Educação Física Inclusiva numa perspectiva de múltiplas inteligências |
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Universidade Católica de Brasília (Brasil) |
Manuela Bailão, Ricardo Jacó de Oliveira Paulo Roberto Corbucci ricardomago@bol.com.br |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 8 - N° 49 - Junio de 2002 |
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1. Introdução
A inclusão é o modo ideal de garantir igualdade de oportunidades e permitir que crianças portadoras de deficiência possam relacionar-se com outras crianças e estabelecer trocas para poderem crescer. Na imitação e no espelhamento, elas (e as outras crianças) se desenvolvem; são necessários exemplos que as façam superar fraquezas e despertar potencialidades; a igualdade nos relacionamentos não permite trocas e estagna o desenvolvimento. Dentro de um amplo projecto de educação, os princípios da inclusão vão além de inserir crianças com necessidades especiais na rede regular de ensino, alertando os envolvidos nesse processo para a revisão do sistema educacional.
Há necessidade de medidas de atendimento especializado aos que precisam, incluindo não só as crianças portadoras de deficiência, mas as excluídas por motivos que também as tornam portadoras de necessidades educativas especiais. Tratar crianças como seres únicos em suas individualidades, reconhecer suas diferenças e atender suas necessidades é tarefa da educação toda, não apenas da proposta para inclusão.
A Teoria das Inteligências Múltiplas foi escolhida como base para o estudo por reconhecer que os indivíduos “possuem diferentes tipos de mentes, e por isso aprendem, lembram, desempenham e compreendem de modos diferentes” (GARDNER, 1994, p.14). Sugere abordagens que atendem as pessoas que não se enquadram no sistema formal de ensino, não porque não têm compreensões significativas, mas porque o sistema não as aceita. Assim como a proposta da educação inclusiva, a teoria propõe o reconhecimento de diferenças individuais e a adequação a diferentes formas de aprendizagem, desempenho e compreensão.
Este estudo teve o propósito de propor a inclusão de crianças portadoras de necessidades especiais na rede regular de ensino, tendo como referência a Teoria das Inteligências Múltiplas, e em que medida esta teoria pode dar suporte à proposta de inclusão de crianças com necessidades especiais na rede regular de ensino, aproveitando e enaltecendo sua capacidade de desenvolver habilidades necessárias para que frequentem salas regulares.
2. A educação inclusivaA educação dos deficientes se caracteriza principalmente pela segregação dessas pessoas em relação às demais, porque acontece em ambientes separados, fora das escolas do sistema regular de ensino. Se dentro delas, ocorre em classes especiais (diferentes das salas comuns), por vezes vistas como depósitos de crianças que não se ajustam ao sistema de ensino.
A educação especial e as consequentes discussões sobre a forma de educar crianças com necessidades especiais demonstram novas tendências educativas que convergem para a integração e a inclusão. Cabe redefinir os termos, posto que integração e inclusão, apesar de princípios e propostas semelhantes, compatíveis, constituem conceitos diferentes, sendo a integração anterior à inclusão; sendo a inclusão uma prática de inserção mais radical, completa e sistemática, afirma MANTOAN (1998).
Inclusão vai além da simples integração da pessoa ao ambiente escolar normal; implica não deixar ninguém de fora desde o início. Ou seja, não é reintegrar, é integrar desde o primeiro momento, sem exclusão anterior. O conceito abriga não só a educação, mas todas as esferas da sociedade, e depende da contribuição de todos. Para SASSAKI, nos anos 60 e 70 a integração tinha como objectivo preparar a pessoa deficiente para ser aceita na sociedade. Sua prática era baseada no “modelo médico da deficiência, segundo o qual tínhamos que modificar (habilitar, reabilitar, educar) a pessoa com deficiência para torná-la apta a satisfazer os padrões aceitos no meio social” (1998, p.9). Já a inclusão, iniciada nos anos 80 e consolidada nos anos 90, baseia-se no modelo social da deficiência, em que a sociedade deve preparar-se e modificar-se para receber essas pessoas e atender suas necessidades, comuns e especiais. Apesar de integração ser termo muito utilizado, é menos completo e se pode considerar uma etapa anterior à inclusão, dentro do processo de transição da educação segregada para a forma atual.
MAZZOTA (1996) indica que a partir de 1990 se reconhece uma “tendência das acções governamentais para a educação escolar integrada”, com a busca pelo MEC de “alternativas que viabilizem a inclusão de portadores de deficiência na rede regular de ensino”. FONSECA esclarece esta ideia ao afirmar que “a grande convicção do futuro é que as crianças deficientes tenham as mesmas oportunidades que as crianças não deficientes, pois cabem-lhes as mesmas e legítimas aspirações de realização pessoal e de participação e transformação social” (1995, p.196).
De acordo com a Declaração de Salamanca e Linha de Acção sobre Necessidades Educativas Especiais (1994), os documentos relativos à questão da integração objectivam analisar as mudanças políticas fundamentais ao enfoque da educação integradora, capacitando as escolas para atender a todas as crianças, sobretudo as que têm necessidades educativas especiais. A base é o princípio da integração e o reconhecimento da necessidade de acção para conseguir escolas para todos, instituições que incluam todos, reconheçam as diferenças, promovam a aprendizagem e atendam a cada um. Conforme proclama a Declaração de Salamanca, as crianças têm direito fundamental à educação e devem ter oportunidade de obter e manter um nível aceitável de conhecimento, independentemente de suas características próprias e individuais, interesses, capacidades e necessidades de aprendizagem.
O sistema educativo e os programas de ensino devem ser planejados e aplicados tendo em vista as diferenças dos alunos, constituindo assim uma pedagogia centralizada na criança, capaz de atender a qualquer tipo de necessidade de aprendizagem, inclusive de “crianças portadoras de necessidades educativas especiais”, dentro de uma mesma escola comum. FONSECA (1995) afirma que “a escola terá de adaptar-se a todas as crianças, ou melhor, à variedade humana” (p. 202). E ainda, “é falso e displicente supor que as crianças deficientes não dispõem da capacidade de aprendizagem. Nelas a disposição é outra, mais lenta e diferente, mas isso não quer dizer que tal condição seja extinta ou ausente” (p.206).
Torna-se evidente que as discussões sobre integração e inclusão refletem a busca de uma concepção de sociedade menos preconceituosa e segregacionista (MARQUES, 1997). A principal meta das escolas inclusivas é desenvolver uma pedagogia centralizada nas crianças, capaz de educá-las sem distinção, além de contribuir para corrigir atitudes discriminatórias e criar uma sociedade mais acolhedora e solidária. Pressupõe-se que diferenças são normais e o ensino deve ajustar-se às necessidades de cada educando, em vez de o aluno ter de se adaptar ao sistema educativo com ritmos e princípios padronizados. Caso contrário, ocorre a exclusão.
Todos são diferentes, nem melhores ou piores, com potencialidades para crescer e se superar; com necessidades particulares que devem ser aceitas e atendidas por uma sociedade democrática. MANTOAN defende que “podemos reunir os problemas suscitados pela inclusão de deficientes (mentais) num conjunto de respostas pedagógicas que buscamos para desvendar sua competência, porque esses alunos têm o direito de viver desafios para desenvolver suas capacidades e de conquistar autonomia social e intelectual, decidindo, escolhendo, tomando iniciativas, em função de suas necessidades e motivações” (mimeo).
Embora não muito recente, o tema inclusão é o mais discutido em educação e qualidade de vida de Pessoas com Necessidades Educativas Especiais (PNEE). Depois de abandono, preconceito, segregação, procura-se estabelecer nova concepção sobre essas pessoas na sociedade, fazendo-as interagir em direitos, deveres e oportunidades com as outras. Difícil crer que a sociedade actual pense cada indivíduo como único; principalmente, que pense no outro indivíduo. MOUSSATCHÉ compartilha esta ideia questionando:
“Como explicar a diferença, a dessemelhança ou mesmo defender a divergência, no mundo que caminha para a globalização? [...] Como aceitar, nas entranhas da escola, a diferença, se temos que avaliar as igualdades/ Como pedir aos psicólogos que abandonem seus conceitos de anormalidade, se idealizam a normalidade? Como pedir aos médicos que não classifiquem os alunos em normais e patológicos? Como discutir no seio familiar a importância das atitudes, valores, preconceitos e afectividade quando nasce um filho não idealizado? Como convencer a mentalidade/sociedade globalizante actual que é possível explorar a riqueza da diversidade humana? (1997, p.10 e 12).”
A inclusão, é certo não ocorrerá do dia para a noite e não dependerá apenas da vontade dos interessados na Escola para Todos. Não é possível prever o tempo para se alcançar esse objectivo, mas é preciso iniciar o processo. Começar a realizar o sonho. Deixar de acreditar que as mudanças acontecem tão somente ao se escrever sobre elas, apontando caminhos teóricos para melhoras, sem consolidar a prática. Senão, tudo será utopia.
A Teoria das Inteligências MúltiplasExistem contradições quanto à dimensão da inteligência. Há quem acredite numa capacidade única e considere o intelecto um todo. Outros pensam na multiplicidade de capacidades e funções do intelecto, visto fragmentado. Vê-se inteligência como privilégio de alguns, ou como característica comum a todos. Os estudos sobre inteligência procuraram definir-lhe o conceito, mas ao testarem e avaliarem as capacidades dos indivíduos, padronizaram-nos e rotularam-nos.
Mais recentemente, autores procuram mudar a visão única, imutável e divinizada da inteligência e romper com a testagem e a avaliação que enriquecem a idéia de que inteligência é privilégio de alguns e não pode ser desenvolvida. Destaca-se Howard Gardner, que estuda as psicologias cognitiva e do desenvolvimento, autor da Teoria das Inteligências Múltiplas. A opção deste trabalho pela Teoria decorre de defender as múltiplas capacidades, viabilizando o conceito de inteligência inclusive àqueles socialmente considerados incapacitados. A Teoria contribui com o respeito ao ser humano em sua individualidade, mostra uma maneira mais democrática e justa de aprendizagem e desafia a concepção clássica de inteligência e os padrões de testagem que marginalizam e excluem alunos avaliados como incapazes nesses padrões.
GARDNER diz que todos nascem com potencial biológico para o desenvolvimento de inteligências, apesar de a dimensão alcançada só ser satisfatória segundo os estímulos recebidos. Que à parte o potencial inato,
“intervenções e treinamento precoce persistentes podem desempenhar um papel decisivo na determinação do nível final de desempenho do indivíduo. Se um comportamento particular é considerado importante por uma cultura, se consideráveis recursos são dedicados a ele, se o próprio indivíduo está motivado a operar nesta área e se os meios próprios para a cristalização e a aprendizagem são colocados à disposição, quase todo indivíduo normal pode atingir uma competência impressionante em um domínio intelectual ou simbólico. De forma oposta, e talvez mais obviamente, até mesmo o indivíduo mais inatamente talentoso naufragará sem algum ambiente apoiador positivo. A descoberta do perfil intelectual inerente de um indivíduo - que acredito possível- não precisa servir, então, como meio de classificar o indivíduo ou de consigná-lo a uma lixeira intelectual; ao contrário, tal descoberta forneceria um meio para assegurar que todo o indivíduo tenha à sua disposição tantas opções quantas possíveis para atingir a competência em quaisquer campos que ele e sua sociedade considerem importantes (1994, p.243).”
O autor considera que uma intensiva intervenção nos primeiros anos de vida da criança é crucial para seu desenvolvimento. Pode fazer com que várias crianças atinjam um nível promissor, de grande destaque numa habilidade, e talvez auxilie as que apresentem dificuldades ou prejuízos em alguma capacidade. A visão limitada e única da mente pode desperdiçar talentos por não se encaixarem nos padrões testáveis de inteligência. Incalculável o potencial humano perdido em escolas que privilegiam certas capacidades e não revelam talentos. Perde a comunidade, que deixa de contar com pessoas qualificadas para ocupar papéis importantes ou produzir para a sociedade.
Constrói-se a base da Teoria das Inteligências Múltiplas: indivíduos têm perfis intelectuais diferentes e apresentam múltiplas capacidades em áreas do conhecimento, combinadas entre si, resultam numa forma particular de resolver problemas ou criar produtos válidos numa sociedade. A escola deve voltar-se para o aluno e avaliar seu perfil intelectual de modo que ele possa expressar capacidades e fraquezas por diferentes meios, oferecendo-lhe oportunidades para desenvolver habilidades de acordo com as características que apresenta.
Gardner reitera que na maioria das sociedades a escola tem papel fundamental na formação da inteligência, por ser valorizada culturalmente como espaço de oportunidades de aprendizagem em que a inteligência se revelará. Além da escola, valores sociais e conteúdos considerados necessários à sobrevivência da cultura são determinantes na definição de inteligência por uma sociedade.
A Teoria das Inteligências Múltiplas rompe com o tradicionalismo da educação. Torna-a direito de todos, com igualdade de oportunidades e respeito à individualidade. Não é salvadora; abre caminhos para uma direcção a ser tomada. O autor esclarece que as várias competências devem ser educadas, pois na vida não são usados somente conteúdos escolares, “a vida consiste em mais do que o desenvolvimento de combinações particulares de inteligência para propósitos educacionais específicos” (GARDNER, 1994, p.278).
Gardner critica o sistema avaliativo da escola tradicional, pelos testes que medem principalmente capacidades de raciocínio lógico-matemático e habilidades lingüísticas. Importa-lhe observar como são desenvolvidas capacidades para resolver problemas. Uma pessoa com boas capacidades matemáticas e lingüísticas provavelmente terá óptimos resultados em testes tipo QI e conseguirá vaga em boa universidade, mas sua vida será regida pela habilidade de usar outras inteligências.
A escola que Gardner propõe busca o entendimento: a capacidade de aplicar o conhecimento adquirido na situação em que é relevante. O objectivo do aluno é combinar suas capacidades e habilidades para solucionar tarefas. Contrariamente, o que se percebe nas crianças é falta de compreensão de conteúdos, mesmo nos “bons alunos”. A maioria é incapaz de aplicar o conhecimento em situações fora do ambiente escolar. Talvez porque o ensinado na escola não se aplique a situações quotidianas, ou porque a forma de ensinar não permita transferência para a realidade; ou porque se confunda desempenho com entendimento. A compreensão genuína não é buscada ou estimulada na escola, que se contenta com desempenhos avaliados como entendimento. GARDNER comenta que “entretanto, num exame mais detalhado, fica claro que os entendimentos só podem ser apreendidos e apreciados se forem desempenhados por um aluno” (1995, p.165).
Gardner argumenta por um sistema avaliativo justo com a inteligência, que respeite o ser humano na individualidade, em vez de enquadrá-lo em padrão preestabelecido. Para que se identifique o homem como mais humano, com potencial indescritível para realizações em favor dos homens. Para que o planeta sobreviva e a convivência seja crescentemente tolerável.
A Educação FísicaPara muitos, aulas de Educação Física são fonte de prazer e alegria, sempre bem esperadas dentro do período na escola. A partir dessa característica, a Educação Física pode contribuir com o processo de inclusão de crianças com necessidades especiais na escola regular. Seus conteúdos e objectivos próprios contribuem para o melhor desenvolvimento da criança nos aspectos motor, cognitivo, afectivo e social. Afinal, “desenvolver a motricidade não é apenas apresentar maior rendimento em determinadas habilidades (...); bem mais que isso, significa adquirir melhores recursos para se relacionar com o mundo dos objectos e das pessoas” (FREIRE, 1989, p. 56).
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