O corpo e seu desenvolvimento histórico: elementos para pensar sobre a intervenção pedagógica da Educação Física The body and its development history: elements to think about the educational intervention of Physical Education El cuerpo y su desarrollo histórico: elementos para pensar acerca de la intervención pedagógica en Educación Física |
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*Professor de Educação Física pela ESEFFEGO/UEG Especialista em Educação Física Escolar pela ESEFFEGO/UEG Mestrando em Educação pela UFG Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás – IFG, no Campus de Uruaçu **Professor de Educação Física pela ESEFEGO Especialista em Treinamento Esportivo pela ESEFEGO Mestre em Educação Brasileira pela UFG Doutor em Educação pela UFG Professor da Faculdade de Educação Física e Dança e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFG |
Weber Mendes de Paula* Tadeu João Ribeiro Baptista** (Brasil) |
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Resumo O corpo está constantemente vinculado ao modo de produção hegemônico. Assim, o objetivo desse texto é refletir, a respeito de como o corpo foi visto ao longo da história. Este trabalho de revisão de literatura desenvolveu um estudo, analisando o desenvolvimento histórico do corpo. A conclusão aponta para a necessidade de se realizar mais estudos a respeito da relação entre a forma de compreensão do corpo e as metodologias de ensino. Unitermos: Corpo. História. Educação física. Metodologia.
Abstract The body is constantly linked to the hegemonic production. The objective of this text is to reflect, about how the body has been seen throughout history. This literature review of work conducted a study analyzing the historical development of the body. The finding points to the need to conduct more studies about the relationship between the way of understanding the body and teaching methodologies. Keywords: Body. History. Physical education. Methodology.
Resumen El cuerpo está constantemente vinculado al modo de producción hegemónica. El objetivo de este texto es reflexionar, en cuanto a cómo el cuerpo fue considerado a lo largo de la historia. Este trabajo de revisión de la literatura permitió llevar a cabo un estudio para analizar el desarrollo histórico del cuerpo. La conclusión apunta a la necesidad de realizar más estudios sobre la relación entre la forma de comprensión del cuerpo y las metodologías de enseñanza. Palabras clave: Cuerpo. Historia. Educación Física. Metodología.
Recepção: 04/08/2016 - Aceitação: 16/01/2017
1ª Revisão: 22/12/2016 - 2ª Revisão: 12/01/2017
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Lecturas: Educación Física y Deportes, Revista Digital. Buenos Aires, Año 21, Nº 224, Enero de 2017. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
O corpo vem sendo discutido há bastante tempo e, ainda assim, são necessárias permanentes revisões e reflexões sobre este tema. Apesar de vários autores (Baptista & Vilarinho Neto, 2014), terem feito isso, é importante se manter o olhar sobre este debate, inclusive, porque, a partir do corpo é possível pensar como os professores de educação física pensam a sua ação pedagógica. Assim, o objetivo desse texto é refletir, a partir de uma revisão de literatura, a respeito de como o corpo foi visto ao longo da história. Nas considerações finais, pretende-se então discutir as possíveis ações pedagógicas de professores de educação física.
Revisando a História do Corpo
Pensar a história do corpo é entendê-lo enquanto causa e consequência das experiências do indivíduo que o habita, como mediador do mundo interior e exterior. É procurar compreender as representações que e porque o corpo assume, nos períodos históricos possibilitando diversas experiências.
Nesse entendimento, a
[...] originalidade última dessa experiência é estar no cruzamento do invólucro individualizado com a experiência social, da referência subjetiva com a norma coletiva. É exatamente porque ele é “ponto-fronteira” que o corpo está no centro da dinâmica cultural. (Gélis, 2008, p. 11).
Evidentemente, o corpo não se constituiu como elemento da dinâmica cultural a partir de representações isoladas ou aleatórias. Para Bourdieu (2007), cultura é o conjunto de habitus que as pessoas manifestam em suas relações.
Os fenômenos da dinâmica cultural apresentam significados correspondentes à cultura de determinados contextos sociais e históricos, na base dos quais estão elementos da superestrutura e da infraestrutura. De acordo com Marx (1991), as relações entre os homens são determinadas pelas relações sociais, as quais, apesar de necessárias, são independentes. Essas relações correspondem a um determinado nível de desenvolvimento das forças produtivas, interferindo nas bases da superestrutura e da infraestrutura da sociedade, inclusive em seus contextos políticos e jurídicos, correspondentes a certas formas de consciência social.
Especificamente em relação ao corpo encontramos a religião como norteador no ocidente, no qual,
[...] o cristianismo foi instituído sobre a perda de um corpo, a perda do corpo de Jesus [...], o cristocentrismo que apareceu na Idade Média foi acentuado [...], quando colocaram Cristo no centro da pastoral da salvação, conferindo a cada etapa de sua vida na Terra principalmente à sua paixão, uma dimensão cultual essencial (Gélis, 2008, p. 23).
E assim, como a vida do corpo de Cristo é fundamental para a manutenção da fé no ocidente
[...] o corpo é uma referência permanente para os cristãos dos séculos modernos. Consequentemente, a concepção predominante de corpo é aquela em que ele é simultaneamente, [...] o maior obstáculo, “o maior inimigo”, e o meio de acompanhar o Redentor: o corpo que é preciso vencer, o corpo vetor de um procedimento sacrifical (Gélis, 2008, p. 54-55).
Todavia, no dinamismo social no curso do tempo, o corpo também demonstra a pertença da organização social que lhe impõe características, nas quais, foi se delineando uma distinção. Para Bourdieu (1998), as distinções são habitus que possibilitam classificar, desclassificar ou reclassificar um indivíduo dentro do espaço social.
Essa distinção que no século XVII se expressa também por meio de trajes e adereços demonstra:
Essa identificação do corpo com seu traje explica que este serve antes de tudo para declarar uma pertença, mesmo que seja [...] de um sexo, de um grupo de idade, de um meio, de uma comunidade (de cidade, de profissão, de exército, de religiosos, etc.) e deve trazer suas marcas distintivas. Um procurador sem sua toga judiciária perde todo poder junto de amotinadores, pois permanece “desconhecido” porque não está “revestido”. Esses revestimentos-investiduras são de uma grande complexidade, pois é preciso saber (e ter os meios de) superpor às vestes encarregadas de anunciar sua função ou seu estado elementos aptos a significar a mudança. Luto, conversão piedosa, promoção alternância dos dias de festa e de trabalho, ritos de passagem [...] também exigem “que se vista trajes” específicos (Pellegrin, 2008, p. 209).
Essa classificação baseada nas aparências, vestes e outros adereços, adiciona a partir do século XVIII, uma boa parte dos ideais de representação de corpo. E a saúde enquanto referência e orientação que paira na mente são proclamadas da seguinte forma:
[...] se quiserdes ter uma vida longa e com boa saúde, não façais excessos em nada, sobretudo no beber e no comer [...]. Nada de excesso no trabalho nem nas vigílias, nem nas coisas permitidas que não nomeio. Mantendo sempre limpo o corpo e o mais decentemente possível. Vivei mais como magros do que como gordos e não carregueis vosso corpo de carne e de gordura, pois isto prejudica (Pellegrin, 2008, p. 145).
Os cuidados corporais com estabelecimento de limites, sugerem, naturalmente, a implementação de práticas que supostamente constituem o fortalecimento do corpo. E os jogos, bem definidos e organizados, embora ainda não configurados como esporte, apresentam-se então como elemento indispensável porque, nos
[...] jogos, o corpo reflete uma visão particular do orgânico: o movimento físico ajudaria as “partes” internas, expulsando os humores cuja estagnação seria um perigo. O jogo pode então se exercício, atividade benéfica: ele purifica agindo por fricção e aquecimento (Vigarello, 2008, p. 303).
Assim, os jogos deram base a uma lógica de adestramento físico, na qual atitudes refinadas de movimentos corporais estarão no centro. O controle do corpo como fundamento para saúde se expande e assim, “[...] desenha-se um corpo definido por atributos e não mais apenas por atos ou maneiras de fazer. Uma vontade de designar ou até de descrever um corpo bem-educado prevalece sobre a vontade de citar só os exercícios que ele deve fazer” (Vigarello, 2008, p. 330).
Elementos bem definidos que são inseridos e assimilados, perfazem nova representação corporal, a qual surge como distinção originária da classe dominante. Essas três “[...] qualidades dominam neste modo de comportar-se que se tornou mais abstrato: a ‘boa graça’ a força, a destreza, figura mais controlada do cortesão, definitivamente distante dos velhos modelos medievais” (Vigarello, 2008, p. 330).
Em contrapartida, outras características vão se produzindo visivelmente na classe oposta, que com “[...] a forma achaparrada das trabalhadoras não engana sobre as coações físicas de um trabalho que obriga abaixar-se constantemente e a carregar em seu girão os grãos penosamente recolhidos sob o ardor do sol [...]” (Pellegrin, 2008, p. 173).
A modificação das representações de corpo, desde o período medieval, é o resultado da apropriação social, especialmente da classe dominante, de novos elementos norteadores de práticas culturais. E ainda, em meados do século XIX, primeiramente na Inglaterra, outras práticas passam a ser associadas ao desenvolvimento do corpo. Nessa perspectiva, o banho é agregado como prática indispensável porque,
[...] essa limpeza deslocou também o olhar: ela apaga o que não se vê nem se sente. A negrura, o cheiro da pele, o incômodo físico não são mais os únicos sinais que impõem um asseio. A água mais transparente pode conter todos os vibriões, a pele mais branca pode ter todas as bactérias. A própria percepção não permite mais descobrir o “sujo” [...]. O higienismo sugere, pela primeira vez, uma percepção sempre rejeitada. (Vigarello, 2008, p. 390-391).
A condição de prática do higienismo se apresenta como mais um elemento de distinção de classe. Então, o homem que viu a estação da filosofia, da arte, da ciência, dos jogos e do higienismo, insere-se em um dos elementos mais expressivos de toda a cultura, o esporte moderno. Este, revolucionando os afazeres cotidianos aponta novas representações corporais a serem incorporadas.
O esporte moderno exigia um gasto gratuito de energia durante um período prescrito de tempo. Cada vez mais se dedicava o seu lazer ao exercício. O esporte era uma forma de jogo que exigia uma aplicação de todos os instantes, bem como esforços regulares. O corpo humano era percebido como uma máquina que era preciso fazer funcionar regularmente afim de poder atingir seu potencial máximo. (Vigarello & Holt, 2008, p 428).
Nesse contexto, o esporte surge com relevância social enquanto possibilidades reais de produção e reprodução de valores. Nesse sentido, é “[...] no seio dos estabelecimentos escolares do ambiente da era vitoriana na Grã-Bretanha que foi elaborado o novo corpo atlético e os valores de fair-play e de esportividade” (Vigarello & Holt, 2008, p. 432).
Não por coincidência trata-se também de uma distinção porque,
[...] o corpo atlético simbolizava também prestígio social [...]. O remo apresentava a particularidade de ter estabelecido uma barreira social. Os trabalhadores manuais (“mecânicos, artesãos ou camponeses”) eram rejeitados. As outras organizações esportivas, inclusive aquelas nas quais se praticava o tênis, o Hóquei, a natação e o boxe, não apresentavam essas condições sociais de elegibilidade (Vigarello & Holt, 2008, p. 439-440).
Se o esporte estabelecia distinção baseada na divisão do trabalho para o sexo masculino, enquanto para as mulheres eram determinadas também subdivisões apoiadas em argumentações da classe medica, uma vez que,
A medicina da época vitoriana libertou o corpo masculino, mas espartilhou o das mulheres da classe média. Ela sublimava as diferenças entre os sexos e consideravam que os exercícios que exigiam vigor apresentavam perigos para as mulheres. A mulher burguesa era apresentada como fraca e hipersensível. Considerava-se que os esportes, que exigiam a força física e a agressividade, eram impróprios para a nova classe de ociosas que era representada pelas donas-de-casa suficientemente ricas e disponíveis para fazer exercício. A maioria das outras estavam demasiado ocupadas em cuidar da casa, educar os filhos e/ou trabalhar num emprego para ter ainda energia para se dedicar ao esporte (Vigarello & Holt, 2008, p. 453).
Se novas atividades foram assumidas pela classe privilegiada, é porque a representação de corpo produzida por essas atividades são interessantes culturalmente, e este argumento se credencia enquanto força ética para estender a possibilidade de tais práticas. O poder dos exercícios nos corpos opera uma inversão no processo de distinção. Não é mais a prática ou a não prática de um exercício ou esporte, o distintivo das pessoas. A consequência dessa primeira distinção, o perfil de corpo que a prática sistematizada de exercícios promove, será a distinção cultural visivelmente mais expressiva. E para tal façanha, nada
[...] mais que a influência reconhecida da elite sobre as classes populares no final do século XIX para controlar e disciplinar os corpos. A ginástica não deve apenas desenvolver as forças físicas, mas também os princípios de postura e de disciplina sem as quais nenhum cidadão pode prestar um verdadeiro serviço corporal, a vigilância do peito, a conservação das costas: “a atitude é o primeiro elemento da ginástica” [...]. Vasta empresa de aculturação, é para agir sobre a aparência que se dedica antes de tudo a ginástica, contribuindo para “levar a adquirir essa postura física pela qual se reconhece um homem bem-educado (Vigarello & Holt, 2008, p. 469-470).
No transcurso do século XX, a manutenção das características elencadas acima, enquanto constituintes da boa aparência, o esforço para incorporá-las não se restringe aos grandes centros. Contudo, a grande investida cultural do século XX foi em direção ao corpo feminino por meio da dessacralização do corpo, com inicio mais evidente, em
[...] 1946, seis dias depois da explosão de uma bomba atômica no atol de Bikini, Louis Réaud lança um minúsculo duas peças que pode caber em uma caixa de fósforos: o “biquine” [...]. Menos de vinte anos depois, em 1964, as banhistas de Pamplona a Saint-Tropez “tiram a parte de cima”. O caso provoca escândalo, mas o exemplo logo se espalha por toda a parte, em nome da liberdade corporal e da luta contra “as feias marcas brancas” do maiô, que estragam o bronzeado (Sohn, 2008, p. 112).
Aos dois sexos, o século XX apresenta o prazer como objetivo, e como objeto o próprio ser humano. Nesses termos, a estética vai se constituindo como fôrma às representações de corpo,
[...] em que todas as intrigas se desenrolam no impiedoso universo da cirurgia estética, o corpo do homem do século XX – que vai ser durante muito tempo, em primeira linha, um corpo de mulher – será submetido às incertezas de um tríplice regime, cosmético, dietético e plástico [...] (Ory, 2008, p. 158).
O prazer encontrado no próprio ou em outro corpo, centra os interesses nas práticas do mundo humano, e no limite, no fisicalismo. Essas práticas articuladas constituem novas representações que se materializam ainda no século XX.
Deste modo, é a uma análoga mudança dos valores morais que se podem relacionar os inúmeros sinais de uma tendência global dos corpos a se desprender das restrições puritanas que lhes impunham uma atitude composta de rigidez na postura (“fique direito”), de modéstia no olhar (“conserve os olhos baixos”), de lentidão no andar (“não corra”), e de manter distância do corpo dos outros (“mantenha distância”). Deste ponto de vista toda história do século XX é a da inversão, mais ou menos rápida, mais ou menos completa, desses valores (Ory, 2008, p. 169).
O terreno da distinção por meio do corpo, no século XX, também possui construções que perfazem outras representações. Nesse sentido, uma rearticulação e conexão das distinções do passado se agrupam e se materializam nos corpos dos fisiculturistas. O momento a partir do qual se manifesta a propagação da representação fisiculturista de corpo ocorre após
[...] a Segunda Guerra Mundial, o movimento se beneficia com a entrada em cena do espetáculo popular e, em primeiro lugar, do cinema de aventuras exótica ou históricas (Johnny Weissmuller, Steve Reeves, Arnold Schwarzenegger...), a partir de dois países que parecem ter dominado o campo, a Itália e os EUA. Camadas muito mais amplas da população, em particular femininas, se encontrarão a seguir empenhadas em um movimento mais geral, menos fechado em guetos, mais legítimo, transformando a velha ginástica em aeróbica, strerching, jogging...: toda uma série de termos que indicam a origem norte-americana desses projetos de “construção do corpo” (body-building) por modos variados de oxigenação, analisados por Jean-Jacques Courtine como “puritanismo ostentatório” (Ory, 2008, p. 183).
O fato de usar uma mídia tão poderosa quanto o cinema, para a divulgação de uma representação de corpo que materializa tão bem, as mais importantes distinções do passado, como a saúde, a postura, a estética, a higiene, a força e o movimento, definiu o corpo como algo de e para o consumo, dentro da lógica da sociedade capitalista. Assim, o corpo assume o seu significado para o coletivo, logo, o corpo não tem mais caráter individual. Afinal, “[...] não há corpo potencialmente autônomo antes do século XX” (Ory, 2008, p. 192).
O corpo submetido do trabalhador, também produz representações não por imposição hermética, mas,
[...] por uma vontade de conformidade às normas sociais, a um tipo de exercício livremente consentido, não deixa então de apresentar alguns pontos comuns com a nova corporalidade que teve origem no universo do trabalho, tal que as incessantes transformações dos modos de produção e de troca o remodelam ao longo do século. Esta é totalmente dominada pelo projeto de certas elites de garantirem para si o controle dos corpos submetidos por um recurso sistemático a dispositivos técnicos (Ory, 2008, p. 184).
Certamente, o trabalho implica extraordinárias representações de corpo ao trabalhador, às quais o corpo, submetido a diferentes formas de trabalho se adapta. Contudo, antes de buscar uma apreensão mais elaborada das representações de corpo e suas implicações, precisamos primeiramente, destacar duas situações.
Em primeiro, o trabalho não atua sobre o corpo como os elementos de distinção, saúde, estética, entre outros, porque esses se apresentavam enquanto desejo de serem incorporados. Já o trabalho é questão de sobrevivência, não um apelo, um desejo, e sim uma sujeição. Imposição que pode ir ao insuportável.
Assim, chega-se à conclusão de que o homem (o trabalhador) só se sente livremente ativo nas suas funções animais – comer, beber e procriar, quando muito, na habitação, no adorno, etc. – enquanto nas funções humanas se vê reduzido a animal. O elemento animal torna-se humano e o humano animal (Marx, 2002, p. 114-5).
Portanto, dada à necessidade de inserir-se no trabalho, e sendo este um processo entre homem e natureza no qual “[...] ao atuar, por meio desse movimento sobre a natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza [...]” (Marx, 1991, p. 297). Os elementos impostos a seus modos, físico e consciente de agir, a representação assumida pelo corpo do trabalhador não se resume a estes constituintes. Mas também se constitui a partir da relação do trabalhador com o seu trabalho. Dela emerge outros traços uma vez que “[...] o corpo é um dos produtos por ele criado. O corpo está inserido, assim, dialeticamente, no processo produtivo por ser, ao mesmo tempo, o seu idealizador, o seu criador, assim como a sua criatura principal” (Baptista, 2013, p. 79).
É nesse contexto que,
O trabalhador põe a sua vida no objeto. Quanto maior a sua atividade, mais o trabalhador se encontra no objeto. O que se incorporou no objeto do trabalho já não é seu. Assim, quanto maior é o produto, mais ele fica diminuído. A alienação do trabalhador no seu produto significa não só que o trabalho se transforma em objeto assume uma existência externa, mas que existe independentemente, fora dele e a ele estranho, e se torna um poder autônomo em oposição a ele; que a vida que deu ao objeto se torna uma força hostil e antagônica (Marx, 2002, p. 112).
Esse processo, como mostra Marx (2002) é dinâmico como as relações humanas. Apresenta um aprofundamento representado por fases nas quais se evidencia, depois do não reconhecimento de si no produto de seu trabalho, o não reconhecimento do processo de trabalho produtivo em consequência do primeiro momento de alienação. Na terceira fase, a atividade produtiva é vivenciada como,
[...] sofrimento, (passividade) a força como impotência a criação como emasculação, a própria energia física e mental do trabalhador a sua vida pessoal [...] como uma atividade dirigida contra ele, independente dele que não lhe pertence. Esta é a auto-alienação [...] (Marx, 2002, p. 115).
Na auto-alienação, por estranhar-se, o individuo acaba por estranhar seu igual e, daí, a popularização dessa estranheza constitui o que para Lukács (2003), é denominado reificação, embora, este possa ser considerado um movimento posterior, ou seja, os homens não só operam máquinas, mas, passam eles a agir como máquinas, por estranhar a si e aos outros.
Concomitante a esse processo, os elementos de distinção mostram-se complexos e ou furtivos porque nas relações atuais, a “[...] sociedade democrática apaga os indícios físicos tradicionais, embaralha os velhos códigos da sociedade de ordem, banaliza a postura, mascara as hierarquias [...]. E isso alerta mais quanto às expressões, seu mistério, seu perigo” (Courtine & Vigarello, 2008, p. 341).
Tal mistério ou perigo se aprofunda por meio da atuação da indústria cultural essa, “[...] pode ser entendida como um instrumento de pressão da sociedade sobre o indivíduo através da utilização de elementos culturais que se tornam acessíveis pelo cinema, pela televisão e por outros meios de comunicação de massa [...]” (Baptista, 2001, p. 74).
Portanto, considerando o complexo quadro de características corporais construídos no transcurso do tempo que lhe caracterizam nos dias que seguem nos pomos a questionar sobre as múltiplas representações de corpo e suas contínuas reformulações no período atual.
Conclusões
Ao tratar o processo de constituição do corpo ao longo da história, pensando nas diferentes práticas responsáveis por suas transformações, diferentes processos como a criação da ginástica e do esporte com as características atuais, o corpo se modifica e adquire as características necessárias aos modos de produção.
Neste caso, o modo de produção capitalista produz os processos, as práticas e os corpos necessários. Assim, a Educação Física contribui para o desenvolvimento desses processos. Mas, esta profissão tem a possibilidade de reproduzir modelos, bem como, para emancipar os seres humanos. Todavia, o ponto fundamental, é saber que as ações pedagógicas têm como referência os paradigmas corporais. Assim, seria extremamente difícil um professor que compreende o corpo como máquina e se propor a uma metodologia crítica com a educação física. Logo, será necessária uma inserção sobre os modelos de corpos e perspectivas metodológicas, tal qual, foi feito por Daolio (2005).
Bibliografia
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