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O Esporte Escolar e a Experiência Democrática

  Coordenador Pedagógico-Educacional do
Departamento de Esportes do
Colégio Oswald de Andrade Caravelas
(Brasil)
Patrício Casco
oliveiracasco@ig.com.br

 

 

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 7 - N° 36 - Mayo de 2001

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    O objetivo deste texto é discutir a possibilidade da experiência democrática dentro do espaço da quadra, destacadamente no desenvolvimento do Esporte Escolar. Esta reflexão é fruto de uma prática de muitos anos com crianças e adolescentes do ensino privado, aos quais foi dada a possibilidade de escolha democrática das equipes de competição do Esporte Escolar, e pode ser um ponto de partida para se refletir sobre aspectos educacionais importantes tais como a autonomia e a cooperação.

    Dentro do espaço escolar, o esporte ocupa um lugar de destaque. Seu privilégio consiste na total sintonia de sua prática com os processos desenvolvimentais vividos pelos alunos. Seus atributos dinâmicos correspondem ao desejo e ao prazer das crianças e adolescentes em movimentar-se, estar junto, de medir/comparar competências e de co-operar. O esporte pode promover a relação em todos os níveis, daí ser um foco de interesse para a grande maioria dos alunos. Neste sentido cabe uma reflexão acerca dos modelos relacionais possíveis de serem desenvolvidos no contexto das aulas de Educação Física e nas Escolas de Esportes. Cabe contextualizar dentro de uma visão histórica, os valores que estão presentes na formação dos profissionais do esporte e da Educação Física e relaciona-los a uma perspectiva que promova a liberdade e autonomia da ação individual e a cooperação como valor social.

    As competências desenvolvidas no espaço escolar certamente possuem qualidades que as diferenciam umas das outras. A competência para movimentar-se parece ser um campo exclusivo da Educação Física e do Desporto, realizado em seu espaço próprio: a quadra. Outras competências tais como: medir, avaliar, julgar, relacionar, compreender, entre tantas outras, aparecem mediadas tradicionalmente por provas, trabalhos escritos e seminários, ligados intimamente ao seu espaço físico, ou seja, a sala de aula. No entanto todas estas competências estão presentes o tempo todo, em todos os lugares da Escola, o que nos leva a pensar que a todas estas práticas corresponde uma mesma Ética. Esta presença permite uma maior reflexão sobre atitudes e um despertar para consciência, atributo indispensável para as já citadas, liberdade e autonomia. Além disso, cabe à Escola o papel de promover o desenvolvimento das competências daqueles que, por uma ou outra razão, não conseguiram desenvolver-se suficientemente, elevando assim o seu potencial ao máximo.

    Os aspectos relacionais desenvolvidos dentro do espaço escolar podem ser um ponto de partida para se entender o que acontece dentro da quadra. Em primeiro lugar,

    Penso que a cada qual dos participantes do processo. Crianças, adolescentes e adultos, cada um destes, possui uma experiência, um fragmento do que pode ser trocado dentro do espaço de atividade. Por sua maior experiência, os mais velhos têm um maior poder de permuta, o que não exclui a experiência dos mais jovens. A autoridade do professor decorre da sua habilidade em permitir que o conhecimento dos alunos seja valorizado conjuntamente com sua experiência magistral. Interesses ou desejos conflitantes podem ser mediados pelo professor que, juntamente com seus alunos, estipula regras e critérios conjuntos para a resolução de conflitos. Essa sua autoridade educacional é na maioria das vezes o que confunde o seu papel pedagógico, tornando-o fonte exclusiva do saber com poder de decisão absoluta sobre o que deve ser aprendido ou não, ou, no caso do esporte, quem deve, ou não, fazer parte da equipes competitivas.

    Talvez este seja um dos maiores dramas vividos pelas crianças e adolescentes, dada a grande valorização social da prática desportiva. O modelo competitivo permeia todo o tecido social, em todas as suas mais diversas manifestações, criando um padrão que pressiona os jovens a um comportamento estereotipado, ou seja, o de vencer a qualquer custo. Heróis do esporte são criados e destruídos diariamente pela mídia e isto atinge em cheio os alunos. Suas expectativas e anseios, sua auto-imagem e a correspondente auto-estima, são lançados à comparação e à competição com resultados óbvios de decepção, frustração e desmotivação para a prática corporal, fato que corresponde à grande maioria dos alunos. Selecionados por um critério de performance, os que vencem a disputa recebem um visto de aceitação social, adornado por troféus e medalhas sobre a camisa do time. Os de fora são loosers para resumir a ética do cada um por si destes dias de neoliberalismo econômico e do achatamento e americanização da cultura.

    Creio que há alternativas para este quadro. O professor ao assumir para si o dom da escolha torna-se o centro do processo, quando na verdade, se pensarmos nos objetivos já citados, deveria ser o inverso. O aluno é o centro da nossa ação pedagógica e é a ele que corresponde o poder real de efetivação de qualquer projeto. Sua capacidade de escolha deve ser valorizada para que ocorra como parte final de um processo de reflexão e não mera contagem de desejos individuais. Esta reflexão pode ser uma resposta ao conflito criado pela limitação na participação de campeonatos e torneios.

    Existem muitos modelos sociais de participação social que operam pelo limite do número de participantes. Nosso sistema político é um modelo no qual a representação é um valor, legitimando a vontade popular expressa pelo voto. Este, em si, nada significa se não for precedido de um processo que confira um significado ao ato de escolher o seu representante, que tipo de idéias defende e que passado histórico possui. Uma vez representado, o cidadão, teoricamente, sente-se parte do processo de discussão e transformação da sociedade. Pode o aluno sentado na arquibancada sentir-se da mesma forma representado por aquele que está no banco, ou na quadra, jogando?

    Por que não aplicar este modelo democrático na solução do conflito representativo criado pela existência inevitável de torneios? Parece que são várias as semelhanças entre os dois fatos sociais e, indo um pouco mais além, diria de alguma forma que um reflete o outro. A semântica presente em nossos gestos e propostas como professores e técnicos ajuda a construir nos alunos um modelo de compreensão do mundo e de como resolver contradições. Se, como educadores, demonstramos saber qual é o perfil do aluno que representa a escola nas competições, automaticamente negamos o saber do aluno e a sua capacidade de expressar o seu desejo e sua necessidade de se sentir representado como um grupo social diferenciado (“eu pertenço a tal escola”).

    A ausência de participação política é uma das relações inevitáveis construídas por tal modelo semântico. Passa a idéia de incapacidade para resolver um conflito a não ser que seja mediado por uma autoridade competente, com saber necessário para tal. Há o medo da “anarquia”, da zoeira, dos votos emocionais, das escolhas mal feitas, das injustiças. É preferível deixar que um adulto (governante) decida e isente o aluno (cidadão) da angústia da escolha? Um dos traços da maturidade emocional é a capacidade de escolher o seu próprio destino. Nos tornamos adultos quando nos libertamos dos desejos e expectativas dos nossos pais e construímos o nosso próprio mundo. É angustiante decidir, mas é parte do processo de crescimento. Historicamente, a democracia moderna é uma resposta, ainda em construção, à infantil necessidade social de reis e governantes paternais. Não por acaso, a palavra füher significa pai em alemão e a palavra papa seja uma corruptela com o mesmo sentido. Houve quem dissesse que o povo não sabe votar, infelizmente atribuído e não por acaso, ao maior atleta do milênio passado, também chamado rei.

    Saber, implica em aprender, e aprender não é possível sem praticar. Saber escolher é diretamente proporcional ao tempo dispendido na prática da escolha. Nesta prática o aluno deve refletir, observar e necessariamente aprender a conhecer a si mesmo e ao outro. Com certeza isso é muito difícil, pois requer que o professor esteja com a atenção redobrada no processo de escolha e não no objetivo final de montar a equipe, seja ela composta por votos ou não.. Na verdade este é o ponto de chegada e não a contagem formal de votos. Votos nulos ou em branco representam a alienação indesejável para o desenvolvimento do processo democrático, conferindo poder absoluto e centralizado ao técnico (governante). É o que se deseja?

    Se desejarmos uma Ética fundamentada na construção da paz, da cooperação e do respeito às diferenças, sejam elas quais forem, devemos estende-la a todos os recantos da escola. As relações de poder existentes no processo ensino aprendizagem, seja na quadra ou na sala de aula, devem ser repensadas e re-focalizadas na direção de uma maior participação dos alunos e para tanto é necessário colocar o aluno como autor de sua existência, responsabilizando-o pelos seus atos, não sem antes instrumentalizá-lo através do diálogo e da livre expressão e comunicação do seu desejo. O processo democrático pode ser difícil, mas pode construir um reflexo mais fiel das nossas crenças e expectativas.

    Penso que há um salto qualitativo e não apenas semântico, quando se muda do conceito de seleção, um termo muito caro ao neo-darwinismo social, para o conceito de representação, mesmo que isto se dê no micro mundo das relações desenvolvidas dentro do ambiente escolar, mais especificamente na quadra, e nos coloca a necessidade de optar, no discurso e na prática, por uma construção da realidade em bases renovadas de saber.


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revista digital · Año 7 · N° 36 | Buenos Aires, Mayo de 2001  
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