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A Educação Física em Santa Maria: um resgate histórico

Physical Education in Santa Maria: a historical

La Educación Física en Santa María: un rescate histórico

 

*Educadora Física e Fisioterapeuta, especialista em Educação Física Escolar (UFSM)

**Educador Físico, Mestre e Doutor em Ciências do Movimento Humano (UFSM)

***Educadora Física, Mestre em Educação Física e Doutora em Saúde Coletiva (UFSC)

(Brasil)

Anapaula Pastorio*

aninha_pastorio@hotmail.com

Marco Aurelio de Figueiredo Acosta**

marco.aconta@bol.com.br

Susana Cararo Confortin***

susanaconfortin@gmail.com

 

 

 

 

Resumo

          Reconstruir a história se faz fundamental para preservação do patrimônio cultural. Compreender a história significa entender as injunções do passado no presente, por isso este estudo procurou recuperar alguns vestígios onde se estruturaram as práticas corporais da sociedade Santa-mariense. O objetivo desta pesquisa foi registrar a evolução da Educação Física escolar de Santa Maria/RS com ênfase no período de 1945 a 1970. A metodologia da pesquisa constituiu-se no âmbito da abordagem qualitativa, por meio do cruzamento das informações obtidas na literatura bibliográfica, na análise documental e nas entrevistas realizadas. Os resultados deste trabalho trouxeram à tona preciosidades sobre a Educação Física de Santa Maria/RS que, por vezes, entram em choque com a descrição da literatura nacional.

          Unitermos: Educação Física. História. Escola. Santa Maria.

 

Abstract

          Reconstructing the story is critical to preservation of cultural heritage. Understanding the history means understanding the injunctions of the past into the present, so this study sought to recover some vestiges of the time they were structured sports and bodily practices of Saint-Mariense society. The objective of this research was to record the evolution of Physical Education in Santa Maria / RS with emphasis on the period from 1945 to 1970. The research methodology consisted in the qualitative approach, by crossing the bibliographic information from the literature on document analysis and interviews conducted. The results of this work brought to light glitters on the Physical Education of Santa Maria, RS, which sometimes clash with the description of the national literature.

          Keywords: Physical Education. History. School. Santa Maria.

 

Resumen

          Reconstruir la historia se vuelve fundamental para preservar el patrimonio cultural. Comprender la historia significa entender las influencias del pasado en el presente, por lo que este estudio buscó recuperar algunos registros donde se estructuraron las prácticas corporales de la sociedad Santamariense. El objetivo de esta investigación fue registrar la evolución de la Educación Física escolar de Santa María, RS con énfasis en el período de 1945 a 1970. La metodología de la investigación se constituyó en el ámbito del abordaje cualitativo, a través del cruce de las informaciones obtenidas en la literatura bibliográfica, en el análisis documental y en las entrevistas realizadas. Los resultados de este trabajo pusieron de relieve atractivos sobre la Educación Física de Santa María, RS que a veces entran en conflicto con la representación de la literatura nacional.

          Palabras clave: Educación Física. Historia. Escuela. Santa María.

 

Recepção: 09/08/2016 - Aceitação: 28/10/2017

 

1ª Revisão: 06/10/2017 - 2ª Revisão: 25/10/2017

 

 
Lecturas: Educación Física y Deportes, Revista Digital. Buenos Aires, Año 22, Nº 233, Octubre de 2017. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    A História nos ajuda a entender que o homem tem e teve uma ação concreta: o que temos atualmente foi construído e não fruto exclusivo do acaso, tão pouco estava escrito em um “livro dos destinos”. Todos querendo/sabendo ou não, fazemos parte da história. Ao mesmo tempo somos e fazemos história. (Melo,1999, p. 24)

    Reconstruir a história se faz fundamental para preservação do patrimônio cultural, seja ela de uma cidade, de um estado ou até mesmo de um país. História entendida aqui como resgate a partir das fontes que cada sujeito reúne para construir sua narrativa. Hook apud Castellani (1988) diz: “...a História é reescrita quando emergem perspectivas novas que nos permitem perceber o significado de certos acontecimentos do passado, que havia escapado a atenção dos contemporâneos”. Então, a história observada seria uma tentativa de entender as injunções do passado no presente.

    Recorrer à História, como a ciência que estuda o homem no tempo, é considerar que:

    (...) é tal a força de solidariedade das épocas que os laços de inteligibilidade entre elas se tecem verdadeiramente nos dois sentidos. A incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do passado. Mas talvez não seja mais útil esforçarmo-nos por compreender o passado se nada sabemos do presente. (Bloch, 1965 p. 42)

    Este estudo surgiu com a pretensão de recuperar alguns vestígios que têm muito a nos dizer, antes que estes caiam no abismo do esquecimento. Isto é, preciosidades que possam revelar um tempo que pouco conhecíamos: o tempo onde se estruturaram as práticas corporais e esportivas da sociedade Santa-mariense. Segundo Certeau (1982): “Em história tudo começa com o gesto de separar, de reunir, de transformar em ‘documentos’ certos objetos distribuídos de outras maneiras. Esta nova distribuição cultural é o primeiro trabalho. ”

    Concordando com Cruz et al. (2006), é obvio que não podemos modificar o passado, resta-nos então aproximá-lo do presente para compreender certos fenômenos de nossa sociedade atual. Compreender nossas raízes significa ter subsídios para compreender, argumentar, questionar e (re)criar o presente.

    Esta pesquisa permitiu trabalhar com fenômenos sociais a partir da pesquisa histórica, na qual se buscou compreender como era a Educação Física nas escolas visitadas. Objetivou-se registrar a evolução da Educação Física escolar de Santa Maria/RS, dos anos de 1945 a 1970, por meio do cruzamento de informações obtidas na literatura bibliográfica, na análise documental dos colégios e na história de vida dos entrevistados. É fato, sem questionamentos, que ela acontecia e, por isso, é inadmissível que se deixe esta riqueza cultural se perder. Conhecer o passado nos ajuda a entender o presente e a evitar repetir erros já cometidos. Muito se aprende no momento em que compreendemos o processo que levou a determinado produto, e não apenas o vemos como um resultado acabado e estanque.

Metodologia

    Além da importância em conhecer a evolução da Educação Física escolar, fomos ainda motivados a realizar tal pesquisa ao constatar a carência de registros oficiais sobre a Educação Física escolar Santa-mariense. Buscou-se, então, resgatar fatos sobre este tema, minimizando as lacunas deixadas, e assim, tentando reconstruir, preservar e divulgar sua memória. Souza Jr & Galvão (2005) descrevem a importância de compreender a história das diferentes épocas afinal a construção histórica “não obedece a uma linearidade lógica, mas resulta de uma série de injunções que assumem características específicas em cada espaço social e em cada época”.

    A metodologia da pesquisa constituiu-se no âmbito da abordagem qualitativa, sendo utilizados como instrumentos para a coleta de dados: a busca bibliográfica, a análise documental e a entrevista, através da história oral.

    Segundo Melo (1999), diga-se fonte “tudo o que se presta a contar a história, todos os vestígios que nos permitam ampliar a compreensão historiográfica dos fatos, independente do que for”. Partindo desse pressuposto, esta pesquisa tentou a partir de: documentos, imagens, objetos, narrativas e, também, de memórias, garimpar a história da Educação Física de Santa Maria/RS, para que esta fique registrada e assim, não se perca com o passar do tempo.

    Segundo Phillips (1974) apud Lüdke & André (1986), documento é: “... quaisquer materiais escritos que possam ser usados como fonte de informação sobre o comportamento humano”. Seguindo este raciocínio, foram analisados todos os registros encontrados referentes às aulas, eventos, comemorações festivas, desfiles e apresentações relacionados ao ambiente escolar, preferencialmente, engajados com a disciplina de Educação Física.

    A história oral também foi utilizada, e segundo Meihy (1996) diga-se história oral é a:

    (...) definição de um grupo de pessoas (ou colônia) a serem entrevistadas, com o planejamento da condução das gravações, com a transcrição, com a conferência do depoimento, com a autorização para o uso, arquivamento e, sempre que possível, com a publicação dos resultados que devem, em primeiro lugar, voltar ao grupo que gerou as entrevistas.

    Convém salientar que Meihy (1996) afirma também que “a História Oral nasceu como ferramenta, como ponto de apoio para buscar a verdade onde esta não aparecia. Onde não há documentação recorre-se à História Oral”. Por conseguinte, este instrumento visou, dentro das possibilidades, suprimir as lacunas de documentos na história oficial.

    Inicialmente, buscou-se na literatura quais as escolas pioneiras em formar profissionais na área de Educação Física no país, no estado e na realidade local, e que, consequentemente, foram disseminadoras dos professores especialistas da disciplina no ambiente escolar. Estas instituições formadoras são a origem dos profissionais diplomados a atuar na docência.

    Em âmbito nacional, destaca-se a Escola de Educação Física do Exército como berço da Educação Física no Brasil. Suas origens datam de 1919, quando um grupo de oficiais e cadetes da Escola Militar do Rio de Janeiro se propôs a promover a sistematização de exercícios físicos nos meios militar e civil - a EsEFEx.

    Em 1939, foi criada a Escola Nacional de Educação Física e Desportos (ENEFED), na Universidade do Brasil. Registros revelam que na década de 1930, cursos de formação em Educação Física nos estados do Espírito Santo, Pará, Pernambuco e São Paulo funcionavam sem regulamentação e pautados nos modelos militares, que por sua vez utilizavam o chamado método francês para o ensino.

    À nível estadual encontra-se a Escola Superior de Educação Física, localizada em Porto Alegre/RS, e que começa sua atuação no ano de 1940, possuindo como infraestrutura as dependências de diversas entidades, pois não disponibilizava de instalações apropriadas para seu funcionamento. A primeira formatura solene e festiva aprovou 107 alunos, ocorrendo na noite de 31 de janeiro de 1941.

    Quanto à realidade local Santa-mariense, cita-se a criação do Curso de Educação Física da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) que iniciou suas atividades no ano de 1970, formando sua primeira turma no ano de 1972. Este fato é de extrema importância, pois representa efetivamente o início de um trabalho qualificado junto às escolas e a comunidade.

    Após foram garimpados registros relevantes à história da Educação Física Santa-mariense, nas instituições de ensino mais antigas da cidade e com material disponível para consulta: o acervo histórico do Instituto Estadual de Educação Olavo Bilac (IEEOB) e o memorial do Colégio Educacional Manuel Ribas.

    E finalmente, foram entrevistados seis sujeitos, destes dois professores (as) e quatro alunos (as), da rede escolar Santa-mariense que atuaram no período de 1940 a 1975, e que, portanto, vivenciaram a realidade da época a fim de minimizar as lacunas deixadas pelos documentos.

Análise e discussão dos resultados

    Vale ressaltar que a prática de Educação Física no ambiente escolar no Brasil segundo Vago (1999): “remonta ao século XIX, e desde então ela experimenta um processo permanente de enraizamento escolar”.

    Em referência aos materiais destinados às aulas de Educação Física na época estudada, ao interpretar as fotografias das instalações do Colégio Educacional Manuel Ribas nota-se que, em 1954, a infraestrutura disponível na escola para as aulas de Educação Física era precária. Havia apenas um pavilhão para as atividades, sem as devidas marcações, um pátio, onde estavam dispostos alguns aparelhos para os exercícios físicos e uma quadra de piso de concreto para os desportos coletivos.

    Analisando os documentos escritos, percebe-se que os materiais disponíveis na criação da Instituição Educacional Manuel Ribas são o mínimo necessário para desenvolver satisfatoriamente as aulas de Educação Física. Enfatizam-se, principalmente, os desportos coletivos como basquete, voleibol e futsal. Ainda há destaque às modalidades do atletismo (lançamento de dardo, corrida de revezamento e saltos) e ginástica rítmica e artística. Curiosamente, dá-se amplo incentivo à esgrima, que dispunha de bons equipamentos, como floretes e vestimentas protetoras adequadas.

    De fundamental importância, percebeu-se que nos primórdios do período pesquisado não havia número suficiente de profissionais graduados em Educação Física para ministrar a disciplina nas escolas da cidade. Assim, cabia aos militares assumir as aulas que, devido a evidente metodologia militarista, desenvolviam práticas notoriamente estereotipadas, sendo as regras impostas pelos professores sem possibilitar a liberdade criativa do aluno. Ainda, por meio da consolidação da Educação Física no próprio Exército, a instituição acabou estendendo seu controle sobre todo o “corpo da Nação”, durante toda a década de 1930 (Castro, 1997).

    Os professores começavam a ministrar as aulas sem ter a formação mínima exigida a priori na legislação (graduação em Educação Física). Professor a título precário era a denominação dada aos profissionais convocados a trabalhar sem ter a formação superior. Eram, em geral, militares que tinham apreço e vínculo, essencialmente, com a prática desportiva, sendo então, convidados a atuar junto à rede de ensino pela falta de profissionais especializados. Estes, por vezes, buscavam a graduação no decorrer da trajetória docente, na medida em que se sentiam pressionados pelo governo que obrigava a qualificação, e/ou surgiam, as oportunidades para tal. As entrevistas confirmam estas reflexões:

    “Eu fui professor a título precário, durante alguns anos antes de cursar a Educação Física, no meu tempo havia isso. No Centenário, no Seminário São José... Até 1975, eu era militar, quando não tinha expediente, eu fazia essa parte (aulas de Educação Física). Eu era da Brigada, e me convidaram já que eu tinha o título de professor a título precário, quando comecei. Em 1973, quando já atuava na rede escolar, terminei o curso de Educação Física na UFSM. Atuando na Educação Física de Santa Maria, grande parte eram militares poucos eram graduados em Educação Física. O procedimento para receber a referência de professor a título precário era a seguinte: todos os anos fazia-se uma atualização na Escola Superior de Educação Física (ESEF) em Porto Alegre, o governo do estado fazia isso. Fim ou início do ano tinha que passar uma semana na capital fazendo essa atualização, vinha tudo registrado no MEC na Secretaria de Educação. Eu tava habilitado a fazer isso” (Professor 1).

    “Apesar de eu já ter formação em Educação Física, na época que eu trabalhava no Maria Rocha, tinham dois militares, um era tenente e o outro era sargento do exército, como não tinham professores graduados eles davam aula de Educação Física, eu achava que o comportamento deles era ‘normal’, alguma coisa, como a Ordem Unida era diferente” (Professor 2).

    “Quem ministrava as aulas de Educação Física, era um ‘professor’, não lembro o primeiro nome, mas era o professor Fonseca, ele era militar” (Aluno 4).

    A influência militar era realmente forte em Santa Maria/RS, até os anos 70, percebe-se isto ao ter conhecimento do fundador do curso de Educação Física da UFSM, um coronel do Exército. Ao visualizar o corpo docente atuante na criação do mesmo, pode-se notar que além de militares, o grupo era composto, principalmente, por professores formados na capital do estado.

    No Instituto Educacional Olavo Bilac, por volta de 1943, consta que quem ministrava as aulas de Educação Física no IEEOB eram a professora Laury Dellamea Hollerbach formada na Escola Superior de Educação Física de Porto Alegre/RS, juntamente com o subtenente João Teixeira Filho, que havia se preparado com o curso de monitor e expedido pelo Centro Militar de Educação Física da quarta região militar.

    A substituição dos militares-docentes por profissionais diplomados em Educação Física condensou-se com a formação das primeiras turmas do curso de Educação Física da UFSM, que começou a ejetar professores no próprio centro formador.

    “Quanto aos professores da UFSM, o nomeado decano (atualmente chamado diretor), era militar, um coronel do Exército, Milo Aita, fundador do Centro de Educação Física. Convidado pela universidade tinha o professor Clóvis, coronel da Brigada. Tinha também o Jéferson e o Ailon, formados na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Depois começou vim o Fuki, Floriano, Pedro Langui, formados em Porto Alegre. Quando eu me formei, já havia entrado dois camaradas da primeira turma, Valdir Garcia e Afonso. Quando saiu a segunda turma, entraram dois colegas meus, aí já começou a entrar gente da nossa panela mesmo” (Professor 1).

    “Em 1970 quando comecei a lecionar já tinha graduação, porém havia uns quantos colegas meus que, pela falta de professores, lecionavam sem ter a graduação, chamavam de professor a título precário” (Professor 2).

    À medida que as Escolas de Ensino Superior, ainda raras no país, graduavam os acadêmicos, estes passavam a atuar junto à rede escolar, substituindo os profissionais sem formação específica pelos diplomados em Educação Física. Mas, este foi um processo lento no contexto escolar. Segundo Neto et al. (2004) na década de 1960:

    Na prática não se estava atendendo efetivamente ao mercado de trabalho em quantidade e qualidade, permitindo que ex-atletas continuassem a ocupar o lugar dos profissionais formados por uma escola superior, propondo-se então, que a formação deveria se restringir à formação de professores e de técnicos.

    O “boom” ao suprimento do ensino da disciplina de Educação Física com profissionais especialistas deu-se, principalmente, com a criação do curso de Educação Física na UFSM. Verifica-se isso somente no ano de 1972, quando a turma pioneira se graduou.

    Em 1952, no IEOB, o corpo docente é descrito tendo como professores da Educação Física Hermito Lopes Sobrinho e Edna May Cardoso. Já em 1953, permaneceu o professor Hermito Lopes Sobrinho e tornaram-se parte do corpo docente os professores Edson Saraiva Simões e Heloísa Pfeifer. As últimas três personalidades citadas graduaram na ESEF. Ainda, em 1969 destaca-se a professora Diná Patrício Veleda destinada ao exercício de Educação Física possuindo graduação pela ESEF.

    Comparando o quadro de professores dos colégios estaduais pesquisados percebe-se que a gama de profissionais atuantes na Educação Física escolar de Santa Maria não era vasta. Comprova-se esta afirmação, pelo fato de serem descritos nos registros um número reduzido de professores efetivos, como exemplo, tem-se a situação da professora Edna May Cardoso, que no ano de fundação do Maneco passa a ministrar aulas nesta instituição paralelamente a docência na Escola Olavo Bilac.

    Diante do exposto sobre o quadro docente Santa-mariense na disciplina de Educação Física e formação profissional atuante no cenário da cidade, constatou-se divergência entre a proposta de Ghiraldelli (1998), referente às tendências da Educação Física e a análise realizada a partir dos resultados obtidos pela pesquisa. Ghiraldelli (1998) classificou o período de 1930 a 1945 como Educação Física Militarista: “(...) deveria atenuar a ‘seleção natural’, um conceito pertencente a biologia nazi-fascista, que objetivava a ‘purificação’ da raça. Ainda, servia como meio de forjar máquinas humanas. Nesse período a saúde individual e a saúde pública foram substituídas pela saúde da Pátria”, e a partir de então, de 1945 a 1964, como Educação Física Pedagogicista.

    Porém, o que se verificou é que em 1945 e anos sequentes ainda havia forte influência, se não domínio, dos métodos militaristas nas aulas de Educação Física em Santa Maria. E, somente depois dos anos 50 é que aparecem os traços da Educação Física Pedagogicista nesta cidade, com a apologia a Educação Física enquanto “centro vivo” da escola pública, tornando-se incumbência do professor de Educação Física as competições, os desfiles cívicos, as apresentações artísticas, os jogos, os eventos, etc. Portanto, a realidade descrita como nacional difere da encontrada na cidade de Santa Maria, que teve um delineamento característico com forte influência militarista por período relativamente prolongado. Como afirma Veiga (1992), sobre a Formação dos Educadores: “Um balanço da historiografia da educação nos permitiria afirmar que história e educação não têm compartilhado os mesmos trilhos”.

    A valorização profissional também mudou ao compararmos a Educação Física de 1945-1970 com a atual. Nota-se que, antigamente, o professor era respeitado perante sua exímia função social de formar cidadãos. Porém, agora a desvalorização seja pela baixa remuneração ou pela violência constante no ambiente escolar, tornam esta profissão menosprezada pela sociedade. Talvez seja a falta de valorização da educação a causa principal para o surgimento dos incontáveis problemas sociais das últimas décadas. Oliveira (2004) destaca que ”a história da educação física no Brasil tem mostrado um conjunto bastante significativo de dificuldades limitadoras da potencialidade criadora dos professores, ou, se preferirmos, da sua autonomia”.

    Observa-se, em pesquisas referentes a ocupação de ser professor, que existe diversas dificuldades e desafios em relação a parte socioeconômica. Destacam-se os baixos salários e a degradação do ambiente de trabalho, na qual tem jornadas longas, com salas abarrotadas de alunos. Como afirma Oliveira & Feldfeber (2006) sobre os problemas e desafios da profissão de professor:

    (...) destacando-se, dentre outros aspectos: os baixos salários predominantes; e a deterioração das condições de trabalho, esta decorrente das longas jornadas, de salas superlotadas, do crescimento da indisciplina e da violência na escola, da dificuldade em realizar atualizações de conteúdo e metodológicas, das cobranças de maior desempenho profissional.

    Ainda, ao longo dos anos, a indisciplina aumentou, além da violência nas escolas, sem contar na dificuldade de atualização dos professores, com novos conteúdos, novas metodologias, com a cobrança de melhor desempenho profissional entre os professores.

    “Há duas formas de valorização: profissionalmente eu me sentia valorizado, mas financeiramente eu era desvalorizado. Na época era bastante raro, eram poucos formados, então o professor era bem quisto pela sociedade. Éramos muito bem recebidos em toda parte que a gente ia” (Professor 2).

    Existem muitas ações que podem ser planejadas e executadas que podem ser realizadas, repercutindo na melhor qualidade do ensino e melhores condições de trabalho dessa categoria. Scheibe (2010) salienta a necessidade de políticas específicas para valorização da categoria: “há ainda muito por fazer em termos de ações a serem planejadas e executadas, e de legislação ordinária a ser estabelecida para a melhoria das condições do trabalho docente no país”.

    No entanto, deve-se estar consciente que, para barrar a deterioração do ofício docente, e buscar os princípios existentes em tempos passados, como disciplina e respeito em sala de aula, é preciso começar por uma autovalorização do professor que desempenha papel primordial no constructo da sociedade.

Conclusões

    O material encontrado aliado às entrevistas realizadas permitiu traçar um panorama da evolução da Educação Física Escolar Santa-mariense de 1945 a 1970. Talvez os documentos se perderam e/ou deterioraram-se com o passar dos anos, mas não há tempo que consiga apagar da memória dos protagonistas desta história os momentos vividos frente ao alunado e/ou as empolgantes e tão esperadas aulas de Educação Física. Os relatos do legado histórico desses sujeitos são dotados de saudosismo e emoção, que despertam a curiosidade e admiração naqueles que os escutam.

    Pesquisar as mudanças no cenário educacional, principalmente no que se refere à formação profissional dos docentes, trouxe à tona relevantes desfechos históricos antes desconhecidos. O mais instigante fato situa-se na dominância militar (Educação Física Militarista) em Santa Maria/RS enquanto acreditava-se, pela descrição literária nacional, que a Educação Física Pedagogicista era a que vigorava com louvor.

    Esta pesquisa permite designar o período de 1945 a 1970, como um período de transição, visto que se enquadra entre a ideologia militar e a formação superior específica na área para a docência da Educação Física. Cada classe (militares e professores), com sua metodologia própria, procurou transmitir ao alunado da época a base dos esportes e da cultura corporal do movimento. Não nos cabe julgar em termos valorativos as aulas executadas, no entanto, sabe-se que a formação profissional específica em Educação Física qualificou o ensino na rede escolar em Santa Maria/RS. Prova disso é a disseminação de termos como ludicidade e cooperação, antes desprezados, e agora altamente empregados por professores da área.

    Estas transformações agora conhecidas colaboraram fundamentalmente na construção de nossa história, deixando legados que influenciam até o hoje o cenário social do município.

Bibliografia

  • Bloch, M. (1965). Introdução à história. Tradução: Maria Manuel Miguel e Rui Grácio. Lisboa: Europa-América.

  • Castellani, L. F. (1988). Educação Física no Brasil: a história que não se conta. Campinas, SP: Papirus.

  • Castro, Celso. (1997) In corpore sano - os militares e a introdução da educação física no Brasil. Antropolítica. Niterói, RJ, nº 2, p.61-78.

  • Certeau, M. (1982). A escrita da História. Rio de Janeiro: Forense.

  • Cruz, P. P., Jahnecka, L., Martins, R. T., Martins, M. A., Quintana, J. C., Silva, S. G. et al. (2006). Um Relato Acerca da Construção do Acervo das Memórias Esportivas da Esef/Ufpel. Recuperado em 9 de julho de 2016 de: http://www.enapet.ufsc.br/anais/.pdf

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  • Meihy, J. C. S. B. (1996). Manual de História Oral. 4ª Edição. São Paulo: Edições Loyola.

  • Melo, V. A. (1999). História da Educação Física e do Esporte no Brasil. São Paulo: IBRASA.

  • Neto, S. de S., Alegre, A. de N., Hunger, D. & Pereira, J. M. (2004) A formação do profissional de educação física no Brasil: uma história sob a perspectiva da legislação federal do século XX. Rev. Bras. Cienc. Esporte, Campinas, v. 25, n. 2, p. 113-128.

  • Oliveira, D. A., Feldfeber, M. (2006) Políticas educativas y trabajo docente. Buenos Aires: Centro de Publicaciones Educativas y Material Didáctico.

  • Oliveira, M. A. T. de. (2004). Educação física escolar e ditadura militar no Brasil (1968-1984): entre a adesão e a resistência. Rev. Bras. Cienc. Esporte. Campinas, v. 25, n. 2, p. 9-20.

  • Scheibe, L. (2010) Valorização e formação dos professores para a educação básica: questões desafiadoras para um plano nacional da educação. Educ. Soc., Campinas, v. 31, n. 112, p. 981-1000.

  • Souza Jr, M., Galvão, A. M. O. (2005). História das disciplinas escolares e história da educação: algumas reflexões. Educação e Pesquisa. São Paulo, v. 31, n. 3, p. 391-408.

  • Vago, T. M. (1999) Início e fim do século XX: maneiras de fazer educação física na escola. Caderno CEDES. Vol. 19, n° 4, Campinas.

  • Veiga, C. G. (1992). A formação dos educadores: entre os mitos e a história. Educação em Revista (UFMG), Belo Horizonte, MG, volume 15, 14-20.

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