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Desenvolvimento das habilidades motoras básicas em
crianças portadoras de deficiência intelectual

   
*Instituto Politécnico de Bragança, Bragança
**Centro de Educação Especial de Bragança, Bragança
(Portugal)
 
 
Vítor Pires Lopes*
Manuela Zita Bentes dos Santos*

info@efdeportes.com
 

 

 

 

 
Resumo
    O objectivo deste estudo analisar o nível de desenvolvimento de deficientes intelectuais nas habilidades motoras básicas. Foi avaliado o desempenho qualitativo nas habilidades de lançar, pontapear e agarrar em 22 crianças deficientes (ligeiros, moderados e severos) de ambos os sexos, com idades compreendidas entre 10 e 14 anos. Foi usada a ANCOVA para analisar as diferenças no desempenho em cada habilidade tendo como covariável a idade. Os resultados indicam que, nas habilidades de lançar e pontapear, as crianças com diferentes graus de deficiência diferem significativamente entre si, apresentando os deficientes severos um desempenho inferior aos deficientes moderados e estes aos deficientes ligeiros. As crianças do sexo masculino apresentaram desempenhos significativamente superiores às do sexo feminino. Na habilidade de agarrar não existem diferenças significativas entre os três níveis de deficiência intelectual. Em conclusão, as crianças portadoras de deficiência intelectual, apresentam um nível de desenvolvimento das habilidades motoras fundamentais atrasado para a idade cronológica. Verifica-se que quanto mais elevado é o grau de deficiência, maior é o atraso no desenvolvimento das habilidades. Verificámos que, tal como ocorre nas crianças normais, existem diferenças entre o género sexual no desempenho motor, tendo os rapazes um grua superior de desempenho.
    Unitermos: Deficiência intelectual. Habilidades motoras. Desempenho.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 8 - N° 50 - Julio de 2002

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1. Introdução

    Segundo DePauw (1990) a investigação, anterior aos anos 70, sobre a actividade física em indivíduos deficientes, foi sobretudo descritiva, concentrando-se em três áreas fundamentais: (1) identificação de problemas motores; (2) efeitos da actividade física, (3) descrição do crescimento e do desenvolvimento das crianças deficientes. Nos anos 70 as investigações centraram-se sobretudo na fisiologia e na biomecânica. Nos anos 80, segundo a mesma autora, deu-se um aumento substancial das investigações. As áreas de estudo diversificaram-se e os procedimentos tornaram-se mais sofisticados e variados.

    Os esforços sistemáticos da investigação foram devotados ao entendimento das bases científicas, fisiológicas e biomecânicas do desempenho. Os factores psicológicos e sociológicos que afectam os indivíduos deficientes foram estudados pela primeira vez.

    DePauw (1990) considera que as investigações mais recentes em Educação Física adaptada podem ser agrupadas nas seguintes áreas: (1) ensino e aprendizagem das actividades físicas; (2) factores de influência na actividade física; (3) efeitos da actividade física; (4) habilidade motora / rendimento. O estudo que agora apresentamos insere-se nesta última área.

    O interesse em investigar a aquisição de padrões fundamentais de movimento em pessoas com deficiência intelectual deve-se à necessidade de melhor compreender o desenvolvimento motor desta população. A identificação das fases em que se encontra o indivíduo poderá determinar a necessidade de haver intervenção em termos de ensino.

    Não existem referências quanto ao desenvolvimento motor associado à idade cronológica em crianças portadoras de deficiência intelectual. De um modo geral, tomam-se como referência parâmetros normais de desenvolvimento, e evidencia-se o atraso no desenvolvimento motor da criança portadora de deficiência intelectual (Dirocco, Roberton, 1981; Rarik e Dobbins, 1972).

    Molnar (1978) num estudo sobre a relação cronológica entre a evolução dos reflexos infantis e o desenvolvimento motor grosseiro, afirma que, a sequência em que ocorreram as modificações se assemelha ao desenvolvimento de crianças normais. No entanto, o intervalo de tempo entre os reflexos primitivos e o aparecimento de reacções e ajustes posturais é o dobro do normal. A autora considera que o lento desenvolvimento está relacionado com um controlo desorganizado do ajustamento corporal, e não com a incapacidade de “aprender” a utilização funcional daquele mecanismo. Estes resultados evidenciam que o desenvolvimento motor é atrasado para a idade cronológica, mas consistente com o nível maturacional.

    Molnar e Alexander (1983) referem que nas medidas de força muscular as crianças deficientes intelectuais obtêm resultados mais baixos do que o esperado para a sua idade, sexo e características antropométricas. Os autores sugerem que este menor desempenho está possivelmente relacionado com um nível reduzido de actividade física.

    Flichum (1986) indica que existe uma correlação elevada entre o desenvolvimento mental e o desenvolvimento motor em crianças pequenas. Tomando como referência o nível de desenvolvimento intelectual, tem-se evidenciado que crianças de nível intelectual abaixo da média, apresentam atrasos relativamente às crianças intelectualmente normais, tanto ao nível de proficiência motora como ao nível de desenvolvimento dos padrões motores fundamentais (Wickstrom, 1983).

    Junghahnel, Pellegrini e Nabeiro (1986) num estudo sobre a mudança no comportamento motor, nas habilidades básicas lançar e correr, em 51 crianças deficientes intelectuais, com idades entre os 8 e os 13 anos, num intervalo de doze meses, verificaram que as crianças com deficiência intelectual ligeira melhoram mais do que as crianças com deficiência intelectual moderada.

    Rarick e Dobbins (1972) afirmam que, respeitadas as características de desenvolvimento, muitos daqueles que apresentam deficiência intelectual têm capacidade para atingir padrões motores maturos, se lhes derem oportunidade e tempo suficientes de prática. Para Wickstrom (1983) a falta de oportunidade de prática tem sido o motivo principal do entrave ao desenvolvimento motor normal, sendo verificado em alguns casos, regressão na qualidade de execução de padrões de movimento. Fazendo uma análise da literatura sobre o assunto, Perez (1986) concluiu que as características motoras dos deficientes intelectuais se caracterizam por: (1) alterações anatómicas e funcionais (por ex. obesidade, problemas cardio-respiratórios) de razões pouco conhecidas; (2) atraso médio de dois anos no desenvolvimento e desempenho motor; (3) problemas para aprender tarefas perceptivo-motoras básicas e problemas de equilíbrio, coordenação, força, velocidade, resistência e planificação motora.

    O objectivo deste estudo foi avaliar o nível de desempenho em habilidades motoras fundamentais de deficientes intelectuais com diferentes graus de deficiência.


2. Metodologia

2.1. Amostra

    A amostra foi constituída por 22 crianças de ambos os sexos deficientes intelectuais, aparentemente livres de qualquer deficiência motora, com idades compreendidas entre os 10 e os 14 anos, repartidas por níveis de deficiência: 8 ligeira - QI [75 - 55], 7 moderada - QI [55 - 35] e 7 severa - QI [35 - 25])

2.2. Avaliação das habilidades motoras

    Foram avaliadas as seguintes habilidades motoras: agarrar, lançar e pontapear

    No momento de aplicação das provas, verificámos que a instrução prevista no protocolo não era suficiente para a compreensão das tarefas por algumas crianças, pelo que houve necessidade de a ajustar de forma a que todas as crianças compreendessem e executassem o movimento desejado. Assim, por forma a podermos retirar algumas inferências deste aspecto fizemos uma análise a esta instrução, os resultados dessa análise constam no Quadro 1.

Quadro 1 - Estratégias de instrução utilizadas para a compreensão da tarefa.

    A avaliação das habilidades lançar e pontapear foi realizada através do instrumento construído por Neto (1987) que se baseia na observação dos erros de execução. Para cada movimento são identificados oito erros (Quadro 2). A avaliação da habilidade agarrar foi feita através dos procedimentos do teste Cashin’s Catching Test (Cashin’s, 1974). Este teste fornece um score quantitativo por pontos, de 0 a 5, atribuídos conforme o nível de execução (Quadro 3).


Quadro 2 - Descrição dos erros de execução nas habilidades lançar e pontapear (Neto, 1987)

Quadro 3 - Descrição de critérios de pontuação utilizada na avaliação do movimento de agarrar (Cashin’s, 1974)

    Todos os ensaios de todas as provas foram gravados em vídeo. A captação das imagens foi efectuada de perfil, num ângulo ajustado que permitisse visualizar lateralmente a tarefa motora nas suas diversas fases. O índice de fiabilidade intra-observador foi de 80%.


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