A influência da percepção plantar no deslocamento do cego congênito | |||
Graduado em Educação Física e Desportos da Universidade Federal de Juiz de Fora Pós-Graduação em Treinamento Desportivo pela Escola de Educação Física da Universidade Federal de Janeiro Mestre em Educação Física, Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro |
Paulo Ferreira Pinto vireitor@reitoria.ufjf.br (Brasil) |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 6 - N° 33 - Marzo de 2001 |
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Reconhecendo as implicações da cegueira congênita
A cegueira congênita é identificada em "indivíduo que cegou até um ano de vida" (Pereira, 1987:38). Esta identificação permite compreender que a mobilidade, orientação, percepção plantar, proprioceptores de um ser humano sem capacidade visual total demandam aprendizagem no decorrer do seu processo de desenvolvimento.
Quanto à mobilidade é preciso concebê-la como "habilidade da pessoa cega de movimentar-se de um lugar ao outro, utilizando-se de técnicas específicas e dos sentidos remanescentes", ao passo que a orientação na sua habilidade para "reconhecer ambientes e estabelecer relacionamentos destes ambientes consigo mesmo" (CENESP, 1984:39). Considerando-se estas definições, defende-se que uma pessoa cega tem potencialidades que necessitam ser estimuladas, mobilizadas, para que possam adquirir as habilidades necessárias que lhe capacitem para ter mobilidade e orientação com maior grau de autonomia possível. Assim, o cego tem condições de perceber ambientes e/ou espaços, sabendo-se que a percepção constitui "um processo com o qual o sistema nervoso central inicia o tratamento cognitivo envolvendo funções de pré-reconhecimento como a discriminação e a identificação, e de reconhecimento, como a análise e a síntese" (Fonseca, 1987:159).
Muitos termos são utilizados para demonstrar, de uma maneira geral, a atividade da percepção no ser humano. Aucouturier e Lapierre (1985) falam em organização perceptiva; Bardisa (1981) em estudo perceptivo-cognitivo; Hall (1977), em percepção do espaço; Harrow (1983) em capacidades perceptivas. Todos convergem, entretanto, para uma única finalidade, qual seja, a de se caracterizar como o homem elabora o conhecimento de si e de seu mundo.
Na verdade, a construção e conhecimento do mundo, coisas, acontecimentos, história, enfim, de tudo aquilo que ocorre no dia a dia está interligada à capacidade que se tem de perceber este mundo, de operacionalizar os estímulos que se recebe, construindo um conceito próprio, de acordo com as experiências acumuladas.
Esses referenciais subsidiaram a valorização de que a percepção plantar é utilizada pelos indivíduos portadores de deficiência visual total congênita para seu deslocamento. A sustentação deste argumento é encontrada em Pereira (1987:74) que apresenta como proposta de programa e estratégia a desenvolver com deficientes visuais a "estimulação sensorial, onde situa-se o sentido táctil cinestésico que contém como um dos objetivos discriminar texturas fundamentalmente através da percepção plantar". Reconhece-se então, que a percepção plantar representa um dos indicadores que necessita ser desenvolvido nos deficientes visuais, contribuidora na avaliação da sua mobilidade.
Acredita-se que os programas de orientação e mobilidade que objetivam a interação indivíduo cego-ambiente singularizam particular interesse nas propostas educacionais que o incluem. Ao mesmo tempo, o estudo da locomoção é um dos aspectos relevantes para estudiosos que se detêm na compreensão e explicação sobre o deslocamento de um ponto ao outro realizado por um indivíduo, de acordo com os seus mecanismos reguladores.
Reforçando estas reflexões, ressalta-se as elaborações encontradas em Alderete (1981), Bardisa (1981), CENESP (1984), que enfatizam a necessidade de um desenvolvimento perceptivo cognitivo e motor do deficiente visual, a partir do atendimento precoce do indivíduo, trabalho adequado e técnicas que atendam às necessidades prementes em cada estágio de desenvolvimento. Existem programas que enfocam o desenvolvimento dos sentidos como essencial para a ação com os deficientes da visão, propondo ações direcionadas ao desenvolvimento da força e alongamento muscular, relaxação, coordenação, treino postural, treino da marcha, imagem do corpo e orientação (Siegem & Murphy, 1970, apud Pereira:1987), ou que enfatizam a estimulação sensorial, desenvolvimento do sentido do equilíbrio, imagem do corpo e orientação espacial (Pereira:1987).
Em Fischtner (1981) há indicações de atividades a serem desenvolvidas com o deficiente visual, incluindo plantas, animais, de formas, tamanhos, situações as mais variadas possíveis, com a finalidade de estimulá-lo ao contato direto com areia, grama, cimento, asfalto e outros tipos de pisos. Bardisa (1981:14) afirma que a primeira fonte de conhecimento é os sentidos, que demandam estimulação, posto que "cada estímulo provém de um objeto que, não obstante possuir a qualidade que o caracteriza para a estimulação, possui outras que não se pode controlar e que são inerentes a ele mesmo" Ampliando o entendimento sobre as vias sensoriais Aucouturrier e Lapierre (1985) classificam-nas como sendo a visão, audição, olfato, paladar, tato e cinestesia. É necessário atentar que podem ocorrer dificuldades para se diferenciar informações táteis das cinestésicas visto que, as primeiras, por serem mais aguçadas, tendem a predominar sobre as segundas. Além disso, é importante entender que a relação estímulo e ação ocorre quando se utiliza um receptor cinestésico ou um receptor tátil, dificultando ainda mais a real discriminação de um ou de outro.
No caso do cego congênito existe outro mecanismo de regulação e controle de seu equilíbrio, postura e referencial em relação a si e ao mundo, que segundo Fonseca (1987) tende a ser justificado em razão de que a privação sensorial do deficiente visual leva-o a absorver a informação principalmente através da audição e sentido táctil-cinestésico.
Considerando estas informações aponta-se que a questão da locomoção, associada à orientação e à mobilidade remete, no caso do estudo da percepção plantar, ao estudo da organização e utilização dos sentidos, procurando explicações para parte da utilização destes sentidos, de acordo com os estímulos recebidos na organização motora e integração do indivíduo portador de deficiência visual.
É preciso entender que a percepção plantar é uma atividade que provém do contato dos pés com o solo - apresentando-se em formas e em situações as mais variadas possíveis . Na medida em que este contato é feito acredita-se que a percepção traga informações não somente do tipo de piso, mas do que este representa ou pode representar durante a sucessão de contatos com o mesmo. As possibilidades da expansão da capacidade perceptiva está vinculada com as oportunidades de exploração de pisos diferenciados, que vão estimulando os sentidos na identificação das variações existentes. Em Moura e Castro (1978:16) existem elaborações que são elucidativas, esclarecedoras destes argumentos sendo indicativas d a significação dos sentidos humanos para o desenvolvimento de suas capacidades e potencialidades, posto que considera:
Podemos justificar, em termos simplistas, que todo o ser humano tem que estar ligado ao mundo que o rodeia, através de seu sistema sensorial, pois o contrário cria um estado caótico. Ora, a perda da visão traz uma ruptura em relação ao mundo, que é preciso compensar em termos naturais.
Tabém Suterko (1974), citado por Pereira (1987), afirma a importância da percepção plantar no deslocamento do portador de cegueira, destacando o reconhecimento através das informações táctil-cinestésicas (textura de um passeio e textura diferente numa curva).
Verifica-se assim, que atividades que permitam relação tempo-espaço, estabelecimento de conceitos, o deslocar-se em diferentes ritmos, o tatear, o apalpar, o sentir, ou seja, nas atividades em que a ação motora é necessária ocorre o desenvolvimento das capacidades cognitivas, onde a identificação, a discriminação e a interpretação constituem aspectos essenciais para o desenvolvimento perceptivo.
Para a percepção se dar, é necessário que se opere uma estimulação sensorial, e dentro dela há que contar com o tipo de modalidade sensorial que está em causa, a sua natureza, as características da situação e da sua proximidade, nível de desenvolvimento sensorial [...] (Fonseca, op. cit.:299).
Este pensador também destaca que a percepção dos estímulos através do sentido táctil-cinestésico tem a pele como fronteira e como "envelope do nosso corpo" e, aponta a função do sistema nervoso periférico na transmissão da informação (periferia para o centro).
A corroboração destas referências é encontrada em Hall (1977:64) ao afirmar que "o tato e as experiências vividas estão tão interligados que não podem ser separados" e ao considerar que existe uma relação entre o espaço tátil e o espaço visual, onde aquele separa o espectador dos objetos e este separa os objetos uns dos outros. Ao deficiente visual passa a interessar o espaço tátil, sendo que Gibson, citado por Hall (1977), divide o tato em ativo (esquadrinhamento tátil), e tato passivo (ser tocado).
Especificando-se a utilização da informação plantar para a orientação, Pereira (op. cit.) ao identificá-la no plano do sistema táctil-cinestésico explicita que é neste que ocorre a necessidade de se estabelecer o feedback entre a ação e a percepção, entre o concreto do meio ambiente e as experiências acumuladas, entre a fotografia que se tem do meio ambiente e o novo concreto que percebeu neste contexto que, consequentemente, passa a constituir-se em uma nova fotografia. Ampliando ainda mais as contribuições sobre a percepção plantar, existem as elaborações de Siegel (1967), que num trabalho sobre a compensação da postura nos cegos com deficiências motoras, aponta como técnica mais aperfeiçoada a inclusão de andar com os pés descalços sobre pequenos tapetes com diferentes texturas, que permite atuar no seu equilíbrio e na capacidade de movimentação. Estas reflexões têm em Moura e Castro (1978:15) confirmação, posto que a locomoção é importantíssima para o deficiente visual, justificando a necessidade de exploração das capacidades motoras nos deficientes visuais, no sentido de intensificar a ação no desenvolvimento da percepção plantar.
Constata-se que as capacidades perceptivas quando solicitadas através da estimulação constante permite ao cego congênito explorar o meio que o rodeia, melhorando suas capacidades motrizes, as quais são o fundamento para a posterior aquisição das múltiplas habilidades que o cego necessita põr em jogo para seu efetivo desempenho social (Griffin, 1980:2). Neste ponto concorda também Duehl (1979:9), quando reforça a necessidade de experiências e a interrelação com o meio, permitindo a compreensão do próprio corpo e a relação que guarda seu corpo com o espaço que o rodeia. Com as potencialidades sendo estimuladas para que o cego desenvolva suas capacidades perceptivas é que pode também desenvolver a orientação, entendida como um processo em que os sentidos são solicitados no intuito de estabelecer uma relação com o meio, objetos e suas nuanças, exigindo tomada de posição, ação, gesto motor.
Na orientação e mobilidade, o caminhar dependente (guia vidente) e as técnicas de mobilidade independente estão presentes em procedimentos que provoquem a relação com o meio e com a ação. Permitem ao deficiente visual o desenvolvimento de aptidão para a locomoção independente onde se destaca o deslocamento em linha reta que proporcionará ligar um ponto ao outro. Nesta perspectiva cabe destacar a contribuição de Cratty (1979), ao tratar a locomoção como atividade primordial para o desenvolvimento do ser humano, especialmente quando criança, o que possibilita a ligação com objetos e coisas criando conceitos e estabelecendo bases para a organização efetiva da percepção. Esta organização perceptiva tende a ser ampliada na medida em que ocorre desenvolvimento de condições cognitivas satisfatórias.
Face à constatação de que o movimento do homem em interação com o meio (movimento este que, quando executado, tem um motivo predeterminado, um estímulo) é o ponto central da atuação em que as capacidades perceptivas se constituem, visando o estabelecimento de conceitos e abstrações.
Identificando a percepção plantar em cegos congênitosO conjunto de referências apresentado subsidiou o estudo sobre a capacidade perceptiva do deficiente visual - cego congênito -, buscando avaliar a influência que a percepção plantar exerce sobre seu deslocamento.
No Instituto Benjamin Constant- IBC - (Rio de Janeiro) foram selecionados 14 cegos congênitos situados na faixa etária entre 8 e 13 anos, escolhidos aleatoriamente pelos professores de educação física de instituição. Como instrumento de medida foi construído um Teste de Deslocamento (TD) que teve 3 pré-testagens no grupo de alunos deficientes visuais da Fundação João Theodósio de Araújo - Juiz de Fora -, em 3 aulas de educação física, quando o grupo de aplicadores recebeu treinamento, pode discutir e ajustar a rotina de aplicação do TD. As atividades incluídas do TD aplicadas aos cegos congênitos referiram-se a:
deslocamento andando para a frente sem auxílio, em linha reta, calçado e descalço, na passarela 0;
deslocamento andando para a frente sem auxílio, em linha reta, calçado e descalço na passarela 1;
deslocamento andando para a frente sem auxílio, em linha reta, calçado e descalço na passarela 2;
deslocamento andando para a frente sem auxílio, em linha reta, calçado e descalço na passarela 3;
deslocamento andando para a frente sem auxílio, em linha reta, calçado e descalço na passarela 4;
deslocamento andando para a frente sem auxílio, em linha reta, calçado e descalço na passarela 5;
As orientações verbais para aplicação do TD englobaram a apresentação do grupo de aplicadores (dois professores e dois acadêmicos de Educação Física); o reconhecimento da colaboração do grupo de alunos; explicação sobre o teste enfatizando que o exercício deveria ser executado andando, sem auxílio e que no local (quadra cimentada de esportes) não haveria obstáculos nem perigos; explicação de que cada aluno receberia um número gravado num pedaço de tecido que seria fixado na sua camisa, na parte da frente, pelo qual passaria a ser chamado; recomendação de que, durante o teste, os participantes deveriam manter silêncio; explicação do comprimento (10 metros) e da largura (0,75 metro) do percurso, que correspondem a medidas médias do corredor de uma casa e da largura de uma porta. Tanto na pré-testagem quanto na coleta de dados foram utilizados equipamentos como passarelas com diferentes texturas, cronõmetro, trena de lona, câmara de vídeo cassete.
A coleta dos dados foi realizada na quadra de esportes do Instituto de acordo com a disponibilidade dos educadores físicos e alunos da instituição, onde o objetivo era atingir a linha de chegada. Durante o percurso foram controlados o tempo de deslocamento, o número de contatos para completar o percurso de 10 metros, o número de saídas dos limites laterais e o ponto de chegada ao final do percurso.
Foi utilizado o Sistema Computacional Estatístico Microstat, que forneceu as estatísticas descritivas e o teste não paramétrico X2 (Qui-quadrado) para testar a normalidade das distribuições de dados. Além destes foi empregado o teste F para duas variâncias para testar populações (homosedásticas e heterosedásticas) e a seguir o teste T para a comparação de médias.
Os resultados evidenciaram que existe uma diferença significativa entre os tempos e o número de contatos gastos para o deslocamento (calçados e descalços), segundo o tipo de piso, textura e esquadrinhamento tátil; permitiu avaliar a influência da percepção plantar no deslocamento do cego congênito; identificou que o deslocamento no piso normal não caracterizou especificamente a percepção plantar; o uso de pistas táteis e esquadrinhamento tátil propiciou o deslocar dos cegos congênitos; o ponto de chegada e o número de contatos (fora dos limites laterais das passarelas) são essenciais para o controle da percepção em questão; a exploração do meio ambiente é favorecida sobremaneira pelas pistas táteis e contrastes de texturas.
Cabe destacar que o cego congênito, ao deslocar-se calçado, no piso normal da quadra apresentou diferenciações em relação às passarelas (passarela 2- carpete Regente; 3- carpete sisal; 4 - carpete invertido; 5 - carpete riscado). Também foi observado diferenciação quando se deslocou calçado na passarela 1 (carpete liso) em relação à passarela 2 (carpete Regente), do que deslocar-se calçado na passarela 5 (carpete riscado). Observou-se que não ocorreu diferença significativa entre deslocar-se calçado nas passarelas 3 (carpete sisal), 4 (carpete invertido) ou 5 (carpete riscado).
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