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Para uma teoria e metodologia científica do treinamento esportivo.
A crise da concepção da periodização do treinamento
no esporte de alto nível

Comité Olímpico Italiano
(Italia)

Yuri Verkoshanskij

Verso una teoria e metodologia scientifiche dell' allenamento sportivo. Sds, Roma, n. 41-42, Gen-Giu, 1998.
Trad. do Prof. Guilherme Locks Guimarães e alumno Lucio Bernard Sanfilippo
Instituto de Educação Física e Desportos Universidade do Estado de Rio de Janeiro

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 6 - N° 32 - Marzo de 2001

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    Nos anos 60 no esporte de alto nível a concepção da periodização de treinamento foi colocada como um princípio básico para a construção sistemática do rendimento dos atletas no esporte de alto nível. Porém esta concepção, assim como também os princípios do treinamento baseados sobre ela, perderam há tempo a sua importância, seja teórica, seja prática de existirem. E portanto persistir ainda ancorado as suas idéias já superadas, tem demonstrado ser um fator de freio ao progresso científico no esporte. Exporemos por isso as principais causas da crise desta concepção e da necessidade do seu superamento.


1. Introdução

    Atualmente na literatura esportiva encontram-se opiniões diversas sobre o sistema de treinamento esportivo, como também concepções e escolas diversas de preparação dos atletas, natural em um fenômeno multiforme como a atividade esportiva (4, 5, 108, 111).

    Ocorre, porém, olhar com atenção duas circunstâncias: em primeiro lugar, a evidente carência de trabalhos que resumem os conhecimentos que dizem respeito aos fundamentos científicos e aos conceitos metódicos da teoria do treinamento esportivo e, em segundo lugar, a um certo conservadorismo na interpretação da idéia fundamental do treinamento esportivo e dos princípios da sua organização que é devido aos conceitos derivantes da concepção da assim chamada "periodização do treinamento", (de agora em diante CPT) cuja origem está nos trabalhos sobre a teoria do treinamento do russo L.P. Matveev.

     É evidente, há algum tempo, que a CPT nascida nos anos 60(24) e o texto "Os fundamentos do treinamento esportivo", baseado naquela concepção(26), perderam muito do seu valor teórico e prático. Atualmente, o esporte de alto nível e os métodos da preparação dos atletas de vértice sofreram modificações essenciais e impor com tenacia à prática esportiva as idéias antiquadas da CPT (27, 28) representa um fator que impede o progresso dos conhecimentos científicos no esporte (19, 23, 32, 37, 46, 111, 120). Contemporaneamente, as afirmações de Matveev de que a sua teoria teria "um reconhecimento em todo o mundo" (27, 29) não correspondem à realidade. As opiniões de um elevado número de especialistas e de treinadores confirmam o contrário e, em definitivo, são indicações da necessidade de substituir a antiga concepção da periodização com uma moderna teoria e metodologia de treinamento esportivo.

    De fato, a enorme experiência prática acumulada na preparação dos atletas de alto nível, os progressos científicos da fisiologia e da bioquímica da atividade muscular, da medicina esportiva, da biomecânica dos movimentos esportivos, e, enfim, dos estudos fundamentais sobre a metodologia do treinamento no esporte de alto nível, tem criado pressupostos objetivos para a formulação de uma moderna teoria e metodologia de treinamento esportivo e das suas principais bases cientificas. Entretanto, é necessário ter sempre presente ( e a negativa experiência da CPT o confirma) que não pode existir uma formula universal de organização do treinamento, como parecia a Matveev. Porém, existe, ou melhor, deve existir, um único modo metodológico, cientificamente argumentado, para a interpretação da essência do processo de treinamento e, portanto, também dos objetivos da teoria do treinamento esportivo, em cuja base se pode (se deve) construir o sistema concreto do treinamento em cada disciplina esportiva.

    Em um sucessivo artigo, prometemos propor à atenção dos especialistas a análise de um modelo de teoria do treinamento. Porém, visto que não se deve iniciar vida nova com um hábito velho, antes, é oportuno dedicar a nossa atenção à análise dos defeitos metodológicos e dos erros típicos da antiquada CPT, afim de que sejam evitados no futuro.


2. O problema

    Os principais conceitos metodológicos do moderno sistema de treinamento esportivo foram elaborados no inicio dos anos 50 pelos treinadores russos, estimulados pelas exigências de preparação da esquadra nacional soviética para os Jogos Olímpicos de Helsinky, em 1952 e a outras competições internacionais. Sucessivamente as experiências práticas acumuladas foram generalizadas pelo professor de teoria da educação física do instituto superior de cultura física de Moscou, L.P.Matveev, um estudioso do esporte de alto nível, e foram apresentadas na forma de teoria da "concepção da periodização do treinamento esportivo" (24). Visto que, naquela época, os problemas da teoria do treinamento não eram objeto da atenção de especialistas do setor e que os atletas russos tinham conseguido alcançar resultados importantes nas competições internacionais, esta concepção, que representava a primeira tentativa de resumir os conhecimentos acumulados no campo da teoria do treinamento realizado na União Soviética, naturalmente suscitou a atenção dos especialistas estrangeiros e por longo tempo, o seu autor foi considerado um grande teórico do treinamento esportivo.

    O conceito de periodização do treinamento foi se transformando, gradualmente, em sinônimo de planificação do treinamento, e um elevado número de especialistas e treinadores soviéticos (14) e estrangeiros (49, 55, 56, 62, 64, 65, 83, 84, 114, 117) utilizam, ainda hoje, o corpo conceptual artificioso, teórico, da CPT, procurando adaptar a essa as suas idéias sobre a organização do processo de treinamento que, normalmente, são muito mais avançadas.

    Porém, excetuando-se alguns fatores desta concepção (27, 28, 41, 56, 62, 117), a CPT não só não encontrou uma ampla sustentação da parte prática, mas foi criticada seja na ex União Soviética (12,17, 19, 21, 34, 40), seja nos outros países (54, 58, 63, 76, 79, 91, 93, 102, 103, 108, 120).

    Existem especialistas que sustentam que os conceitos antiquados da CPT não correspondem às exigências do esporte moderno (17,46, 50, 68, 69, 72, 75, 87, 93, 118), não favorecem o aumento das reservas funcionais do organismo do atleta (32, 42, 50, 92, 102, 115) e impedem o progresso do resultado esportivo (12, 15, 19, 32, 46, 92, 102). Afinal, tudo o que nos últimos anos tem provocado o afastamento dos especialistas desta concepção (46, 51, 66, 69, 87, 91, 92, 93, 102, 105, 120).

    Existem opiniões segundo as quais a CPT não representa um modelo do sistema de treinamento para os atletas de vértice e, portanto, não deve ser levada em consideração ou então modificada de acordo com as particularidades do atual calendário de competições e das tendências de desenvolvimento do esporte atual (16, 17, 69, 72, 73, 102, 120). No melhor dos casos alguns conceitos desta teoria poderiam ser utilizados nas etapas iniciais da preparação dos atletas (54, 68, 91, 93, 108).

    É importante salientar também que a sub-divisão formal, mecânica do treinamento anual em períodos e em "mesociclos", aconselhada pela CPT, não é típica da prática esportiva (17,33, 38, 41, 69, 73, 89, 108), e que os princípios da "periodização" formulados, tomando como base um estudo relativamente breve da preparação dos atletas, no período inicial da formação do sistema soviético de treinamento (anos 50) e, sobretudo, tendo como base exemplos tirados de três esportes (natação, levantamento de peso e atletismo) não podem ser nem confiáveis nem universais (32, 33, 54, 61, 108).

    Ocorre, também, salientar que o sistema de treinamento deve ser baseado não tanto sobre a lógica ou experiência empírica, mas sobre os conhecimentos de fisiologia (1, 48, 50, 58, 60, 67, 78, 90, 109).

    Em muitas publicações, salienta-se o fato de que os princípios e conselhos metodológicos da CPT não são concretos e não correspondem às modernas tendências de desenvolvimento do esporte de alto nível (66, 87, 105, 109, 118), em particular às condições reais da preparação de atletas para os jogos esportivos (3, 36, 42, 52, 70, 88, 89, 92, 97, 104, 108, 118), nos esportes de resistência (17, 46, 59, 66, 71, 74, 102, 107), na ginastica artística (2, 43), no atletismo (4, 5, 61, 80, 96) e, em outras disciplinas esportivas. Além disso, a CPT não prevê soluções metódicas eficazes para os problemas da preparação especializada para as competições e para a preparação física especifica dos atletas das diversas disciplinas esportivas (49, 50, 55, 61, 73, 86, 98, 112, 115).

    Os treinadores que operam na prática viram a inconsistência da CPT na acentuação equivocada das prioridades dos objetivos, dos princípios, das idéias e das tendências do processo de treinamento. Em vez de construir as idéias a respeito do processo de treinamento sobre a pesquisa da sua natureza biológica, esta concepção se acontenta do caráter ilusório que têm os fenômenos evidentes, bastante notos, baseando sobre estes os seus conselhos práticos (23, 32).

    A crítica maior à concepção da "periodização" provém dos especialistas dos esportes cíclicos, que chamam à atenção que os princípios antiquados desta teoria não correspondem as exigências atuais do esporte (16, 17, 32, 33, 38, 46, 66, 69, 72, 78, 118). De fato, hoje, a característica peculiar da planificação do treinamento, em particular do treinamento dos esportes de resistência, consiste em uma organização mais dinâmica das cargas de treinamento no ciclo anual e no gradual desaparecimento dos elementos da periodização tradicional (102). Porém, os próprios especialistas dos esportes cíclicos da ex-URSS, seguindo a CPT, utilizaram por muito tempo uma metodologia de treinamento superada, e isto tem impedido, há muitos anos, uma melhora dos resultados em alguns esportes de resistência. Esta metódica não é suficientemente argumentada cientificamente e, consequentemente, não é em grau de garantir uma preparação dos atletas que preveja a obtenção de resultados elevados não somente nos "picos de forma", mas por toda a estação agonística. Como se faz necessário no moderno calendário de competições (17, 32, 38, 46, 66, 69, 72, 98).

    É importante lembrar que os sucessos dos atletas africanos (principalmente os quenianos) podem ser explicados, não com o fato de que " treinam em altitude e são predispostos geneticamente", como era apregoado através dos especialistas soviéticos, mas sobretudo porque não adotaram as idéias da CPT na organização do processo de treinamento e compreenderam em tempo que: "os atletas africanos não devem copiar os atletas europeus (46, 77, 101, 108).

    Em um artigo - Periodization - plausible or piffle? o especialista australiano, Herwill analisa os motivos pelos quais a concepção da periodização baseada na teoria de Matveev não pode ser utilizada no treinamento moderno da corrida, e um outro artigo do mesmo autor desaprova " a veneração servil a respeito da a teoria da periodização típica dos corredores dos países do leste europeu" (73), afirmando que nos últimos trinta anos nem corredores soviéticos, nem do leste europeu têm melhorado records mundiais na distância de meio fundo ou ganharam medalha de ouro no jogos olímpicos, enquanto os corredores britânicos que não adotaram a idéia russa obtiveram esses sucessos. Os corredores britânicos começaram a utilizar o esquema da periodização elaborado por Matveev , após 1980, e desde então os seus resultados manifestam uma preocupante tendência a piorar.

    É interessante notar que, se nos países do leste europeu a CPT foi adotada sem hesitação, na maior parte dos outros países não foi empregada de modo assim tão amplo.

    Uma revista esportiva Italiana publicou recentemente uma entrevista com S. Zanon, um 'expert' italiano de teoria do treinamento, que, no período compreendido entre 1960 e 1980, fez conhecer ao mundo esportivo italiano um conjunto de noções que tinham sido elaboradas no campo do treinamento esportivo na URSS e nos países que se encontravam sobre a sua influência política, na qual insiste sobre a necessidade de abandonar aquela teoria, e substitui-la por uma mais adequada do ponto de vista científico (75). Zanon julga que, se a concepção do treinamento é elaborada não à base de determinantes biológicas e sim, como propõe a teoria soviética, à base de conceituações que não tem nenhuma relação com as condições reais do progresso esportivo, os programas de treinamento assumem um significado, absolutamente casual, com possibilidade muito elevada de dispersão dos talentos esportivos (75, 120). E afirma que, a teoria de organização do treinamento baseada na doutrina soviética da periodização não teria nada a ver com os resultados obtidos pelos atletas modernos, e, também, se a esta teoria se atribui o mérito dos progressos esportivos, não consegue dar provas, cientificamente convincentes desta paternidade, e nem se sente na obrigação de fazê-lo (75, 120).

    Outro teórico do treinamento, o alemão Tschiene, analisou uma série de modernas teorias de treinamento (108), notando que a concepção da periodização do treinamento não foi mudada desde o momento em que foi exposta pela primeira vez (1965), ainda que, daquele momento, a prática do esporte de alto nível tenha progredido muito e tenham sido alcançados notáveis progressos no âmbito das ciências do esporte. Muitas doutrinas de treinamento não superaram a prova e foram substituídas por outras de nova concepção, mais avançadas (109, 110). A este propósito, escreve Tschiene, é muito difícil entender porque Matveev não reconheceu ou não quis reconhecer estes processos, não obstante, já há muito tempo, fossem evidentes as dificuldades devido à utilização do seu esquema estrutural, por exemplo, nos jogos esportivos e em outros esportes. Portanto, ocorre que a teoria da periodização do ciclo anual proposta por Matveev seja modificada ou então substituída, com uma doutrina mais moderna, que tenha por base princípios mais concretos e mais argumentados, cientificamente, que prevejam o aumento do papel do exercício de competição e a individualização do treinamento, de acordo com as mudanças na prática agonística internacional.

    Na Itália o texto fundamental sobre a CPT (26) não foi somente traduzido, mas, no ano da 1978 (54), foi submetido a uma análise crítica muito seria em um opúsculo publicado e difundido às federações. E, neste, foram analisados e estudados do ponto de vista crítico, os conceitos principais da CPT para entregar ao treinador um material informativo já filtrado e adaptado às características do treinamento moderno (54). Nesta publicação são colocados em dúvida a credibilidade e a eficácia prática de uma concepção que toma por base somente dados do treinamento de nadadores, levantadores de peso e atletas de atletismo que cobriam o período entre 1950 e 1960. E salienta-se o fato que, desde 1965, data da publicação do texto de Matveev sobre a CPT, os métodos de treinamento haviam sofrido uma transformação enorme (vinte anos significam cinco olimpíadas), e com o conseqüente melhoramento de muitos records, e que houvera uma alternância entre diversas escolas no papel principal, e que estas serviam de referência aos especialistas do treinamento esportivo para modificar suas próprias idéias. Entre outras tantas observações que serão feitas neste artigo, ocorre recordar aquela sobre a artificialidade e a estrutura complexa da classificação dos diversos "micro" e "mesociclo"; e a incompreensão de que durante os diversos microciclos de recuperação do mesociclo precedente, por efeito deste, o organismo se encontra em condições de super compensação . Este estado de super compensação, porém, não é utilizado, e, isto transforma as pequenas e médias ondas da carga em uma ação caótica sobre o organismo do atleta. Em conseqüência disto, os autores chegam à conclusão que: a organização proposta por Matveev pode ser utilizada somente por atletas de baixa classificação.

    No passado, os dirigentes do esporte soviético fizeram observações ainda mais criticas no que concerne às idéias de Matveev. Assim, Koslesov, um dos maiores conhecedores de todos os problemas teóricos e práticos da preparação do esporte de alto rendimento e do valor de todos os tipos de concepção do treinamento, escreveu no jornal Sovetskij Sport do dia 24/07/91: "quem trabalha no campo do esporte de alto nível não deve seguir o sistema antiquado do nosso teórico, o prof. Matveev (20). Portanto, atualmente, a utilização da CPT dá a impressão de um relógio parado, ainda que o seu criador continue a afirmar que este relógio funcione bem porque segue as "leis da formação da forma esportiva", por ele mesmo formuladas. Matveev continua com tenacidade a não reconhecer as críticas, dizendo que os conceitos positivos da sua teoria são eficazes seja do ponto de vista teórico, seja dos aplicativos e metodológicos e que isto é confirmado pela ampla aprovação internacional (26, 28, 29).

    Ao mesmo tempo, lamenta que em algumas publicações atuais, ignorar e analisar de modo destorcido a sua teoria é quase uma moda (28). Não obstante os inúmeros convites a uma discussão útil, criativa e critica das suas idéias (28, 29) Matveev considera a CPT como uma estrada de mão única, que pode ser controlada somente por ele. Todas as tentativas de andar contra esta corrente são rapidamente freadas, sem muita cerimônia, e são definidas invenções bobas, inovações que seriam exceções a regra estabelecida pela lógica e da metodologia do conhecimento científico, contrapeso a idéias bem aceitas, ou ainda, repetições de conceitos notos há muito tempo, etc... (25, 28, 29). Segundo Tschiene, assim é impossível uma discussão criativa dirigida para um aprofundamento da teoria do treinamento esportivo (110, 111).


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