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Entraves para a compreensão da criatividade no ensino e na
formação do profissional de Educação Física.

   
UniFMU e UNIBAN - SP
(Brasil)
 
 
Dra. Cynthia C. Pasqua M. Tibeau
ictibeau@osite.com.br
 

 

 

 

 
    A educação em todos os graus de ensino tem sido questionada por não estimular nos alunos uma forma autônoma de pensar e de agir. O sistema educativo deveria se preocupar em oferecer experiências que promovessem o desenvolvimento da criatividade em todas as áreas de expressão, como forma de construção de conhecimento e de aprendizagem significativa. Apesar da aceitação do conceito de criatividade e da proliferação dos trabalhos nesta área, o processo educativo é insuficiente para desenvolver a criatividade e a educação formal não tem oportunizado o ensino do pensamento criativo. Em nosso entender o desconhecimento de características de personalidade dos alunos, da forma de agir e se expressar, de metodologias de ensino que estimulem formas de pensamento divergente e canalizem o agir para mudanças positivas também representam um obstáculo para o desenvolvimento do potencial criativo dos alunos. A formação de profissionais de Educação Física também tem sido questionada: espera-se que o futuro profissional tenha sido preparado no seu curso de formação´para atuar de maneira crítico-reflexiva, mas essa formação ainda é centrada em uma tradição cultural que preconiza a transmissão e aquisição de conhecimentos que privilegiam a execução de movimentos técnico-desportivos.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 8 - N° 51 - Agosto de 2002

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    A educação tem sido questionada por dar ênfase à aprendizagem mecânica ou de memorização e por não estimular uma forma autônoma de pensar e de agir. Desde o ponto de vista pedagógico, o sistema educativo deveria se preocupar em oferecer experiências que promovessem o desenvolvimento da criatividade em todas as áreas de expressão, como forma de construção de conhecimento e de aprendizagem significativa.

    Por aprendizagem mecânica ou repetitiva entende-se a aquisição de conhecimentos que nos possibilita memorizá-los e repeti-los literalmente quando somos questionados. Aí estariam incluídos princípios, fórmulas, conjugação de verbos e, no caso da Educação Física, técnicas de movimentos esportivos.

    Apoiando-nos em Ausubel e Rogers , entendemos a aprendizagem significativa como a aquisição de conhecimentos em que somos capazes de atribuir significado ao conteúdo aprendido, uma aprendizagem que provoca mudança no comportamento, em atitudes e na personalidade. Isso ocorre quando a aprendizagem possibilita o estabelecimento de relações e vínculos, em quantidade e qualidade, entre o novo conteúdo e as experiências vividas ou com os conhecimentos já adquiridos.

    Mesmo entendendo que os dois tipos de aprendizagem não ocorrem de forma pura, o que vale observar é o nível de significância que pode resultar de cada uma delas. Não é o caso de se desprezar a aprendizagem mecânica, pois conteúdos factuais são melhor ensinados e aprendidos por meio de repetição e memorização. O que se pretende é valorizar outros tipos de aprendizagem que possibilitem o desenvolvimento do pensamento divergente e da criatividade.

    Se aprendizagem for conceituada como toda nova reorganização que tem caráter de permanência e disponibilidade no tempo, pode-se supor que toda aprendizagem é primeiramente uma criação.

    Encontramos na literatura vários conceitos e definições sobre criatividade que apontam para uma capacidade humana, que gera um tipo de pensamento divergente, tem como base experiências anteriores e resulta em algo produtivo para o indivíduo ou para a sociedade. O contexto sócio-histórico-cultural pode fomentar ou inibir a criatividade.

    Sefchovich & Waisburd (1995) e Capra (1982) assinalam que a cultura ocidental sempre valorizou o pensamento dedutivo racional, gerando um estilo de criatividade estreitamente relacionado com o produto, enquanto que a civilização oriental privilegia a experiência subjetiva como forma de conhecimento, um estilo de criatividade mais centrada no ser humano e no seu desenvolvimento pessoal. Os primeiros autores vêm a criatividade como uma forma de vida, por considerá-la um sistema de atitudes capaz de modificar-se e adaptar-se, quantas vezes seja necessário, para converter cada situação em uma possibilidade de aprendizagem e ensino.

    Wechsler (1995) comenta a esse respeito, que debates de estudiosos do Center of Creative Studies em Buffalo College concluem que a criatividade é um conceito muito abrangente, um fenômeno multifacetado, originado de múltiplas fontes: cognitiva, emocional, social, inter pessoal e irracional. Ressalta, ainda, que:

"ao considerarmos a noção de aprendizagem como um ato onde se encontram elementos cognitivos, emocionais e sociais, que interagem para trazer a motivação e o envolvimento com a tarefa, trazendo como consequência o aprender, podemos concluir que é inevitável se trabalhar com a criatividade na sala de aula"(p.82).

    A ação criativa é uma situação onde se produz o novo, a expressão de uma idéia, de algo concreto ou de uma forma de comportamento que seja nova para quem o fez. Quando o indivíduo descobre algum fato que já foi revelado por outros, ainda assim representa uma realização criadora. Dieckert (1985 e 1984) prefere o termo criatividade pedagógica, esclarecendo que o professor deve incentivar o aluno a encontrar suas próprias idéias, mesmo que estas já lhes sejam conhecida .

    Apesar da aceitação do conceito de criatividade e da proliferação dos trabalhos nesta área, o processo educativo é insuficiente para desenvolver a criatividade e a educação formal não tem oportunizado o ensino do pensamento criativo. Estimular o potencial de alunos faz parte de um tipo de prática pedagógica que envolve mudanças. Mudança, transformação, sair da rotina são experiências que causam temor, assustam, causam estranheza e têm tendência a não serem aceitas de imediato. Quando se oferece ao aluno oportunidade para ser criativo está se oferecendo também uma abertura para a expressão de sentimentos, emoções, atitudes que muitas vezes chocam outras pessoas.

    Em nosso entender o desconhecimento de características de personalidade e da forma de agir e se expressar, metodologias de ensino que estimulem formas de pensamento divergente e canalizem o agir para mudanças positivas também representam um obstáculo para o desenvolvimento do potencial criativo dos alunos.


Características de alunos criativos

    Um aspecto comprovado em nossas pesquisas é a tendência dos docentes em privilegiar características de indivíduos criativos que se relacionam mais ao produto que este apresenta. A originalidade (respostas inovadoras), a flexibilidade (riqueza das respostas), fluidez (quantidade de respostas), elaboração (número de detalhes), referem-se ao produto que o sujeito apresenta e nos esclarecem pouco sobre atitudes e comportamentos da pessoa criativa nos momentos de sua atuação.

    Em nossas pesquisas, as características de aluno criativo que mais chamam a atenção de docentes de Educação Física estão ligadas ao aspecto motor, na capacidade que o indivíduo possui de utilizar movimentos corporais para expressar uma idéia. Estaria implícito aí o conceito de motricidade. No entanto, o que se percebe nos discursos de alguns docentes é a associação que se faz da capacidade de se “expressar bem corporalmente" com a habilidade física, a qualidade técnica, a estética dos movimentos, o que pode gerar uma idéia errônea de que somente os indivíduos com performance corporal, a exemplo de atletas e bailarinos, seriam criativos.

    Parece existir “discordância" em relação ao que se entende por técnicas no esporte e dança e vivência corporal diversificada que um indivíduo adquiriu em sua história de vida, que pode ou não incluir técnicas esportivas. Possuir um bom repertório de movimentos, vivências motoras ou domínio corporal implica experiências anteriores. Segundo Vigotski (1998), a variedade e riqueza de experiências estão em relação direta com a atividade criadora. Isso não significa que estejam relacionadas, necessariamente, às técnicas esportivas.

    Algumas características do comportamento de pessoas criativas são consideradas inadequadas ou negativas e acabam por rotulá-las como pessoas difíceis. Estudos citados por Stenberg & Lubart (1997:267) sugerem que a infância de pessoas consideradas criativas são ricas em estímulo intelectual, mas pobres em comodidade emocional.

“A estimulação intelectual e a privação emocional podem produzir um gênio, mas também podem gerar pessoas frustradas e insatisfeitas".

    Gardner (1996 e1999), ao estudar indivíduos altamente criativos, comenta as duas dimensões pessoais que os coloca como pessoas difíceis. Uma delas é a determinação em fazer algo, a depreciação dos outros e a auto promoção destes indivíduos, que acaba por conduzi-los a tornarem-se marginalizados. A outra dimensão revela a tendência à conservação de traços ou aspectos menos atraentes da infância: egoísmo, egocentrismo, intolerância, estupidez, obstinação.

    De certa forma, esses estudos vão contra as concepções de Maslow (1998) e Rogers (1985 a) em relação à criatividade como auto realização. Para o primeiro autor, o conceito de criatividade e o de pessoa sadia e plenamente humana talvez resultem a mesma coisa. Rogers (1985 a e b) acredita que a criatividade envolve toda uma orientação do organismo e não apenas a mente consciente, o que ocorre apenas em uma pessoa psicologicamente saudável.

    Algumas pesquisas sugerem que apesar de a criatividade ser considerada importante como habilidade de pensamento e como fator de desenvolvimento humano, algumas características de sua conduta, forma de agir ou mesmo de personalidade do indivíduo são incompatíveis com aquelas mais enfatizadas pela sociedade em geral e pelo professor em particular.

    Antunes (1999) comenta que alunos considerados criativos comparados com figuras históricas consideradas geniais por sua criatividade, demonstram extrema ousadia e ambição em sua maneira de agir, despertando insensibilidade de amigos ou mesmo da sociedade. São, geralmente, pessoas que “...pouco se incomodam em sacrificar o bem estar pessoal ou mesmo suas relações afetivas em troca do desenvolvimento de sua obra”(p. 38).

    Estudantes criativos em relação aos não criativos são instáveis, desordenados, descontrolados, interesseiros, contrários às regras - traços negativos do ponto de vista social. No entanto, estes estudantes são também originais, aventureiros, cultos, espontâneos, flexíveis, artísticos - variáveis positivas no aspecto social (Eysenck ,1999).

    Alencar (1993) ao analisar as características e comportamentos desejados e encorajados pelos professores em sala de aula, aponta que mais de 95% dos professores gostariam que seus alunos fossem obedientes, sinceros, atenciosos, trabalhadores, populares e bem aceitos pelos colegas - atitudes que parecem facilitar a disciplina em sala de aula. Características associadas à criatividade, como a independência de pensamento, de julgamento, curiosidade, intuição, espontaneidade não foram consideradas importantes.

    A mesma autora, em vários outros trabalhos, aponta para uma certa inconstância entre o discurso, que valoriza a criatividade, e as práticas docentes que indicam um comportamento convergente. Ser curioso, ser questionador durante as aulas, e “querer saber de tudo”- um dos requisitos para o desenvolvimento de habilidades de pensamento divergente - são vistas muitas vezes como condutas que atrapalham a aula.


Medo de se expor

    Muitas pessoas têm dificuldades e, até certo ponto, medo de serem diferentes, de serem criativos. Pensar de forma diferente, tentar novas formas de expressão, questionar são encaradas com receio. Isso pode ser observado já nas primeiras séries escolares e mesmo na educação não formal. Aquelas velhas e tão conhecidas frases do tipo “isso não é pergunta que se faça”, “menino não dança assim” ou “meninas não se comportam desta maneira”, ainda são comuns em nossa sociedade.

    Expressar a criatividade por meio da motricidade é um problema na maioria das vezes. A inibição na utilização do corpo como linguagem de expressão, que nós é imposta pela sociedade acaba por intimidar nossa capacidade de criar novos movimentos, de manusear materiais de forma inusitada , de inventar novas formas de relação com o grupo. O culto ao corpo perfeito, as formas de manifestação corporal ditadas pela sociedade moderna, as formas estereotipadas das danças transmitidas pelos meios de comunicação, acabam por inibir e aparecimento de formas de expressão individuais.

    O receio e a vergonha de se expor em atividades motoras está relacionado ao fracasso, que pode ter diferentes causas, como por exemplo o medo de ser avaliado negativamente por outros (pais, amigos, professores). Estudos comprovam que o medo aumenta com a idade e é na fase da adolescência (fase também de transformações coporais) que se pode observar melhor o temor de se expor.

    Os sentimentos negativos em relação ao próprio corpo geram um tipo de ansiedade que é pouco produtiva para a expressão de idéias e emoções por meio da motricidade. Parece que para as meninas essa situação é mais comum que para os meninos.

    Alencar (1993) aponta a liderança, a independência e a iniciativa como características mais exigidas para o sexo masculino e a intuição, espontaneidade e sensibilidade, para o sexo feminino. Para Maslow (1990) os exemplos de criatividade sempre fazem referência a produtos masculinos, que colocam o êxito e o triunfo em evidência. As mulheres se comprometem menos com os produtos, com os ganhos e mais com o processo. De acordo com Mackinnon (1980) pessoas criativas são as que apresentam mais indicadores de feminilidade, não como desvio de sexualidade, mas como maior interesse por atividades estéticas que envolvem emoção e sentimentos.

    Em nossas pesquisas uma das causas alegadas pelos docentes universitários como dificuldade para identificar alunos criativos é o medo e a vergonha que os alunos têm de se expor, associada a uma resistência ao que novo ou diferente.

    Cabe ao professor criar ambientes de respeito e aceitação que oportunizem as diferentes formas de expressão de criatividade do aluno, especialmente nas atividades motoras.


Metodologias de ensino

    Uma questão que é sempre presente nas discussões sobre criatividade no processo educacional versa sobre como os educadores reconhecem e cultivam uma forma de pensar divergente e autônoma de seus alunos e, ainda, como esses educadores proporcionam aos estudantes oportunidade para canalizar sua energia criativa.

    Concepções de ensino em que são privilegiadas e valorizadas a reprodução de conhecimento e a memorização de fatos são projetadas para que os alunos adquiram conhecimento de forma passiva. A utilização de metodologias de ensino diretivas, nas quais o professor e o conteúdo a ser aprendido são o centro do processo ensino-aprendizagem, acaba por criar barreiras à expressão criativa do aluno.

    Mosston & Ashworth (1996), em um dos mais importantes trabalhos sobre metodologias de ensino em Educação Física, descrevem formas de trabalho ou estilos de ensino nas quais o aluno é protagonista do processo e a principal meta é sua autonomia. Afirmam que as áreas de Educação Física, Esportes e Dança oferecem grandes oportunidades para desenvolver a capacidade humana de diversidade, descobrimento, invenção e de ir mais além do conhecido, sendo o professor mediador e facilitador da construção de conhecimento do aluno. Isso exige que o professor esteja preparado para proporcionar aos alunos problemas e situações relevantes, aceitar e valorizar as idéias e as soluções encontradas pelos alunos.

     Torre (1997:9) adverte que os conteúdos não devem ser obstáculos para o desenvolvimento da criatividade, mas sim um veículo para acrescentar a ideação através dos conteúdos figurativos, simbólicos, semânticos ou comportamentais. Ruiz Perez (1995:109) acrescenta que, embora numerosas atividades na Educação Física reclamem um pensamento convergente e reprodutor, existem numerosas oportunidades para aprender de forma mais criativa.

    Isso também foi evidenciado em nossa pesquisa realizada com docentes universitários de Faculdades de Educação Física (Tibeau,2001): estar preso a programas e conteúdos, a falta de tempo e o pouco conhecimento que têm sobre a criatividade impossibilitam o reconhecimento da capacidade criativa dos alunos.

    As pesquisas sobre criatividade no Brasil têm sido realizadas principalmente com alunos e professores do ensino fundamental e médio e relatam estudos sobre avaliação da criatividade em alunos, influência da criatividade no rendimento escolar, fatores inibidores e promotores da criatividade e, principalmente, metodologias e programas para o desenvolvimento de diferentes formas de expressão da criatividade. Questionam também a própria forma de atuação do professor.

    De uma certa forma, espera-se que o professor tenha sido preparado no seu curso de formação profissional para atuar de maneira crítico-reflexiva em relação aos conteúdos a serem ensinados e a valorizar a construção do conhecimento dos alunos.


A formação profissional

    Estudos realizados na área de formação de professores têm evidenciado a carência dos cursos de licenciatura em fornecer meios ao futuro profissional de desenvolver e aprimorar sua própria capacidade criativa e para reconhecer e valorizar esta forma de pensar e agir em seus alunos. Relatam também a falta de preparo dos professores, especialmente no Brasil, para oferecer condições para o desenvolvimento de formas de pensamento crítico, autônomo, divergente e de trabalhar os conteúdos de maneira questionadora e indagadora.

    Wechsler (1995) vai mais longe e assinala o próprio despreparo do futuro profissional para entender, valorizar e lidar com sua própria criatividade.

    Mudanças tecnológicas e científicas que ocorrem neste final de século têm ocasionado uma crise na universidade e, consequentemente, na formação de profissionais da educação. A velocidade das informações e dos conhecimentos enfatiza a necessidade de o Homem se adaptar continuamente a novas situações a fim de responder, com novas idéias e soluções, a velhos problemas.


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