Determinação da intensidade do treinamento através de testes atencionais pré e pós treinamento |
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*Especialista *Acadêmica Curso Educação Física - Ulbra Carazinho ***Acadêmica Curso Psicologia - UPF Carazinho ****Laboratório de Pesquisa do Desenvolvimento Cognitivo Humano (LADEC), Faculdade Salesiana de Vitória (Brasil) |
Ângela L. De Bortoli* Débora Limberger** Desirê Newald Pauletti** Robélius De Bortoli**** rbortoli@salesiano.com.br |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 8 - N° 52 - Septiembre de 2002 |
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IIntrodução
Em cada município do Estado do Rio Grande do Sul existe certas preferências quanto ao esporte praticado a nível competitivo. Muitos fatores interferem na opção para iniciar-se em algum esporte e, entre outros, o seu sucesso competitivo é determinante de sua longevidade.
No município de Carazinho, RS, um dos esportes competitivos preferenciais da comunidade é a natação, que de acordo com Zakarov (1992) integra o grupo V de esportes como modalidade cíclica, ou seja, um esporte com movimentos repetitivos (ciclos). Greco e Chagas (1992) enquadram a natação como um esporte de rendimento comparado onde o esportista participa junto e simultaneamente com o adversário. Contudo, Riera (1997) define a natação de acordo com a relação entre desportista e ambiente ou meio. Assim, há uma alta requisição de suas capacidades técnicas para o efetivo e eficaz desempenho.
Porém, de acordo com Becker (1981), não só da capacidade motora depende o rendimento do atleta, mas também do processo informativo que é regulado pela atenção e concentração. Esta posição é corroborada por Samulski (1992) acrescentando que há picos máximos na concentração do atleta, 'aproximadamente 4 horas após o despertar' e 'compreende não só o processo de recepção de informações mas também o seu processamento'.
Este estudo visa quantificar a capacidade de concentração dos atletas de um clube de natação, comparando os resultados entre as diversas faixas etárias, tempo de experiência em competição, tempo de treinamento e horário do treino; identificar eventuais variações nos estados atencionais pré e pós treino. Também foi comparado o resultado obtido no teste de concentração com o resultado esperado conforme nos sugere a literatura, a partir do microciclo de treinamento de uma sessão específica.
MetodologiaEste estudo reuniu atletas de natação participantes de competições oficiais no estado do Rio Grande do Sul que dedicassem, no mínimo, 9 horas de treinamento divididas em pelo menos 3 sessões semanais. Neste caso, todos treinam 5 sessões semanais de 2 horas cada, perfazendo um total de 10 horas semanais de treino. É um projeto descritivo de coleta de dados de concentração onde os dados pessoais foram coletados de forma anônima e objetiva através de formulários especialmente criados para este trabalho e preenchidos de próprio punho pelos atletas. O teste de concentração foi aplicado imediatamente antes e imediatamente após uma sessão de treino.
Antes de iniciar os trabalhos dirigentes, comissões técnicas e atletas foram cientificados do conteúdo dos testes, objetivos e caráter. Só foi realizado o estudo porque todos participantes antes mencionados demonstrarem por escrito estar de acordo com sua realização. Todas imagens, documentos e testes provenientes deste estudo ficarão arquivados em local seguro e assim permanecerão, sem acesso de terceiros, preservando a identidade dos atletas.
A população considerada é formada por nadadores do município de Carazinho participantes de competições oficiais de natação e a amostra composta por 8 atletas do Clube Aquático da mesma cidade. Os Atletas preencheram uma ficha de identificação composta de perguntas objetivas onde deviam assinalar as seguintes respostas.
Idade;
Sexo;
Tempo de treinamento;
Hora em que despertou naquele dia;
Teste de ConcentraçãoO Teste de concentração 'do tipo grelha com números distribuídos aleatoriamente de 00 a 99 onde o sujeito deve marcar progressivamente ou regressivamente em determinado espaço de tempo’ (Viana, 1990 e Pulgarin Medina, 1996) foi aplicado imediatamente antes da sessão de treinamento. Os atletas tiveram um intervalo de tempo de 2 minutos para interligar os números, em seqüência, partindo do número 00. Foi considerado como resultado o último número anotado pelos atletas. Após foi realizada uma estatística descritiva das variáveis estudadas, caracterizando os atletas em diferentes grupos.
Resultados e DiscussãoApós coletados os dados, o grupo de atletas apresentou uma média de idade de 18,47 anos com desvio padrão +3,08 (gráfico 1). Os extremos apresentados foram de 22,75 e 13,25 anos. A natação por ser um esporte individual necessita de poucos atletas para compor uma equipe e neste caso, o Clube é especializado em ‘águas abertas’, ou seja, competições de travessia em rios e mar.
Considerando os 8 atletas estudados, 3 estavam em seu primeiro ano de treinamento, outros 3 já tinham experiência de treinamento de 3 anos e os 2 restantes participavam por 5 anos de treinos específicos de natação. Todos iniciaram no mesmo clube de natação e a média do tempo de treinamento foi de 2,75 +1,67 (gráfico 1).
Gráfico 1: Médias e Desvios Padrões da Concentração pré e pós treino; Idade; Tempo de Treinamento e Tempo Desperto.Também foi contabilizado o tempo desperto dos atletas. Recordemos que Samulski (1992) acredita que há ‘picos de concentração máxima após 4 horas despertos’. Neste item foi solicitado a preenchimento da hora em que despertou. Sabe-se que há entendimentos distintos para o termo ‘despertar’, e que pode ter havido alguma variação entre a hora real e a hora citada do despertar. Contudo, os atletas foram orientados para considerar a seguinte pergunta: ‘em que hora você levantou-se hoje?’ Assim foi considerado o momento em que os sujeitos saíram da cama ou modificaram sua posição de deitados para a posição ereta ou bípede. A média do tempo desperto foi de 5,56 horas com desvio padrão de 0,94 (gráfico 1), com variação de 4 a 6,5 horas despertos. Todos os sujeitos estudados, além dos horários de treinamento diário, também dedicam-se aos estudos por um mínimo de 5 horas diárias.
O objeto principal deste estudo foram os níveis de concentração apresentados antes e depois da sessão de treinamento (gráfico 1). No primeiro teste realizado imediatamente antes da sessão de treinamento, no momento em que os atletas estavam dirigindo-se à piscina, a média de pontos alcançada foi de 14 com desvio padrão de 6,87. Se comparado com resultados de outro estudo realizado com grupos de atletas de futsal, a pontuação é semelhante,porém superior. Em um estudo experimental, atletas do grupo controle apresentaram pontuações médias de 14,2+5,1 e 12,8+4,4 e o grupo experimental apresentou pontuações de 11,8+3,3 e 14,9+4,7 nos testes pré e pós treinamento (De Bortoli e cols., 2001). Em relação aos resultados médios do teste de concentração após a sessão de treino, a equipe de natação apresentou uma melhora na pontuação. A média de pontos foi 16,88 com desvio padrão de 6,17 com extremos de 26 e 9 pontos (gráfico 2).
Gráfico 2: Resultado do teste de concentração pré e pós sessão de treinamento - valores individuais.Sabendo que a concentração é a atenção direcionada, existe diferenças entre ambas, porém podemos dizer que são estágios diferenciados de uma mesma capacidade. A literatura refere-se a fenômenos idênticos como sendo concentração em alguns casos e atenção em outros. Assim, para compreender este estudo, utilizamos algumas idéias de Niedeffer (1978, citado por Cratty, 1984:91) que, estudando a atenção e o desempenho atlético, formulou as seguintes hipóteses: 1)há melhor desempenho quando a atenção requerida por determinada tarefa coincide com o tipo de direção da atenção despendida naquela tarefa pelo atleta; 2)As qualidades de atenção necessárias ao atleta podem ser classificadas em duas escalas: (a)atleta prestando atenção em si mesmo - interna-externa e (b)quantidade de estímulos que o atletas pode responder no momento.
Desta forma, o esporte natação, embora um esporte com solicitação eminentemente técnicas, apresenta necessidade de desenvolver a capacidade de concentração dos seus praticantes para que possam diferenciar os estímulos internos a serem percebidos. Também é necessário ao atleta/aluno captar as informações enviadas pelo Treinador o que requer alta concentração. Sob esta perspectiva, Ruiz Perez (1994: 173) nos diz que ‘o Professor ou Treinador têm que favorecer no aluno a criação de estratégias de concentração e ensinar-lhe a selecionar informações importantes e desprezar as irrelevantes’.
Considerando que em entrevista com o Treinador no dia anterior à sessão de treinamento e posteriormente confirmada, o nível de solicitação de treino pretendida era extremamente extenuante com esforços de máxima intensidade e curta duração, ou seja, um treino intervalado com alto grau de cansaço físico ao seu final, com utilização principal do metabolismo anaeróbico. Isto nos remete a uma simulação dos resultados psicológicos ao final desta sessão. Após um treinamento intenso os atletas deveriam apresentar, além de cansaço física uma fadiga mental elevada com diminuição de sua capacidade de atenção e concentração. Estes sintomas são sugeridos por Fry e cols. (1991, citados por Suay e cols., 1998: 8) quando diz que ‘entre os sintomas psicológicos do excesso de treinamento está a dificuldade de concentrar-se’. Neste caso não seria um supertreinamento pela quantidade repetida de cargas muito elevadas, mas uma sobrecarga momentânea, com grande stress que, se o atleta era capaz de regenerar em poucas horas, também é verdade que deveria apresentar debilidade momentânea muito alta.
Analisando, então os resultados, observa-se que a média de pontuação do teste de concentração aumentou após a sessão de treinamento. Isto contraria a perspectiva inicial de que deveria diminuir. Também encontramos uma alta correlação entre o resultado do teste de concentração pré sessão e o tempo despertos. O coeficiente de correlação de Pearson foi de 0,78 entre o resultado de concentração pré treino e horas desperto, relembrando que o atleta com menor tempo de desperto tinha 4 horas, momento do pico máximo sugerido por Samulski (1992).
Este resultado nos remete a uma reflexão mais profunda para buscar respostas a este paradoxo: se os resultados conflitam com a literatura, há algum erro metodológico no trabalho ou uma interpretação errônea nos resultados. Algumas hipóteses sobre a metodologia aplicada foram formuladas para explicar os números encontrados. Assim, a primeira hipótese seria um questionamento à literatura utilizada no estudo que pode estar ultrapassada, o que não parece ser o caso; poderia não apresentar o rigor científico requerido ou ainda não estar adequada ao grupo estudado. Estas duas últimas hipóteses não creio se confirmarem pois além dos autores apresentarem estudos sérios e direcionados a atletas, a literatura é recente. Mesmo sabendo que ‘a falta de atenção pode dar-se por aborrecimento ou monotonia’ pois ‘para muitos autores o aborrecimento e não o cansaço é o causador da queda da atenção. Em muito casos a mudança dos métodos do professor pode causar a elevação dos níveis da atenção’ Ruiz Perez (1994).
Também podemos questionar o instrumento de medida da concentração que, embora seja muito utilizado e referido na literatura, recebe críticas severas por alguns autores. A metodologia empregada poderia não ter sido a mais adequada ou ainda ser considerado o número de sujeitos muito pequeno. Poderia ter ocorrido um fenômeno descrito por Cratty (1984) onde afirma que ‘atletas de campo como o arremesso de peso podem melhorar suas atuações quando focalizam a atenção primeiro na torcida para dar-lhes ímpeto (atenção externa) e, depois, voltam a atenção para dentro a fim de 'despertar' os padrões neuromotores apropriados para o arremesso’. Aqui a ‘torcida’ poderia ter sido a equipe de pesquisadores e isto ter influenciado os resultados finais.
Assim, parece que a interpretação correta dos dados passa por uma análise do programa de treinamento proposto. É certo que os métodos de treinamento do Treinador podem sofrer alterações sistemáticas e oferecerem elementos para a elevação da atenção e concentração dos atletas conforme a citação de Ruiz Perez (1994) anteriormente. Todavia, é importante identificarmos os objetivos do treino proposto e sua efetividade. Sem um monitoramento fisiológico (que não foi o objeto deste estudo) é difícil afirmar que o nível de solicitação do treino foi alto ou baixo. Se consideramos o objetivo proposto - considerando que em sessões de treinamento com vistas a adaptação do organismo a atividades com alto grau de requisição física e psicológica - este treino só atinge seu objetivo quando realmente causa o stress no atleta.
Parece claro que dentre as hipóteses formuladas, a primeira a ser estudada é se o nível de solicitação e dedicação do treino foi alcançado. Aqui surge a possibilidade de fazer-se um monitoramento da intensidade do treinamento através de instrumentos psicológicos. Esta hipótese oferece mais um elemento para controle das cargas, intensidade e dedicação ao treinamento, em conjunto com os parâmetros fisiológicos como por exemplo freqüência cardíaca, concentração de lactato sanguíneo.
ConclusõesDesta forma, baseado nos resultados encontrados, podemos obter as seguintes conclusões:
Neste estudo os atletas apresentaram um aumento na pontuação do teste de concentração, contrariando a expectativa gerada pela literatura consultada;
Houve uma correlação inversa entre o resultado do teste de concentração pré treino com o número de horas desperto, também contrariando a expectativa gerada pela literatura consultada;
O aumento da pontuação nos testes de concentração após a sessão de treinamento pode estar associada a não adequação do treinamento ao objetivo proposto.
A medida dos níveis de concentração pré e pós treinamento pode servir como mecanismo auxiliar para monitorar o nível de intensidade do mesmo e dedicação dos atletas.
Referências bibliográficas
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Cratty, B. J. (1984). Psicologia no Esporte. Rio de Janeiro: PHB. 246p
De Bortoli, R.; De Bortoli, A. L. e Márquez, S. (2001). Efectos de un programa específico de entrenamiento cognoscitivo en el futbol sala. VIII Congreso Nacional de Psicología del Deporte, Pontevedra, Espanha.
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Riera, J. (1997). Acerca del deporte y del deportista. Revista de Psicología del Deporte, 11, 127-136.
Ruiz Perez, L. M. (1994). Deporte y Aprendizaje: procesos de adquisición y desarrollo de habilidades. Madrid: Visor.
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Viana, M. F. (1990). Atenção e concentração: os quês, os comos e os porquês. Treino Desportivo, 18, 2-11.
Zakharov, A. (1992). Ciência do Treinamento Desportivo. Rio de Janeiro: Grupo Palestra Sport, 1ª ed.
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digital · Año 8 · N° 52 | Buenos Aires, Septiembre 2002 |