Ensino, pesquisa e extensão: indissociáveis? Teaching, research and extension: inseparable? Enseñanza, investigación y extensión: ¿inseparables? |
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Faculdade Adventista de Hortolândia – FAH Hortolândia – SP (Brasil) |
Eli Andrade Rocha Prates Helena Brandão Viana Ellen Marques de Oliveira Prates Alexandro Landim |
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Resumo A partir da Constituição Federal de 1988, a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão foi declarada, apresentando a necessidade de a universidade dialogar com a sociedade, compreender suas necessidades, pesquisar em busca de soluções e devolver a ela os resultados. Ressaltam-se os processos envolvidos nos pilares da indissociabilidade: transmissão do saber conhecido e sistematizado, o ensino; procura pela construção de novos saberes, a pesquisa; materialização desses conhecimentos, a extensão (intervenção sobre a realidade), que, novamente, realimenta tanto o ensino quanto a pesquisa. O objetivo desta pesquisa foi verificar se a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão já se consolidou no ensino superior. Buscou-se, numa revisão de literatura, o que pensam os diversos autores sobre a indissociabilidade, inclusive citando alguns que apresentam este processo como inexistente na universidade brasileira. Notadamente, quase trinta anos depois da Carta Magna promulgada, esporádicos exemplos de sucesso da tríade são encontrados. Ainda percebe-se falta de vontade ou intencionalidade, por parte de muitos gestores, a fim de que paradigmas sejam quebrados e os objetivos estabelecidos na Constituição Federal de 1988 sejam realmente implantados. Unitermos: Ensino. Pesquisa. Extensão.
Abstract From the Brazilian Federal Constitution of 1988, the inseparability of teaching, research and extension has been declared, showing the need for universities to dialogue with the society, understand their needs, search for solutions and come up with the results. Emphasize the processes involved in the inseparability of the pillars: the transmission of knowledge and the systematized teaching; demand for construction of new knowledge and research; materialization of this knowledge, the extent (intervention on reality), which again feeds both teaching and research. The objective of this research was to determine whether the indivisibility of teaching, research and extension has established itself in higher education. It is sought, in literature review, what do various authors think about the indissolubility, even some of them presenting this process as non-existent in Brazilian universities. Notably, almost thirty years after the Magna Carta enacted, sporadic examples of success of the triad are found. However, it is perceived unwillingness or intentionality on the part of many managers, so those paradigms are broken and objectives established in the Brazilian Federal Constitution of 1988 are actually implemented. Keywords: Teaching. Research. Extension.
Resumen A partir de la Constitución Federal de 1988, fue establecida la integración entre enseñanza, investigación y extensión, presentando la necesidad de la universidad de dialogar con la sociedad, comprender sus necesidades, investigar en busca de soluciones y devolver a ella los resultados. Se resaltan los procesos involucrados en los pilares de la integración: transmisión del saber conocido y sistematizado, la enseñanza; Buscando la construcción de nuevos saberes, la investigación; Materialización de esos conocimientos, la extensión (intervención sobre la realidad), que, nuevamente, realimenta tanto la enseñanza como la investigación. El objetivo de esta investigación fue verificar si la integración entre enseñanza, investigación y extensión ya se consolidó en la enseñanza superior. Se buscó, en una revisión de literatura, lo que piensan los diversos autores sobre la integración, incluso citando algunos que plantean que este proceso es inexistente en la universidad brasileña. En particular, casi treinta años después de promulgada la Carta Magna, se encuentran esporádicos ejemplos de éxito de la tríada. Se percibe la falta de voluntad o intencionalidad, por parte de muchos gestores, a fin de que los paradigmas sean quebrados y los objetivos establecidos en la Constitución Federal de 1988 sean realmente implantados. Palabras clave: Enseñanza. Investigación. Extensión.
Recepção: 21/05/2016 - Aceitação: 23/07/2017
1ª Revisão: 28/06/2017 - 2ª Revisão: 20/07/2017
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Lecturas: Educación Física y Deportes, Revista Digital. Buenos Aires - Año 22 - Nº 230 - Julio de 2017. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
Remontando ao histórico do estabelecimento das nações-estado da América Latina no começo do século XIX, percebe-se que as ações foram norteadas pela necessidade de se estabelecer instituições de ensino superior que pudessem promover os valores modernos buscados, alicerçados na razão, como acontecia nas nações-estado modernas na Europa, especificamente, na França (Schwartzman, 2006). Olhando-se para a Europa, as “universidades de ponta”, hoje, estão associadas diretamente à tecnologia e pesquisa científica. Na América Latina, no entanto, as universidades consideradas principais privilegiaram o ensino, demorando a incorporar a pesquisa, resultando em que este componente hoje precisa disputar espaço com outras motivações e valores do ensino superior.
Chauí (1995), Althusser (2001) e Cunha (2011), dentre muitos, apresentam a universidade brasileira como a preservadora do status quo, servindo como elemento básico para que as classes dominantes continuem a manter seus interesses ideológicos. Dizem que ela ignora tanto o conhecimento popular quanto a realidade em que o povo está inserido, servindo como um bloqueador a que a realidade brasileira se autoavalie.
Foi tentando buscar uma alternativa à pressão de grupos de luta pelas causas do povo que a Constituição Federal de 1988, no artigo 207, incluiu a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, declarando, de forma categórica, ser este o caminho para que as instituições possam se firmar como universidade no Brasil (Brasil, 2015). Ressalte-se que as teses defendidas na Assembléia Nacional Constituinte foram, em boa parte, tecidas no pensamento da universidade brasileira, que previa boas perspectivas para o país. Uma destas teses era a defesa da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão como sustentáculo da democratização da universidade (Cunha, 2011).
A ideia é que a universidade precisa dialogar com a sociedade, buscando entender as necessidades do meio onde está inserida, a fim de provocar mudanças significativas para a população e isto só é possível se houver a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão contextualizados. Readings (2002) enfatiza o diálogo entre a pesquisa, ensino e sociedade chamando-o de missão.
Sobrepondo-se às intenções, surge o questionamento se este dispositivo legal é suficiente e profícuo para que esta indissociabilidade aconteça. São quase trinta anos de vigência da Lei e esta implantação aconteceu? A indissociabilidade é real na universidade? Com quais resultados? A mudança que se presenciou no país é significativa? Houve uma igualdade maior de acesso da comunidade aos saberes e aos resultados dos saberes? Existe a classe dominante? Ou classes dominantes?
Portanto, este artigo tem como objetivo discutir o que se entende como ensino, pesquisa e extensão e refletir sobre a apregoada indissociabilidade entre estes pilares do ensino superior, na universidade brasileira.
Conceituação
Ensino – Não se pode compreender a docência no ensino superior como um campo para transmissão de conhecimentos, por meio da ministração de aulas, mas sim, uma oportunidade que o professor tem de prestar atenção às necessidades do estudante, tanto com o olhar para o processo de ensino e aprendizagem, quanto como o facilitador, orientador, aquele que incentiva a aprendizagem (Almeida & Lopes, 2014). Corroborando esta afirmativa, Prates e Joly (2011, p. 131) afirmam que o professor:
[...] necessita desvencilhar-se dos procedimentos tradicionais e trazer a realidade, o cotidiano para dentro da sala de aula. Há que se buscar novos caminhos, introduzindo métodos que produzam a motivação intrínseca, para, consequentemente, produzirem-se alunos competentes, principalmente focando-se nos mais jovens.
Os alunos necessitam de professores que sejam mais do que repetidores ou repassadores de conteúdos disciplinares. Aprender os conteúdos disciplinares tem muita relevância, pois é a partir do conhecido que se poderá partir para o desconhecido, ou seja, a pesquisa. No entanto, para que isto ocorra, os alunos dizem, nas entrelinhas, necessitar ser cientistas. Precisam do saber, de ideias, de boa vontade, de criatividade e de ciência. Não há possibilidade de que alguém aprenda algo que esteja descolado de sua vida, para o que não esteja cativado. Há que se buscar um ensino mais interessante para o aluno, que lhe seja significativo, ensinando-os a pensar sobre o próprio pensamento, sobre o aprender, a transformar cada informação em conhecimento (Freire, 2009; Prates & Joly, 2011).
Pesquisa – Paulo Freire (2006, p. 14) disse que “não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino [...]. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade”. Parece estar aqui o grande efeito motivacional a ser apresentado aos alunos. Muitos deles são curiosos, gostam da novidade. Buscar o desconhecido é algo empolgante para a mente jovem e, portanto, um motivador extrínseco de grande poder. Neste sentido, a pesquisa científica “configura-se como um elemento constitutivo e fundamental da ação de ‘aprender a aprender-aprendendo’” (Santos, 2014).
Um professor que não firma sua docência na pesquisa se torna, com rapidez, desatualizado, descontextualizado, pois não participa da construção da atualização, e os conhecimentos estão em constante construção (Gatti, 2003). Portanto, ele deve assumir o papel de estimulador da pesquisa, colocando o discente numa posição de busca do novo e também aprendendo com os conhecimentos e indagações trazidos.
Por meio da pesquisa constrói-se uma forma de observar o objeto, indagar sobre ele, resolver as questões, de tal forma que o aluno se sente participante de algo prático ou significativo com e para sua vida. Ressalte-se que a pesquisa não tem como objetivo dizer ao profissional o que ele deve fazer, mas levá-lo a refletir sobre seu cotidiano e buscar melhorar seu processo de aquisição de conhecimento (Charlot, 2002).
Neste contexto, os conteúdos curriculares adquirem novas formas, pois não são memorizados, mas experimentados, construindo-se novos saberes a todo instante. Isto implica em que a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade acontecem de forma espontânea. Os conteúdos não são mais compartimentados, ocorrendo conforme as questões são colocadas, quer seja em sala ou pela necessidade da comunidade. A relação entre professor e aluno é de parceria. A avaliação se foca na análise do processo, de onde se conseguiu chegar, da reorganização das ações.
Extensão – Muitos já definiram a extensão, então faz-se necessário o resgate de algumas destas definições, a fim de que se estabeleça a interlocução entre os três pilares.
Segundo Oliveira e Garcia (2009, p.112):
[...] a extensão, hoje, articula um processo educativo, cultural e científico, ao lado do ensino e da pesquisa, gerado pelas possibilidades e pela força articuladora que está na natureza das ações nascidas das relações sociais e comunitárias.
Interessante é notar que, de acordo com os autores, a extensão é a possibilidade de que tanto o ensino quanto a pesquisa tenham como tema a sociedade e sua transformação, originando-se nela e para ela retornando. Em outras palavras, a extensão é a porta para que a universidade interaja com o meio social em que se insere. “Cabe à extensão fazer esse cordão umbilical entre universidade e sociedade” (Almeida & Lopes, 2014, p. 6)
Paulo Freire (2006) avalia que o conhecimento não é daquele que se julga conhecedor e se estende, então, aos que julga não o saberem. O conhecimento depende das relações entre o homem e o mundo, percebendo as transformações e se aperfeiçoando na problematização dessas relações de forma crítica.
Santos (2014, p. 161) diz ser possível observar que:
[...] a extensão universitária traz em seu bojo o diferencial de proporcionar aos acadêmicos uma sólida e significativa aprendizagem profissional, de modo que este possam assim ampliar seus horizontes acerca da realidade social e, através de uma consciência crítica, pensar na adoção de estratégias político-profissionais de intervenção, visando uma transformação crítica da mesma.
As atividades extensionistas necessitam “valorizar a questão de como objetivar a prática da aprendizagem profissional dos estudantes universitários sem perder sua conexão com as teorias que embasam o agir profissional (Martinelli, 2003). Na realidade, se não houver uma relação entre o conhecimento estudado na universidade e a comunidade em que se insere, haverá dois mundos paralelos, o que se vive e o que se idealiza, pensa, imagina. A extensão universitária tem como propósito quebrar este paradigma e tornar os currículos da universidade uma forma de aperfeiçoamento da sociedade.
Todas as atividades de extensão proporcionam oportunidades para a articulação entre ensino e pesquisa, com a finalidade da busca por boas práticas profissionais, de inserção das necessidades e anseios da população comunitária, engajamento nas questões sociais, promoção de mudanças tendo como foco a emancipação do povo e sua formação democrática (Santos, 2005). Para se alcançar estes pressupostos, a gestão universitária há de ser intencional quanto a alcançá-los.
Vale, ainda, sintetizar a extensão universitária como visando:
[...] favorecer a capacitação dos acadêmicos para o agir profissional, [...]; proporcionar mudanças políticas, culturais e sociais na comunidade; socializar conhecimentos; auxiliar os estudantes na aplicação clara e objetiva dos conhecimentos obtidos em sala de aula; possibilitar a vivência da interdisciplinaridade; oportunizar o desenvolvimento de novas habilidades e competências pessoais; bem como aprofundar conhecimentos teóricos em uma determinada área do saber e de atuação profissional (Santos, 2014, p.160).
A universidade que não se expande para além de seus muros distancia-se da sua função, não possui comunicação com a sociedade, está alheia às demandas de seu povo. Precisa, se quiser ver-se importante no crescimento da inclusão, da resolução dos problemas da comunidade, abrir seus currículos, promover em todas as disciplinas do currículo a possibilidade de encampar as necessidades sociais, conhecê-las, estudá-las e modificá-las.
Intermediação da extensão na promoção da indissociabilidade
Saviani (1984, p.48) diz que “cabe à universidade socializar seus conhecimentos, difundindo-os à comunidade e se convertendo, assim, numa força viva capaz de elevar o nível cultural geral da sociedade”. Ressaltam-se, então, os processos envolvidos nos pilares da indissociabilidade: transmissão do saber conhecido e sistematizado, o ensino; procura pela construção de novos saberes, a pesquisa; materialização desses conhecimentos, a extensão (intervenção sobre a realidade), que, novamente, realimenta tanto o ensino quanto a pesquisa (Marsiglia, 2007).
Percebe-se, assim, a importância que a extensão possui, ancorando a indissociabilidade, dentro dos princípios teóricos da existência da universidade. A necessidade de se conhecer os fundamentos dos conhecimentos já historicamente confirmados se apresenta como imperiosa para a prossecução da pesquisa e novos saberes. No entanto, se a extensão não mediar a pesquisa, diante dos saberes conhecidos, o novo conhecimento terá maior probabilidade de se descolar da realidade social, pouco ou nada ajudando para o desenvolvimento do ser humano, da comunidade, do povo.
Buscando entender como esta indissociabilidade ocorre, realizou-se uma pesquisa para a avaliação da incorporação de conteúdos relacionados ao desenvolvimento infantil, dentro da perspectiva da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Neste estudo de pesquisa-ação (Pina-Oliveira, Chiesa, Moreira & Pécora, 2014) participaram 15 coordenadores de 8 cursos de graduação, respondendo a um questionário e fornecendo as ementas e planos de ensino de 47 disciplinas e atividades de pesquisa e extensão. Os resultados apontaram que a maior parte das Instituições de Ensino Superior (IES) ensina uma variedade de conteúdos inovadores sobre desenvolvimento infantil. No entanto, ficou evidente a falta de incentivos para a integração de pesquisa e extensão, já que apenas um dos cursos realizava atividades de extensão com foco na primeira infância.
Olhando-se para esta pesquisa, vale introduzir a argumentação de Rodrigues (2011), reitor da Universidade Anhembi-Morumbi, dizendo categoricamente que “o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão (...) não existe na prática no sistema universitário brasileiro. (...) Amplas discussões desenvolvidas, mas muito pouca concretude para assinalar as ações acadêmicas que confirmem essa indissociabilidade”. Ele avalia que esta indissociabilidade deveria redundar em mudanças significativas nos processos de ensino e aprendizagem, colaborando para a formação tanto de professores e estudantes, fortalecendo os atos de aprender e de ensinar.
Observa, no entanto, que quanto mais qualificado o professor universitário se encontra, em especial o de graduação, mais ele tende a se afastar do ensino e da extensão para se fixar na pesquisa e orientação na pós-graduação. Continua dizendo que os projetos de extensão deveriam estar colados aos conteúdos ds disciplinas e das atividades de ensino, com mais participação de estudantes, professsores e técnicos. Pondo o olhar na pesquisa, enxerga-a, regra geral, desvinculada, fragmentada e desarticulada do conjunto do ensino e aprendizagem, na graduação, pós-graduação e extensão.
A reflexão que ele apresenta traz a necessidade de bons professores, titulados, para que haja uma boa aprendizagem. A pesquisa continua sendo importante para o desenvolvimento da ciência, mas o ensino não precisa da pesquisa básica para sobreviver. O mesmo, segundo ele, não se aplica à extensão. Esta continua sendo uma atividade essencial para treinar e capacitar os estudantes, como também se articular com a comunidade. O reitor vaticina que a vocação das instituições superiores, com foco nas particulares, além da busca pela qualidade, têm sua vocação na extensão e não na pequisa, que é cara e o aluno não pode ser gravado por ela. Parece concordar com esta afirmativa Hugues (2008, p.41), quando diz que “a crença de que existe uma relação entre ensino e pesquisa é mais forte do que as provas reais da mesma”.
É uma abordagem, no mínimo, interessante, já que o autor apresenta, para a graduação, somente dois pilares em que se assentar o ensino-aprendizagem, que são o ensino e a extensão. Ele vê como importante a interlocução com a comunidade, mas sob um viés assistencialista, pois o aluno aprende algo em sala e vai praticá-lo na comunidade. Isto se configura um caminho forte da universidade para a comunidade e fraco no retorno. O aluno aprende o que já se sabe. A comunidade está em constante transformação. Ele vai e reconhece a transformação, mas não tem o que fazer, pois o instrumento da pesquisa não lhe é dado, em função, basicamente, de custos.
A abordagem interdisciplinar, para ele, também é contemplada, no entanto, sempre como objeto de aplicação da teoria já estudada e não buscando o crescimento da comunidade, do entorno. O caminho é de crescimento do aluno, assistencialismo para a comunidade, mas o professor fica esperando sua vez de crescer, muitas vezes, já que o caminho da aprendizagem é de mão dupla – professor-aluno / aluno-professor.
É claro que, em alguns cursos, este assistencialismo – estágio traz benefícios imediatos à população, por exemplo, praticado pelos cursos de saúde, pedagogia, etc., mas o assistencialismo está, neste caso, firmado num procedimento conhecido e não aberto a novas necessidades da população. Talvez aceitar esta dupla função, já exercida pela universidade, seja uma forma de acomodação, pois juntar a pesquisa ao ensino e extensão realmente necessita de intencionalidade por parte da gestão e recursos.
Magalhães (2007) insere neste debate a questão de que somente o dispositivo legal não é suficiente para garantir a indissociabilidade. Apresenta a questão da submissão de novos projetos aos órgãos de fomento. Se forem observados os editais, perceber-se-á facilmente que esta integração não está sistematizada. O direcionamento de qualquer um deles é para que sejam elaborados projetos bem definidos, mostrando se são para ensino, pesquisa ou extensão. Isto demonstra, de forma cabal, a visão fragmentada existente nos órgãos manipuladores dos recursos para os estudos, em relação às atividades que devem ser desenvolvidas na universidade.
Esta fragmentação, considera o autor acima, tem por origem a ditadura, que buscou exemplo para o ensino nos moldes da universidade norte-americana que partia de uma visão fragmentada e fragmentadora para a educação. Ou seja, a universidade se sustenta sob a noção empresarial, profissionalizante, que visa formar técnicos altamente capacitados, mas sem condições de exercer sua cidadania por completo.
Pode-se observar esta fragmentação estrutural na forma como grande parte dos cursos é oferecida hoje. Há departamentos e congregações que não se articulam, produzindo resultados especializados, descontextualizados, muitas vezes, e individualizados.
Observa-se também esta fragmentação nas três pró-reitorias (graduação, extensão, pós-graduação), tendo cada uma objetivos específicos, calendários distintos, métodos de acompanhamento e avaliação diferentes. Verifica-se, então, a necessidade de reorganização estrutural para se chegar ao que se propõe para a universidade brasileira.
Cunha (2011) se apresenta para o debate, trazendo a preocupação de que os programas de Pós-Graduação têm como eixo a pesquisa, buscando formar pesquisadores especializados. Isto redunda em um produção científica cada vez mais robusta e parece ser o que buscam os órgãos de fomento. Corroborando isto, Schwartzman (2006) apresenta a Universidade de São Paulo (USP) como a universidade que mais concedeu títulos de doutores, em 2003, entre todas as universidades do Brasil e Estados Unidos.
Esses programas, no entanto, não se atentam para os saberes do ensino e assim cada vez mais são introduzidos na academia jovens no topo de sua progressividade como professores, no entanto, não realizaram estudos no campo da docência nem desenvolveram prática profissional na sua área específica. Sabem pesquisar, mas não sabem ensinar. Ressalte-se que a carreira do magistério superior assenta-se na premissa da valorização dos produtos de pesquisa e pouco dos saberes da docência.
Além disto, na maioria das vezes, o acolhimento dos professores mais novos se mostra conflituoso. Normalmente lhes são atribuídas as aulas que os mais experientes não desejam lecionar. Normalmente o ambiente não é estimulante para troca de experiências e inovações pedagógicas. “Seu rito de passagem é construído pela dificuldade e não pelo apoio estruturado, necessário à iniciação profissional” (Cunha, 2011).
Isto coloca as Instituições de Ensino Superior diante da necessidade de uma mudança paradigmática em suas práticas. O professor pesquisador é necessário dentro da universidade, mas ele precisa ter habilidades pedagógicas que possibilitem que sua pesquisa se distribua, se expanda, se comunique. “Somente o saber pedagógico pode estabelecer a ponte entre investigação e docência” (Elton, 2008, p. 146).
Conclusões
São quase trinta anos desde que a Carta Magna promoveu um rumo para a universidade brasileira, colocando a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão como processo de democratização do conhecimento. Vê-se, no entanto, claramente, que este período não foi suficiente para que esta implementação se tornasse realidade e produzisse frutos. Ainda não se descobriu, por parte da maioria dos gestores e professores como a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão podem interferir muito positivamente no processo do ensinar e aprender.
Por exemplo, o ensino, quando tem por base a pesquisa, precisa deslocar o foco do professor para o aluno. Este movimento pressupõe conhecimentos pedagógicos, de como exercer a docência no ensino superior. Não basta o professor conhecer os caminhos da pesquisa, perceber sua importância, se isto for somente forma de mostrar ao aluno como se faz e não colocá-lo para fazer, experimentando. Se o aluno não experimenta, não aprende; ouve somente e até pode analisar ser aquilo algo importante. No entanto, enquanto ele não coloca a “mão na massa”, não pode ter sua criatividade cutucada, seu interesse despertado e, portanto, a aprendizagem significativa.
O professor, por causa mesmo do caráter da docência, tem foco na aprendizagem do estudante. Qual seria o interesse de alguém ser remunerado para ensinar e ficar satisfeito com o fato de que seus alunos não aprendem? O desafio passa, portanto, pela necessidade de se fazer um plano intencional de mudança no strictu senso, colocando a prática docente como algo de prioridade absoluta.
Há que se olhar também para a o organograma da universidade e procurar o ponto de equilíbrio para a mediação da extensão, a fim de que os procedimentos de ensino e pesquisa se articulem. Se no organograma, cada pró-reitoria cuida de um destes processos de forma praticamente independente, como se dará a interlocução entre eles?
Num primeiro momento, percebe-se ser esta interlocução a função do reitor, já que cada pró-reitoria o auxilia nos três diferentes processos. No entanto, sabe-se que a gestão pouco deixa espaço para este trabalho e, no fim, há membros, mas não a cabeça. Quem sabe, dever-se-ia encontrar um espaço intermediário entre o reitor e as pró-reitorias, a fim de que esta articulação pudesse ser estabelecida, olhando cada um para a difusão de seu processo, mas tendo uma visão geral e articulada de alguém que concebesse os três processos como um único elemento para o ensino-aprendizagem. Se um docente precisa encontrar interlocutores diferenciados dentro da universidade para dialogar sobre o mesmo processo de ensino, a fragmentação surge com todo seu poder.
Percebe-se também sob este ângulo, a necessidade de que os gestores compreendam também a indissociabilidade. Procura-se entendê-la sob o plano das conveniências da gestão, tanto financeiras, quanto de pessoal, quanto de energia para mudanças paradigmáticas. Se um gestor não compreende como funciona esta grande interligação de forças para o processo de ensino-aprendizagem e de democratização deste enisno, para crescimento da comunidade em que a universidade está inserida, como poderão os professores, mesmo conhecendo como fazer, estabelecer uma mudança desta ordem?
Ainda dentro desta ótica, se a universidade precisa, por meio da extensão, entender as necessidades das comunidades, trazê-las para estudo e consequente pesquisa, a fim de encontrar as soluções para os problemas que foram detectados, haverá a necessidade de se buscar a flexibilização dos currículos. Necessárias são as matérias que dão a base do conhecimento já adquirido pela academia, no entanto, deverá haver espaços para que novas necessidades possam ser estudadas e, para isto, estudos deverão ser feitos na formatação dos conteúdos curriculares.
Há necessidade de se debruçar em cima deste assunto, pois é sabido que ninguém aprende a ser cidadão apenas com teoria, mas precisa praticar, experienciar. No entanto, quando olhamos para a universidade como um local de aprendizagem, portanto de experiências, a maioria dos estudantes não passa, durante sua jornada universitária, pela experiência da extensão nem da pesquisa. Somente a sala de aula não é suficiente para o desenvolvimento das competências que a sociedade espera dos alunos universitários formados.
Há que se buscar novas metodologias de ensino que estabeleçam este diálogo entre ensino, pesquisa e extensão, se o objetivo for o crescimento no ensino-aprendizagem, com vistas a cidadãos conscientes e críticos da realidade, portanto, a uma sociedade em constante crescimento e aprimoramento. Isto significaria olhar para o ensino e buscar na extensão e na pesquisa metodologias para a fixação de novas aprendizagens.
Será mais cômodo dizer e não fazer. É o que se vê nestes quase trinta anos de não vivência da indissociabiliade entre ensino, pesquisa e extensão. Sob todos os ângulos observados, há ganhos, teoricamente analisados, para o processo de ensino-aprendizagem, se esta indissociabilidade for realmente aplicada. Haverá no entanto, necessidade de se quebrarem paradigmas, de uma intencionalidade brutal por parte dos gestores para as mudanças necessárias, de professores que aprendam a usar a indissociabilidade para, então, os reflexos poderem ser sentidos nos egressos da universidade.
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Outros artigos em Portugués
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