Conceitos de lazer em portadores de lesão medular |
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*Universidade de Brasília- UnB Mestre em Educação pela Universidade Católica de Brasília Doutoranda em Ciências da Saúde pela UnB. **Universidade de Brasília - UnB Doutor em Ciências Pedagógicas pela Instituto Central Estadual de Cultura Física de Moscou - Rusia. Diretor do Instituto Latino-americano de Atividade Física Terapêutica - ILAFiT |
Prof. Ms. Ana Cláudia Raposo* ana.melo@terra.com.br Prof. Dr. Ramón F. Alonso López** aft200153@uol.com.br (Brasil) |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 8 - N° 49 - Junio de 2002 |
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Introdução
A Lesão Medular pode acarretar uma série alterações psicossociais no indivíduo, pois este tipo de lesão física muitas vezes ocasiona uma série de mudanças na sua vida em todos os campos. Uma destas mudanças são os longos períodos de hospitalização e reabilitação, que pode representar para a saúde mental do indivíduo, um fator determinante de transtornos emocionais e de conduta.
Isto pode ocorrer, pois uma vez que ao estar internado, o indivíduo é separado do seu meio e exposto a um meio totalmente diferente, composto de pessoas estranhas e submetido a uma rotina não habitual, por vezes dolorosa e traumatizante.
Esta rotina hospitalar, onde se visa apenas a cura da doença, pode ser geradora de stress, tornando o paciente mais suscetível à dor. Felizmente pode-se perceber que a prática hospitalar em algumas instituições de saúde está mudando, tornando mais flexível o sistema de visitas, mudança de atitudes de profissionais que atuam diretamente com o paciente, observando e respeitando as necessidades bio-fisico-afetivo e social de cada indivíduo, oferecendo diversas atividades esportivas, recreativas, culturais e de lazer, como parte do programa de reabilitação, além das atividades de fisioterapia e demais atividade da rotina hospitalar.
Esta atividade, coadjuvantes no processo de reabilitação, tem por objetivo a diminuição da dor e do stress causado pela hospitalização, adesão ao tratamento, além dos objetivos traçados no programa de reabilitação, oferecendo atividades recreativas no tempo livre estes pacientes visando humanizar o tempo de internação.
As atividades iniciadas ou orientadas durante o período de internação hospitalar ou de reabilitação podem ser retomadas quanto este sujeito retornar para sua casa, sendo estas atividades parte de sua rotina de vida anterior à lesão medular.
Os autores que se dedicam ao estudo do lazer não possuem um consenso sobre um conceito, mas podemos destinguir duas grandes linhas: a que considera o lazer como um estilo de vida, enfatizando o aspecto atitude, sendo independente de um tempo determinado e a que privilegia o aspecto tempo, situando-o como tempo livre, ou fora do trabalho e demais obrigações (Marcellino, 1995).
De acordo com Marcellino (1996) as áreas abrangidas pelos conteúdos de lazer são seis categorias de interesse: artísticos, intelectuais, esportivos, manuais, turísticos e sociais.
Os interesses artísticos envolvem todas as manifestações artísticas. Já os interesses intelectuais abrangem as leituras, cursos, palestras e demais meios para obter conhecimento.
Os interesses físicos envolvem as modalidades esportivas e exercícios físicos. O artesanato, bricolage, jardinagem e cuidados com animais fazem parte dos interesses manuais. Os interesses turísticos envolvem os passeios e viagens, já os interesses sociais abrangem o convívio social como bailes, bares, festas e restaurantes.
Estando uma pessoa internada para tratamento hospitalar, ou seja, desobrigada do trabalho ou das obrigações familiares e tendo a maioria do seu tempo livre, qual seria a sua opinião sobre o lazer.
Este trabalho visa apresentar as concepções de lazer de Portadores de Lesão Medular. As atividades citadas pelos sujeitos como atividades utilizadas para o lazer, são utilizadas fora do ambiente hospitalar, sendo que algumas destas atividades podem dar continuidade durante o período de internação.
Estas concepções são úteis para verificar o conceito de lazer e as preferencias de atividades de cada paciente, podendo assim direcionar melhor o trabalho da Educação Física no meio hospitalar, bem como orientar o paciente na continuidade destas atividades ao retornar para casa.
MetodologiaForam entrevistados 33 sujeitos, sendo 21 homens e 12 mulheres, com idade entre 18 e 53 anos. Os dados de identificação foram colhidos em prontuário. Cada paciente foi entrevistado individualmente, sendo que desta entrevista constavam duas questões, sendo uma aberta e uma fechada: a primeira sobre o conceito pessoal de lazer e a segunda sobre as atividades que gosta de realizar durante o lazer.
O número de resposta para cada pergunta foi aberto, podendo cada sujeito citar vários conceitos e atividades. A análise estatística dos dados foi descritiva, utilizando o aplicativo Excel/97. Dados pessoais tais como faixa etária, sexo, grau de instrução, patologia, renda familiar origem e religião foram analisados para verificar se estes influenciariam na escolha das atividades ou no conceito de lazer.
ResultadosO conceito
O conceito de lazer apresentou 54 respostas, sendo estas distribuídas em 5 grupos. O primeiro grupo "Diversão”, segundo grupo "Descanso”, o terceiro grupo "Fazer o que gosta”, o quarto grupo é a "Associação do termo às atividades" e o último grupo "Não tem conceito". O percentual dos conceitos, bem como a freqüência das respostas na Tabela I.
Tabela 1: Concepções de Lazer no Portador de Lesão medular
As atividadesO número de respostas das atividades totalizou 240 itens sugeridos pelos sujeitos. As respostas foram agrupadas por grupos de interesse como pode ser visualizado na Tabela 2.
Tabela 2: Sujeitos por Grupo de Interesse
As atividades artísticas apresentaram como opção de lazer 56 itens, sendo tocar um instrumento/cantar 1.74% das respostas, ir ao cinema com 19,64%, assistir a shows de dança apresentou 3.57% das respostas, ir ao teatro 12.5%, assistir shows musicais 16.07%, visitar museus 1,74%, assistir televisão 12.51%, ouvir música/rádio 25% e assistir filmes no vídeo cassete apresentou 7.14% das respostas.
O maior número de atividades artísticas se deu porque neste grupo estão inclusas atividades como: ouvir musica, assistir televisão e ver filmes no vídeo cassete.
As atividades intelectuais apresentaram como opção de lazer 36 itens, sendo os jogos cognitivos 3.33% das respostas citadas, a participação em cursos de aperfeiçoamento com um total de 2.7%, a leitura que apresentou a maior freqüência totalizou 47,2% das respostas, o uso de computador 13.9% e o jogo em vídeo game com 2,7%.
As atividades esportivas apresentaram como opção de lazer 2 itens, sendo as atividades físicas totalizando 60% das respostas e as atividades esportivas com 40%. Este item pode ter apresentado um baixo índice de resposta, pois muitos portadores de lesão medular acreditam que não podem fazer atividades físicas além da fisioterapia, menor ainda seria a possibilidade de fazer algum esporte, de acordo com relatos observados durante a entrevista.
As atividades manuais apresentaram como opção de lazer 51 itens, sendo bricolage 25.49% (atividades voltadas para reformas e manutenção da casa) apresentou o maior número das respostas, artesanato com 15.68%, cuidado de animais apresentou 23.52%, jardinagem 9.9% e culinária totalizou 25.49%. As atividades manuais como bricolage, cuidados de animais e culinária podem apresentar um numero elevado, uma vez que estas são atividades de vida diária.
As atividades turísticas apresentaram como opção de lazer 36 itens, sendo passear a opção mais citada com 52.78% das respostas, viajar apresentou 38.8% e ir a praia 8.3%. O passeio pode ter sido mais citado, pois não requer grandes deslocamentos, como nas viagens e ida a praia.
As atividades sociais apresentaram como opção de lazer 41 itens, sendo ir a festas a resposta mais freqüente totalizando 41.46% das respostas, ir a bares e restaurantes com 29.26%, bailes 14.64%, ir a igreja 7.31 e namorar também 7.31%. O item ir a festas foi mais citados devido ao fato de festas familiares serem freqüentes.
A freqüência das respostas de acordo com os grupos de interesse pode ser verificada na Tabela 3.
Tabela 3: Freqüência de Atividades nos Grupos de Interesses
Conceito de Lazer associado a diferentes aspectosLazer e Faixa Etária.
O grupo pesquisado apresentou uma média de idade de aproximadamente 30,59 anos, sendo adultos jovens uma característica dos portadores de lesão medular. Estando o mais novo com 18 anos e o mais velho com 53 anos.
Em relação à faixa etária o grupo foi dividido em 3 grupos sendo o primeiro de sujeitos com idade entre 18 e 30 anos, o segundo com idade entre 31 a 40 anos e o terceiro com idade entre 41 a 53 anos. No primeiro grupos tivemos 18 sujeitos ( 54,55%), o segundo grupo com 8 sujeitos ( 24,24%) e o terceiro grupo com 7 sujeitos (21,21%).
O conceito de Lazer entre os sujeitos com faixa etária menor, esta mais voltado para o divertimento, enquanto no segundo grupo este está mais relacionado ao descanso. O terceiro grupo, diferente dos demais, cada sujeito apresentou apenas uma opinião.
Quanto às atividades, no primeiro grupo relatou um número maior de atividades como opções de lazer. Pode-se notar no primeiro grupo mais interesse por atividades intelectuais, turísticas e esportivas, sendo esta ultima a mais evidente. As demais atividades não apresentaram diferenças significativas.
Lazer e EscolaridadeQuando realizada a análise dos dados relativos ao nível educacional, pode-se concluir que o grupo se caracteriza mais por concluintes do segundo grau que totalizam 30.30% (10 sujeitos), sendo que 12.12% (4 sujeitos) não concluíram o segundo grau.
O segundo grupo mais numeroso foi o grupo dos sujeitos com primeiro grau incompleto 27.28% (9 sujeitos), 15.15% possuem o primeiro grau completo, 6.06% possuem nível superior completo e 6.06% possuem nível superior incompleto. Nesta amostra foi encontrado apenas um sujeito analfabeto ( 3.03%).
A variação do conceito de lazer diferenciou de acordo com a escolaridade. As atividades de interesses esportivo no grupo com segundo grau ( 68,76%) foram a única diferença nas respostas. As demais atividades não apresentaram diferenças nos percentuais nos quatro grupos.
Lazer e ReligiãoAo analisar os resultados da variável religião, observou-se que 72.27%(24) dos sujeitos são católicos, 27.28%(9) são evangélicos. Esta variável é importante, uma vez que algumas religiões incentivam e outras proíbem atividades de lazer tais como os diferentes tipos de jogo.
Quanto ao conceito do lazer não variou entre as religiões, bem como as atividades utilizadas para o lazer, sendo as atividades manuais e sociais mais citadas entre os evangélicos.
Lazer e Renda FamiliarOs dados analisados demonstram que a maioria dos entrevistados (15) encontra-se na faixa de 1 a 3 salários mínimos ( 45.46%), 18.18%(6) possuem renda familiar de 4 a 5 salários mínimos, 18.18%(6) possuem renda familiar de 6 a 10 salários mínimos e 18.18%(6) possuem acima de 10 salários mínimos.
A concepção de lazer voltada para diversão foi mais evidente na faixa de 1 a 3 e 4 a 5 salários mínimos, notando ainda o maior número de conceitos. A faixa de renda entre 4-5 salários mínimos apresentou uma freqüência maior das atividades intelectuais (33.34%), turísticas (35%) e esportivas (37.5%) foram mais acentuadas do que nas demais faixas salariais.
Lazer e SexoA amostra deste estudo foi constituída de 12 pacientes do sexo feminino (36.37%) e 21 pacientes do sexo masculino (63.63%). O conceito de lazer como diversão foi mais evidente entre os sujeitos do sexo feminino.
A escolha das atividades a serem realizadas no lazer não apresentou grande diferença entre os sexos, porém a escolha pelas atividades artísticas e esportivas foi mais freqüentes no grupo feminino.
Lazer e PatologiaO conceito de lazer em sujeitos portadores de paraplegia está voltada para a diversão, enquanto nos portadores de tetraplegia para o descanso, sendo 33.3% (10) dos entrevistados portadores de tetraplegia e 69.7% (23) portadores de paraplegia. Entre os portadores de paraplegia o conceito de lazer como diversão foi mais evidente.
Quanto às atividades os portadores de paraplegia possuem maior interesses pelas atividades esportivas, manuais e turísticas do que em portadores de tetraplegia.
Lazer e Local de ResidênciaApesar de 63.63% (21) dos sujeitos morarem no interior dos estados e apenas 36.37% (12) morarem na capital, o conceito de lazer como diversão foi maior nos moradores do interior dos estados e o lazer voltado para o descanso escolhido pelos residentes nas capitais. O local de residência influenciou na escolha das atividades que gosta de realizar para o lazer, sendo que as sujeitos que residem em captais possuem maior interesses pelas atividades turísticas, artísticas, sociais e intelectuais.
DiscussãoOs portadores de lesão medular desta amostra apresentaram um conceito de lazer que privilegia o aspecto tempo de acordo com Marcellino (1995), ou seja, existem momentos específicos para o lazer, enquanto 15% dos sujeitos consideraram o lazer como estilo de vida, enfatizando o aspecto atitude, criando seus momentos para o lazer.
O conceito de lazer como diversão nos portadores de lesões medulares desta amostra, é semelhante ao conceito de lazer em pessoas não portadores de deficiências físicas residentes no Distrito Federal (Neto, 1993).
O conceito de lazer mais voltado para a diversão pode estar relacionado ao fato de que 78% desta amostra se constituiu por adultos jovens. A renda familiar é uma variável que influência no conceito de lazer, pois o conceito de diversão é mais freqüente nas classes com salários menores, onde a carga de trabalho é grande, necessitando de diversão no pouco tempo que possuem para o lazer. Nesta "diversão" incluem-se atividades como assistir televisão e fazer pequenos consertos em casa.
Os portadores de tetraplegias podem ter citado o conceito de lazer voltado para o descanso devido às limitações impostas pela patologia, comparado aos portadores de paraplegia, que geralmente possuem uma vida mais ativa. Já os moradores das capitais dos estados, podem ter conceituaram o lazer como descanso, por apresentarem uma vida mais agitada.
O interesse pelas atividades abrange todas a áreas de interesse, sendo as escolhas independente de patologia, sexo, idade, escolaridade, religião ou residência, existindo pequenas diferenças dentro destas variáveis.
As atividades com interesses manuais, por estarem relacionadas com a vida diária dos sujeitos, incluindo atividades como o cozinhar, bricolage(consertos), jardinagem e artesanato, foi a atividade utilizada para o lazer mais aparente nos resultados.
O resultado encontrado na escolha das atividades utilizadas com mais freqüência para o lazer como as atividades manuais, pode ter ocorrido por estas atividades estarem relacionadas com a vida diária, como o cozinhar, bricolagem, jardinagem e artesanato.
Esta escolha pode estar relacionada às limitações físicas impostas pela patologia, pela dificuldade de locomoção, a ausência de adaptações para o portador de deficiência em locais públicos, falta de opções de lazer na sua comunidade e/ou a não aceitação da lesão.
ConclusãoO lazer é um componente importante para a qualidade de vida de todos os cidadãos e especialmente no caso dos portadores de lesão medular, que por vezes se encontram em um momento de estruturação de vida. Apesar das limitações motoras impostas por este tipo de enfermidade, estas não os impedem de realizar e/ou participar de inúmeras atividades, inclusive as de lazer.
A análise do conceito de lazer e a verificação das atividades escolhidas para este fim relacionadas às variáveis escolhidas ficaram restrita pela amostra pequena, necessitando de mais estudos sobre este tema.
Bibliografia
CAMARGO, L..O.L.C.. Educação para o Lazer. Moderna. SP - 1998
LICERE. Revista do Centro de Estudos de Lazer e Recreação/EEF/UFMG. Vol.1 n° 1 - 1998.
MARCELLINO, N.C. Estudos do Lazer - uma introdução. Autores Associados. SP- 1996.
MARCELLINO, N.C. Lazer e Educação. Papirus. 3 Ed. SP - 1995
NETO, M.F. Lazer: Opção Pessoal. Departamento de Educação Física, Esportes e Recreação - SCE/GDF. 1993
revista
digital · Año 8 · N° 49 | Buenos Aires, Junio 2002 |