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A cultura como ferramenta: reflexões acerca do tema

Culture as a tool: reflections on the theme

La cultura como herramienta: reflexiones acerca del tema

 

Doutoranda e Mestre em Processos e Manifestações Culturais

na Universidade Feevale

(Brasil)

Eliane Davila dos Santos

eliane.d@feevale.br

 

 

 

 

Resumo

          Muito se fala em cultura, na contemporaneidade, por ser um tema multifacetado, de grande importância para a sociedade e, como é estudado em diferentes campos de conhecimento, busca-se conceituá-lo de forma interdisciplinar. O tema surge diante de questionamentos que permeiam a sociedade e seu estudo, aqui, é delimitado a conhecer seu significado no âmbito corporativo, tendo como objetivo traçar reflexões acerca de suas contribuições no ambiente empresarial. Como marco teórico para o estudo utiliza-se Vázquez (2014), Even-Zohar (1999), Maigueneau (1997, 2008a) e Bourdieu (2002). Trata-se de uma pesquisa bibliográfica com abordagem qualitativa. Os resultados obtidos até o momento direcionam à ideia de que cultura é um instrumento de relações sociais e que mostra a forma como os homens atuam em sociedade, especialmente no contexto organizacional.

          Unitermos: Cultura. Organizacional. Identidade. Representações.

 

Abstract

          Much is said about culture, contemporaneously, as it is a multifaceted theme that is of much significance for society, and, as it is studied by different fields of knowledge, one tries to conceptualize it in an interdisciplinary way. The theme emerges before questionings that pervade society, and its study, in the present case, is delimited to trying to understand its meaning in the corporate context, with the purpose of reflecting on its contributions in business environment. Vázquez (2014), Even-Zohar (1999), Maigueneau (1997, 2008a) and Bourdieu (2002), are the theorists studied. It is a bibliographic research with a qualitative approach. Results obtained up till now direct to the idea that culture is a social relationships device, and that it shows the way in which mankind act in society, especially in business context.

          Keywords: Culture. Corporation. Identity. Representations.

 

Resumen

          Se habla mucho sobre la cultura, en la época contemporánea, siendo una cuestión multifacética de gran importancia para la sociedad y, como se estudia en diferentes campos del conocimiento, se tratar de conceptualizar de una manera interdisciplinaria. El tema plantea preguntas que permean la sociedad y su estudio está delimitado aquí para conocer su significado en el ámbito corporativo, con el objetivo de esbozar reflexiones sobre sus contribuciones en el ambiente empresarial. Como marco teórico para el estudio se utilizó a Vázquez (2014), Even-Zohar (1999), Maigueneau (1997, 2008a) y Bourdieu (2002). Se trata de una investigación bibliográfica con enfoque cualitativo. Los resultados obtenidos hasta la fecha orientan a la idea de que la cultura es un instrumento de las relaciones sociales y que muestra cómo los hombres actúan en la sociedad, especialmente en el contexto organizacional.

          Palabras clave: Cultura. Organizacional. Identidad. Representaciones.

 

Recepção: 25/05/2016 - Aceitação: 22/11/2016

 

1ª Revisão: 08/11/2016 - 2ª Revisão: 19/11/2016

 

 
Lecturas: Educación Física y Deportes, Revista Digital. Buenos Aires, Año 21, Nº 223, Diciembre de 2016. http://www.efdeportes.com/

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1.     Introdução

    A discussão sobre o tema cultura, a partir de diversas perspectivas teóricas, fomenta o espírito investigativo dos pesquisadores e evidencia a importância da interdisciplinaridade nas produções acadêmicas. A reflexão sobre o que é cultura, sob uma perspectiva de ferramenta, permite entender o modo como as pessoas e as organizações atuam no mundo, ou seja, cultivando a elas mesmas.

    O tema surge frente aos questionamentos que permeiam a cultura na sociedade e é delimitado pelo estudo da cultura no âmbito corporativo. O objetivo é traçar reflexões a cerca das contribuições da perspectiva da cultura como ferramenta no ambiente empresarial.

    As associações feitas neste estudo foram feitas a partir da palestra da Prof.ª Dr.ª Raquel Bello Vázquez (informação verbal)1, com o título: Estudos de Cultura e suas Aplicações. Ela estudou o Caminho de Compostela e trouxe como conceito principal a ideia de que a cultura é uma ferramenta.

    Para iniciar a contextualização do tema e embasá-lo teoricamente, recorre-se ao estudioso Even-Zohar (1997) que define cultura como um conjunto de ferramentas que possibilita a vida social. Sob a perspectiva de ferramenta, percebe-se que comunidades modelam o mundo que as cercam de uma forma que pode ser considerado como cultura.

    A cultura, dessa forma, é vista como um conjunto de ferramentas para organizar a vida, a nível coletivo e individual. Essas ferramentas são basicamente de dois tipos: passivas e ativas.

    As ferramentas passivas, segundo Even-Zohar (1997), podem ser definidas como procedimentos que auxiliam as pessoas a analisar, explicar e dar sentido à realidade; permitem observar o mundo como um conjunto de sinais que precisa ser interpretado para dar algum sentido à vida. A cultura passa a ser uma organização estrutural do mundo que nos rodeia.

    À luz de Even-Zohar (1999), as ferramentas ativas são os procedimentos que ajudam o indivíduo a poder lidar com o mundo que o cerca. A cultura passa a ser "um repertório ou uma caixa de ferramentas, hábitos, habilidades e padrões pelos quais as pessoas constroem 'estratégias de ação'.” (Swidler, 1986, p.273). Essa abordagem colabora com o conceito de cultura como um ato de produção do ser humano, ou seja, a cultura passa a ser ferramenta do indivíduo para a compreensão e ação no mundo.

    Não há como pensar em cultura sem ser levado à análise da forma como a linguagem é produzida e interpretada em um contexto social ou corporativo. Quando os textos funcionam como portadores oficiais de modelos sociais, a prática revela que a linguagem carrega em si valores e crenças dos ambientes sociais e corporativos.

    Considerando os conceitos de cultura como uma forma de progresso social, Vázquez (2014) entende que, ao utilizar a linguagem como um bem, amplia-se o entendimento desse conceito. A linguagem passa a ser um instrumento que pode ser utilizado para as várias formas de expressão. Ao pensar a linguagem nas organizações, no que as instituições revelam em seus discursos, é possível compreender que a linguagem vem carregada de valores culturais, ou seja, vai muito além da simples comunicação das empresas aos funcionários e clientes.

    A comunicação permeia todos os atos da vivência humana e, nas organizações, vistas como organismos sociais vivos e interdependentes, não é diferente. Inserida na base das funções administrativas de planejamento, organização, direção e controle, a linguagem consiste na alma da organização, pois é ela que estabelece as relações de entendimento necessárias para que as pessoas possam interagir como grupos organizados para atingir objetivos predeterminados.

    A partir das reflexões promovidas por Vázquez (2014), é possível relacionar as afirmações da palestrante relativas à cultura, às questões da análise do discurso utilizadas como instrumento de análise dos estudos da linha francesa. Na seção seguinte, descorem-se sobre as questões do discurso e do ethos discursivo.

2.     Cultura, identidade e ethos como imagem de si

    A análise do discurso permite, a partir da linguagem escrita ou verbal, encontrar materialidades discursivas de ímpar relevância na construção das identidades das empresas. Vázquez (2014) comenta, em sua palestra, que esse alargamento do conceito de cultura colabora com a construção da identidade das pessoas e das organizações.

    A cultura leva ao entendimento da identidade, ou seja, as ideias de Vázquez (2014) convergem com os ensinamentos de Maingueneau (1997, 2008a, 2008b), que defende o estudo do ethos – como imagem de si – correlacionando a cultura organizacional com a construção da identidade corporativa.

    A identidade organizacional conforme Almeida (2006, p. 34),

    É uma auto-reflexão influenciada por nossas atividades e crenças, as quais são interpretadas utilizando-se pressupostos e valores culturais, compartilhada pela maioria dos membros da organização. A cultura fornece o contexto que permite responder a questão central de identidade nas organizações, além de contribuir com o material simbólico para essa construção.

    A identidade organizacional, nesse caso, é a essência da empresa e é o que faz com que ela se diferencie das outras organizações. É o que é percebido como estável ao longo do tempo. Cultura e identidade são conceitos independentes, porém, um precisa do outro como fonte de significados. A cultura, por meio dos mitos, ritos, histórias e visões do mundo, colabora com a construção da identidade. Compreender a identidade é uma maneira de construir sentido sobre o que constitui a cultura das organizações. Construir sentido sobre a cultura das organizações permite, por sua vez, a criação de reputação, de imagem positiva e possibilita um processo de comunicação das organizações e seus públicos, segundo Marchiori (2006).

    A cultura nas instituições é pautada em seus valores, ou seja, engloba a confiança nas pessoas, zelo no cumprimento dos pactos, transparência, foco em resultados e visão de longo prazo. Com a premissa de que toda produção de linguagem é discurso, o jogo de imagens de si que as empresas revelam, contemplam as diversas maneiras que cada empresa investe para dizer o que desejam dizer, com o objetivo de construir sua própria identidade, principalmente no agenciamento das posições que cada organização assume em seu discurso.

    Dessa forma, pensar no discurso como uma forma de representação, permite dizer que a identidade eclode a partir das ideias que são representadas pelos discursos da cultura, pela forma como cada um é interpelado pelos discursos e como se admite a posição de sujeito frente à cultura. A identidade deve ser pensada a partir da representação, uma vez que ela vem unificada com o posicionamento do sujeito no interior das representações. Na próxima seção, apresenta-se questões sobre as representações identitárias.

3.     As representações identitárias e a cultura

    Vázquez (2014), em sua palestra, comenta que o estudo da cultura como “ferramenta” não é novo. A partir dessa afirmação, é possível associar a palestra às questões pertinentes às representações sociais. Ao utilizar conceitos apresentados por Bourdieu (2002) e Chartier (2002), é possível dizer que as representações são elaborações da sociedade. São visões do mundo a partir de um contexto de grupo. Bourdieu (2002) ainda ressalta que, ao falar em campo social, há sempre uma luta por representações e os diferentes grupos, por meio das próprias representações, podem até dominar uns aos outros.

    Bourdieu (2002) e Chartier (2002) convergem quando apontam que as representações estão localizadas no tempo e são elaboradas pelos indivíduos e seus grupos. Esses grupos, de alguma forma, podem forjar uma realidade social que pode ser construída para obedecer ou para dominar. Eis o jogo do discurso sendo apresentado em meio à sociedade.

    Bourdieu (2011) esclarece também que as representações que o indivíduo tem de si e a representação que ele faz dos outros, são percebidas pelos estilos de vida que cada um tem. A identidade social é representada por aquilo que cada grupo revela de si e pelo que percebe do outro. Bourdieu (1994) formula o conceito de habitus como uma fonte das representações, que é fruto de circunstâncias concretas. Isso significa dizer que o habitus permite interpretações que vão além de um elo entre práticas e representações. O habitus origina e faz com que práticas e representações aconteçam e se manifestem.

    Ainda discorrendo sobre o tema proposto, considerar a cultura como uma ferramenta possibilita repensar a cultura nas organizações. Muitas vezes, existe uma falta de convicção sobre o que é cultura e qual o seu papel nas dimensões política, econômica e social que oriente, de forma adequada, as ações no âmbito público e privado.

    Vázquez (2014) colabora para afirmar que a vida é sensibilizada pela cultura. Muitas vezes, são movimentos que sofrem recuos, dependem de reavaliações e, normalmente, são incompreendidos no momento de sua aplicação. Em um processo de mudança social, as mentalidades mudam por último, mas sem um início de mudança nas mentalidades, não há transformação possível.

    Cândido (1995) coloca a fruição dos bens simbólicos ou do “fazer poético” como um direito humano essencial. Embora parta do conceito de literatura, ele expande a noção para toda a criação simbólica, ou seja, reconhece como uma necessidade fundamental o acesso de todos à participação na dimensão criativa, da imaginação e da sensibilidade, sob pena de comprometer o desenvolvimento da pessoa.

4.     Conclusões

    As associações de conceitos e a busca de autores que convirjam em pensamentos que possibilitem a reflexão da cultura, conforme proposto por Vázquez (2014), coloca o conceito de cultura como “ferramenta” como um instrumento de relações sociais, ou seja, a forma como os homens atuam em sociedade.

    A gestão da cultura, antes de tudo, é uma definição política e implica em um posicionamento ideológico, não podendo ser confundida com um processo neutro. As decisões nas empresas e na sociedade não têm um caráter neutro. Um povo sem um acervo de conhecimentos, arte e memória, não tem referências que lhe permitam projetar-se no futuro; estará condenado a mero receptor, nunca um criador. O empobrecimento cultural, a degradação ambiental e a perda de perspectivas criativas prosperam no terreno fértil do desrespeito e do desconhecimento da cultura como forma de “ferramenta” social.

    Ao estudar a cultura, outros assuntos são associados para que a compreensão do tema seja mais abrangente. Neste texto, entre os assuntos relacionados ao tema cultura, procurou-se promover também reflexões acerca de questões sobre a linguagem, discurso, identidade, representação. Este trabalho não teve a pretensão de ser exaustivo e conclusivo, pois priorizou nuances de sentidos construídos a partir da palestra de Vázquez (2014) sobre o tema cultura, sob uma perspectiva de “ferramenta”, permitindo o entendimento do modo como as pessoas e as organizações atuam no mundo, ou seja, cultivando a si próprias.

Nota

  1. Palestra ocorrida no dia 28/09/2014, integrante dos Seminários Avançados 2014 do Mestrado em Processos e Manifestações Culturais da Universidade Feevale.

Bibliografia

  • Almeida, A. L. de C. (2006). A construção de sentido sobre “quem somos” e “como somos vistos”. Em M. Marchiori, Faces da cultura e da comunicação organizacional (pp. 33-35). São Caetano do Sul: Difusão. Recuperado em 6 de novembro de 2014 de: http://pt.scribd.com/doc/50916492/faces-da-cultura-e-da-comunicacao-organizacional

  • Bourdieu, P. (1994). Esboço da teoria da prática. Em R. Ortiz (org.) Pierre Bourdieu / Sociologia (pp. 46-81). São Paulo: Ática.

  • Bourdieu, P. (2002). O poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.

  • Bourdieu, P. (2011). A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Zouk.

  • Chartier, R. (2002). A beira da falésia: a história entre as incertezas e inquietudes. Porto Alegre: Ed. URFGS.

  • Cândido, A. (1995). O direito à literatura. Em A. Cândido, Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades.

  • Even-Zohar, I. (1997). Culture Repertoire and the Wealth of Collective Entities. Recuperado em 8 de novembro de 2014 de http://www.tau.ac.il/-itamarez

  • Even-Zohar, I. (1999). La literatura como bienes y como herramientas. Em V. Darío, M. Antonio y B. Enric (coords.), Sin Fronteras: Ensayos de Literatura Comparada en Homenaje a Claudio Guillén (pp. 27-36). Madrid: Editorial Castalia.

  • Maingueneau, D. (1997). Novas tendências em Análise do Discurso. Campinas: Pontes.

  • Maingueneau, D. (2008a). Gênese dos discursos. São Paulo: Parábola Editorial.

  • Maingueneau, D. (2008b). Cenas da enunciação. Organização de S. Possenti e M. C. P. de Souza-E-Silva. São Paulo: Parábola Editorial.

  • Marchiori, M. (2006). Faces da cultura e da comunicação organizacional (pp. 1-22). São Caetano do Sul: Difusão. Recuperado em 6 de novembro de 2014 de: http://pt.scribd.com/doc/50916492/faces-da-cultura-e-da-comunicacao-organizacional.

  • Swidler, A. (1986). Culture in action: symbols and strategies. American Sociological Review, v. 51, (n. 2), p. 273-286.

  • Vázquez, R. B. (2014). Estudo na cultura e suas Aplicações. Palestra ocorrida no dia 8 de setembro. Disciplina de Seminários Avançados 2014. Mestrado em Processos e Manifestações Culturais da Universidade Feevale.

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