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São Paulo: a cidade e o futebol
Gilmar Mascarenhas de Jesus

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 8 - N° 46 - Marzo de 2002

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    O "progresso" capitalista não tardou a chegar e afetar os lugares consagrados pela cultura popular. A retificação dos rios Pinheiros e Tietê, a partir dos anos 1950, eliminou da paisagem urbana inúmeros campos de várzea (Seabra, 1987), provavelmente mais de uma centena. Nas últimas três décadas, fatores diversos como expansão brutal do tráfego de veículos e especulação imobiliária proporcionaram uma forte redução no número de campos de várzea na cidade de São Paulo, embora se note uma quantidade expressiva destes na periferia mertopolitana. Ao mesmo tempo, proliferam campos fechados , de acesso pago, de uso social muito restrito. E assim a grande metrópole de 17 milhões de habitantes apresenta uma produção de talentos futebolísticos que está bem aquém de seu porte dem ográfico. Mas estas são outras questões, sobre a cidade e o futebol, para além dos limites deste trabalho.

Conclusão

    De um modo geral, o processo de introdução e difusão espacial do futebol no Brasil "obedeceu" à heterogeneidade da base territorial: a distribuição e a estrutura do sistema urbano, as conexões com o exterior, o dinamismo de cada cidade e particularmente a geografia do Imperialismo Britânico, que em determinado período imprimiu-se de forma destacada na composição técnica do território brasileiro. Somente num segundo momento, é que as metrópoles nacionais nascentes passaram a atuar como difusoras do futebol. Neste quadro, torna-se difícil precisar uma única ou principal "porta de entrada" do esporte das multidões no Brasil.

    Supomos que cada cidade apresentou, de início, um grau próprio de "exposição" à informação (futebol). Tal grau de exposição dependeria, em última análise, da presença de ingleses, fixos (empresas atuantes) ou de passagem (comércio portuário, por exemplo). Foram os ingleses, portadores dos nexos globais, os agentes "demonstradores" desta novidade esportiva, e a presença maior ou menor destes agentes implica no grau de exposição do lugar; Por outro lado, é necessário que o lugar possua dinamismo/potencialidade de absorver a informação e transforma-la em sistemas de ações e de objetos. E nestes aspectos São Paulo se revelou com destaque. Já nas últimas décadas do século XIX era muito intensa a vida esportiva paulistana (REIS FILHO, 1994; BRUNO, 1984:1215-46). Rapidamente o futebol ultrapassou os muros dos fechados recintos da colônia inglesa para ganhar as estabelecimentos escolares e clubes nacionais da burguesia, e a seguir as ruas. Enfim, vale lembrar Santos (1994:71), para quem

"A história de uma dada cidade se produz através de um urbano que ela incorpora ou deixa de incorporar; esse urbano que em outros lugares pode tardar a chegar, e que em São Paulo sempre chegou quase imediatamente".


Notas

  1. Os raros estudos se dirigem a temáticas mais amplas da vida urbana, conferindo ao futebol o breve papel de coadjuvante. Podemos enquadrar neste caso trabalhos como os de Odette Seabra (tese de doutorado, 1988) e André Martin (dissertação de mestrado, 1984): tendo como alvo a vida operária em bairros paulistanos outrora marcados pela presença da várzea, trazem à tona breves momentos do antigo futebol popular varzeano.

  2. O estudo do futebol como fenômeno social é relativamente recente no Brasil, e vem apresentando formidável crescimento, especialmente na década de noventa. Sobre futebol e cidade, merecem alusão os trabalhos de Reis Filho (1994), Roberto Da Matta (1982), Sevcenko (1992 e 1994), Paoli (1990). Antunes (1992), e Damo (1998).

  3. Informações colhidas em autores diversos: Guttman (1994), Santa Cruz (1996), Mason (1995) e outros.

  4. Estudando o advento do futebol na Espanha, encontramos ali um caso semelhante ao brasileiro. Ver Mascarenhas, 2001a.

  5. A literatura relativa à história do futebol paulistano é numerosa. Merecem consulta, dentre outros, os trabalhos de Mazzoni (1950), Caldas (1990), Antunes (1992 e 1998) e Fontenelle (1997). O jornalista Thomaz Mazzoni é reconhecido pela seriedade pela qual organizou os primeiros amplos arquivos documentais da história do futebol brasileiro, terreno aliás lamentavelmente pleno de afirmações de validade duvidosa.

  6. No país que possui o maior parque de estádios de futebol do mundo e que apresenta-se repleto de "campinhos" por todo o seu ecúmeno, este pode ter sido o nosso primeiro "pedaço de chão" preparado e destinado especificamente à prática do futebol. Seria portanto a primeira espacialização concreta deste esporte em nosso território.

  7. O primeiro campeão baiano de futebol é o Club Internacional de Cricket, composto exclusivamente por ingleses, que aliás fundaram a respectiva liga. O "campeonato" era disputado no antigo Campo dos Mártires. Informações colhidas na série de artigos "Memória do Futebol", de autoria do historiador Aloildo Pires, publicada no jornal A Tarde, de Salvador.

  8. Os ingleses tiveram papel importante, mas não devemos esquecer, conforme salienta Antunes (1992), a influência dos jovens ricos que regressavam de estudos na Europa, entusiasmados com o futebol, e particularmente o esforço pessoal de Charles Miller , filhos de ingleses, em difundir tal esporte na cidade.

  9. Tal prática, herdada do fascismo italiano e iniciada com o Estado Novo, atingiu seu auge durante o regime militar, particularmente no governo Médici (1969-1974). Ramos (1984:27) afirma que 70% dos estádios brasileiros foram construídos com recursos públicos. Espelhando a ideologia fascista do gigantismo, e a política de fomentar espetáculos populares, freqüentemente tais estádios foram superdimensionados em sua capacidade, fato comum principalmente no Norte e Nordeste.

  10. Foi generalizada, ao que parece, a resistência aristocrática à popularização do futebol nas cidades latino-americanas, com suas elites desejosas de europeização e de afirmação de distinção social e afirmação de nobreza. Sobre o caso portenho, ver o artigo de Di Giano (1999), e sobre o carioca, ver o livro de Pereira (2000).

  11. O estádio do Pacaembu foi inaugurado em 1940, na gestão de Prestes Maia. Foi construído em concreto sobre uma grota inculta, aproveitando bem o vale (as arquibancadas laterais se ajustam à declividade do terreno, canalizando sob o estádio as nascentes do ribeirão) para traçar o projeto monumental de linhas expressionistas (ver Reis Filho, 1994:181-185). Este aspecto de triunfo da engenharia humana sobre o sítio certamente impressionou Pierre Monbeig. Na pag. 45 de La Croissance de la Ville de São Paulo, um mapa da capital põe em destaque o estádio do Pacaembu. Sobre o contexto e o uso político da obra, e seu impacto na sociedade, ver o excelente artigo de Negreiros (1997).


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