efdeportes.com

As relações entre esporte, lazer e trabalho para 

'assentados': uma questão de equilíbrio ou direito humano?

Relations between sports, leisure and work for "seated": a question of balance or human right?

Las relaciones entre deporte, ocio y trabajo para 'okupas'. ¿Una cuestión de sensatez o derecho humano?

 

*Doutorando em Ciências do Desporto pela Universidade de Trás os Montes e Alto Douro UTAD 

Mestrado em Educação pela Universidade Federal da Grande Dourados UFGD

Especialização em Educação Física Adaptada e Inclusiva

pela Instituição de Ensino Superior de Nova Andradina, MS

Graduação em Educação Física pela Faculdade de Administração de Fátima do Sul

Professor no curso de Educação Física nas Faculdades MAGSUL em Ponta Porã, MS

Professor no curso de Pedagogia na EaD/UFGD

**Doutorada em Ciências Humanas e Sociais/Ciências do Desporto /CIDESD

Membro investigador do grupo IPP Coordenadora do Grupo IPP/CIDESD

Directora do Mestrado em Educação Supervisão Pedagógica e

Directora do Mestrado em Ensino da Educação Física nos Ensinos Básicos e Secundário

Coordenadora dos Estágios Pedagógicos em Educação Física da UTAD

Vice-Coordenadora do 1º Ciclo em Educação Física e Desporto Escolar

***Bacharel e Licenciada em Ciências Sociais

Bacharel em Economia pela Universidade Católica de Pernambuco

Pós-graduação em Gerenciamento de Capacitação do Programa de Apoio ao Pequeno 

Produtor Rural pela Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste SUDENE;

Pós-graduação em Training Administration for Trainers University Of Connecticut

Mestrado em Educação pela Universidade Federal da Paraíba

Doutorado em Educação Física pela Faculdade do Desporto da Universidade do Porto

apostilado pela Universidade de São Paulo;

Pós-doutorado pela Faculdade do Desporto da Universidade do Porto.

Professor Associado da Universidade de Pernambuco Escola Superior de Educação Física

Atua na Graduação e na Pós-graduação Lato e Stricto Sensu (Mestrados Associados de Educação Física da 

Universidade de Pernambuco/ Universidade Federal da Paraíba; e no de Enfermagem da 

Universidade de Pernambuco/ Universidade Estadual da Paraíba; e no Doutorado da UPE/UFPB. 

Ministra aulas nas áreas da Educação Física e Enfermagem com ênfase nas Sociologias do Desporto,do Corpo,

das Emoções e da Saúde; bem como no campo metodológico da pesquisa qualitativa na Pós-graduação stricto sensu.

****Possui graduação em Educação Física pela Universidade Federal de Goiás

Mestrado em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas

Doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo

Adjunto da Universidade Federal do Mato Grosso campus Araguaia

Deyvid Tenner de Souza Rizzo*

Ágata Cristina Marques Aranha**

Clara Maria Silvestre Monteiro de Freitas***

Warley Carlos de Souza****

deyvidrizzo1@gmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Nas diferentes sociedades contemporâneas o trabalho tornou-se um fundamento, nessa direção percebe-se que a improdutividade deve ser banida do contexto social. Assim, com as mudanças nas relações de trabalho, que podem ser caracterizadas pela jornada de trabalho e pela entrada e permanência da tecnologia. É nesse sentido que o estudo apresentado tem como objetivo central a análise do conceito de lazer e suas relações com esporte e trabalho, a partir de relatos de “assentados” no meio rural próximos ao município de Nioaque-MS. A presente pesquisa é de natureza qualitativa e utilizou como instrumento de coleta de dados um roteiro de entrevista semi-estruturado aplicado pelos pesquisadores para 30 sujeitos, para participação da pesquisa era necessário ser maior de 18 anos. Com isso, acreditou ser imprescindível questionar a importância do lazer, esporte e trabalho na vida desses sujeitos, aliás, esses são elementos que desencadeiam temas emergentes, principalmente vivendo numa sociedade altamente capitalista, porém, foi constatado que muitas vezes o lazer é comparado a apenas uma extensão do trabalho e o esporte como única manifestação do lazer.

          Unitermos: Lazer. Trabalho. Esporte. Tempo. Sociedade.

 

Abstract

          In a society like ours that has its foundation in the work, idleness is the lack of productivity, lack of productivity in that direction to be banished from the heart of society. So with the changes in relationships and work, such as reduced working hours, the entry and computer permanence in labor relations. That is why the study being presented, had as its central objective the analysis of the concept of leisure, sports and work from meanings of "settlers" in rural areas in settlements near the city of Nioaque-MS. This research is qualitative and used as data collection instrument a semi-structured interview applied by researchers to 30 subjects for research participation had to be 18 years. Thus, believed to be essential question the importance of leisure, sport and work in the lives of these individuals, by the way, these are elements that trigger emerging issues, especially living in a highly capitalist society, however, it was found that often leisure is compared to just an extension of the work and the sport as the only manifestation of leisure.

          Keywords: Recreation. Work. Sport. Time. Society.

 

Resumen

          En diferentes sociedades contemporáneas el trabajo se convirtió en su fundamento; en ese sentido, es evidente que la improductividad debe ser expulsada del contexto social. De esta manera, con los cambios en las relaciones laborales, que se pueden caracterizar por la jornada laboral y la entrada y permanencia de la tecnología. En este sentido, el estudio presentado tiene como objetivo examinar el concepto de ocio y su relación con el deporte y el trabajo, a partir de los informes de "colonos" en el campo cerca de la ciudad de Nioaque-MS. Esta investigación es del tipo cualitativo y se utilizó como instrumento de recolección de datos una entrevista semiestructurada aplicada por los investigadores para los 30 sujetos que participaron en la investigación que debían que ser mayores de 18 años. Con esto, se confirma que es esencial poner en duda la importancia del ocio, el deporte y el trabajo en la vida de esas personas, teniendo en cuenta que estos son elementos que provocan nuevos problemas, especialmente viviendo en una sociedad altamente capitalista. Sin embargo, se ha descubierto que a menudo al ocio se lo compara como si fuera solo una extensión del trabajo y al deporte como la única manifestación de ocio.

          Palabras clave: Ocio. Trabajo. Deporte. Tiempo. Sociedad.

 

Recepção: 16/06/2016 - Aceitação: 08/02/2017

 

1ª Revisão: 16/01/2017 - 2ª Revisão: 04/02/2017

 

 
Lecturas: Educación Física y Deportes, Revista Digital. Buenos Aires, Año 21, Nº 225, Febrero de 2017. http://www.efdeportes.com/

1 / 1

1.     Introdução

    O esporte e lazer assume característica de direito garantido na Constituição Federal brasileira, para que o cidadão possa efetivamente repor as energias gastas na jornada de trabalho, assim, o lazer complementa o trabalho. Para realização dessa pesquisa o lazer foi compreendido não como uma das formas de alienação do trabalhador, mas como elemento que constitui a cidadania plena.

    Todavia, o estado deve manter aparelhos públicos que sirvam a população em geral. Nessa perspectiva, conhecer, descrever e analisar o conceito de lazer, esporte e trabalho em assentamentos no Estado do Mato Grosso do Sul, foi o objetivo da pesquisa, aos arredores do município de Nioaque. O presente estudo objetiva ainda apresentar a concepção de lazer e esporte presente entre os moradores de assentamentos no Estado do Mato Grosso do Sul, na região de Nioaque - MS.

    Para isso, partimos do entendimento que a cultura se manifesta como “[...] todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade” (Laraia, 2006, p. 25).

    Frente ao dilema da cultura, Bhabha (1998) nos apresenta um deslizamento ou divisão entre o artifício humano e a agência do discurso sobre a cultura: "Para ser fiel, é preciso aprender a ser um pouco infiel - crescer um pouco fora do tom. Mas, o quanto pode-se ser infiel?" (p. 196).

    Na visão de Geertz (1989) a cultura é uma teia de significados tecida pelo homem. Essa teia orienta a existência humana. Trata-se de um sistema de símbolos que interage com os sistemas de símbolos de cada indivíduo numa interação recíproca.

    Gebara (1994) compreende o tempo livre como sendo um tempo individual e o tempo disponível como um tempo social. Para Elias e Dunning (1992, p. 73), as atividades de lazer diminuem com o estresse diário, permitindo manifestação de sentimento; entretanto, sem prejudicar a integridade física e moral dos indivíduos ou acarear a ordem estabelecida. O lazer é capaz de “[...] produzir um descontrole de emoções agradável e controlado.”

    A pesquisa de caráter qualitativo teve como instrumento de coleta de dados uma entrevista semiestruturada aplicada aos assentados, estas foram realizadas nos domicílios dos moradores conjuntamente com equipe multidisciplinar do Projeto Rondon1. O critério para seleção dos participantes do estudo foi aleatório, fundamentalmente, ser maior de idade, indiferente de sexo. Após o aceite, todos os depoentes assinaram um termo de livre esclarecido declarando conhecer os objetivos do presente estudo e divulgação do mesmo, totalizando 30 participantes (sendo 15 homens e 15 mulheres).

    Acredita-se que o esporte expandiu-se e conquistou novas terras, ou seja, a vocação original da excelência e do alto rendimento adicionou a instrumentalização ao serviço das mais distintas finalidades: saúde, recreação e lazer, aptidão, estética, reabilitação e inclusão (Bento, 2006).

    “Desta maneira o esporte passaria a desempenhar uma ou várias funções na sociedade e seria um elemento de reprodução desta realidade” (Stigger, 2001, p.24). A partir desses pressupostos, faz-se necessário o entrelace entre esporte e lazer como resgate do tempo, como superação dos efeitos do capitalismo, com vistas a liberdade do sujeito.

    O que buscamos atualmente é o renascimento do esporte para uma mudança de valores, talvez aproximando-se do que Dumazedier (1979) chamava de esporte participação ou esporte de lazer, visando o entretenimento, diversão, participação, bem-estar e qualidade de vida.

    Verificou-se que o lazer e o esporte são elementos facilmente manipulados pelo capitalismo, considerando que muitas vezes os sujeitos acreditam não ter o suficiente para sobreviver, assim ocorre sua relação com grandes jornadas de trabalho, que os impossibilita estabelecer uma relação plena com o lazer e o esporte.

Terra, trabalho, esporte e lazer: relações negadas

    Requixa (1977), afirma que o sujeito adaptado ao seu ambiente, participa de sua construção. As atividades de lazer podem conduzir à reeducação e a participação, cria laços afetivos entre o homem e o ambiente que se insere. O autor continua, acrescentando que os sujeitos devem ser motivados a apropriar-se do seu ambiente, principalmente através da criação de recursos de lazer que sua própria imaginação indicar.

    Um dos mecanismos que o sujeito utiliza-se para criar momentos de lazer se manifesta por meio da prática esportiva. Prestar atenção a isso é importante, porque o esporte e o lazer vêm sendo considerados como um dos principais “mediadores do desenvolvimento humano” (Tabares, 2006, p. 212).

    Percebe-se que atividades vinculadas ao esporte e ao lazer são preponderantes para o desenvolvimento humano do trabalhados. Contudo, consideramos explicitar o que ponderamos como esgotamento do modelo de trabalho enquanto assalariado, partimos do entendimento de Forrester (1997), sobre a anulação do trabalho como produção de vida, substituído por uma forma perversa de “trabalho” que se institucionaliza como “emprego” enquanto relação de comércio de mercadorias, sujeita à impiedade das políticas econômicas monetaristas e à frivolidade dos discursos políticos que, em vão, prometem empenhar-se em solucionar o problema do desemprego. Com isso negamos a concepção liberal de trabalho como sinônimo de “emprego”.

    Ao pensarmos em mercado de trabalho, na sua forma apologética e imediatista, fica demonstrado para nós, trabalhadores, que vender nossa força de trabalho é apenas a forma mais fácil, aparentemente, de sobreviver no contexto da relação capital, sem ao menos avaliar as contradições que tangem à exploração do trabalho humano, que maximiza as relações de precariedade na contemporaneidade (Nozaki, 2005).

    No contexto de crise do trabalho em que vivemos, o mercado de trabalho torna-se uma noção ideológica, que visa à adaptação do trabalhador às condições de mais alta precariedade, servindo aos interesses do capital, que depende da intensificação da exploração do trabalho para continuar se reproduzindo (Silva, 1996, p.118).

    Assim, o mercado de trabalho controla os destinos dos que vendem a sua própria força de trabalho como única mercadoria que possuem para trocar no interior da relação capital e assim efetivar o seu meio de vida. Tal relação ocorre em função do mundo do trabalho ser regulado, nesse momento histórico pelas leis do próprio mercado, ou seja, lei da oferta e da procura. Pode-se caracterizar, em função disso, a sociedade atual como a sociedade do desemprego estrutural, de se tentar garantir, inicialmente, condições mínimas para a reprodução da vida em forma de trabalho alienado, escravizando-se, agora sim, aos ditames do mercado de trabalho. Isso justifica a angústia moderna do desenvolvimento de competências individuais como a saída da crise, sob o ponto de vista do sistema capitalista de produção.

As significações de esporte, lazer e trabalho entre os assentados

    Participaram da realização dessa pesquisa 30 pessoas de ambos os sexos, sendo 15 homens e 15 mulheres, a participação foi voluntária, os mesmos, respondiam a três 3 (três) questões: 1°) o que você considera como esporte? 2°) o que é lazer? 3°) Quais melhorias você acredita serem necessárias para o desenvolvimento do esporte e lazer? As entrevistas ocorriam durante as visitas domiciliares nas ações do projeto Rondon – MS.

    A partir desse pressuposto, no quadro abaixo foram selecionadas algumas repostas dos assentados referentes às suas percepções referentes ao lazer e esporte com intuito de ilustrar algumas diferenças entre as significações de pessoas que vivem na mesma comunidade e vivenciam costumes muito semelhantes.

Quadro 1. Classes das significações dos “assentados”

O que você considera

como esporte?

O que é lazer para você?

Quais melhorias você acredita serem necessárias para o desenvolvimento do esporte e lazer?

Futebol, Handebol, Vôlei, basquete

Assistir televisão e escutar musica

Um campo melhor

Caminhar ate o centro

Tomar tereré

Uma praça

Jogar bola

Andar de bicicleta e jogar futebol

Lazer para as mulheres

Jogar maia, há muito tempo jogou futebol

Sem lazer

Arrumar as estradas, não precisa fazer nada.

Atividade física

Jogo baralho

Construir uma quadra coberta, e uma escola nova

Caminhada

Pescar, caçar e andar de moto, tomar tereré com amigos

Uma quadra de vôlei

Na realidade não tem, antigamente tinha futebol

Ir a Igreja

Melhorar tudo

Fonte: Dos autores

    Esses depoimentos demonstram que o lazer por meio do esporte é um dos fatores mais constantes que tem influenciado o desenvolvimento social da humanidade. Contudo:

    Para que uma sociologia do esporte possa se constituir, é preciso primeiro perceber que não se pode analisar um esporte particular independentemente do conjunto das práticas esportivas; é preciso pensar o espaço das práticas esportivas como um sistema no qual cada elemento recebe seu valor distintivo (Bourdieu, 1990, p. 208).

    O sociólogo Bourdieu (1990) coloca em cena o campo esportivo, e nessa interpretação o esporte não é reduzido apenas para as práticas de uma modalidade ou outra, mas como um fenômeno social integrado na sociedade. A partir desse entendimento percebe-se que as pessoas influenciam e podem ser influenciadas pelo esporte, em outras palavras, o esporte não deve ser analisado de maneira singular, nesse trabalho já foi exposta a importância de considerar o esporte como plural, pois no contexto sociocultural valores podem ser transmitidos através de atitudes durante a prática esportiva.

    Com relação à primeira pergunta, o que é esporte para você? 100% dos entrevistados responderam que esporte é o basquete, o vôlei, handebol e principalmente o futebol, etc. Assim, os entrevistados apresentam práticas de esporte e não um conceito.

    Para Elias e Dunning (1992, p. 73), as atividades de lazer diminuem com o estresse diário, permitindo manifestação de sentimento; entretanto, sem prejudicar a integridade física e moral dos indivíduos ou acarear a ordem estabelecida. O lazer é capaz de “[...] produzir um descontrolo de emoções agradável e controlado.”

    Fundamentalmente, as respostas dos entrevistados tem como base o esporte midiático com todas as suas necessidades do alto rendimento é presente nas respostas, assim, o vôlei, o basquete, o handebol, e o futebol, aparecem como sendo a única possibilidade da prática esportiva.

    Esse fenômeno ocorre pelo sensacionalismo que envolve principalmente o futebol brasileiro, mas também outras modalidades esportivas que foram citadas durante as entrevistas, camuflando a divulgação de outras práticas, assim, ofuscando sua propagação e difusão principalmente entre as camadas sociais mais carentes.

    Aproximando-se, talvez, da concepção de Dumazedier (1994, p. 92) que afirma que o lazer é um tempo em que a pessoa “[...] se libera ao seu gosto da fadiga, descansando; do tédio, divertindo-se; da especialização funcional, desenvolvendo de maneira interessada as capacidades de seu corpo e de seu espírito”.

    Destarte, cada “representação” de lazer relacionada a modalidades esportivas diversificam de acordo com realidade social e cultural de cada grupo, ou seja, variam muito, dependendo da ocasião e momentos históricos diferentes.

    Para Chartier (1990) é importante identificar de que maneira em diferentes lugares em momentos diferentes uma realidade social é pensada, dada a ler. E para interrogar a realidade com base na cultura, o autor salienta o papel das “representações” no contexto cultural. Que neste caso da pesquisa, predominou o ensino das modalidades esportivas como: o vôlei, o basquete, o handebol, com predominância do futebol.

    No entanto, cada representação de lazer falada pelos assentados tem algo em comum, e se mostraram perceptíveis em suas falas, seja através de jogos esportivos, de pesca, colheita de frutas, enfim, atividades prazerosas. O lazer foi intimamente relacionado ao prazer, seja um bem estar físico ou mental, prazer este que se torna um excelente propulsor para o trabalho, afinal, uma mente tranquila, sadia, se distancia de muitos corpos insanos que o mundo presencia a atuação contemporaneamente.

    Nesse viés, a contextualização defendida por Elias e Dunning (1992) não coloca o lazer como oposto ao trabalho (prazer versus dever); e, sim, o coloca como aversão às atividades sociais, das quais o trabalho faz parte.

    Essa propulsão que o lazer pode levar ao trabalho é um sonho de muitos brasileiros, quem não gostaria de trabalhar feliz, motivado, nesse sentido, entendemos que um trabalhador que realiza suas funções satisfeito com o ambiente em que está envolvido, seu desempenho profissional pode ser surpreendedor.

    “A expressão qualidade de vida tem sido usada com crescente frequência para descrever certos valores ambientais e humanos, negligenciados pelas sociedades industriais em favor do avanço tecnológico, da produtividade e do crescimento econômico” (Rodrigues, 1991, p.83).

    Partindo desses entendimento, para Elias e Dunning (1992, p. 107), o tempo livre é visto com uma consequência das sociedades industriais que evoluíram, sendo definido “[...] de acordo com os atuais usos linguísticos, é todo o tempo liberto das ocupações de trabalho.”

    Com isso, o trabalho e a qualidade de vida se destacam de várias maneiras para um conjunto de fatores que interferem no desempenho do trabalhador. Sucesso (1998, p.29) afirma que a Qualidade de Vida no Trabalho tem o seguinte significado:

    A escolha da profissão, as características da cultura organizacional configurada pelos valores e práticas predominantes na empresa, a infra-estrutura familiar constituem fatores relevantes para a Qualidade de Vida no Trabalho. Além disso, as relações interpessoais, os conflitos e em especial a maneira como a pessoa se relaciona na equipe afetam a satisfação no trabalho, a autoestima e a forma como se sente em relação a si mesma. A história de vida e os fatores relativos às variáveis organizacionais resultam em atitudes dificultadoras e facilitadoras nas relações de trabalho, intensificando a preocupação e a responsabilidade pela promoção da qualidade de vida.

    Assim se dá a relação do trabalho com o lazer, focando uma qualidade de vida saudável ao trabalhador, ocorrendo ao menos em tese à tentativa de acontecerem relações interpessoais prazerosas, um ambiente seguro de trabalho, remuneração, bem estar físico e mental, mas infelizmente, isso não é encontrado de maneira global no meio rural dos assentamentos.

    Essa crítica pode ser fundamentada nas relações históricas de trabalho, na forma que o mesmo se manifesta sociedade capitalista, relações essas que se amalgamam principalmente na exploração do trabalhador, em Marx, o qual, à bandeira conservadora do trabalho justo, propõe a divisa revolucionária, abolição do sistema de trabalho assalariado. (Marx, 1989; 2003). A partir desta premissa, sustentado por Frigotto (1995), Anderson (1995), Hobsbawm (2009) e Antunes (1999), rejeitamos a argumentações partidárias do progresso pelo trabalho, pois esse caminho é percorrido por uma maioria que alimenta os fetiches de uma minoria.

    No processo de estudo da conceituação do lazer, chamou-nos a atenção a forma da abordagem de Marx (1989; 2003), que servia como referência para afirmar o lazer como uma prática social inscrita na lógica do modo de produção capitalista, enquanto uma apropriação de necessidades humanas. Por outro lado, observava a constante imputação a Marx, efetuada por Dumazedier (1979) e Marcellino (1999), de ter promovido o elogio do trabalho, o que provava a negação de sua obra antes mesmo de ser conhecida.

    Agora, este ato pode ser ousado ou até mesmo abusivo, desta maneira, analisemos os conceitos subjetivos de uma senhora e seu depoimento a seguir, que se agradaria com a simples melhoria nas estradas para que ela pudesse andar mais tranquilamente no barro após chuvas.

    Enfim, uma resposta nos chama atenção em especial: “caminhar até o centro”, esta foi à fala realizada por uma senhora que mora num assentamento que fica a 30 Km de distância da cidade, segundo ela, não precisava de um lugar específico para a prática esportiva, mas que pelo menos as ruas fossem asfaltadas. Outros colocam o esporte como sendo atividade física, não especificando uma modalidade, por outro lado os que moram nos assentamentos mais distantes da cidade, afirmam categoricamente não existir a possibilidade da prática esportiva nas localidades onde moram, por não existirem jogos de camisa, campos gramados etc.

    Nesse contexto, embora os assentamentos e os remanescentes de quilombos estejam a muitos quilômetros dos grandes espetáculos esportivos, dos grandes shopping centers, enfim, do fetiche do consumo esses elementos estão presentes em suas opiniões sobre a prática esportiva, não considerando dessa forma as diferentes manifestações corporais como esporte.

    As respostas mencionadas no segundo questionamento possibilitam-nos compreender melhor a visão de lazer dos entrevistados; 50% afirmam a não existência de opções de lazer, seja nos assentamentos, ou mesmo na cidade. Por outro lado, assistir TV, se apresenta como a maior fonte de lazer seja na cidade ou nos diferentes assentamentos. Tomar tereré (espécie de chimarrão gelado) também aparece como uma fonte rica de lazer entre os entrevistados.

    Um jovem assentado contribuiu para a pesquisa se lamentando por não conhecer nenhuma forma de lazer existente no assentamento naquele momento dizendo “na realidade não tem, antigamente tinha futebol”, esse jovem relaciona uma prática esportiva objetiva que lhe proporciona prazer, e é neste momento que outro entrevistado contribui afirmando que existem outras atividades que ele representa como lazer, e enfatiza relatando que aprecia “roda de viola com os amigos, conversar e tomar banho no rio”.

    Quando questionados sobre quais melhorias seriam necessárias para os espaços de lazer no local onde residem, aparecem questões básicas de estruturação de uma cidade como praças, melhorias das ruas, melhoria das escolas com construção de quadras poli-esportivas.

    Contextualmente, a prática do lazer por parte das mulheres foi lembrado nas respostas, assim, algumas entrevistadas reivindicam a melhoria, ou melhor, a implementação de espaços de lazer que contemplem as mulheres.

    Quanto aos aparelhos públicos de lazer, em nenhum assentamento foi encontrado espaço, objetivamente, somente em um foi encontrado um “roçado” que é usado como campo de futebol.

    O trabalho é a máxima dos assentamentos, para ampliação de suas terras, ou seja, o princípio de acumulação. A relação entre lazer, esporte e trabalho se substancia nas mudanças do último, por outro lado, que se observam as relações trabalhistas no contexto dos assentamentos visitados/estudados, evidencia-se claramente que as grandes mudanças do mundo do trabalho não se configuram naquele contexto.

    Domenico (1999) também questiona a questão do tempo livre, e lança como proposta uma mudança nos ambientes de trabalho e a forma de trabalho para os profissionais, considerando a utilização do tempo como fator principal da realização de suas funções.

    Contudo, essa questão da vinculação do tempo livre ao trabalho é discutida por outros autores, em que existem afirmações que o tempo somente pode ser determinado livre se pressupor alguma obrigação profissional.

    É Marcellino (1999) que realiza uma interessante distinção entre tempo, em que o indivíduo se diz livre do trabalho, e o tempo que o próprio autor denomina de “tempo desocupado”.

    A evolução, transformação ou reconstrução de novos modelos sociais se dão a denominações de fases pelas quais a sociedade perpassa, nesse âmbito, a sociedade rural também participa desse trâmite. Domenico (1999) acrescenta dizendo que a mudança na denominação em que a sociedade passa, ou seja, sociedade rural, pré-industrial para sociedade industrial, e sociedade industrial para pós-industrial, não implica em uma substituição total dos elementos encontrados na fase anterior para a posterior. Esta denominação diferente indica mudanças na sociedade, na qual um elemento toma o lugar de prioridade do outro, ou seja, ele continua existindo, mas com outra construção acima.

    Entretanto atualmente, sabe-se, que o lazer/esporte são fundamentalmente importante não somente para o trabalhador, mas para qualquer ser humano, favorecendo a reparações físicas, mentais e sociais ao indivíduo, pode-se dizer que há uma reposição de forças,ampliando inclusive sua capacidade de criação, atuação, aumentando sua auto-estima e satisfações pessoais.

Conclusões

    Invariavelmente, o esporte é tratado como um fenômeno cultural restrito a grupos singulares, e que se manifesta como única forma de lazer para muitos dos assentados entrevistados. Com isso, este trabalho contribui para reflexões sobre a implementação de políticas que valorizem práticas de lazer entre assentados, seja no âmbito esportivo ou quaisquer outras instâncias, e como consequência corroborar para uma reinvenção de uma educação para e pelo lazer.

    A lógica perversa de produção também se fizeram presentes nos assentamentos, pois, diante da necessidade de se capitalizar o assentado acaba por se tornar empregado em outra gleba, restando o tempo livre para realização do trabalho em suas terras, assim marcadamente o lazer é retirado da rotina das famílias. Percebemos que principalmente as representações de lazer variam muito entre os assentados entrevistados, dá-se a impressão do surgimento de um modelo/estilo de vida que envolve a sobrevivência para/pelo trabalho acima de tudo.

    Talvez, este universo pode ser configurado por um anseio de melhorias materiais (carro, trator, móveis, casa), ou apenas para a solicitação que o Estado possa proporcionar aparelhos públicos de lazer para essa população. Por fim, desenvolver práticas de lazer em que determinada população, grupo, família para que de fato possam se fixar na terra e com identidade do lugar onde vivem.

    Não se trata de pensar em opções ou políticas partidárias, mas sim, de pensarmos em ações que possam interferir no modo de pensar e agir sob a forma de vivenciar o trabalho e lazer em assentamentos rurais, com a possibilidade de construção de seres humanos que se reconheçam no modo coletivo de existência de um assentamento. Deste modo, reconfigurando uma formação para o trabalhador e contribuindo para a significação de seu tempo para o esporte e o lazer.

Nota

  1. Projeto Rondon é um marco da Universidade Federal da Grande Dourados-UFGD, no qual participam acadêmicos de enfermagem, biologia, Educação Física e Medicina Veterinária numa relação muito próxima com a comunidade em geral. Este projeto tem como objetivos contribuir para a formação do universitário como cidadão; integrar o universitário ao processo de desenvolvimento nacional, por meio de ações participativas sobre a realidade do País; consolidar no universitário brasileiro o sentido de responsabilidade social, coletiva, em prol da cidadania, do desenvolvimento e da defesa dos interesses nacionais; estimular no universitário a produção de projetos coletivos locais, em parceria com as comunidades assistidas.

Bibliografia

  • Anderson, P. (1995). Balanço do neoliberalismo e Além do neoliberalismo. In: E. Sader. e P. Gentili (orgs.). Pós-Neoliberalismo. As Políticas Sociais e o Estado Democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p. 09 -23 e 197 - 202.

  • Antunes, R. (1999). Os Sentidos do Trabalho. Ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo.

  • Bento, J. O. (2006). Do Desporto. In. G. Tani, J.O. Bento, e R. Petersen. Pedagogia do Desporto. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.

  • Bhabha, H. K. (1998). O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG.

  • Bourdieu, P. (1990). Coisas Ditas. São Paulo: Brasiliense.

  • Chartier, R. (1990). A História Cultural: entre práticas e representações. Tradução Maria Manuela Galhardo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 245p.

  • Domenico, D. M. (1999). A Sociedade Pós-Industrial, São Paulo/SP: Ed. Senac São Paulo, 443 p.

  • Dumazedier, J. (1979). Sociologia empírica do lazer. São Paulo : Perspectiva.

  • Dumazedier, J. (1994). A revolução cultural do tempo livre. São Paulo: Studio Nobel.

  • Elias, N.; Dunning, E. (1992). A busca da excitação. Lisboa: Difel.

  • Forrester, V. (1997). O Horror Econômico. São Paulo: Unesp, 1997, 265 p.

  • Frigotto, G. (1995). Educação e Crise do Capitalismo Real. São Paulo: Cortez.

  • Gebara, A. (1994). O tempo na construção do objeto de estudo da história do esporte, do lazer e da educação física. Encontro Nacional de História do Esporte, Lazer e Educação Física. Coletânea... Ponta Grossa: Universidade Estadual de Ponta Grossa, p. 175-189.

  • Geertz, C. (1989). A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1989.

  • Hobsbawm, E. (2009). Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991 (2ª ed.). São Paulo, SP: Companhia das Letras.

  • Laraia, R. B. (2006). Cultura: um conceito antropológico (20ª ed.). Rio de Janeiro: Zahar.

  • Marcellino, N. C. (1999). Lazer & Empresa: Múltiplos olhares. Campinas/SP: Papirus, Coleção Fazer/Lazer. 175 p.

  • Marx, K (1989). O capital: crítica da economia política. Livro 1. O processo de produção do capital. Volume II. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil S. A.

  • Marx, K. (2003) Trabalho Estranhado (extrato). Idéias, Campinas, Ano 9 (2), 10 (1), p. 455-472.

  • Nozaki, H. T. (2005). Mundo do trabalho, Formação de Professores e Conselhos Profissionais. In: formação Profissional em educação Física e mundo do trabalho. Coletânea de Texto volume 01. OIT – Organização Internacional do trabalho. Resúmenes de normas internacionales del trabajo, p. 29.

  • Requixa, R. (1977). O lazer nas grandes cidades e os espaços urbanizados. São Paulo: Brasiliense. SESC.

  • Rodrigues, M. V. C. (1994). Qualidade de vida no trabalho – Evolução e Análise no nível gerencial. Rio de Janeiro: Vozes.

  • Silva, T. T. S. (1996). Identidades Terminais: as transformações na política da pedagogia e na pedagogia da política. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes editora.

  • Stigger, M. P. (2002). Esporte, lazer e estilos de vida: um estudo etnográfico. Campinas, SP: Autores Associados.

  • Sucesso, E. P. B. (1998). Trabalho e qualidade de vida (1ª ed.). Rio de Janeiro: Dunya.

  • Tabares, S. (2006). Avaliação de projetos sócio-esportivos. In: Mello, V. de A.; Tavares, C. O exercício reflexivo do movimento: educação física, lazer, e inclusão social. Rio de Janeiro: Shape, p. 200-211.

Outros artigos em Portugués

www.efdeportes.com/

EFDeportes.com, Revista Digital · Año 21 · N° 225 | Buenos Aires, Febrero de 2017
Lecturas: Educación Física y Deportes - ISSN 1514-3465 - © 1997-2017 Derechos reservados