faz parte do microsistema que abrange as experiências e vivências da relação directa com a criança, implicando uma interacção desta com o meio e vice-versa.

    Considerando o conceito de grupo proposto por Shaw (apud Barreiros, 1996:40), «como duas ou mais pessoas que interactuam mutuamente, de tal modo que cada uma influi em todas as demais e é influenciada por elas», sendo esta influência a condição para que o agregado se torne grupo, parecem claras as repercussões que a interacção social pode ter na vida de cada um.

    No grupo-turma os alunos têm oportunidade de experienciar situações diversas que implicam cooperação, competição e jogo com parceiros em situação semelhante no que se refere a objectivos, motivações e desejos, ligados por exigências idênticas que a sociedade lhes impõe (Soares, apud Lopes, 1998).

    Pode dizer-se que o contexto da aula de Educação Física (EF) constitui um meio completo e abrangente facilitador do desenvolvimento da criança a todos os níveis. Isto porque proporciona um ambiente onde se desenvolvem actividades que estimulam a aquisição de competências ao nível da auto-estima, das relações interpessoais, de aptidões para a vida, da educação para a saúde e segurança e até da educação moral, cívica e ambiental, desde que orientada e planificada tendo em vista o desenvolvimento global da criança (Rosado, 1998).

    O trabalho directo com alunos com Currículos Alternativos, integrados em turmas regulares, no desempenho de actividades de complemento curricular fora da escola, fez com que surgissem algumas questões sobre as interacções desenvolvidas no seu dia-a-dia escolar.

    Assim, e porque a EF é uma das disciplinas mais propícias ao desenvolvimento de competências sociais dos alunos, tal como já foi referido, colocou-se-nos o seguinte problema:

  • que relações interpessoais se desenvolvem na integração de alunos com NEE, no contexto da aula de EF?

    Este problema surgiu no contexto de uma instituição de carácter cooperativo (CERCIAG) que recebe alunos matriculados em escolas regulares, para que possam desenvolver actividades de complemento curricular e/ou de despiste vocacional. Estas actividades têm como base um protocolo com a escola de cada aluno e fazem parte do NORA - Projecto de Integração Educacional e Social.

    A instituição compreende diferentes valências de apoio, de acordo com a idade e/ou necessidades dos utentes, tendo em conta também as suas preferências e motivações.

    Este estudo desenvolvido numa perspectiva de investigação-acção, ocorreu numa escola do 2º e 3º ciclos do concelho de Águeda, no contexto da aula de EF, numa turma da qual fazia parte um aluno com NEE’s, integrado no referido Projecto NORA, através da sua participação em actividades durante dois dias da semana.

    De acordo com o contexto apresentado os objectivos foram os seguintes :

  1. conhecer as características das relações interpessoais desenvolvidas na integração do aluno com NEE, no contexto da aula de EF;

  2. aperfeiçoar competências profissionais ao nível da observação de grupos.


Metodologia

    A turma observada no contexto da sua aula de EF era constituída por dezanove alunos, sendo doze do sexo masculino e sete do sexo feminino, que frequentavam o 5º ano de escolaridade. As suas idades situavam-se entre os dez e os treze anos. O aluno com NEE’s - que passaremos a identificar como aluno H - integrado nesta turma, era o mais velho e o único com treze anos. Este aluno revelou ao longo do seu percurso escolar problemas de aprendizagem associados a dificuldades de integração e socialização (isolamento, recusa à participação, fuga da escola).

    A recolha de dados adoptada para a realização deste estudo baseou-se numa observação estruturada da turma, dividida em duas fases (I e II), consistindo, cada uma delas, na observação e gravação vídeo de duas aulas, com o intervalo entre si de uma semana.

    O intervalo entre as duas fases de observação, inicialmente previsto de duas semanas, prolongou-se para seis semanas, por razões externas à nossa vontade. Durante este intervalo foi aplicado um teste sociométrico a todos os alunos da turma.

    Foi ainda solicitado às professoras da disciplina a sua opinião sobre a integração de alunos com NEE’s nas aulas de EF.

    A recolha de dados de observação, a partir do registo vídeo, efectuou-se de acordo com o que sugere Sarmento (1993), sendo analisados cinco períodos de três minutos, distribuídos uniformemente pela aula, com intervalos entre si de outros três minutos.

    Durante estes períodos de observação foram registadas as ocorrências consideradas como incidentes críticos de ensino (Estrela 1994). Estes incidentes críticos prenderam-se com todos os comportamentos e suas inferências relevantes para o conhecimento das relações estabelecidas entre o aluno H e o grupo, ordenados pela sua sequência temporal.

    Os dados resultantes da aplicação dos testes sociométricos foram tratados de acordo com a sugestão do autor anteriormente referido, considerando as opiniões emitidas pelos alunos sobre as suas capacidades e o número de vezes que são escolhidos e rejeitados pelos colegas da turma.

    A recolha de opinião das professoras sobre a integração de alunos com NEE’s serviu para percepcionar o seu posicionamento face a esta problemática e obter informações sobre a idade, tipo de formação e tempo de serviço das mesmas.

    Os dados recolhidos nas duas fases de observação estruturada da turma (I e II) foram sistematizados de modo a traduzirem a frequência dos comportamentos e a situação de maior frequência na aula (Quadros 1 e 2). As categorias constituintes da análise foram assumidas com base na sua emergência a partir dos dados recolhidos, numa preocupação de contextualização e fidelidade.


Apresentação e Análise de Resultados

    Durante a fase I que se refere à observação estruturada foram considerados 48 momentos de observação (quadro 1), salientando-se o facto de não se ter verificado qualquer recusa à participação por parte do aluno H. O afastamento do grupo ou isolamento foi observado treze vezes, sobretudo em situação de pausa da actividade da aula de EF. As atitudes descontextualizadas (afastamentos, movimentos, e deslocações) foram observadas catorze vezes, igualmente com maior frequência em situação de pausa. Verificaram-se apenas três vezes em que o aluno cometeu falhas no desempenho da actividade, tendo-se verificado um desempenho adequado dezanove vezes. O comportamento de colaboração e de ajuda foi observado catorze vezes com maior frequência durante a actividade da aula. A proximidade ou o contacto com os colegas foi procurada pelo aluno oito vezes, sobretudo durante a actividade enquanto que este comportamento por iniciativa dos colegas, verificou-se três vezes em situação de pausa. A proximidade ou o contacto com a professora, quer por iniciativa do aluno, quer por parte da mesma, foi observada nove vezes e, em ambos os casos, em situação de pausa. Não foi observada a aceitação de conselhos ou orientações provenientes de colegas. A aceitação de orientações vindas da professora, dirigidas especificamente ao aluno, foi observada sete vezes com maior frequência durante a actividade. A recusa de orientações vindas de colegas verificou-se duas vezes em situação de pausa, não se tendo observado este comportamento em relação às orientações dadas pela professora.


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