Deslize após partidas e viragens em natação pura | |||
Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto (Portugal) |
Ricardo Fernandes, Daniel Marinho, João Figueiredo, Luís Ramos, Joaquim Mota, Pedro Morouço, Virgilio Barbosa y Daniela Soares ricfer@fcdef.up.pt |
|
|
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 8 - N° 54 - Noviembre de 2002 |
1 / 1
O tempo total de nado, parâmetro tradutor do rendimento em natação pura desportiva (NPD), é composto pelo somatório do tempo de partida, tempo de nado e tempo de viragem (Guimarães e Hay, 1985). Por sua vez, quer as partidas quer as viragens decompõem-se em diversas fases (cf. Fernandes e Vilas-Boas, 2001), sendo uma delas o deslize posterior à entrada na água após um salto de partida e/ou após a impulsão da parede no seguimento de uma viragem.
Assim, o deslize após as partidas e as viragens é considerado um factor importante para o rendimento em NPD (Hay, 1988; Chatard et al., 1990 e Ugolkova, 1999), tendo já sido alvo de estudo por parte de alguns autores ligados a esta modalidade (e.g. Guimarães e Hay, 1985; Takahashi et al., 1990; Lyttle et al., 1999 e 2000, e Goya et al., 2002). Guimarães e Hay (1985) referem, por exemplo, que é fundamental minimizar o arrasto durante o deslize, devendo o nadador adoptar uma posição o mais hidrodinâmica possível. Sanders (2001) salienta que, mais que a técnica de partida utilizada pelo nadador, é a sua postura na fase subaquática que vai determinar grandemente o sucesso da partida. Assim, torna-se essencial analisar e compreender esta fase.
O propósito deste estudo prende-se com a descrição das características de boa execução do deslize, procurando alertar a comunidade técnico-científica ligada à NPD para a sua importância. Para tal, realizamos um estudo de revisão bibliográfica centrando-nos nas componentes do deslize que mais o condicionam: (i) posição corporal adoptada e possíveis alterações posturais; (ii) profundidade a que é realizado e (iii) duração e extensão do seu percurso subaquático. O presente trabalho irá culminar com a sugestão de parâmetros de sucesso e de boa execução do deslize tendo em consideração as diferentes técnicas de nado, bem como a apresentação dos erros mais comuns evidenciados pelos nadadores aquando da sua realização. Contudo, é importante relembrar que existem diferenças individuais (cf. Cossor e Mason, 2001), pelo que estas devem ser tidas em consideração durante o treino e aperfeiçoamento do deslize.
Componentes do Deslize
Posição corporal adoptada e possíveis alterações posturaisDurante o percurso subaquático o nadador deverá adoptar uma posição o mais hidrodinâmica possível, de forma a minimizar o arrasto hidrodinâmico (Nistri, 1982; Guimarães e Hay, 1985; Hay, 1988 e Goya et al., 2002). Neste sentido, o seu corpo deve estar totalmente em extensão, com a cabeça entre os membros superiores (MS) e o olhar dirigido para baixo (cf. Figura 1). Os MS devem estar juntos e em extensão, procurando colocar uma mão sobre a outra (Maglischo, 1993). Os membros inferiores (MI) deverão permanecer juntos e em extensão, com os pés em flexão plantar e, se possível, sobrepostos (Grote, 1999).
Figura 1. Nadador evidenciando uma correcta posição hidrodinâmica.Por outro lado, quanto maior for o comprimento total do corpo do nadador menor será o arrasto hidrodinâmico, pelo que se deverão privilegiar as posições alongadas na água durante o deslize (Vilas-Boas, 1997). Concordando com esta ideia, Sanders (2001) refere que os nadadores mais longilíneos têm vantagens hidrodinâmicas, o que lhes permite reduzir o arrasto e aumentar a propulsão. No seguimento desta ideia, Cossor e Mason (2001) indicam que os nadadores, comparativamente com as nadadoras, conseguem tirar maior proveito da fase subaquática. Vilas-Boas (1997) salienta que o corpo do homem é mais hidrodinâmico do que o da mulher, facto este explicado pela maior similaridade morfológica do homem com a gota de água, i.e., apresentam, de uma forma geral, um diâmetro biacromial superior ao diâmetro bicristal (ombros largos e anca estreita).
Para além das questões morfológicas, é possível referir que o nível de flexibilidade dos nadadores também poderá influenciar a sua capacidade para adoptar a posição mais hidrodinâmica possível. Chatard et al. (1990) referem que os indivíduos hiperflexíveis conseguem minimizar mais o arrasto pois conseguem colocar o corpo numa posição mais alongada e, desta forma, numa posição mais hidrodinâmica. Segundo estes autores, esta posição permite diminuir a turbulência gerada perto dos pontos de pressão (e.g. ombros, bacia, joelhos e tornozelos) onde ocorre a maior parte das alterações da forma corporal.
Profundidade a que é realizado
Segundo Larsen et al. (1981), o arrasto decresce com a profundidade de imersão, sendo o coeficiente de arrasto tanto menor quanto mais elevada for a razão profundidade/comprimento corporal. Vilas-Boas (1997) refere, inclusivamente, que o deslize deve ser realizado a profundidades superiores a 50 cm, sugerindo Lyttle et al. (1999) o valor de 40 cm. Estes autores salientam o facto de que uma profundidade óptima de deslize reduz o arrasto que actua sobre os nadadores (nomeadamente o arrasto de onda), diminuindo o tempo de viragem e as perdas desnecessárias de energia. Referindo-se especificamente às provas de bruços, Haljand (2002a) refere que o deslize deve ser feito em profundidade de forma a efectuar longas acções subaquáticas, enquanto Maglischo (1993) salienta que o deslize deve ser efectuado a uma profundidade superior ao das restantes técnicas, de forma a ser mais eficaz.
Num estudo mais recente, Mason e Pilcher (2002) analisaram a profundidade máxima atingida, e a distância da parede a que o nadador se encontra quando atinge essa profundidade, após as partidas e viragens, procurando compreender até que ponto estas características as influenciavam. Estudos anteriores indicavam que a qualidade da partida e da viragem estava relacionada com o tempo e a distância dispendida na fase subaquática. Nesse sentido, o melhor desempenho estaria relacionado com o maior tempo dispendido e a maior distância percorrida na fase subaquática, o que poderia ser resultado da obtenção de uma profundidade superior. No entanto, o referido estudo de Mason e Pilcher (2002) revelou a não existência de relação entre estes parâmetros. Desta forma, parecem não existir muitos estudos sobre a profundidade a que deve ser realizado o deslize, salientando Cossor e Mason (2001) a importância da análise deste assunto em futuros estudos.
Duração e extensão do percurso subaquático
Os regulamentos da NPD condicionam a extensão do percurso subaquático após as partidas e viragens. É permitido ao nadador, nas provas de Estilo Livre, Costas e Mariposa, estar submerso somente até uma distância de 15 metros da parede, altura em que a cabeça deverá ter já rompido a superfície da água. Nas provas de Bruços é permitido apenas realizar uma braçada subaquática (cf. FINA, 2002), sendo possível observar a sua execução na Figura 2.
Figura 2. Nadador executando a braçada subaquática (adaptado de Haljand, 2002a).Maglischo (1993) refere que o deslize deve ser executado até os nadadores atingirem a sua velocidade de nado. Se o deslize for demasiado longo, os nadadores irão perder velocidade e despender energia para voltar a acelerar o corpo até à velocidade de nado. Nesse sentido, o deslize deve ser mais curto nas provas mais rápidas e um pouco mais longo nas provas com maior duração. Contudo, Caporale (1975) demonstrou a não existência de diferenças estatisticamente significativas no rendimento final do nadador aquando da realização de deslizes com diferentes extensões.
Por outro lado, é muito comum, hoje em dia, observarem-se nadadores a utilizar ao máximo a distância limite permitida para o percurso subaquático, mesmo em provas curtas (excepção feita às provas de Estilo Livre), pelo que a afirmação de Maglischo acima transcrita só terá sentido se se referir exclusivamente à componente do deslize sem acção dos MI. Neste sentido, há que considerar que, durante o deslize, para além da tentativa de diminuição do arrasto, o principal objectivo desta fase é a maximização da propulsão (Sanders, 2001). Assim, o nadador deverá estar apto para realizar a acção dos MI mantendo a posição hidrodinâmica fundamental assumida anteriormente (cf. Figura 3). O momento exacto para iniciar a acção dos MI é, então, de especial importância, salientando Sanders (2001) que esta acção não deverá começar enquanto a velocidade de deslize do nadador for superior à velocidade que pode ser obtida com a acção dos MI, sendo este um dos pontos chave a que os técnicos e nadadores deverão dar atenção.
Figura 3. Nadador iniciando a propulsão de MI na técnica de Mariposa,
evidenciando uma correcta posição hidrodinâmica
(adaptado de Haljand, 2002b).Daqui se poderá concluir que se o nadador assumir uma posição e uma profundidade que lhe permita, por um lado, minimizar o arrasto hidrodinâmico a que se sujeita e, por outro, conseguir gerar propulsão suficiente (através de acções dos MI e/ou MS) para se deslocar a uma velocidade superior à que se deslocaria com técnica global, deverá tentar aproveitar ao máximo a fase subaquática.
Contudo, importa referir que esta situação comporta elevados custos energéticos, o que poderá ser fortemente prejudicial em provas mais longas.
Parâmetros de sucesso e de boa execução segundo as diferentes técnicas de nadoNas provas de Estilo Livre, o nadador poderá adoptar qualquer posição corporal, visto que os regulamentos da NPD não constrangem esta acção (cf. FINA, 2002), assumindo, de uma forma geral, a posição ventral durante o deslize. Após a realização das partidas esta situação é facilmente compreensível; contudo, após as viragens, observam-se algumas diferenças na posição assumida pelos os nadadores, verificando-se que, após a impulsão da parede, alguns executam o deslize (ou pelo menos uma parte dele) numa posição lateral. Lyttle et al. (2000) referem que não parecem existir diferenças entre a realização do deslize na posição ventral ou na posição lateral, pelo que parece não haver vantagem de uma técnica relativamente à outra.
Outra das formas, embora não tanto utilizada, de executar o deslize e a correspondente acção dos MI é na posição dorsal: após o contacto com a parede, o nadador, assumindo a posição mais hidrodinâmica, faz o impulso na posição dorsal, passando depois pela posição lateral e, por fim, terminando na posição ventral, para reiniciar o nado. Esta rotação do corpo sobre o eixo longitudinal durante o deslize permitiria “poupar” tempo a realizar essa rotação no final da viragem propriamente dita. Esta técnica é muito utilizada, por exemplo, pelo nadador australiano Michael Klim (cf. Johnson, 2002).
Outro aspecto a considerar tem a ver com a técnica utilizada pelos MI. Alguns nadadores optam por executar a acção dos MI de mariposa (posição ventral ou lateral) e outros a acção dos MI de crol. Mais uma vez, Lyttle et al. (2000) não encontraram diferenças entre as técnicas a utilizar, pelo que parece não haver vantagem de uma em relação à outra
Na técnica de costas, o regulamento de NPD impõe que o nadador esteja numa posição dorsal após a partida e na saída da parede após as viragens (cf. FINA, 2002). Desta forma, o deslize é realizado na posição dorsal (cf. Figura 4), com o nadador a executar a acção dos MI na técnica de costas ou na técnica de mariposa, sendo esta última opção a utilizada pela maioria dos nadadores (Maglischo, 1993). Rutemiller (1997) ao referir-se à técnica utilizada por Jeff Rouse, indica que este, após o deslize, inicia a acção dos MI na técnica de mariposa e, quando se aproxima da superfície, faz uma transição para a acção dos MI na técnica de costas até reiniciar a técnica completa. Segundo Haljand (2002c), o essencial é manter sempre o corpo numa posição o mais hidrodinâmica possível, realizando um deslize mais profundo aquando da utilização prolongada de MI.
Figura 4. Nadador em deslize dorsal, evidenciando uma correcta posição hidrodinâmica (adaptado de Haljand, 2002c).Na técnica de mariposa o nadador tem que assumir obrigatoriamente uma posição ventral, sendo permitido realizar a acção dos MI na posição lateral durante o percurso subaquático (cf. FINA, 2002). Após a partida e a viragem, os nadadores executam, na sua grande maioria, a acção dos MI na posição ventral. Contudo, alguns nadadores (e.g. Michael Klim e Misty Hyman) parecem tirar grande vantagem da realização desta acção na posição lateral (cf. Johnson, 2002).
Relativamente às provas de bruços, D’Acquisto et al. (1988) referiram que o deslize é uma das fases que mais distingue os brucistas de elite dos restantes, salientando que os melhores nadadores de bruços dispendem mais tempo (e, provavelmente, uma superior distância) na fase de deslize. Ainda em relação à técnica de bruços, oferece-nos referir que durante a realização da braçada subaquática, o nadador irá deteriorar a sua posição hidrodinâmica; contudo, essa alteração poderá ser minimizada se, por exemplo, após a acção propulsiva dos MS se elevar a cintura escapular em direcção do sentido do nado, reduzindo, dessa forma, a área de secção transversal oposta ao deslocamento do nadador.
Erros mais comuns durante a sua realizaçãoOs erros técnicos comumente mais referidos aquando da realização do deslize, os quais se consubstanciam na perda da posição hidrodinâmica, são os seguintes (Nistri, 1982; Maglischo, 1993 e Sanders, 2001): (i) cabeça em extensão; (ii) MS mal posicionados, separados e/ou flectidos; (iii) extensão dorso-lombar e (iv) iniciar precoce da acção dos MI.
Bibliografia
Caporale, A. (1977). The effect of different glide duration upon performance time in competitive swimming. In: Completed research in health, physical education and recreation, 19.
Chatard, J-C.; Bourgoin, B.; Lacour, J. (1990). Passive drag is still a good evaluator of swimming aptitude. Eur.J.Applied Phys., 59: 399-404.
Cossor, J. and Mason, B. (2001). Swim start performances at the Sydney 2000 Olympic Games. [On-line]: http://www.education.ed.ac.uk/swim/papers4/cm.html
D’ Acquisto, L.; Costill, D.; Gehlsen, G.; Wong-Tai Y. ; Lee, G. (1988). Breastroke economy skill and performance: study of breastroke mechanics using a computer based “velocity video”. J. Swim. Res., 4: 9-14.
FINA (2002). FINA swimming rules. New rules 2002-2005. [On-line]: http://www.fina.org/swimrules.html
Fernandes, R. e Vilas-Boas, J. P. (2001). Partidas e viragens em natação: descrição e sequências metodológicas. Documentação do II Seminário de Natação “Novos Horizontes”. Viseu.
Goya, T.; Sugiura, K.; Matsui, A.; Hideki, T.; Oghi, Y.; Tsurumine, O.; Takahashi, S.; Ogai, Y. (2002). Forces and image analysis on gliding motion for beginning and competitive swimmers. In: Book of Abstracts of the IXth Symposium on Biomechanics and Medicine in Swimming, pp. 81. Saint-Etienne, France.
Grote, K. (1999). Tech Tips: The open turn. Swim World and Junior Swimmer, 40 (12): 16-17.
Guimarães, A. and Hay, J. (1985). A mechanical analysis of the grab starting technique in swimming. Int. .l Sport Biomech., 1: 25-35.
Hay, J. (1988). The status of research on the biomechanics of swimming. In: B. Ungerechts, K. Wilke, K. Reischle (eds), Swimming Science V, pp. 3-14. Human Kinetics. Champaign, Illinois.
Haljand, R. (2002a). Model of breaststroke turn technique. [On-line]:
http://www. swim.ee/models/_breast_turn1.htmlHaljand, R. (2002b). Lars Frolander - side view pics sequence. [On-line]:
http://www. swim.ee/technique/sequence.htmlHaljand, R. (2002c). Model of backstroke turn technique. [On-line]:
http://www. swim.ee/models/_back_turn1.htmlJohnson, D. (2002). Preparation considerations for coaches of starts, turns and stroke technique for world level competition. Resumos do 25º Congresso de Natação da Associação Portuguesa de Técnicos de Natação. Portimão.
Larsen, O.; Yancher, R. and Baer, C. (1981). Boat design and swimming performance. Swim. Technique, 18 (2): 38-44.
Lyttle, A.; Blanksby, B.; Elliott, B.; Lloyd, D. (1999). Optimal depth for streamlined gliding. In: K. Keskinen, P. Komi, P. Hollander (eds.), Proceedings of the VIII Symposium of Biomechanics and Medicine in Swimming, pp. 165-170. Jyvaskyla, Finland.
Lyttle, A.; Blanksby, B.; Elliot, B. and Lloyd, D. (2000). Net forces during tethered simulation of underwater streamlined gliding and kicking technique of the freestyle turn. J. Sports Sciences, 18 (10): 801-807.
Maglischo, E. W. (1993). Swimming even faster. Mayfield Publishing Company. Moutain View, California.
Mason, B. and Pilcher, A. (2002). The relationship of depth under the water to swim start and turn performance in freestyle events at the Sydney 2000 Olympic Games. In: Book of Abstracts of the IXth Symposium on Biomechanics and Medicine in Swimming, pp. 116. Saint-Etienne, France
Nistri, M. (1982). Resistenza frontale e forma del corpo. La Tecnica del Nuoto: 4-7.
Rutemiller, B. (1997). Tech tips: Backstroke underwater. Streamline and breakout. Swim Technique, 34 (2): 22-23.
Sanders, R. (2001). Start technique - Recent findings. [On-line]:
http://www.education.ed.ac.uk/swim/papers4/rs5.htmlTakahashi, G.; Homma, M.; Doi, Y.; Tsubakimoto, S.; Matsui, A.; Takagi, H.; Miyashita, M. (1990). The relationship between the propulsive force and the velocity on glide motion in swimming. In: T. Reilly and D. Maclaren (eds.), Abstracts of the VI Symposium on Biomechanics and Medicine in Swimming. Liverpool.
Ugolkova, I. (1999). Biomechanical Analysis of Interaction Between Swimmer and Water During Take Off and Gliding. In: P. Parisi, F. Pigozzi and G. Prinzi (eds.), Proceedings of the 4th Congress of the European College of Sports Science, pp. 37-52. Rome.
Vilas-Boas, J. P. (1997). Bases mecânicas da natação. In: R. Fernandes, J. V. Santos Silva e J. P. Vilas-Boas (eds.), Natação: vivências específicas e conhecimentos teóricos básicos. Colectânea de textos, pp. 281-352. AE da FCDEF-UP. Porto.