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Educação Física no 1º ciclo ensino básico.
Do baldio Pedagógico à construção curricular

Centro Integrado de Formação de Professores
Universidade de Aveiro
(Portugal)

Rui Neves
rneves@dte.ua.pt

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 6 - N° 31 - Febrero de 2001
Comunicação apresentada nas III JORNADAS LUSO-HISPÂNICAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA NO 1º CICLO
DO ENSINO BÁSICO, Seia 25 a 28 Junho 1997. DRE - Centro e CAE - Guarda.

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Introdução

    Foi com prazer que aceitámos o convite, para reflectir em conjunto sobre as questões curriculares e didácticas que se colocam hoje à Educação Física (EF) na escola do 1º Ciclo do Ensino Básico. Vamos fazê-lo a partir do percurso da EF na escola portuguesa deste nível de ensino e da problematização dos factores que condicionam o seu aprofundamento ao serviço do desenvolvimento e aprendizagem dos alunos.

    Somos hoje bombardeados com informação sobre o debate curricular, em que todos os intervenientes no processo educativo discutem o currículo. Os professores analisam documentos e dão a sua opinião. As instituições superiores emitem pareceres. Os pais são confrontados com documentos em "eduquês", sentindo dificuldade em dar opinião. No entanto há um clima de debate curricular centrado no "dowsizing" do currículo e construção de "saberes básicos". Comparam-no com o de "antigamente", descortinam-lhe diferenças, vantagens e desvantagens. O currículo parece ter-se transformado em algo do domínio público, em que todos são "experts" possuidores de fórmulas mágicas transformadoras.

    Por outro lado, a Didáctica aparece hoje quase como uma ideia antiga e ultrapassada. As "velhas" 5 questões da Didáctica (Para Quê? O Quê? Como? Quando? Quem?) parecem esquemas rígidos de organização didáctica "dejá vu".

    Assim, no sentido de contribuirmos para o debate de ideias e o seu aprofundamento, assumimos como matriz orientadora da nossa reflexão as finalidades educativas da EF no 1º Ciclo do Ensino Básico (1ºCEB). Vamos fazê-lo em paralelo com a utilização de dados de um estudo exploratório1 por nós desenvolvido.


1. A EF não pode ser um Baldio Pedagógico...

    Neste momento no nosso país, há um quadro de práticas de Actividades Físicas e Desportivas nas escolas do 1º CEB caracterizado pela dispersão e diversidade, confusão conceptual, indefinição de política educativa e ausência de sistematização didáctica da EF. Há uma pluralidade de modelos, concepções e processos que resultam, não das características do contexto educativo, mas ANTES dos conceitos e ideias subjacentes às suas finalidades.

    A EF no 1º CEB é da responsabilidade INSTITUCIONAL do Ministério da Educação (ME) e das suas estruturas, como qualquer outra área curricular2 . No entanto a realidade é bem diferente, com consequências de efeito duvidoso para as crianças deste nível de escolaridade. Assim a este nível temos a intervenção de: Serviços do ME, Câmaras Municipais, Juntas de Freguesia, Clubes e Associações Desportivas, Associações de Pais e Encarregados de Educação, com as finalidades educativas, objectivos, conteúdos, modelos organizativos e orientação científico pedagógica carentes de sistematização, continuidade e articulação entre si.


Com o objectivo de ilustrar referenciemos algumas dessas situações:

  1. escolas sem qualquer prática regular do ensino da EF

  2. escolas em que é atribuido à EF o tempo e o espaço de "recreio escolar"

  3. escolas em que a EF é da responsabilidade de um Profº de EF que aí vai leccionar

  4. escolas em que as aulas de EF são da responsabilidade de animadores ou monitores desportivos aí colocados por clubes e/ou associações desportivas

  5. escolas em que as Associações de Pais e Encarregados de Educação "contratam" um monitor de ginástica aeróbica para leccionar na escola dos filhos

  6. escolas em que as aulas de EF são utilizadas como "rebuçado/castigo" ao melhor ou pior comportamento dos alunos

  7. escolas em que a EF é "desenvolvida" pelo Desporto Escolar

  8. escolas cujos professores recebem formação específica de EF da responsabilidade de Câmaras Municipais

  9. escolas que procuram ser "as mais desportivas"

  10. escolas sem o mínimo de condições de prática do ensino da EF

    Esta diversidade de situações conduz quanto a nós a uma confusão conceptual sobre quais são as verdadeiras finalidades educativas da EF na escola do 1º CEB. Se a sua responsabilidade pode ser de outro professor que não o da classe, como garantir o reforço da relação pedagógica num contexto educativo diferenciado ? Se o clube desportivo pode ser a entidade responsável, o profº da classe pode dissociar-se e colocar-se à margem do que se passa ? Se a EF pode ser uma aula de aeróbica, para quê implicar e formar didácticamente o profº da classe ? Se a finalidade é fazer escolas "mais desportivas" para quê desenvolver estratégias pedagógicas inclusivas e potencializadoras das capacidades de todos, se apenas querem que eu "faça um número com 2 ou 3" ? Se O ME não apoia a EF, não forma os professores, não equipa as escolas, não inspecciona a actividade docente nesta área, ... ? Como implicar e envolver o Profº 1º CEB nesta área quando na sua maioria os processos desenvolvidos marginalizam o professor da classe no desenvolvimento das aulas de EF? No meio de tudo qual o papel e a função dos programas de EF ?

    Perante este quadro de confusão institucional, de dispersão de actividades, agentes de intervenção e de dificuldade em dar alguma intencionalidade educativa à prática realizada, entendemos como legítimo que os Profº do 1º CEB sintam alguma dificuldade em descortinar finalidades educativas na área da EF. É imprescindível romper com este círculo vicioso, assumindo a área de EF no 1º CEB. Através do trabalho sistemático e continuado é preciso afirmar que ela não pode ser um baldio pedagógico, que em nome da propriedade de instalações desportivas, da selecção e detecção de talentos desportivos, da vontade dos pais, da participação e empenhamento político das Autarquias Locais, surja fora do seu quadro normal de funcionamento - O Sistema Educativo, a Escola, e com a intervenção pedagógica e científica directa do professor respectivo.


2. As Finalidades da EF na Escola do 1º CEB

    De acordo com o Dec. Lei 286/89 a EF faz parte do currículo de formação geral de todos os alunos do 1º ao 12º ano de escolaridade. No 1º CEB sob a forma de área são apresentados como objectivos gerais:

  1. Elevar o nível funcional das capacidades condicionais e coordenativas ;
    - Resistência geral;
    - Velocidade de reacção simples e complexa de execução de acções motoras básicas, e de deslocamento;
    - Flexibilidade;
    - Controlo de Postura;
    - Equilíbrio dinâmico em situações de "voo", de aceleração e de apoio instável e ou limitado;
    - Controlo de orientação espacial;
    - Ritmo; - Agilidade.

  2. Cooperar com os companheiros nos jogos e exercícios, compreedendo e aplicando as regras combinadas na turma, bem como os princípios de cordialidade e respeito na relação com os colegas e o professor.

  3. Participar com empenho no aperfeiçoamento da sua habilidade nos diferentes tipos de actividades, procurando realizar as acções adequadas com correcção e oportunidade" (DGEBS,1990:15-16)

    Com carácter mais preciso e de acordo com cada um dos blocos do programa - Perícia e Manipulação, Deslocamentos e Equilíbrios, Ginástica, Jogos, Actividades Rítmicas e Expressivas (Dança), Percursos na Natureza e Natação (DGEBS,1990) - são definidos objectivos mais específicos.

    É pois clara a intenção da EF se constituir como uma área de DESENVOLVIMENTO e APRENDIZAGEM de acordo com as características das crianças deste nível de ensino.

    No entanto em alguns estudos os professores do 1º CEB têm referenciado um amplo leque de finalidades para a EF neste nível de ensino. Do nosso estudo exploratório com os 47 professores auscultados obtivemos os seguintes resultados:

Finalidades da EF no 1º CEB (NEVES,1997)
 
Categoria
Ni
%
1
DESENVOLVIMENTO de CAPACIDADES
64
40,2%
2
EFEITOS EDUCATIVOS GERAIS
44
27,7%
3
APRENDIZAGENS ESPECÍFICAS
15
16%
4
OUTRAS
12
7,5%
5
GOSTO/PRAZER/SATISFAÇÃO
6
3,8%
 
VALORES ÉTICOS ASSOCIADOS às AFD’s
6
3,8%
6
SAÚDE
5
3,1%
7
CATARSE
4
2,5%

    Há uma clara dispersão e indefinição do carácter específico da área de EF, realçada a partir da valorização de finalidades "generalistas" -Efeitos Educativos Gerais-. Tal é reforçado pelo peso da categoria Outras que enquadra finalidades como "interdisciplinaridade", "preparação para as aulas do 2º ciclo" e "apoio a outras áreas curriculares" . As finalidades associadas à Saúde são muito pouco referenciadas. Destaca-se a importância atribuida ao Desenvolvimento de Capacidades, abarcando as motoras, sócio-afectivas e cognitivas.

    É fundamental que as finalidades da EF no 1º CEB sejam assumidas sob pena de continuarmos a ser confrontados com as mais mirabolantes hipóteses. A EF é uma área curricular do 1º CEB e como tal não pode ser nem "um complemento curricular", "ocupação dos tempos livres" ou "fonte de talentos desportivos". Apenas a assumpção institucional e a prática continuada da EF nas escolas poderá contribuir para acabar com estes "equívocos conceptuais". É tempo de terminar com a ideia de que a EF é ou pode ser um "recreio organizado".


3. A Didáctica da EF no 1º CEB ou a Globalização das Decisões

    Para uma abordagem didáctica da EF no 1º CEB é necessário existir um aprofundamento do currículo, constituído como um processo de negociação entre professores e alunos a partir dos conteúdos e processos das suas experiências (ELBAZ,1983). Por outro lado há que potencializar um ponto forte das características dos alunos deste nível de ensino - a sua excelente motivação - partindo daí para a reflexão sobre as decisões de natureza didáctica.


Contra a Prescrição Didáctica...

    Entendemos que uma "Didáctica Prescritiva" para o professor do 1º CEB, não será factor do seu crescimento profissional. Os professores e as escolas não podem funcionar a partir de prescrições pormenorizadas da sua acção quotidiana (PERRENOUD,1994). Não pode ser através da mera apropriação de sequências metodológicas ou estruturas de aprendizagem, que se ganham as competências pedagógicas e científicas capazes para intervir em contextos educativos diferenciados. É imperioso manter a ligação entre as questões de natureza conceptual, de identificação daquilo que se pensa e que se faz, com as finalidades e os processos de síntese pessoal na organização didáctica do processo ensino-aprendizagem. Tem que existir uma verdadeira convergência entre pensamento e acção, de forma a manter a intencionalidade educativa. Entendemos que uma dinâmica de desenvolvimento e de futuro da EF proporcionada a todas as crianças, deve ser contrária a processos de prescrição didáctica, revistam eles a forma que revestirem (planos de aula, sequências de aprendizagem, modelos de organização, etc.). Para que o professor se sinta na acção pedagógica, ele tem de a ter pensado anteriormente, em função do seu contexto educativo. A intervenção pedagógica não é comparável à execução perfeita de uma pauta musical, por muito bem elaborada que esteja3. No sentido de garantir vinculação, valorização e continuidade ao trabalho do professor, a sua participação como "decisor curricular" deve ser intensificada, através da tomada de opções em todas as fases do processo ensino-aprendizagem.


Pela Construção Pessoal de Ferramentas Didácticas de Intervenção Pedagógica

    Os contributos dados pela investigação da EF sobre as formas e os processos de participação dos alunos nas aulas, o comportamento dos alunos, o clima de aula, as técnicas de intervenção pedagógica do professor, os modelos de organização das actividades, os estilos de ensino, a gestão do tempo de aula, os níveis de empenhamento motor, o "feed-back" pedagógico, não podem ser analisados desinseridos das características do professor e do seu contexto educativo. De uma forma reflectida ou não o professor vai construindo as opções didácticas que a sua experiência lhe aconselha. Em relação à EF há um "déficit" que é necessário recuperar, a partir do confronto com os dados da investigação específica e sua contextualização. Acreditamos que a partir da construção de um saber profissional, "talhado" ao longo dos anos os professores realizam uma apropriação das ferramentas que sentem necessitar para fazer os seus alunos aprender e evoluir.

    Quando pensamos nesta questão, interrogamo-nos, quais as preocupações dos professores quando preparam as aulas de EF ? Os resultados obtidos no nosso estudo exploratório, foram os seguintes:

Preocupações dos Professores durante a Preparação das Aulas de EF (NEVES,1997)
 
Categorias
Ni
%
1
INTERVENÇÃO do PROFESSOR
25
23,2%
2
CARACTERÍSTICAS DOS ALUNOS
23
21,3%
3
OUTRAS
20
18,5%
4
CONDIÇÕES das ESCOLAS
14
13%
5
PARTICIPAÇÃO e ATITUDES dos ALUNOS
13
12%
6
OBJECTIVOS EDUCATIVOS
8
7,4%
7
PROGRAMA/CONTEÚDO
5
4,6%

    Dos resultados ressaltam as preocupações com a sua própria Intervenção Pedagógica ("informação dos alunos", "ajudar os alunos com mais dificuldades", "diversificar as actividades propostas", "exercícios adequados à sua faixa etária") e as Características dos Alunos ("nível etário dos alunos", "ter em atenção os vários interesses da turma", "considerar as condições físicas das crianças"). Como elemento saliente as preocupações agrupadas em Outras ("interdisciplinaridade", "receio que as crianças se magoem", "fazer a ligação entre as várias disciplinas"). O Programa/Conteúdo e os Objectivos Educativos não constituem preocupação principal dos professores quando preparam as aulas de EF.

    Os professores com intervenção na área da EF, com grande capacidade didáctica revelam: forte conhecimento do conteúdo de ensino, um conhecimento didáctico do conteúdo, ter um vasto repertório de habilidades técnicas de ensino nas dimensões gestão, instrução, clima e disciplina, motivação para aprenderem continuamente e capacidade de metacognição pensando o processo de ensino-aprendizagem a partir de quatro níveis de análise: dimensão aprendizagem, dimensão pessoal e relacional, dimensão organizacional e institucional e dimensão cultural e social (CARREIRO da COSTA,1996). O sucesso na apropriação pessoal das ferramentas didácticas da EF, não são desligadas de outras questões. As opções didácticas só por si não justificam e proporcionam aprendizagem aos alunos. As decisões curriculares dos professores realizam-se arrastando todas as suas características e capacidades, percepções, representações, afectividade, em interacção com o mesmo por parte dos alunos.


4. A Construção Curricular em EF no 1º CEB

A Atitude do Professor

    A construção curricular da EF parte da ATITUDE do professor perante os seus alunos e o seu contexto educativo. Considerando que os períodos críticos das capacidades condicionais e aprendizagens psicomotoras fundamentais se situam até ao final do 1º CEB (DGEBS,1990), tal não pode ser indiferente ao professor. Está em causa potencializar capacidades e habilidades que caso não sejam estimuladas neste período, impedirão o atingir de patamares superiores.


Lecturas: Educación Física y Deportes · http://www.efdeportes.com · Año 6 · Nº 31   sigue Ü