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A investigação em ciências sociais.
Aproximação ao contexto da Educação Física e Desporto

   
Licenciatura em Educação Física e Desporto
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
(Portugal)
 
 
Helder Fernandes, Filipe Ferreira
Miguel Moreira, Amandine Esteves
António Fernandes

 

 

 

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 8 - N° 53 - Octubre de 2002

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1. Introdução

    A Ciência desenvolveu-se, em parte, pela necessidade de um método de conhecimento e compreensão mais seguro e digno de confiança, do mundo que nos rodeia (Kerlinger, 1984). Desta forma, tornou-se necessário inventar uma abordagem do conhecimento, apta a permitir uma informação válida e fidedigna sobre fenómenos complexos, incluindo o complexo fenómeno do próprio Homem e dos seus comportamentos.

    Como tal, este estudo de revisão tem como objectivos: (i) definir o âmbito de estudo das Ciências Sociais; (ii) delimitar os paradigmas da investigação em Ed. Física e Desporto; (iii) conhecer o contexto português no que se refere à Investigação & Desenvolvimento (incluindo o seu financiamento); e, (iv) salientar algumas questões e princípios éticos na investigação em Ciências Sociais.


2. A investigação em ciências sociais

2.1. O âmbito de estudo das ciências sociais

    O conceito de Ciências Sociais ou como refere Nunes (1987), Ciências do Homem, só existe numa concepção fragmentária, englobando um conjunto de ciências dispares e desconexas. Neste contexto abrangente, Silva e Pinto (1986) apresentam como algumas destas ciências, a Sociologia, a Economia, a Psicologia Social e a Antropologia, às quais, Nunes (1987) adiciona a Geografia Humana, a Demografia, a Ciência Política, a Linguística e a Etnologia Social.

    Tornando-se difícil definir qual o objecto de estudo comum a estas disciplinas, Piaget designou-as de nomotéticas, dado que visam enunciar leis cientificas e recorrem a métodos de verificação que sujeitam os esquemas teóricos, ao controlo dos factos da experiência. Mas uma pergunta inerente, fica por resolver. O que são realmente as Ciências Sociais e o qual o seu objecto de estudo?

    Silva e Pinto (1986) afirmam que o objectivo comum às ciências sociais, é a procura do conhecimento da realidade. Não aprofundando as questões filosóficas inerentes a esta delimitação, estes mesmos autores, definem essa procura, pela construção de quadros categoriais, operadores lógicos de classificação e ordenação, mediante processos complexos influenciados ainda pelas nossas necessidades, vivências e interesses, construindo desta forma, instrumentos que nos proporcionem informação sobre essa realidade e formas de a tornar inteligível, sem nunca se confundirem com ela. Gurvitch (1963; cit. por Nunes, 1987) realça o facto de que a realidade estudada por estas ciências, é uma só, sendo esta a condição humana considerada sobre uma certa perspectiva e tornada objecto de um método de investigação específico.

    Desta forma, as Ciências Sociais exprimem uma unidade (objectivo comum de estudo), resultante da diversidade do estudo de diferentes fenómenos ou realidades, presentes nas disciplinas nomotéticas. Contudo, é necessário mencionar que as diferentes disciplinas anteriormente referidas e apesar de terem em comum o mesmo objectivo de estudo, distinguem-se nas metodologias utilizadas, em 4 níveis (Nunes, 1987):

  • os fins ou objectivos que orientam a investigação, ou seja, o que interessa aos investigadores analisar, explicar e compreender;

  • a natureza, condicionada por esses fins, dos problemas de investigação que os investigadores definem como sendo aqueles sobre os quais a sua pesquisa deve incidir;

  • os critérios utilizados pelos investigadores, a fim de se seleccionarem as variáveis relevantes para o estudo desses problemas; e,

  • os métodos e técnicas de pesquisa empírica e de interpretação teórica que os investigadores considerem adequados para trabalhar com as variáveis escolhidas, resolver os problemas de investigação com que se defrontem e atingir os fins ou objectivos visados.

    De acordo com Silva e Pinto (1986), as Ciências Sociais são uma criação recente de uma civilização, pelo que o seu desenvolvimento tem sido influenciado por diversos factores: (i) a sua própria evolução teórica; (ii) o dinamismo de outras ciências e formas de saber; e, (iii) as características desiguais de diferentes contextos institucionais e, em geral, sociais.

    Numa perspectiva social, as acções humanas desdobram-se em práticas materiais e simbólicas, relações com a natureza e relações com outros homens, no âmbito de grupos com várias dimensões, dos grupos elementares como as famílias até às organizações vastas a que chamamos sociedades. Para Nunes (1987: 29), “a constituição das Ciências Sociais esteve directamente relacionada com a possibilidade histórica de afirmação da autonomia do social; isto é, com os desenvolvimentos sócio-económicos, políticos e teóricos, que nos séculos XVII, XVIII e XIX, impuseram a ideia da existência de uma ordem social laica e colectiva, não directamente determinada pela vontade divina, irredutível à acção social e submetida a leis”.

    Numa delimitação histórica, não é possível definir datas e períodos que sustentem a formação das Ciências Sociais, dado que cada uma das disciplinas que constituem este universo que designamos de Ciências Sociais, possui a sua própria história, no decurso da qual acumulou um património especifico de paradigmas, teorias, técnicas e métodos, obras de referência e manuais de ensino, circuitos de difusão de resultados, esquemas de formação, competências, costumes, bem como, inércias profissionais (Silva & Pinto, 1986).

    Em suma, torna-se necessário referir que a estrutura e funcionamento dos conhecimentos produzidos pelas Ciências Sociais, foram condicionados por outras instituições e dinâmicas sociais, sobretudo nas nações industriais avançadas, em que a investigação e tecnologia desempenham um papel crucial e por isso, estiveram sujeitos a intensas procuras e pressões de diversas proveniências, entre as quais, políticas, militares, económicas, entre outras (Silva & Pinto, 1986).


2.2. Os paradigmas da investigação em Ed. Física e Desporto

    Tendo em conta, que o Desporto é um microcosmos da sociedade e que o seu estudo faz parte do domínio das Ciências Sociais, iremos delimitar e concretizar este sub-capítulo, remetendo-nos aos paradigmas existentes na investigação em Educação Física e Desporto.

    Para Silva e Pinto (1986), entende-se por paradigmas, o conjunto de princípios, teorias, estratégias metódicas e resultados cruciais que servem de modelo ou quadro orientador às pesquisas produzidas na sua área. Desta forma, Carvalhal (2000) afirma que a investigação no domínio da Educação Física e Desporto, pode ser caracterizada de acordo com os seguintes pontos:

  1. reduzida investigação fundamental;

  2. utilização do paradigma positivista;

  3. afastamento do contexto natural;

  4. falta de ligação da teoria à prática; e,

  5. reduzida investigação de acordo com o paradigma naturalista.


2.2.1. Reduzida investigação fundamental

    Segundo Bento (1994; cit. por Carvalhal, 2000), devido ao facto de se utilizarem diferentes terminologias e pela falta de cooperação e coordenação das diferentes disciplinas das Ciências do Desporto, a investigação realizada nesta área não se tem preocupado em realizar uma auto-reflexão e avaliação sobre a sua actuação presente e futura. Por isso, tem sido muito escassa ou diminuta, a investigação fundamental na procura e definição de uma teoria, de uma matriz teórica, de um objecto de estudo, todos eles elementos essenciais para a constituição de uma verdadeira ciência.

    Kuhn (1962; cit. por Raposo, 1996), afirma ser necessário considerar os seguintes aspectos, para concomitantemente se definir uma ciência:

  • as ciências com paradigmas, raramente discutem ou debatem o que constitui o método legitimo, os problemas e os padrões de avaliação inerentes à área de estudo;

  • nas ciências com paradigmas, os artigos científicos são a forma privilegiada para apresentar os estudos desenvolvidos e não as monografias, sendo o livro de texto um instrumento pedagógico de base;

  • o grau de consonância ou de concordância sobre o paradigma utilizado, bem como as correntes teóricas e filosóficas adoptadas; e,

  • as anomalias (distúrbios relativos à pratica da ciência normal) são proporcionadoras das pré-condições para as mudanças paradigmáticas.

    Kuhn (1962; cit. por Carvalhal, 2000) também afirma que a actividade cientifica não é a procura de novas teorias, mas sim, uma actividade permanente na procura da resolução de problemas, à luz das teorias e do paradigma aceites pela comunidade cientifica.


2.2.2. Utilização do paradigma positivista

    Este paradigma é representativo de uma orientação filosófica dualista, dado que todo o esquema depende de uma ideia dualista da lógica, da distinção entre o abstracto e o concreto, interior e exterior, sensação e razão e realidade subjectiva e objectiva (Raposo, 1996).

    Sobral (1993; cit. por Carvalhal, 2000) justifica a utilização deste paradigma no âmbito das Ciências do Desporto, focando a sua atenção no facto de este ser um paradigma recente e estar dependente1 das ciências mãe, como são a Física, a Fisiologia, a Biologia, a Psicologia, a Pedagogia (ciências de onde a Educação Física e Desporto surgiu).

    Segundo Raposo (1996), o que caracteriza o positivismo pode ser definido de acordo com as seguintes características:

  • a realidade, seja ela de carácter físico ou social, pode ser reduzida às partes individuais que a constituem; o desafio académico para os positivistas é identificar as partes constituintes e explicar a forma como estas se relacionam entre si;

  • a realidade é simultaneamente lógica e ordeira, podendo ser descrita e documentada por cientistas, desde que utilizem uma metodologia adequada;

  • o método cientifico que deriva do positivismo lógico é o adequado para o desenvolvimento de um conhecimento que visa identificar e promover as leis universais sobre o mundo; como princípio essencial deste método, está a necessidade de observação;

  • a observação é fundamental na medida em que há uma realidade objectiva que pode ser observada, explicada e prevista através de procedimentos aplicados de uma forma sistemática, como o cálculo matemático; e,

  • todo o conhecimento que não tenha por base a observação directa, não é conhecido como válido.

    “O positivismo defende que o método científico2 é o método mais adequado para observar e analisar as partes constituintes da realidade, de forma a esclarecerem-se leis universais” (Carvalhal, 2000: 42). Assim, a objectividade é uma condição inerente ao conhecimento científico.


2.2.3. Afastamento do contexto natural

    Este sub-capítulo refere-se ao facto da investigação realizada no âmbito das Ciências do Desporto, ser primordialmente efectuada em contextos que não correspondem aos contextos reais de prática física ou desportiva. Desta forma e sendo este, um parâmetro do paradigma positivista, o local da realização da investigação é seleccionado tomando apenas em consideração aspectos que visam o máximo controlo da observação, registo específico dos comportamentos e objectividade dos factos.

    Assim, a investigação é realizada fora do contexto natural, normalmente em laboratórios, onde é possível manipular e mais facilmente quantificar os factos, pretensamente desprovidos de valores e interesses daqueles que os produzem (Carvalhal, 2000).


2.2.4. Falta de ligação da teoria à prática

    Este parâmetro visa referenciar que não existe uma integração da informação produzida pelos cientistas para os práticos, o que leva a que toda a informação produzida não se transforme em conhecimento útil para a sociedade.

    Carvalhal (2000) salienta que a causa desta problemática deve-se ao facto de os cientistas também não se mostrarem muito interessados no conhecimento integrador e revelam pouca preocupação em aplicar a informação produzida aos problemas reais, bem como por outro lado, os práticos também revelam incapacidade de percepção da informação cientifica, assim como, a dificuldade em integrar essa informação prática. Este facto, provoca uma falta de receptividade da informação cientifica produzida, por parte dos práticos da Educação Física e Desporto.

    Segundo Martens (1987), este problema pode ser resolvido com a introdução duma pessoa capaz de fazer a síntese de ambas as fontes de informação, quer teóricas, quer práticas, transformando esta informação em conhecimento útil. Tal como no paradigma positivista, este parâmetro possui um carácter dualista, em se separa a teoria da prática, associando à teoria a actividade mental e espiritual, enquanto que à prática é associada uma actividade material, mecânica e mecanicista (Crespo, 1981; cit. por Carvalhal, 2000).

    Para Sérgio (1999: 4), “não basta uma prática, precisa é uma compreensão da prática, ou seja, a unidade prática-teoria: teoria essa que pretende interpretar e projectar a prática”.


2.2.5. Reduzida investigação de acordo com o paradigma naturalista

    Em comparação com o paradigma positivista anteriormente citado, existe pouca investigação realizada de acordo com este paradigma. Este por sua vez, permite uma pesquisa interpretativa e crítica e funciona como uma nova alternativa a desafios e novas formas de conhecimento.

    Segundo Delgado (1994; cit. por Carvalhal, 2000), os modelos explicativos ou ideográficos, nada explicam nas Ciências Sociais, apenas demonstrando relações importantes, sugerindo aspectos causais e possíveis efeitos, tornando assim mais claro o evidente, e inteligíveis as dimensões menos evidentes dos acontecimentos. Desta forma, a investigação em Educação Física e Desporto não se pode cingir à investigação somente realizada com base no modelo ideográfico, pois é necessário aumentar o conhecimento, criar diferentes perspectivas de análise do ser humano, pois não basta coleccionar factos, sendo necessário ter presente o seu significado.

    “O objecto de estudo desta área do conhecimento, é o Ser humano e o movimento intencionalmente realizado, quer individualmente, quer no grupo, num determinado contexto. As actividades motoras humanas são práticas culturais, embebidas em contextos sociais, económicos, políticos, e culturais, não podendo ser vistas como neutras, desprovidas de um vasto significado social e livres de determinados valores culturais” (Carvalhal, 2000: 48). Raposo (1996) afirma ainda, que o ser humano é um ser intencional, que age num ambiente intencional, sofrendo as influências do meio sócio-cultural.


2.3. Ciência, Sociedade e Tecnologia

    Os estudos sociais da ciência e da tecnologia, também conhecidos como estudos sobre ciência, tecnologia e sociedade, constituem actualmente um vasto campo de trabalho onde se pretende entender o fenómeno científico-tecnológico em contexto social, tanto em relação com as suas condicionantes sociais, como no que diz respeito às suas consequências sociais e ambientais (Cerezo, 1998).

    Este tipo de estudos sociais que surgiram a partir da necessidade da regulação publica da troca de informações científico-tecnológicas, teve origem na década de 70, surgindo a partir de novas correntes de investigação empírica, no domínio da filosofia e sociologia.

    Numa análise generalista, Cerezo (1998) refere que um aumento do produto cientifico de um país, origina um desenvolvimento tecnológico, que por sua vez melhora a riqueza e bem-estar social da nação em causa. No entanto, Maxwell (1984; cit, Cerezo, 1998) adverte que esta visão clássica só pode ser entendida correctamente se a ciência se afastar da sociedade em questão, para procurar exclusivamente a verdade.

    Neste tipo de relação ciência-tecnologia, não se pretende entender isto como um produto ou actividade autónoma, que segue uma lógica interna de desenvolvimento para o seu funcionamento óptimo, mas sim como um processo ou produto inerentemente social, onde os elementos não-técnicos (valores morais, convicções religiosas, interesses profissionais e pressões económico-políticas) desempenham um papel decisivo na sua génese e consolidação.


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