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Treinamento de endurance para crianças e adolescentes

  Especialização em Fisiologia do Exercício e Treinamento Desportivo
Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina
(Brasil)
Prof. Marcelo Augusti
aaugusti@ig.com.br

 

 

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 7 - N° 37 - Junio de 2001

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I. Particularidades biológicas

    O treinamento das qualidades físicas dos desportistas deverá obedecer ao princípio científico da individualidade biológica estando, portanto, em conformidade com as leis biológicas e pedagógicas do treinamento desportivo (DANTAS, 1995).

    Além das observações em relação aos fundamentos científicos do treino desportivo, o mesmo deverá obedecer as diferenças de cada faixa etária, além das diferenças de maturação na mesma faixa de idade (WEINECK, 1991). Desta forma, obedecendo-se as leis biológicas do treino desportivo e as diferenças de crescimento e desenvolvimento da faixa etária trabalhada, temos uma grande probabilidade de que as cargas de treinamento sejam dosadas corretamente, favorecendo os mecanismo de adaptação.

    Outro fator importante, diz respeito aos períodos sensíveis ao treinamento, ou seja, a treinabilidade, que é o momento ótimo para se desenvolver as qualidades físicas dos indivíduos (WEINECK, 1991).

    Sendo assim, GOMES, SUSLOV e NIKITUNSKIN (1995) propõe que a fase crítica para o desenvolvimento da endurance encontra-se entre 10-12 e 17-18 anos de idade. As particularidades biológicas de cada faixa etária são, segundo WEINECK (1991), períodos de transição, marcados por um conjunto de características (anatômicas e funcionais) que diferenciam-se uma das outras por particularidades evidentes.

    Essas diferenças individuais devem servir de base para que a distribuição das cargas de treinamento não ultrapassem o limite de adaptação dos indivíduos submetidos ao processo de treino de endurance (ZHAKHAROV, 1992).

    Conforme classificação de WEINECK (1991), a partir dos 10 anos de idade a criança entra na fase da pré-pubescência. ECKERT (1993) destaca que, a partir dessa idade, a criança possui uma melhor coordenação dos movimentos, melhor domínio corporal, acompanhado de um aumento progressivo das capacidades de força e endurance. Além disso, a criança ainda sente a necessidade de aprimorar seus dotes físicos para adquirir maior confiança perante o seu grupo social.

    WEINECK (1991) explica que, nessa idade, a educação motora deverá levar a criança a aprender corretamente os movimentos, pois ela se encontra num momento propício para a aprendizagem, sendo um dos períodos básicos para futuros desempenhos de alta qualificação.

    A partir dos 11-12 anos de idade, ocorre a entrada na puberdade, período caracterizado, entre outros, pelo crescimento acelerado e desproporcional do corpo (ECKERT, 1993). É nessa fase que irá ocorrer um rápido ganho em peso e estatura corporal, significando mesmo uma perda da coordenação motora, até que o indivíduo se ajuste às suas novas proporções corporais (WEINECK, 1991). Nesse início de puberdade, a treinabilidade da endurance é alta, porém a de se ter cuidado com a influências dos fatores emocionais, caracterizado pelas variações constantes na motivação, o que poderá levar muitos jovens a desistirem do treinamento se as cargas psicofísicas forem por demais intensas (WEINECK, 1991).

    A puberdade, do ponto de vista emocional, é caracterizada por um período de afirmação da identidade (CÓRIA-SABINI, 1990). Assim, se o jovem atleta se sentir frustrado pela incapacidade de realização, devido às altas exigências físicas e psicológicas impostas pelo treinamento intensivo, o mesmo acabará por desistir do esporte, por mais que tenha talento.

    A maior estabilidade emocional na faixa etária dos 13-14 anos, além da melhor distribuição das formas corporais é o início de uma fase que irá favorecer o treinamento físico (ECKERT, 1993).

    Em cada um desses períodos de desenvolvimento, os estímulos proporcionados pelo treinamento devem ser suficientes para o aprimoramento da técnica específica da corrida (WEINECK, 1991).

    Na elaboração de um programa de treinamento de endurance para crianças (10-11 anos de idade), temos que considerar as diferenças fisiológicas de seu organismo (em fase de crescimento) e o organismo de um adulto. Sendo assim, um dos principais cuidados refere-se à aplicação de cargas de orientação anaeróbias, pois as crianças não se encontram ainda em condições fisiológicas adequadas para suportarem uma alta acidose metabólica, proporcionada por estímulos anaeróbios láticos (WILMORE e COSTILL, 2001).

    Outros aspectos a serem considerados são: o frágil sistema locomotor passivo (ossos, tendões e ligamentos), e a menor capacidade termorreguladora da criança, que ainda não se encontram em condições anatômicas e funcionais ideais para sofrerem cargas intensas (WEINECK, 1989). A capacidade geral de trabalho torna-se acentuada a partir da puberdade. Devido as inúmeras modificações morfo-funcionais nos sistemas cardiovascular e respiratório, os jovens atletas passam a dispor de pré-requisitos fisiológicos que elevam o nível do rendimento físico, considerando-se as diferenças maturacionais e entre os sexos (SOBRAL, 1988).

    Portanto, as particularidades biológicas de cada faixa etária e as diferenças individuais devem servir de base para que a distribuição das cargas de treinamento não ultrapassem o limite de adaptação fisiológica dos jovens atletas. Além disso, quanto mais prematuramente iniciam-se os treinamentos específicos (preparação física específica da modalidade), menos oportunidade o jovem terá em termos de experiências motoras (em outras modalidades desportivas), acarretando em pouca quantidade e baixa qualidade de movimentos (FILIN e VOLKOV, 1998).

    Assim, a especialização precoce, se por um lado leva o atleta a alcançar bons resultados nas categorias menores (infantil e juvenil), por outro limita a carreira esportiva do mesmo, já que as cargas específicas aplicadas antes do momento oportuno geram estresse físico e emocional acentuado, afastando os jovens atletas dos treinamentos e competições (FILIN e VOLKOV, 1998).


II. Fundamentos da preparação desportiva a longo prazo dos atletas fundistas: etapas de preparação e metodologia do treinamento

    A preparação a longo prazo dos atletas fundistas deve iniciar-se aos 10-12 anos de idade (GOMES, SUSLOV e NIKITUNSKIN, 1995).

    Para que sejam atingidos altos resultados desportivos (performances máximas), é necessário que o treinamento seja dividido em etapas, onde em cada uma, as cargas de treinamento (gerais e específicas) obedecerão as características biológicas de cada faixa etária e de cada indivíduo (FILIN, 1996).

    O aperfeiçoamento da endurance deve ser realizado de forma contínua e gradual, obedecendo-se as condições biológicas individuais do desenvolvimento morfológico e funcional do organismo, ou seja, a especialização desportiva a longo prazo (VERKHOSHANSKY, 2001).

    O processo de treinamento dos corredores de longas distâncias que atingem o nível internacional dura, em média, de 12 à 15 anos. Assim, muitos indivíduos de talento desistem precocemente do esporte competitivo, pois não suportam as altas exigências psicofísicas originadas de cargas específicas intensas, aplicadas em momentos inadequados (ZAKHAROV,1992).

    A especialização precoce leva o atleta, ainda juvenil, a alcançar resultados elevados; no entanto, ao chegar à idade adulta, não é mais capaz de se desenvolver, perdendo a oportunidade de atingir sua performance máxima (MATVEEV, 1996).

    Podemos afirmar, portanto, que os pontos básicos do processo de treinamento a longo prazo dos atletas fundistas são:

  • observação das particularidades biológicas de cada faixa etária e de cada indivíduo;

  • continuidade do processo de treinamento ao longo das etapas de preparação;

  • crescimento da carga específica de treinamento e diminuição da preparação geral, conforme o avançar das etapas;

  • constante aprimoramento do gesto técnico da corrida;

  • aumento contínuo do volume e da intensidade das cargas de treinamento;

  • aumento da carga conforme as possibilidades funcionais dos atletas;

  • observação dos períodos de treinabilidade alta.

    A preparação dos atletas fundistas é dividida (conforme as leis biológicas e pedagógicas do treino desportivo) em quatro etapas. Em cada uma delas, os meios e os métodos de preparação são específicos para cada faixa etária. Acompanhe o quadro abaixo:

Quadro geral das etapas de preparação dos atletas fundistas.
Referências: SCHMOLYNSKI (1992); ZAKHAROV (1992); KIRSCH e KOCH (1983); OLIVEIRA (1982); FERNANDES (1979).

    A divisão do processo de treinamento dos atletas fundistas em etapas, permite que os meios e métodos de preparação desportiva sejam aplicados observando-se a especificidade biológica de cada faixa etária. Desta forma, o treinamento é elaborado em conformidade com os fatores de desenvolvimento associados à cada grupo etário específico (WILMORE e COSTILL, 2001).

    Os períodos de tempo para se chegar aos diversos níveis das categorias desportivas, devem constar no planejamento da preparação dos atletas. Para programar o treinamento dos atletas fundistas, é necessário conhecer as respectivas idades em que se alcançam os resultados máximos nas provas de fundo. Esta idade deve ser o período de maior desenvolvimento de todo o organismo (FILIN e VOLKOV, 1998). Como parâmetros para o desenvolvimento dos êxitos desportivos nas provas de fundo, temos as seguintes zonas (FRANCISCON e PALOMARES,1997):

  • 5000m e 10000m - 23/24 anos (homens) e 21/22 anos (mulheres): PRIMEIRAS ZONAS DE GRANDES ÊXITOS; 25/26 anos (homens): ZONA ÓTIMA DAS POSSIBILIDADES ESPORTIVAS; 29/30 anos (homens): ZONA DE ALTOS RESULTADOS;

  • Maratona - 25/26 anos (PRIMEIRAS ZONAS DE GRANDES ÊXITOS); 27/30 anos (homens): ZONA ÓTIMA DAS POSSIBILIDADES ESPORTIVAS; 31/35 anos (homens): ZONA DE ALTOS RESULTADOS.

    Portanto, o planejamento por etapas contribui para que o atleta alcance o êxito esportivo sem se expor aos perigos de uma especialização precoce, pois os grandes resultados nas corridas de fundo são obtidos através de uma preparação contínua e cuidadosa de vários anos, sendo que os atletas com grande capacidade atingem seus primeiros êxitos após 4-6 anos de treino e, somente após 7-9 anos de preparação específica atingirão sua máxima performance (FILIN, 1996).

    Ao treinador, portanto, cabe a responsabilidade em relação à correta programação do treino (distribuição coerente das cargas gerais e específicas, do volume e da intensidade, observância das particularidades biológicas, eficiência das influências pedagógicas correspondentes às fases mais favoráveis de cada faixa etária, etc.), à educação motora, intelectual e moral dos jovens, não permitindo que os abusos de dirigentes mal-intencionados ou desinformados ponham a perder talentos que, num futuro, seriam os próximos recordistas e medalhistas olímpicos (FILIN e VOLKOV, 1998; FILIN, 1996; SCHMOLYNSKI, 1992; MAGILL, 1984; FERNANDES, 1979).


Referências bibliográficas

  • CÓRIA-SABINI, M. A . Fundamentos de Psicologia Educacional. 2ª edição. São Paulo: Ática, 1990.

  • DANTAS, E.H.M. A prática da preparação física. 3a edição. Rio de Janeiro: Shape, 1995.

  • ECKERT, H. Desenvolvimento Motor. São Paulo: Manole, 1993.

  • FERNANDES, J.L. Atletismo: corridas. São Paulo: EPU, 1979.

  • FILIN V. Desporto Juvenil: teoria e metodologia. Londrina: CID, 1996.

  • FILIN, V. e VOLKOV, V. Seleção de Talentos nos Desportos. Londrina: Midiograf, 1998.

  • FRANCISCON, C. A. e PALOMARES, E.G. Preparação de Fundistas a Longo Prazo. Revista Treinamento Desportivo, vol. 2, no.1, p.102-107, 1997.

  • GOMES, A .C., SUSLOV, F.P. e NIKITUNSKIN,V.G. Atletismo: Preparação de corredores juvenis nas provas de meio-fundo. Londrina: CID, 1995.

  • KIRSCH, A . KOCH, K. Antologia do Atletismo. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1983.

  • MAGILL, R.A . Aprendizagem Motora: conceito e aplicação. São Paulo: Edgard Blücher, 1984.

  • MATVEEV, L. Preparação Desportiva. Londrina: CID, 1996;

  • OLIVEIRA, P.R. Metodologia do Treinamento Desportivo - Resistência. Revista Educação Física 3 (5), 1982;

  • SCHMOLINSKY,G. Atletismo. 3ª edição. Lisboa: Editorial Estampa, 1992.

  • SOBRAL, F. O adolescente atleta. Lisboa: Livros Horizonte, 1998.

  • VERKHOSHANSKY, I. Treinamento Desportivo: teoria e metodologia. Porto Alegre: ARTMED Editora, 2001.

  • WEINECK, J. Biologia do Esporte. São Paulo: Manole, 1991.

  • WEINECK, J. Manual do treinamento esportivo. 2a edição. São Paulo: Manole, 1989.

  • WILMORE, J. e COSTILL, D. Fisiologia do Esporte e do Exercício. 1ª edição brasileira. São Paulo: Manole, 2001.

  • ZAKHAROV, A . A Ciência do Treinamento Desportivo. Rio de Janeiro: Palestra Sport, 1992.


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