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Autonomia de pessoas em sofrimento mental durante

o processo terapêutico: sob a ótica da bioética

Autonomy of people suffering in mind during the therapeutic process: from the perspective of bioethics

La autonomía de las personas en la angustia mental durante el proceso terapéutico: desde la perspectiva de la bioética

 

*Enfermeira. Discente do programa de Pós-Graduação em Enfermagem e Saúde, nível

Mestrado Acadêmico – PPGES – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia- UESB. Jequié-Bahia

**Farmacêutico. Discente do programa de Pós-Graduação em Enfermagem e Saúde, nível Mestrado

Acadêmico – PPGES – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia- UESB. Jequié-Bahia

***Enfermeira. Doutor. Professor do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem

e Saúde da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB.

**** Cirurgião Dentista. Doutor. Professor do Programa de Pós-Graduação

em Enfermagem e Saúde da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB

(Brasil)

Nathalie Oliveira Gonçalves*

nath-oliveira@hotmail.com

Lucas de Almeida Silva**

lukas_silva11@hotmail.com

Edite Lago da Silva Sena***

editelago@gmail.com

Rita Narriman Silva de Oliveira Boery***

rboery@gmail.com

Sérgio Donha Yarid****

syarid@hotmail.com

 

 

 

 

Resumo

          As pessoas em sofrimento mental formam um grupo de vulneráveis que se encontram em situações de negação dos seus direitos, bem como dos seus direitos civis, políticos e sociais. Logo, a pesquisa visa identificar trabalhos que descrevam a autonomia da pessoa em sofrimento mental, durante o processo terapêutico, sendo observados pelos aspectos da bioética da proteção. Consistiu em um levantamento sistemático de artigos em periódicos indexados, publicados no período de 2005 a 2014, resultando em três abordagens; a autonomia da pessoa em sofrimento mental, tratamento pautado na ausência de autodeterminação e bioética da proteção. Existem hoje, muitas discussões a respeito da pessoa em sofrimento mental; o tratamento realizado, a assistência oferecida e a não reinserção social, dessa forma observa-se que os usuários não são empoderados para reivindicar melhorias no atendimento de suas necessidades no contexto da reabilitação psicossocial.

          Unitermos: Saúde mental. Bioética. Populações vulneráveis.

 

Abstract

          People in mental distress are a group of vulnerable who are in situations of denial of their rights, and their civil, political and social rights. Therefore, the research aims to identify articles that describe the autonomy of the person in mental distress during the therapeutic process, being watched by aspects of bioethics of protection. It consisted of a systematic survey articles in indexed journals, published between 2005-2014, resulting in three approaches; the autonomy of the person in mental distress, guided treatment in the absence of self-determination and bioethics of protection. Today there are many discussions about the person in mental distress; the treatment performed, the care offered and no social reintegration thus it is observed that users are not empowered to demand improvements in meeting their needs in the context of psychosocial rehabilitation.

          Keywords: Mental health. Bioethics. Vulnerable populations.

 

Resumen

          La personas que padecen angustia mental son un grupo vulnerable que se encuentran en situación de privación de sus derechos, tantos de sus derechos civiles, como políticos y sociales. Por lo tanto, la investigación tiene como objetivo identificar estudios que describen la autonomía de la persona en la angustia mental durante el proceso terapéutico, siendo considerados por los aspectos de la bioética de la protección. Consistió en un estudio sistemático de artículos en revistas indexadas, publicados en el periodo 2005-2014, resultando en tres enfoques; la autonomía de la persona con problemas mentales, tratamiento basado en la ausencia de la libre determinación y la bioética de protección. Hoy en día hay muchas discusiones acerca de la persona con padecimientos mentales; el tratamiento realizado, la asistencia que se ofrece y no hay reinserción social, por tanto, se observa que los usuarios no son empoderados para exigir mejoras en el cumplimiento de sus necesidades en el contexto de la rehabilitación psicosocial.

          Palabras clave: Salud mental. Bioética. Poblaciones vulnerables.

 

Recepção: 18/02/2016 - Aceitação: 08/12/2016

 

1ª Revisão: 23/11/2016 - 2ª Revisão: 04/12/2016

 

 
Lecturas: Educación Física y Deportes, Revista Digital. Buenos Aires, Año 21, Nº 223, Diciembre de 2016. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    No Brasil, a partir da década de 1970, iniciou-se um processo de crítica ao modelo centrado na figura hospitalar que atendia ao paciente com transtorno mental, sendo este, tratado, muitas vezes, com violência e sem um tratamento que preservasse a sua dignidade humana. Desse modo, surgiu o movimento de reforma psiquiátrica inserida em um contexto de movimentação politica pela redemocratização, apresentando assim, um caráter não apenas crítico a um sistema nacional de saúde mental, mas também, busca substituir os hospitais manicomiais por uma relação de reinserção social entre sociedade e as pessoas portadoras de transtornos mentais com mais dignidade e respeito (Amarante, 1995).

    Com isso, a reforma psiquiátrica traz uma preocupação em reduzir o número de pacientes internados e o tempo de internação, coloca como eixo a superação de um modelo de cuidado ao transtorno mental vigente, de institucionalização, exclusão social e um estigma de doentes mentais. A partir dai é dado origem a novos meios de acolher e tratar esses doentes como: os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), o Hospital Dia, os Centros de Convivência e Cultura, as unidades/leitos psiquiátricos em hospitais gerais, o programa De Volta Para Casa, o Programa Nacional de Avaliação do Sistema Hospitalar/Psiquiatria e o Programa de Residência Terapêutica. Todas essas alternativas vêm para romper os conceitos do modelo hospitalocêntrico (Brasil, 2004).

    As pessoas em sofrimento mental formam um grupo vulnerável que se encontra em situações de violação dos seus direitos como indivíduos pertencentes a uma sociedade, perpassa por uma negação aos seus direitos civis, políticos, sociais e cultural sendo uma ocorrência comum à pessoa em sofrimento mental, estando ele institucionalizado ou inserido em uma comunidade (Ventura; Moraes; Jorge, 2004).

    Nesse contexto, a autonomia pode ser definida como habilidade de autodeterminação, de ser independente, isto é, a pessoa tem o poder e a habilidade de tomar decisões sobre si mesmo. Sendo assim é necessário que o paciente durante toda a execução do tratamento, seja um sujeito ativo, participando com envolvimento na tomada de decisões relacionadas a sua própria saúde (Barros, 1994).

    Assim deve-se levar em conta que frequentemente a pessoa em sofrimento mental apresenta redução em suas capacidades mentais, de autocontrole, de comunicar suas preocupações e interesses, os colocando como pessoas vulneráveis estando sujeitas a terem negligenciada sua voz e seu poder de decisão, dessa forma a autonomia não é respeitada se dando uma negação a sua dignidade humana. A partir dai adentra o campo bioética da proteção que tem como premissa, proteger os vulneráveis. Neste sentido, a bioética da proteção precisa ser discutida para que, mesmo com a autonomia reduzida, os usuários dos serviços de saúde mental possam ter o direito de opinar em seu tratamento e serem protegidos dessa situação específica de vulnerabilidade (Felicio; Pessini, 2009).

    No que se refere ao contexto da saúde pública, a bioética vem ganhando notoriedade pelas contribuições relacionadas aos critérios éticos de destinação e aplicação de recursos, bem como no que se refere a proteção das populações vulneráveis. Entendendo por vulneráveis as populações sujeitas a serem atacadas a qualquer momento por agentes de qualquer natureza (Pereira et al, 2010).

    Tendo em vista as concepções da bioética, como a bioética da proteção oferecem aportes para a análise da situação das minorias. Sendo assim, o presente trabalho considera que essas correntes podem mediar a abordagem de dilemas éticos suscitados por pessoas em sofrimento mental, levando em consideração sua autonomia e vulnerabilidade durante o processo terapêutico. Neste estudo, será realizada uma busca literária com o objetivo de identificar trabalhos que descrevam a autonomia da pessoa em sofrimento mental, durante a execução do processo terapêutico, sendo observados pela ótica da bioética da proteção.

Metodologia

    Consiste em um levantamento sistemático de artigos em periódicos indexados, publicados nos últimos dez anos completos (2005 a 2014), buscando-se responder as se­guintes questões norteadoras: quais apresentações existem na literatura no que se refere à autonomia de pessoas em sofrimento mental durante o processo terapêutico? Qual a visão da bioética da proteção em relação à autonomia desse grupo de vulneráveis?

    Dessa forma, o período da pesquisa bibliográfica foi de 2005 a 2014. Este recorte temporal foi operado devido ao fato de, em 2005, a Conferência Geral da UNESCO ter adaptado a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, onde pela primeira vez na história da bioética, os Estados-membros e a comunidade internacional, comprometeram-se a respeitar e aplicar os princípios fundamentais da bioética.

    Com este propósito, foi efetuada uma revisão integrativa das publicações na área de saúde através de uma revisão da literatura, selecionando artigos publicados e disponibilizados nas bases de dados eletrônicas: SciELO-Brasil, Lilacs, Google Acadêmico, LATINDEX PePSIC e CLASE. Durante a seleção dos artigos foram considerados como palavras-chave e combinações de palavras com os seguintes critérios de inclusão: as pesquisas deveriam focalizar no seu contexto, dados sobre autonomia da pessoa em sofrimento mental e a bioética da proteção. Para a pesquisa, os descritores selecionados a partir do DeCS (Descritores em Ciências da Saúde) foram: bioética; autonomia; saúde mental e vulnerável.

    Como o número de artigos encontrados referentes ao objeto de estudo foi inferior ao esperado, devido à escassez de publicações referentes à temática, foi necessário a busca de outros, mesmo que não publicados em revistas indexadas pelas bases de dados citadas acima, como teses e dissertações referentes ao tema.

    A consulta final permitiu selecionar 10 textos em português, que foram trabalhados de forma que um pudesse complementar a ideia central do outro e, assim, construir novo texto com as principais discussões acerca das questões bioéticas.

    O levantamento bibliográfico foi apoiado na necessidade de construir conhecimentos e discutir acerca da autonomia da pessoa em sofrimento mental durante o processo terapêutico sob a ótica da bioética da proteção, a partir do reconhecimento da produção científica sobre esse conceito.

Resultados e discussão

    Diante aos trabalhos analisados, foi possível estabelecer três eixos centrais sobre: a autonomia da pessoa em sofrimento mental, tratamento pautado na ausência de autodeterminação e bioética da proteção. Com base nos artigos dos quais se realizou a leitura sistemática, pôde-se discutir acerca do tema proposto, apresentamos no Quadro 1.

Quadro 1. Identificação dos artigos analisados entre 2005 e 2014

Periódico / Ano

Título

Autoria

Base de dados

Revista de Medicina e Saúde de Brasília / 2012

Ética, autonomia e doença mental

Godoy, HRV;

Gonçalves, FB; Castro, UR.

Google acadêmico

Psicologia & Sociedade / 2011

Residências terapêuticas e comunidade: A construção de novas práticas antimanicomiais

Moreira, MIB; Castro-Silva, CR.

SciELO.

Revista Bioethikos / 2011

Respeito à autonomia do doente mental: um estudo bioético em clínica psiquiátrica

Costa, JRE.

CLASE

Revista bioética / 2011

A saúde mental das crianças e dos adolescentes: considerações epidemiológicas, assistenciais e bioéticas

Feitosa, HN; Ricou, M; Rego, S; Nunes, R.

SciELO; Lilacs.

 

Revista Bioética / 2010

Dignidade, autonomia do paciente e doença mental.

Almeida, EHR.

SciELO; Lilacs.

 

Revista Psicologia e Saúde / 2010

Ética e Saúde Mental: Desafios da Clínica Cotidiana

Rosa, GAM.

PePSIC; LATINDEX.

Revista Bioética / 2009

Reflexão sobre a autonomia civil das pessoas portadoras de transtornos mentais

Cohen, C; Salgado, MTM.

SciELO; Lilacs.

Revista Bioética / 2009

Bioética da Proteção: vulnerabilidade e autonomia dos pacientes com transtornos mentais

Felício, JL; Pessini, L.

SciELO; Lilacs.

Revista Bioethikos / 2007

Para compreender a doença mental numa perspectiva de bioética

Costa, JRE; Anjos, MF; Zaher, VL.

CLASE

Rev Latinoam Enfermagem / 2005

Algumas considerações sobre a utilização de modalidades terapêuticas não tradicionais pelo enfermeiro na assistência de enfermagem psiquiátrica

Andrade, RLP; Pedrão, LJ.

SciELO.

A autonomia da pessoa em sofrimento mental

    Autonomia quer dizer ter governo próprio, onde se estabelece normas e condutas próprias. Diz respeito à autodeterminação, ao poder de decidir sobre si mesmo, de ter independência de vontade, capacidade de tomar decisões e fazer escolhas. Cohen e Marcolino (2002) empregam o termo autonomia sendo referido às atividades pessoais, ao poder da pessoa humana de tomar decisões que afetam sua vida, sua saúde, definindo a escolha autônoma.

    Nesse contexto, além da liberdade de optar por algo, a ação autônoma, é poder pensar e agir de forma diferenciada em uma realidade na qual esta inserido. Também pressupõe a liberdade de ações, em que estas não resultem em malefício para outras pessoas nem para si próprio. Logo se entende que, a pessoa agindo de forma autônoma seja capaz de assumir as consequências de suas escolhas e decisões (Koerich; Machado, 2005).

    A autonomia é uma decisão que exprime a preferência, seja ou não racional. Assim a pessoa autônoma é aquela que tem liberdade de pensamento, livre de coações internas ou externas, para escolher entre as opções que lhe são apresentadas (Costa, 2011).

    Dessa forma adentramos no conceito da razão atribuído por Foucault onde a loucura se torna uma forma relativa à razão, que necessita dela (loucura) para existir como razão, pois a loucura e a razão entram numa relação reversível em que toda loucura tem sua razão que a controla e a julga. Dessa forma, a loucura não pode ser negada como doença (Costa; Anjos; Zaher, 2007).

    As pessoas em sofrimento mental, muitas delas, consideradas, segundo Nascimento e Garrafa (2011), colonizadas, uma vez que se encontram em condição de vulnerabilidade frente à desigualdade social, à pobreza, à falta de escolaridade e de empoderamento, recebem o que lhe é imposto sem questionamentos.

    Nesse contexto o que se percebe é que as pessoas em sofrimento mental são historicamente estigmatizadas e excluídas da sociedade, estejam elas trancadas em hospitais, em cárcere privados ou mesmo frequentando um centro de atenção psicossocial. Dessa forma percebe-se que o uso do direito civil de cada ser não é homogêneo para todas as pessoas que apresentam diferenças pessoais. A Declaração Universal dos Direitos Humanos traz em seu texto referencias a capacidade de cada individuo poder usufruir de liberdade e direito sem nenhuma distinção, seja ela, de nascimento, politica, étnica, social ou qualquer outra condição que diferencie um ser humano do outro (Ventura et al, 2010)

    Embora tenha havido um avanço nas políticas públicas no campo da saúde mental, especialmente a partir da lei 10.216, que trata da proteção dos direitos desse grupo de vulnerados, na prática nos serviços de saúde temos observado, empiricamente, um distanciamento entre o saber e o fazer em saúde mental, no que concerne ao respeito aos direitos humanos relativos à autonomia e ao protagonismo dos usuários.

Tratamento pautado na ausência de autodeterminação

    A pessoa em sofrimento mental é um ser humano, que caminha no sentido de encontrar a si mesmo, que consiga realizar atividades cotidianas de forma tranquila. Nesse sentido este não deve ser visto apenas como consumidores de medicamentos e consultas psiquiátricas, ele é um indivíduo co-responsável no estabelecimento e durante todo o seu processo terapêutico (Costa; Anjos; Zaher, 2007).

    A saúde mental foi por muito tempo uma área de exclusão de indivíduos. Existem hoje muitas discussões a respeito da pessoa em sofrimento mental, o tratamento realizado, a assistência oferecida e a não reinserção social. No mesmo sentido é discutido sobre a cronificação dos pacientes, o sistema asilar e o modelo biomédico. Com isso as discussões foram dando origem a novos pensamentos e estratégias direcionadas para uma reabilitação do indivíduo onde houvesse a busca por uma autodeterminação do mesmo, aliado a uma valorização do cuidar, onde não sejam cuidados prestados com improviso visando apenas que a necessidade do doente seja atendida, mas uma nova forma de pensar no processo saúde-doença (Amarante, 2007).

    Dessa forma nos dispositivos ditos especializados, que são os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) que traria uma reinserção social e uma não institucionalização não raro percebe-se a inadequação funcional em relação ao que é preconizado pelo Ministério da Saúde. Não é disponibilizada uma diversidade de oficinas terapêuticas para que o usuário possa optar por aquela com a qual se identifique, ou que seja mais apropriada a seu tratamento.

    As atividades se baseiam em usuários cortando papel e fazendo dobraduras na oficina designada de “artesanato”, porque não dispõem de alternativas e recursos materiais e humanos. Há escassez de materiais e de técnicos com outras habilidades para proporcionar essas alternativas. Com isso os usuários não são empoderados para reivindicar melhorias no atendimento de suas necessidades no contexto da reabilitação psicossocial.

    Como se não bastasse a insuficiência de infra-estrutura e funcionamento do CAPS, o que afeta extremamente os direitos dos usuários, há algo que julga-se bem mais grave, que é a medicalização desmedida, o que produz inibição bioquímica, psicológica e social dos usuários, e eles têm de aceitar “o cardápio” de psicotrópicos disponível na rede do Sistema Único de Saúde (SUS).

    Embora muitos usuários não apresentem remissão de sintomas ao usar os neurolépticos, que são medicações descobertas na década de 1950 e que produzem sérias reações adversas e efeitos colaterais irreversíveis, a exemplo da discinesia tardia. Eles têm de aceitar usá-los, muitas vezes, por ser a opção disponível e, também, pelo status de colonização da família. Na maior parte dos casos os neurolépticos e os antipressivos de geração mais antiga são prescritos sem dizer aos usuários que existem drogas de nova geração que, apesar de, também, apresentarem efeitos secundários, são mais eficazes ao controle sintomático.

    Neste contexto é válido lembrar que, a relação terapêutica estabelecida entre indivíduo e profissional também é constituída pela dor, sofrimento, vivências e percepções de vida em que os saberes e práticas no campo da saúde mental precisam estabelecer mecanismos para tornar evidentes os elementos assistenciais, subjetivos e sociais, devendo ser atrelados pelos encontros diversos e pelas múltiplas visões na relação entre o trabalhador e o usuário (Fonseca; Corbo, 2007).

Bioética da proteção

    A Bioética da Proteção é entendida como condição necessária para que a pessoa vulnerada saia de sua condição de vulneração e potencialize suas capacidades na tentativa de fazer suas escolhas de maneira competente para ter uma vida, de uma forma ou de outra, decente. Não se aplica aos indivíduos que mesmo afetados negativamente, conseguem enfrentar essa condição com seus próprios meios ou com os serviços oferecidos pelas instituições vigentes (Schramm; Kottow, 2001).

    Não se deve confundir a bioética da proteção com paternalismo, porque proteger significa dar as condições de vida que cada qual julgue necessárias para capacitá-lo na tomada de suas próprias decisões enquanto ser racional, enquanto que o paternalismo pode, em nome do (suposto) bem-estar do outro, infantilizá-lo e sufocá-lo, impedindo sua capacitação para viver uma vida decente e livre, tornando-o, assim, sempre dependente das escolhas alheias (Schramm et al, 2005).

    Dessa forma a bioética da proteção considera que o governo tem o compromisso de proteger toda a sociedade, diante de qualquer intervenção que não seja estável, reconhecendo as desigualdades que ferem a estrutura social, preocupando-se com a população e com as maiorias que sofrem restrições da liberdade decorrentes de privações, falta de empoderamento e predisposição ao aumento de suscetibilidades. Desse modo, a preocupação particular da bioética da proteção é com os riscos e a vulnerabilidade, que as pessoas vulneráveis correm de serem prejudicadas pelas consequências das ações realizadas por profissionais da saúde (Gonçalves Verdi, 2005).

    Ao abordar os aspectos bioéticos da saúde Mental, o que se coloca em discussão é, portanto, qual a forma mais eficaz de garantir a proteção de tais pessoas que, por apresentarem hipossuficiência por incapacidades pessoais, não possuem plenamente seus direitos de escolha? Estas pessoas não desfrutam da capacidade plena de autogoverno e de livre arbítrio em relação ao próprio destino. Diante dessa temática, o princípio envolve a proteção da privacidade, da confiabilidade e da procura de ações que se baseiam em um consentimento informado, a opor-se a qualquer manifestação coercitiva, mesmo que justificada por quaisquer benefícios sociais (Feitosa et al, 2011).

    Em situações de ausência ou perda, mesmo que de forma parcial, da plena capacidade psíquica e de autogoverno, Cohen e Salgado (2009), ressalta a importância da atuação dos profissionais da saúde mental - psiquiatras, psicólogos jurídicos e assistentes sociais, por exemplo - com a finalidade de fazer com que o paciente readquira autoconsciência, autonomia, liberdade, além do respeito por si próprio e pelos outros. E, para que isso aconteça, é de extrema importância a ação de profissionais competentes, dotados de compreensão humana, coragem e sobretudo, sensibilidade ética.

    No momento em que a pessoa em sofrimento mental não pode mais contar com as possibilidades de intervenção extra-hospitalar, o profissional de saúde procede com a internação do paciente, conforme prevê a Lei 10.216/01, a fim de garantir-lhe o direito à vida, a liberdade e à segurança pessoal (Felicio; Pessini, 2009). Quando é necessária uma intervenção como esta, fica evidente a intenção de preservar os direitos, mas, como fica a liberdade? Aranha (2007), diz que se protege a liberdade do paciente, apoderando-se de seu direito de ir e vir em uma internação, porque esta medida lhe restituirá, mais adiante, essa mesma liberdade e direitos.

Conclusões

    A discussão da bioética se presta para clarificar as ações empreendidas, no sentido de que fortaleçam o mais possível a dignidade de pacientes e familiares e de qualquer um que se encontre mais fragilizado por dificuldades emocionais. A sua análise também deve estender-se às discussões e deliberações sobre os direitos de pessoas em sofrimento mental, inclusive nas instâncias políticas e comunitárias, nas quais se organizam usuários, profissionais e familiares.

    Esta revisão integrativa aponta para os dilemas inerente ao resgate da autonomia e autodeterminação das pessoas em meio a vulnerabilidades e assume a perspectiva de proteção dos vulneráveis, cujos transtornos mentais os tornam incapazes de exercer a autonomia frente aos cuidados no âmbito da saúde.

Bibliografia

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