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Uma caminhada metodológica na rota das
estatísticas e da análise do jogo de Basquetebol

  * Doutor em Ciências do Desporto. Gabinete de Basquetebol
Departamento de Desporto da Universidade de
Trás-os-Montes e Alto Douro
** Doutor em Ciências do Desporto. Gabinete de Basquetebol
Faculdade de Ciências do Desporto e
Educação Física da Universidade do Porto (Portugal)
Jaime Sampaio*
Manuel Janeira**
ajaime@utad.pt

 

 

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 7 - N° 39 - Agosto de 2001

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    A procura das razões que levam uma equipa a ser mais eficaz do que outra, i.e., a marcar mais pontos do que a equipa adversária durante um jogo, é o objectivo perseguido por todos os treinadores e investigadores do Basquetebol, praticamente desde que o jogo foi inventado por Naishmith, em 1891 (Marques, 1990). Nesta caminhada, as questões associadas aos métodos e meios capazes de medir a performance dos jogadores e das equipas em situação de jogo têm sido alvo de grande interesse e preocupação (Grosgeorge, 1990; Turcoliver, 1990, 1995, 1997, 1998, 1999; Vélez et al., 1996; Sampaio, 1997, 1998, 1999, 2000; Sampaio & Janeira, 1998, 1999). Em última análise, o grau de validade e fiabilidade destes métodos e meios de análise do jogo vão determinar a qualidade das medições realizadas, bem como a qualidade das decisões subsequentes.

    Tendo como referência preocupações desta natureza, o processo de análise do jogo tem sofrido alterações substanciais (Hughes & Franks, 1997). O tradicionalismo expresso pela notação manual foi substituído por um modernismo assente em sistemas informáticos cujo poder permite recolher, tratar, armazenar e interpretar a informação do jogo em tempo real. Esta evolução positiva nos meios de análise tem permitido melhorar (i) o conhecimento da organização do jogo e dos factores que concorrem para o sucesso desportivo, (ii) o planeamento e a organização do treino, tornando os seus conteúdos mais objectivos e específicos e (iii) a regulação da aprendizagem, do treino e da competição (Garganta, 1998).

    Todavia, aos "níveis de perfeição" atingidos pelos meios de análise contrapõe-se a "ingenuidade" das metodologias empregues na recolha desta informação. Nesta matéria, as análises têm sido realizadas, fundamentalmente, através do registo das frequências de determinado conjunto de acções técnico-tácticas realizadas pelos jogadores no jogo, i.e., através das designadas estatísticas do jogo (Tubbs, 1982; Bradshaw, 1984; Comas, 1991; Smith, 1994; Vélez et al., 1996). Grosso modo, a maioria dos estudos disponíveis na literatura centra-se num conjunto de estatísticas constituído pelas seguintes acções: lançamentos tentados e convertidos (lances-livres, de 2 e 3 pontos), ressaltos ofensivos e defensivos, faltas cometidas e sofridas, assistências, desarmes de lançamento, roubos de bola e perdas de bola.

    Apesar da sua utilização generalizada no estudo e compreensão do jogo por investigadores, treinadores e gabinetes de scouting, os pressupostos metodológicos que suportam a utilização destas estatísticas têm permanecido obscuros ao longo dos anos. De facto, partido da hipótese que o objectivo da utilização das estatísticas do jogo se centra na avaliação da performance dos jogadores e das equipas em situação de jogo, questões metodológicas mais sólidas e esclarecedoras acerca da validade destas estatísticas têm sido sistematicamente descuradas.

    Contudo, os estudos mais actuais têm traçado diferentes caminhos na análise do jogo, os quais deverão ser compreendidos a partir de uma contextualização mais alargada (Sampaio, 2000).

    Em 1991, Manel Comas (um dos treinadores espanhóis mais prestigiados) publicou uma colecção de livros dedicada às mais variadas áreas de estudo do Basquetebol. Um dos livros desta colecção foi dedicado, exclusivamente, às estatísticas do jogo. Segundo o autor, o Basquetebol foi o desporto pioneiro na "confecção" de estatísticas e na sua disponibilização a um grande leque de interessados (investigadores, treinadores, dirigentes, público e meios de comunicação). Para além disso, pela qualidade e quantidade de informação que habitualmente contêm tornaram-se imprescindíveis e extremamente eficazes no domínio da avaliação dos jogadores e das equipas.

    Contudo, na literatura disponível não foi possível atribuir este "estatuto pioneiro" ao Basquetebol. Pelo contrário, foi possível perceber que as primeiras estatísticas tiveram origem no jogo de Basebol e que actualmente se constituem como um dos métodos de estudo do jogo mais utilizados e em maior desenvolvimento (James, 1984; Thorn & Palmer, 1985; Grabiner, 1999; Zaidlin, 1999). De facto, parece que a estatística no Basquetebol está a seguir as pisadas da estatística no Basebol, que se encontra num estado de desenvolvimento muito mais avançado.

    Uma consequências deste desenvolvimento teve a sua máxima expressão em 1971, com a constituição da SABR (Society for American Baseball Research). Esta organização foi fundada em Nova Yorque, por L. Robert Davids e mais 15 Statistorians (a designação que o fundador deu aos investigadores da história e das estatísticas do jogo) com o objectivo de estudar e promover o jogo de Basebol. Hoje em dia, a SABR conta com mais de 6700 associados enquadrados em 18 áreas de pesquisa e intervenção (biografias dos jogadores, bibliografia disponível, congressos, regras do jogo, scouting, análise do jogo,...).

    A análise do jogo, também designada por Sabermetrics, iniciou o seu desenvolvimento de forma mais sistemática a partir de 1974, com as contribuições pioneiras de Pete Palmer, Bill James e Dick Cramer.

    Bill James, unanimemente considerado como o "profeta" desta área de estudo refere-se (i) à filosofia e (ii) à utilidade deste conhecimento, do seguinte modo:

  1. "Baseball men have not yet reached the revelation of Sir Francis Bacon, which was in essence that since all men live in darkness, who believes something is not a test of whether it is true or false. I have spent years trying to get people to ask simple questions: What is the evidence, and what does it mean?" James (1989).

  2. "What I wanted to write about... is a very basic question. Of all the studies I have done over the last 12 years, what have I learned? What is the relevance of sabermetric knowledge to the decision making process of a team? If I were employed by a major-league team, what are the basic things that I know from the research I have done which would be of use to me in helping that team?" James (1988).

    De facto, esta nova área de estudo pretende dar respostas objectivas a questões objectivas, tais como: Qual foi o jogador que mais contribuiu para o sucesso da equipa? Que performance se pode projectar para uma determinada equipa?

    As respostas a estas questões pressupõem, sistematicamente, o recurso às estatísticas do jogo, que se constituem como as medidas mais objectivas que se encontram disponíveis (Grabiner, 1999).

    À utilidade das estatísticas está sempre subjacente a sua total compreensão. Deste modo, a base do conhecimento das Sabermetrics centra-se no uso adequado das estatísticas, ou seja, que estatísticas utilizar e com que finalidade? (Grabiner, 1999). É que, segundo Bill James (1984), os investigadores necessitam de ter ideias muito concretas acerca do uso e do "abuso" das estatísticas, pelo que os estudos devem partir de um problema objectivamente definido e utilizar as estatísticas como um meio para o resolver.

    De facto, esta opinião é corroborada por Garganta (1998), quando nos refere que os sistemas de observação e registo perdem eficácia pelo facto da informação por eles gerada constituir material disperso e retalhado. Neste sentido, o acesso à informação mais útil passa pela definição de referenciais conceptuais delimitadores das categorias e dos indicadores a seleccionar e estudar.

    No Basebol, este processo decorreu progressivamente e direccionado para objectivos muito bem definidos. Grosso modo, as estatísticas do jogo têm como propósito (i) medir e avaliar as performances passadas dos jogadores e das equipas e (ii) prever as performances futuras. Segundo Grabiner (1999), o ponto essencial desta dupla de objectivos é esclarecer a contribuição da estatística dos jogadores (e das equipas) nas vitórias e derrotas. Neste sentido, o autor apresenta três questões aprioristicas para estudos desta natureza:

  • Does the statistic measure an important contribution to that goal?

  • How well does the statistic measure the player's own contribution?

  • Is there a better way to measure the same thing?

    Partindo deste quadro operacional, têm sido construídas novas estatísticas, as quais têm permitido alargar os horizontes do conhecimento do jogo e do jogador (para refs. ver James, 1988; Thorn & Palmer, 1985; Grabiner, 1999).

    De facto, a produção científica nesta área do conhecimento tem-se centrado quase exclusivamente no jogo de Basebol. O primeiro conjunto de trabalhos realizados por James (1984, 1988, 1989), Thorn & Palmer (1985) e Thorn et al. (1991), pontualmente criticado do ponto de vista do rigor matemático (Turcoliver, 1990, 1991, 1996), abriu perspectivas completamente inovadoras para o estudo e conhecimento do jogo.

    Por outro lado, esta produção científica no Basquetebol tem sido muito limitada. Os trabalhos de maior referência (Manley, 1987, 1988, 1989; Heeren, 1988, 1990; Trupin & Couzens, 1989), apesar de carecerem igualmente de algum rigor matemático, não produziram efeitos semelhantes aos que foram verificados no Basebol (Turcoliver, 1990, 1991). Segundo Turcoliver (1991), o Basebol sempre possuiu grandes bases de dados a partir das quais os autores têm produzido os seus trabalhos, enquanto que no Basquetebol, as bases de dados disponíveis são muito recentes e, por vezes, a informação que contêm não é da melhor qualidade.

    Apesar deste argumento nos parecer válido, é um facto que as regras do jogo de Basquetebol sofreram, ao longo da sua historia, modificações muito substanciais (o que não aconteceu com tanta magnitude no Basebol , Phillips, 1990), o que decerto tem contribuído para o atraso no conhecimento do jogo, comparativamente ao Basebol.

    No entanto, o panorama mais actual apresenta-se prometedor. Nos finais de 1996, aproveitando os recursos tecnológicos mais actuais, surgiu o Journal of Basketball Studies. Dean Turcoliver, o autor deste projecto, apresenta os seus objectivos do seguinte modo:

     "…a compilation of research on the game of basketball whose primary goal is to provide valuable tools for coaches and scouts to analyze teams and individuals for the purpose of helping their teams win." (Turcoliver, 1995). Apesar do Jornal ter surgido recentemente, a maioria dos trabalhos publicados datam de meados e finais dos anos 80 e constituem-se numa inovadora linha de investigação. Curiosamente, como nos refere o seu autor, a ideia é oriunda de trabalhos já realizados no Basebol:

     "I had already read a book called Bill James' Baseball Abstract that my father had given me and showed me a scientific approach to baseball. Not being one to steal ideas -- I like to extend them -- I was inspired to combine the sometimes esoteric math I was learning with the practical and thoroughly understandable game of basketball." (Turcoliver, 1995)

    Neste sentido e já que os objectivos aqui propostos por Turcoliver convergem para os definidos no Basebol, parece pertinente relembrar as três questões anteriormente enunciadas por Grabiner (1999): Does the statistic measure an important contribution to that goal? How well does the statistic measure the player's own contribution? Is there a better way to measure the same thing?

    Foi partindo deste quadro conceptual que surgiram novos métodos de análise do jogo considerados por Turcoliver (1990, 1991) como vitais para o entendimento e para o progresso no estudo do jogo. Uma destas novas perspectivas centra-se na medição da eficácia colectiva em situação de jogo.


Eficácia colectiva

    A eficácia colectiva em situação de jogo é habitualmente expressa pela eficácia ofensiva e defensiva. A eficácia ofensiva associa-se à capacidade das equipas converterem pontos, enquanto que a eficácia defensiva associa-se à capacidade das equipas impedirem a conversão de pontos dos seus adversários. Como o próprio objectivo do jogo o indica, à melhor eficácia ofensiva está associada a capacidade de converter mais pontos, enquanto que à melhor eficácia defensiva está associada a capacidade sofrer menos pontos.

    Neste contexto, parece imprescindível associar estes conceitos ao sucesso desportivo das equipas (i.e., à vitória ou derrota nos jogos). Esta lógica na definição de conceitos leva-nos a postular que, no final de um jogo, a equipa vencedora foi mais eficaz (ofensiva e defensivamente) do que a equipa derrotada (porque, simultaneamente, marcou mais pontos e sofreu menos pontos).

    Deste modo e num primeiro momento de análise, a medição da eficácia ofensiva e defensiva pode ser realizada através do resultado do jogo, i.e., através do número de pontos marcados e do número de pontos sofridos.

    No entanto, o resultado final do jogo é sempre definido pela capacidade ofensiva de uma das equipas em relação à oposição que a outra oferece. Isto é, o jogo apresenta sempre um resultado que, pelos constrangimentos de ordem contextual que apresenta, só terá algum significado quando analisado numa perspectiva transversal. Numa perspectiva longitudinal, o resultado final do jogo perde todo o seu significado já que se encontra "contaminado" pelo ritmo do jogo (dependendo do ritmo do jogo1, uma equipa pode vencer marcando 50, 60 ou 70 pontos).

    Um dos contributos mais importantes para a resolução do problema da avaliação da eficácia colectiva das equipas nos jogos surgiu a partir da construção do coeficiente de eficácia ofensiva (CEO, para refs. ver Keller, 1966; Grosgeorge, 1990; Lloret, 1995).

    Assim, ao invés da utilização do total de pontos marcados no jogo, a eficácia ofensiva passou a ser medida pela razão entre o número de pontos marcados e o número de posses de bola da equipa, i.e., pelo CEO (ver Equação 1.).


Equação 1. Cálculo do coeficiente de eficácia ofensiva.

    Por outro lado, a eficácia defensiva passou a ser medida pela razão entre o número de pontos sofridos e o número de posses de bola da equipa, que se designa por coeficiente de eficácia defensiva (CED, correspondendo ao CEO da equipa adversária).

    Esta definição de CEO implica a necessidade de se definir o conceito de posse de bola. Para este efeito, Smith (1981) considera que uma equipa tem a posse da bola (PB) quando tem controlo ininterrupto e completo da bola. A PB termina quando ocorre uma das quatro situações seguintes: Lançamento de campo tentado (LCT); Perda de bola (PdB); Bola-ao-ar; Lance-livre tentado (LLT, sempre que não seja o primeiro de dois lances-livres tentados).

    A partir da ideia anterior, o cálculo das PB é realizado através da Equação 2.


Equação 2. Cálculo das posses de bola no jogo.

    As PB representam as oportunidades que uma equipa tem para converter pontos. Deste modo, pretende-se que o CEO expresse a capacidade das equipas converterem pontos em função das oportunidades que têm para o fazer, enquanto que o CED está associado à capacidade das equipas contrariarem a conversão de pontos do adversário também em função das oportunidades disponíveis.

    Neste contexto, à maior eficácia ofensiva deverá corresponder um CEO mais elevado, enquanto que à maior eficácia defensiva deverá corresponder um CED mais baixo.

    De um ponto de vista teórico, estes coeficientes podem variar entre 0 e 5. Ou seja, a posse de bola pode terminar sem que uma equipa converta algum ponto (0 pontos por posse de bola - PPB) enquanto que o número máximo de PPB é de 4.

    No entanto, o problema das comparações longitudinais da eficácia colectiva nos jogos através destas estatísticas parece manter-se. Ambos os coeficientes (CEO e CED) só expressam alguma utilidade quando devidamente contextualizados (comparados com os da equipa adversária no mesmo jogo). De facto, o número de posses de bola das equipas ao variar inter e intra-jogo fruto da "contaminação" do ritmo do jogo anteriormente enunciada, limita a utilização destes procedimentos numa perspectiva longitudinal.

    Por outro lado, esta forma de avaliação da eficácia colectiva (CEO e CED) apresenta outra limitação, expressa pela possibilidade da equipa que venceu o jogo poder ser considerada "ofensivamente menos eficaz" (i.e., apresentar no jogo um CEO menor, relativamente à equipa derrotada). O exemplo seguinte evidencia, de forma mais precisa, este tipo de acontecimentos.


    Este exemplo refere-se a um dos jogos da época 1997-1998 da Liga de Clubes de Basquetebol (Portugal), em que a Equipa B venceu o jogo por 1 ponto de diferença (78-77). Note-se que os valores do CEO indicam-nos que no confronto das duas equipas, a Equipa A foi ofensivamente menos eficaz apesar de ter vencido o jogo. De facto, não parece coerente considerar o ataque da equipa que venceu menos eficaz do que o ataque da equipa que saiu derrotada.

    Na literatura disponível, não se encontram referências que nos esclareçam acerca da validade destas equações (CEO e CED). Esta ausência de produção científica parece decorrer do conjunto de limitações anteriormente colocado.

    Perante este problema de difícil resolução, sentiu-se necessidade de redefinir os processos de avaliação da eficácia colectiva das equipas, de modo aumentar a utilidade destas estatísticas (Turcoliver, 1990, 1991). É neste sentido que o referido autor sugere uma alteração estrutural no conceito de posse de bola, como adiante se descreve.


Posse de bola

    Considera-se que uma equipa tem a posse da bola (PB) quando tem um controlo ininterrupto e completo da bola. A PB termina com a ocorrência das seguintes situações (Turcoliver, 1990):

    Lançamento de campo tentado (sempre que não se conquiste o ressalto ofensivo); Perda de bola; Bola-ao-ar; Lance-livre tentado (sempre que não seja o primeiro de dois tentados e desde que não se conquiste o ressalto ofensivo).


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