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Corpo, nudez e erotismo. Uma análise social nas campanhas de moda

Body, nudity and eroticism. Social analysis in fashion campaigns

Cuerpo, desnudez y erotismo. Un análisis social de las campañas sobre la moda

 

*Graduada em Design de moda (UCS), Especialista em Gestão de Projetos (UNISINOS)

Integrante do grupo de pesquisa Cultura e Memórias da Comunidade (FEEVALE)

**Doutora em Comunicação Social (PUCRS), Mestra em Ciências da Comunicação (UNISINOS)

Pesquisadora do grupo de pesquisa Cultura e Memórias da Comunidade (FEEVALE)

(Brasil)

Daniela Cristina Menti*

danielamenti@gmail.com

Denise Castilhos de Araújo**

deniseca@feevale.br

 

 

 

 

Resumo

          A introdução da imagem do ser humano nu como instrumento de publicidade sofreu várias interferências sociais ao longo da historia da arte, a necessidade de adaptar o corpo para que o indivíduo possa se sentir parte de um determinado grupo social cresceu durante os anos e foi introduzido no contexto das campanhas de moda. A sexualidade humana que fora reprimida de início e aos poucos foi sendo retratado em obras de artes, passa a ser vista com mais frequência na publicidade. As práticas discursivas da mídia exploram o contexto lascivo de propagandas e mostram como o corpo passou a exibir plasticidade, se estabelecendo como um bem revelador de diversos significados;

          Unitermos: Corpo. Nudez. Sexualidade. Publicidade. Moda.

 

Abstract

          The introduction of the image of the naked body as an advertising tool has undergone several social interferences throughout art history, the need to adapt the body to the individual to feel part of a particular social group has grown over the years and was introduced in context of fashion campaigns. Human sexuality that had been repressed start and gradually was being portrayed in works of art, and it have been seen more often in advertising. The media discursive practices exploit the lecherous context of advertisements and show how the body has to have plasticity establishing itself as a property of revealing several meanings.

          Keywords: Body. Nudity. Sexuality. Publicity. Fashion.

 

Recepção: 31/08/2016 - Aceitação: 25/10/2016

 

1ª Revisão: 09/10/2016 - 2ª Revisão: 20/10/2016

 

 
Lecturas: Educación Física y Deportes, Revista Digital. Buenos Aires, Año 21, Nº 221, Octubre de 2016. http://www.efdeportes.com/

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O nu na arte

    A nudez sempre esteve presente na sociedade, fazendo parte da configuração da identidade pessoal do indivíduo. Um corpo nu não é neutro em termos de valor, e sim dotado de simbologias, isto está claramente descrito na passagem bíblica de Gênesis: “A nudez que Adão e Eva compartilhavam sem culpa era agora a origem da vergonha. A doce inocência foi perdida para sempre. Lembre-se, não havia outro homem no jardim, só eles dois. Mas estavam com vergonha de encarar um ao outro sem roupa.” (O pecado do homem, 3:1-7)

    O reconhecimento da nudez por Adão e Eva, após comerem o fruto proibido é associada à vergonha da exposição de seus corpos. O significado de um corpo despido varia conforme a época. Na Grécia antiga, por exemplo, os escravos e os atletas andavam nus sem que isso fosse um problema1. Primeiramente em Esparta, o chamado nu heróico foi bastante difundido, tornando-se um traço distintivo da cultura helênica. O nu heróico masculino assumiu definitivamente o espaço principal na arte Grega e foi de importância decisiva na evolução da representação do corpo humano na escultura. A estátua de Apollo Belvedere feita em mármore na Antiguidade Clássica e redescoberta no Renascimento vem por séculos simbolizado a perfeição estética para Europeus e ocidentais em todo mundo.2 A Figura 1 mostra o deus Apolo vestindo apenas uma capa que está jogada atrás de seu braço, em sinal de vitória por ter derrotado uma temida píton que assombrava um vilarejo. Seu corpo está em total liberdade, e, com os braços abertos, expõe sua nudez completa.

Figura 1. Apolo de Belvedere

Fonte: http://www.portaldarte.com.br/23-escultura/00-05-Apollo-Belvedere.htm

    Essas práticas de nudez heróica, como vistas na imagem anterior não eram exclusivamente masculinas, exceto em Esparta, onde a mulher poderia exercitar-se nua sem represálias ou julgamentos. O nu feminino tendia a significar vulnerabilidade, imoralidade, fraqueza, derrota ou vitimização, pois somente escravas e prostitutas eram vistas em público sem roupas3. Muitas figuras femininas nuas são vistas na história da arte grega, uma das principais representações da deusa, associada ao amor, Afrodite foi feita por Praxíteles e batizada como Afrodite de Cnido. A Figura 2 mostra uma mulher jovem que está com suas vestes no braço esquerdo e discretamente cobre suas genitais com a mão direita, o que é um movimento pudico, e acaba atraindo a atenção do observador para a área. Afrodite segura um tecido que pende para o chão, e cobre, provavelmente, uma ânfora, indicando que ela se preparava para um banho. O tecido em sua mão enfatiza a sensação de movimento e leveza da imagem indicando como o corpo feminino que nos períodos anteriores era mistificado e pouco erotizado, agora é totalmente despido e expõe a beleza do nu feminino nos padrões gregos clássicos.

Figura 2. Afrodite de Cnido

Fonte: http://greciantiga.org/img.asp?num=0456

    Ambas as imagens mostram o corpo humano representado sem roupas, cada um com sua simbologia diferente, ou seja, para o homem a exposição do corpo foi muito mais representada, por ser considerado algo normal na sociedade (a nudez), e de certa forma saudável já que mostrava como o ele se exercitava e ganhava força. Enquanto que para a mulher, ter seu corpo nu exposto em público não fora tão aceito naquele momento, ao visto que apenas prostitutas andavam assim. Por conseguinte, a nudez feminina demorou mais para ser representada nas esculturas, surgindo primeiramente produções com ombros e seios a mostra, e, posteriormente, imagens femininas apenas cobrindo as genitálias, até o nu completo da imagem.

    Durante a Idade Média, o nu desapareceu das obras de arte ocidentais, o pudor nas obras e na sociedade foi intensificado, e o corpo passou a ser um objeto secundário, pois os aspectos espirituais do indivíduo passaram a ficar em primeiro plano4. A pintura da Idade Media representava a figura de Deus como o centro do universo, e o corpo humano não seguia suas devidas proporções na arte, como afirma Svedsen:

    Com o dualismo tradicional entre corpo e a alma, especialmente como encontrado em tradições cristãs, a forma do corpo terá relativamente pouca importância, pois a identidade terá a ver principalmente com a alma. (Svedsen, Lars. A filosofia da Moda. 2010 )

    O corpo, então, assume papel moral e ideológico durante o período da Idade Média, deixando de ser algo plástico e modelável, para ser um instrumento de salvação perante a Igreja. Segundo Jean Baudrillard (1998) “para ser realmente medieval, a pessoa não devia ter um corpo. Para ser realmente moderna, não deveria ter alma”.

    Com o fim da Idade-Média e a chegada do Renascimento, o pensamento social toma rumos diferentes, este foi o período de ascensão da burguesia e de valorização do homem no sentido individualista5. Esta mudança trouxe conceitos clássicos de volta para a arte, e corpos nus voltam a ser vistos em quadros. A beleza, a sensualidade e o erotismo passam a ser retratados sem embaraço por artistas. Abaixo, a representação do corpo feminino, Vênus de Urbino. A imagem reflete o espírito do renascimento, destacando a perfeição das formas e a beleza do corpo feminino.

Figura 3. Vênus de Urbino

Fonte: http://virusdaarte.net/ticiano-a-venus-de-urbino/

    O corpo da jovem desnuda representa o ideal de beleza e gostos eróticos do Renascimento pleno6, a mulher está totalmente nua, ornada com brincos e uma pulseira, sua mão levemente cobrindo suas partes íntimas. Sua cintura e quadris são largos, características que remetiam a uma mulher fértil e de uma família abastada. Os seios pequenos, redondos e rígidos também constituem parte de um ideal da beleza feminina, significando que eles ainda não haviam atingido a maturidade.7 Por fim, ela carrega flores em sua mão, possivelmente são rosas vermelhas que eram símbolo da feminilidade atribuídas à Vênus.

    A nudez no ponto de vista da religião pode significar vergonha e uma luxúria a ser conquistada, ou mesmo simbolizar a inocência, uma falta de pudor e também uma negação do corpo8. Na esfera política pode significar força bruta e autoridade, ou vulnerabilidade e escravização. Com o passar dos séculos e as mudanças do pensamento ocorridos, a representação da mulher passou a se diferenciar, e o nu volta a ser presente no século XX.

    Entre os séculos XVI e XVII, a imagem feminina transformou-se, sendo retratada pelos artistas de maneira mais recatada, assumindo papéis como de dona de casa, educadora, administradora. No século XVIII, observa-se a presença das mulheres em salões femininos, bem como sua afirmação como sujeito, nas pinturas, essas mulheres eram retratadas de maneira mais solta, sem o uso do corpete e com os cabelos flutuantes (Eco, 2001).

    No século XIX, O corpo feminino, majoritariamente tratado como objeto sensual, estava ligado às propostas de representação da vida ao ar livre, em meio à luz natural, ou relacionada à expressão doentia dos delírios masculinos.

    Segundo Araujo e Kuhn (2012) “É importante ressaltar que, no decorrer do século XX o nu apresentado na mídia, nas televisões, nas revistas e nas praias incentivou o corpo a desvelar-se em público”. A estética esportiva e voltada ao culto do corpo que fora adotada fez com que as mulheres começassem a mostrar as pernas e estas passaram a ser a parte mais erótica do corpo feminino. Existia uma grande variação no entendimento da cor da pele, onde antes de 1920, exibir as pernas com pele morena era algo muito vulgar, pois estava associado ao trabalho físico sob o sol. Após essa década o costume tido principalmente pelos americanos ricos de passar as férias em praias da Riviera francesa fez com que a pele morena deixasse de ser algo indecente para estar na moda;

    Avançando alguns anos, percebe-se que o surrealismo serviu de referência para a fotografia dos anos 1920 e 1930. Foi quando estudos sobre a perspectiva e a utilização de contrastes pesados entre o claro e o escuro impulsionaram a aceitação do nu como arte.

    Hollywood também representou drásticas mudanças para esses retratos ao emprestar-lhes glamour. As pin-ups estavam em voga em 1940 e corpos despidos passaram a fazer parte da publicidade a partir dos anos 60.

    A partir dos anos 60 até hoje, a nudez além de continuar presente na arte, principalmente na fotografia e manifestações artísticas, ela serve como uma arma de protestos. O grupo ucraniano FEMEN9, que é composto por mulheres que aparecem em público nuas para protestar contra diversas causas políticas e sociais, normalmente têm palavras escritas em seus seios com intuito de ressaltar o ideário feminista. Outros grupos, coletivos e manifestações seguem o pensamento de deixar seu corpo a mostra em público.

    Segundo Phillip Carr-Gomm (2010), “enquanto a história da nudez na religião é dominada pelos homens, a situação oposta se aplica no campo da ação política, onde a nudez tem sido usada com mais frequência pelas mulheres”. Um evento que acontece todo ano em várias cidades do mundo e vêm ganhando poder nas redes sociais, principalmente após os acontecimentos ligados a violência sexual10, a Slut Walk, ou Marcha das Vadias como é conhecido no Brasil, leva mulheres de todas as idades para as ruas, que fazem uma caminhada nuas protestando contra a crença de que as mulheres que são vítimas de estupro teriam provocado a violência por seu comportamento. Segundo Sibilia (2014) a nudez neste caso sugere que toda mulher deveria ter direito a usar as vestes que quiser, sem que isso justifique qualquer tipo de desrespeito, constrangimento, assédio ou violência sexual.

O corpo segundo a publicidade de moda

    Segundo Svedsen (2010), não existe nada que possa ser chamado de corpo completamente nu, pois o corpo estará sempre “vestido” em razão de suas definições sociais. Atribuindo seu significado para o vestuário, sua ausência passa a ser visível. O corpo passou a ser um objeto de moda especialmente privilegiado. Ele parece ser algo plástico facilmente modelável às mudanças que emergem11. A moda de cada época é quem vai decidir como corpo vai ser configurado.

    Para a estilista Elsa Schiaparelli (1998), “as roupas não devem ser adaptadas ao corpo, é o corpo que deve ser adaptado a moda.” Estas adaptações podem variar de um corte de cabelo, um tamanho de manequim, ou até mudanças drásticas corporais. Um exemplo dessas mudanças do corpo, observando a adequação aos padrões da época, foram os “sapatos de lótus”, eram peças confeccionadas em números menores para serem usados por mulheres que enfaixavam os pés com ataduras, após quebrarem os próprios dedos de modo que eles não crescessem, não era apenas uma prática de beleza, mas também mostrava que a mulher seria uma boa esposa e teria uma vida melhor12.

Figura 4. Mulher com os “pés-de-lótus” resultado das ataduras

Fonte: Jo Farrel Photography, para o projeto Living History

    A prática dos pés de Lótus também foi tomada como o símbolo máximo da beleza e erotismo na cultura chinesa. O comprimento ideal para os pés era chamado de “Golden Lotus” e media cerca de sete centímetros. Para chegar a esse tamanho, os membros começavam a ser enfaixados quando as meninas ainda estavam em processo de crescimento, com a idade de quatro a sete anos. A prática foi tão enraizada na cultura chinesa que só em 1940 a atividade foi proibida pelas autoridades13.

    Segundo Svedsen (2010), “as roupas reescrevem o corpo, dão-lhe uma forma e uma expressão diferente, não somente ao corpo vestido, como ao corpo despido”. O corpo sofre com alterações do vestuário referente a cada época14. A exemplo do espartilho que por gerações modelou o abdome das mulheres, em casos sendo prejudicial à saúde foi transformado e alterado para que exerça a mesma função. Atualmente até biquínis podem exercer a função de modelar um corpo, conforme o anuncio abaixo.

Figura 5. The New Sculpt Collection

Fonte: http://www.sculptswimwear.com/

    Na imagem da Figura 5, a modelo com o corpo atlético veste um traje de banho composto por duas peças, onde a marca promete “perfeito contorno da forma” e “efeito modelante” devido Aos cortes e seu tecido 100% italiano15 segundo informa o site da marca. Estes fenômenos vão contra o pensamento de Hegel, que afirma que o corpo e o vestuário são coisas distintas e que a ambos deve ser permitido desenvolver-se livremente16. A coleção-capsula desenvolvida pela marca Yamamay tem o slogan “Ela é uma escultura, e todas as mulheres gostariam de ser como ela” conforme mostra a seguinte imagem.

Figura 6. Anúncio da marca

Fonte: Vogue. IT

    A chamada da marca insinua que todas as mulheres gostariam de ter o corpo escultural da modelo, o que concorda com o seguinte pensamento:

    Nossa percepção do corpo humano é dependente das modas dominantes na época, e nossa percepção das modas é por sua vez dependente de como são representadas visualmente em pinturas, fotografias e outros meios. (Svedsen, Lars. A Filosofia da Moda. 2010)

    Pode-se dizer que o autor reafirma a estreita relação entre as representações imagéticas dos corpos femininos às produções discursivas das sociedades, sejam elas midiáticas ou artísticas. E, no anúncio da Figura 6, onde a modelo é Naomi Campbell vê-se justamente essa relação, pois amalgama a modelo e sua imagem estética à forma de uma escultura. Assim, apontando para a perfeição dessa mulher, sua forma sinuosa, seu magnetismo e sensualidade, adquiridos, quiçá, com o traje de banho sugerido pela marca.

    A percepção humana não pode ser neutra, e, por conseguinte interpreta os símbolos de acordo com sua atualidade. Para Harold Koda (2001), “A moda é a evidência do impulso humano de aproximar o corpo num ideal transitório e elusivo”. Os símbolos tidos como belos em cada momento da historia continuam sendo efêmeros, a cada novo padrão, o corpo terá a necessidade de se remodelar e se adaptar. A escolha por intervenções cirúrgicas plásticas, os treinos em academias e o uso de remédios para controlar a gordura do corpo são de livre escolha do indivíduo, mas que segundo Baudrillard, tanto as dietas quanto o fisiculturismo são formas de uma servidão voluntária17.

    A mídia tem grande parte da reponsabilidade de propor tais ideias inalcançáveis, ou mesmo prejudiciais à saúde, que na maioria dos casos está fora do alcance de qualquer um. No ponto de vista de Svedsen (2010), essa ditadura das revistas, televisão e mídias sociais é vista no Seguinte trecho de A filosofia da Moda:

    “O poder disciplinador pelo qual a maioria das pessoas é afetada não é aquele exercido atrás dos muros das prisões, mas o exercido por meio da televisão, dos jornais, das revistas e da mídia, que nos propõe um ideal para o eu físico inalcançável” (Svedsen, Lars. A Filosofia da Moda. 2010)

    Os ideais de beleza vão mudando constantemente, de modo que apenas algumas pessoas que se submetem a tais extremos dominantes da época consigam corresponder ás expectativas impostas que logo ficará aquém do próximo, conforme afirma Castilhos (2012), “Infelizmente o que encarcera a mulher ao mito de embelezamento não é o fato de ela desejar cuidar de sua aparência, mas, sim, a necessidade de aproximação com as representações do feminino que são encontradas na sociedade”

O corpo nu na moda

    O corpo nu é tido como vetor de percepção nas campanhas de moda, a exploração da sensualidade extrema e do erotismo foi visto ao longo das décadas em peças publicitárias onde o foco era desde produtos de moda, decoração ou automotivos. As marcas de jeans são as mais conhecidas por criar campanhas repletas de corpos nus e intensa conotação sexual. Sempre que lançada uma campanha que explora a sexualidade, acaba sendo alvo de polêmica, principalmente pelo uso da figura feminino em cenas exageradas, não convencionais muitas vezes tangendo a inadequação para o público conforme visto na figura abaixo.

Figura 7. Alexander Wang - Denim

Fonte: http://www.huffingtonpost.com/2014/12/03/alexander-wang-denim-ads_n_6262924.html

    A fotografia mostra a modelo em pose sugestiva com aspecto de brilho na pele, o que pode indicar que tenha sido passado óleo em seu corpo, ela veste calça jeans, que seria o foco da propaganda, abaixo dos joelhos e o logo da marca sobre os seios da mulher. A campanha teve bastante repercussão negativa na mídia18 mas não é a primeira. Nessa imagem, pode-se pensar que a modelo tenha sofrido algum tipo de violência, pois sua calça foi baixada e as demais roupas retiradas, pois não aparecem. Além disso, a expressão física remete à exaustão, uma vez que se encontra jogada sobre a poltrona, aparentemente dormindo ou descansando, uma vez que está de olhos fechados.

    Desde os anos 80, a marca Calvin Klein vem lançando campanhas que resultam em discussões devido o uso do corpo como um ícone de marketing, que segundo Svedsen (2010) o corpo tornou-se um objeto de moda especialmente privilegiado19. A atenção do expectador é atraída para a cena e seu significado, não mais para o produto a ser vendido, como visto na Figura 9.

Figura 8. Calvin Klein Jeans - 2010

Fonte: http://www.fashiongonerogue.com/calvin-klein-controversial-campaign-images/

    A cena mostra uma mulher em meio a três homens, todos estão semi nus. As peças da marca não estão em primeiro plano. A campanha foi proibida na Austrália devido ao extremo contexto de violência e estupro que a imagem contém. Percebe-se que homem no centro da imagem está com a calça aberta enquanto força a mulher a aproximar-se dele, visivelmente ela não veste nada a não ser o top, e mostra uma expressão de relutância e conformismo com o que possa acontecer. O homem da direita imobiliza sua cabeça enquanto assiste a cena indicando deleite pelo ato. No fundo da cena vê-se uma cerca e barras metálicas indicando o ambiente urbano, possivelmente algum lugar industrial abandonado. A imagem fica mais dramática com tratamento preto e branco, que indica uma quarta figura masculina na cena fotografando a violência contra a modelo.

    Para Garcia (2005), a erotização do corpo é efeito da cultura da publicidade, que apela para que os corpos sejam belos e sensuais. O erotismo e a exploração da sexualidade intensa em imagens é uma estratégia que serve para atrair a atenção do consumidor. O prazer do expectador ao olhar um editorial repleto de imagens lascivas, segundo Fuss (2005) “convida o receptor a consumir o produto através da identificação com a imagem”. A campanha do perfume masculino Tom Ford (Figura 10) exemplifica o poder dos papeis sexuais autodirigidos na sociedade para o homem e para a mulher.

Figura 9. Tom Ford for Men - 2007

Fonte: Tom Ford Men’s Fragrance

    Na primeira imagem o frasco do perfume repousa entre os seios da modelo que estrategicamente os cobre seus mamilos com as unhas vermelhas, sugerindo um ato sexual, ela exibe os lábios vermelhos da mesma cor que o esmalte, com uma expressão de êxtase. A cor vermelha é associada à paixão, energia e desejo carnal. O contraste da luz na pele da mulher sugere suor de exaustão. Existe uma forte alusão do frasco de perfume com o órgão sexual masculino que demonstra seu poder de dominação sobre a mulher, que aparenta estar excitada com o ato.

    Tom Ford é conhecido por suas campanhas ousadas e polêmicas, esta em destaque foi proibida em diversos países, devido seu conteúdo explicitamente sexual, mas o que estes três exemplos tem comum? Eles mostram como a premissa do “sexo vende” ainda gera discussão. Segundo o coletivo Think Eva a seguinte justificativa ao fenômeno pode ser dada.

    Uma das mais fortes justificativas para que o apelo sexual feminino fosse explorado pela mídia se resumia em duas simples palavras: sexo vende. Isso é claro, considerando uma definição de sexo na qual as mulheres são acessórios ornamentais, cumprindo o papel de objeto. (Think Eva, Setembro, 2015)

    A exploração da imagem do corpo junto com sua sensualidade teve uma visível evolução e mostra como sempre estará presente na publicidade principalmente de moda. Num passado recente, as imagens mais sexyes e impactantes envolviam uma sugestão de relação sexual, seja entre um homem e uma mulher, entre duas mulheres, dois homens, um ménage, uma orgia. Agora, porém, o foco parece mais na ideia da sedução como instrumento de vaidade do que para fins sexuais20. A nudez nas fotografias de moda continuará a despertar o interesse do expectador e do consumidor. Em vez de apresentar roupas busca-se cada vez mais apresentar uma imagem onde o corpo é portador dos valores simbólicos.

Conclusão

    A visão e o entendimento do corpo humano nu mudaram muito desde o início da civilização, onde era natural e bem visto pela sociedade, passando pelos conceitos bíblicos da associação a vergonha e impureza da alma. O corpo volta a ser reprimido durante a idade média e continua a ser retratado pelo Renascimento. A percepção da nudez e a fronteira da vergonha acompanharam os movimentos sociais de cada época sendo mais liberal ou restringido conforme o pensamento regente.

    A indústria da moda por sua vez usufrui dos símbolos da sensualidade e erotismo, transcendendo as vendas e despertando o desejo de “ter o estilo” da campanha representada. As expressões corporais descrevem a visão do corpo e seu retrato perante a sociedade. Trata-se de uma mensagem sobre justificar as produções com modelos nus em forma de protesto de como a pele é carregada de símbolos deixando a roupa ser vista como peça secundária.

Notas

  1. Svedsen, Lars. A Filosofia da Moda, Capitulo A Moda e o Corpo, 2010.

  2. http://www.portaldarte.com.br/23-escultura/00-05-Apollo-Belvedere.htm

  3. Cohen, Ada. Art in the Era of Alexander the Great: Paradigms of Manhood and Their Cultural Traditions. Cambridge University Press, 2010, p. 236.

  4. Ver mais em: Svedsen, Lars. A Filosofia da Moda, Capitulo A Moda e o Corpo, 2010.

  5. http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=215

  6. http://virusdaarte.net/ticiano-a-venus-de-urbino/

  7. Descrição do significado dos seios da figura retirada do site: http://virusdaarte.net/ticiano-a-venus-de-urbino/

  8. A Brief Story of Nakedness, Carr-Gom, Phillip 2010, em tradução livre.

  9. Ver mais informações em: http://femen.org/

  10. O movimento Marcha das Vadias surgiu no Canadá, batizado de Slutwalk. O movimento surgiu porque, em janeiro de 2011 na Universidade de York, um policial, falando sobre segurança e prevenção ao crime, afirmou que “as mulheres deveriam evitar se vestir como vadias, para não serem vítimas de ataque”.

  11. Cf, Harvey Ferguson, Modernity and Subjectivity: Body, Soul, Spirit, 2000, p.23.

  12. http://www.brasilpost.com.br/2014/06/18/pes-de-lotus-chinesas_n_5508593.html

  13. http://www.museudeimagens.com.br/pes-de-lotus/

  14. Ver mais em Anne Hollander – Seeing throught clothes.

  15. http://www.vanityfair.it/fashion/top-branded/16/04/20/yamamay-the-new-sculpt-swimwear-collection-iamnaomicampbell

  16. G.F.W Hegel, Aesthetics: Lectures on Fine Art, vol. II, Lincoln e Londres, 1995, p. 747.

  17. Baudrillard, America, Londres e Nova York, 1988, p.38.

  18. Some critics are already taking to social media to denounce Wang's use of overt sexuality as a sales tactic. - http://www.eonline.com/news/603561/are-alexander-wang-s-new-denim-ads-too-sexy-designer-uses-nude-model-suggestive-poses-to-sell-jeans

  19. Livro a filosofia da moda.

  20. http://ffw.com.br/blog/moda/sexo-na-moda-ainda-vende/

Bibliografia

  • Araujo, Denise Castilhos de, Junior, Norberto Kuhn (2012). 100% de beleza feminina? A verdade para a Natura. Revista Fronteiras, vol. 14. n. 1.

  • Baudrillard, Jean (1980). For a Critique of The Political Economy of The Sign. New York, p.79.

  • Eco, U. (2001). A historia da beleza. Rio de Janeiro: Editora Record.

  • Fuss, Diana (1999). Dentro/Fuera in Feminismos Literarios. Madrid: Arco Libros.

  • Garcia, Carol; Miranda, Ana Paula de (2005). Moda é comunicação: experiências, memórias, vínculos. São Paulo, SP: Anhembi Morumbi.

  • Koda, Harold (2001). Extreme Beauty: The Body Transformed, Nova Iorque, p.13.

  • Lima, Nana (2015). Se sexo não vende, então o que vende? Disponível em: http://www.thinkeva.com.br/blog/2016/2/26/projeto-03. Acesso em 05 de junho de 2016.

  • Mc Dowel, Colin Cf. (org.) (1998). The Pimlico Companion to Fashion: A Literary Anthology, Londres, p. 387.

  • Phillip, Carr-Gom (2010). A Brief History of Nakdnes. London: Editora Reaktion Books Ltda.

  • Sibilia, Paula (2014). A politização da nudez: Entre a eficácia reivindicativa e a obscenidade real. Universidade Federal do Pará.

  • Svedsen, Lars (2010). Moda, Uma Filosofia: Editora Zahar.

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