Mulheres no esporte: uma nova roupa velha | |||
Licenciado e mestre em Educação Física pela Universidade de São Paulo (BR), técnico de handebol, pesquisador do grupo de estudos e pesquisas em psicossociologia do esporte da EEFEUSP Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Universidade Paulista (UNIP). (Brasil) |
Jorge Dorfman Knijnik jorgedk@uol.com.br |
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Resumo |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 7 - N° 42 - Noviembre de 2001 |
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Na edição de 16 de setembro de 2001, o caderno de esportes da Folha de São Paulo (o maior jornal diário do Brasil) trazia uma matéria de página inteira sobre futebol feminino, intitulada "FPF institui jogadora-objeto no Paulista". A reportagem descreve os fatos: a Federação Paulista de Futebol, preocupada em dinamizar a modalidade na sua versão feminina, tem como um dos seus principais objetivos no próximo campeonato paulista feminino, o 'embelezamento' das atletas, criando uma vitrine que, segundo o presidente da entidade, Eduardo José Farah, "una a imagem do futebol à feminilidade".
E todo o processo de busca de atletas realizado pela federação está calcado em realçar a necessidade da beleza das atletas: os cartazes e panfletos divulgando testes de seleção para os diversos times que disputarão o campeonato, estampam uma famosa modelo trajando uniformes esportivos, e convocando moças entre 17 e 23 anos a participarem dos processos seletivos. A mensagem é bem clara: a campanha quer mostrar que é possível jogar futebol e possuir características femininas. Aliás, são os próprios dirigentes que ressaltam que "teremos um campeonato tecnicamente bom, e bonito".
A necessidade da beleza da mulher atleta não é sem dúvida uma idéia nova no esporte para mulheres. Em 1949, uma cervejaria americana (a ARIZONA BREWING COMPANY, do Arizona), montou uma equipe feminina de softball (uma versão mais simples do beisebol), para disputar diversos campeonatos locais e nacionais, equipe esta que se transformou em uma de suas principais peças publicitárias. "Primeiro, analisamos o caráter; em segundo lugar, está o charme feminino, e por último, a sua habilidade em jogar softball", declaravam os seus dirigentes1, à época, sobre a escolha das atletas.
O intento deste artigo não é comentar a criatividade de nossos dirigentes, o que deixo para outros mais aptos. E sim, mostrar como as mulheres, até os dias de hoje, ainda devem se submeter a padrões absolutamente desvinculados das suas necessidades atléticas, caso queiram se manter ativas dentro do esporte.
Afinal das contas, por quais motivos estas atletas precisam corresponder a ideais de beleza para integrar equipes de futebol? E quem julga estes padrões de beleza? Admire-se ou não o futebol do Rivaldo, goste-se ou não do estilo de jogo do Juninho Paulista, ambos atletas de nossa seleção nacional masculina, será que os nossos técnicos pensam em 'embelezar' a equipe brasileira ao convocá-los? Ou pensam em melhorar técnica e taticamente a equipe, em torná-la cada vez mais competitiva? A resposta é absolutamente óbvia, e toda a imprensa, torcida, dirigentes e comentaristas, querem sempre que os melhores atletas, independente de seu 'sex appeal', estejam em campo.
Porém, na versão feminina não é isto que ocorre. As atletas, antes de tudo, precisam ter o seu 'visual' aprovado. E se, além disto, jogarem bem, aí sim estão-desculpem o trocadilho - com a bola toda! Estes mesmos dirigentes, a mesma imprensa que, quando se refere aos homens, querem que os melhores estejam em campo, no caso das mulheres farão tudo para favorecer àquelas que correspondam as suas preferências estéticas. Elas aparecerão na mídia, serão chamadas para entrevistas - e esta visibilidade, muitas vezes sem relação com as qualidades técnicas da atleta, atrairá novos patrocinadores, favorecendo assim carreiras esportivas - se é que podemos chamar esta ascensão profissional de "esportiva".
O esporte para mulheres parece se manter, historicamente, preso a armadilhas. Nos primórdios do movimento olímpico, às mulheres era vedada a participação, cabendo-lhes apenas a entrega dos louros aos vencedores. Com a evolução feminina na sociedade, a participação da mulher no esporte de rendimento na atualidade é um fato inexorável; porém, as atletas, por estarem envoltas nestes ideais de beleza que percorrem o imaginário social, por tentarem se encaixar a todo custo nos padrões exigidos por uma sociedade que insiste em priorizar outros quesitos que não aqueles indispensáveis para o rendimento esportivo, parecem se sacrificar ao máximo para cumprir com estas exigências... Quem acompanha o esporte há mais de dez anos pode se lembrar de Flo-Jo, a velocista americana que supervalorizava os seus atributos femininos, colocando enormes unhas e cílios postiços para competir...
O que se percebe é que, se há algum tempo os preconceitos versavam sobre a fragilidade e a incapacidade do corpo feminino em praticar diversas modalidades esportivas, atualmente há uma grande dificuldade em lidar com o próprio corpo atlético da mulher, o qual nem sempre pode, ou quer, corresponder a padrões de beleza determinados por terceiros. HAGEN, segundo Lynne EMERY2, levanta que a crescente erotização dos uniformes esportivos, apesar de pretensamente aumentar o público dos esportes femininos, na verdade presta um desserviço às atletas, pois faz com que estas sejam reconhecidas mais pelos seus dotes físicos do que pelas suas proezas atléticas.
Quantas atletas ficaram de fora desta seleção do campeonato paulista, por não cumprirem os "critérios" dos dirigentes? A principal jogadora brasileira de futebol, a Sissi, que atualmente atua no Estados Unidos, não jogaria neste campeonato, pois possui os cabelos raspados, e segundo o regulamento da competição, "com cabelo raspado não entra". E volta a pergunta: nosso centroavante Ronaldinho terá que deixar os cabelos crescerem para jogar na seleção do Felipão?
Em minha recente pesquisa de mestrado ("Ser é ser percebido: uma radiografia da imagem corporal das atletas de handebol de alto nível no Brasil", defendida em abril de 2001 na Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo), uma das conclusões mais importantes foi perceber que as atletas de handebol desejam ter um corpo forte, musculoso, serem altas, enfim, possuírem qualidades atléticas que lhes assegurem boas condições de disputa. Porém, ao mesmo tempo, em outro momento da pesquisa, elas relatam seus sonhos: ter músculos pequenos, não chamar a atenção pela altura, ter rostos e corpos frágeis...Enfim, possuir uma imagem que, para elas, corresponda ao ideal feminino que a nossa sociedade almeja.
Estas contradições na imagem corporal da esportista são marcantes no imaginário das atletas modernas, e inclusive demonstram o quanto a batalha pela inclusão total da mulher no esporte de competição permanece viva na atualidade. Uma luta que garanta a presença da mulher neste meio esportivo com plenos direitos, sendo valorizada pelo seu desempenho e não desmerecida por comentários preconceituosos, processos seletivos absolutamente incoerentes e ofensivos a sua condição humana e atlética.
Notas
Jerry McLain, artigo publicado no periódico ARIZONA HIGHWAYS, Agosto de 1949, citado por EMERY, Lynne - From Lowell Mills to the Halls of Fame: Industrial League Sport for Women. In: Margaret COSTA & Sharon GUTHRIE (ed). Women and Sport: Interdisciplinary Perspectives (107 - 121). Champaign, Human Kinetics, 1994.
EMERY, Lynne - From Lowell Mills to the Halls of Fame: Industrial League Sport for Women. In:Margaret COSTA & Sharon GUTHRIE (ed). Women and Sport: Interdisciplinary Perspectives (107 - 121). Champaign, Human Kinetics, 1994.
revista
digital · Año 7 · N° 42 | Buenos Aires, Noviembre de 2001 |