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Reconhecimento da diversidade no Plano 

Nacional de Educação em Direitos Humanos

Recognition of diversity in the National Education Plan on Human Rights

Reconocimiento de la diversidad en el Plan Nacional de Educación en Derechos Humanos

 


Estudante do curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Estadual de Maringá, na linha de Políticas e Gestão em Educação.
Formada em Licenciatura Plena em Educação Física pela Universidade Estadual de Maringá (UEM)
no ano de 2014. Foi participante do PET/DEF (Programa de Educação Tutorial
da Educação Física) e também do PIBID (Programa de Bolsas de Iniciação a Docência).
Atualmente participa do Projeto de Ensino “Educação Física, Educação e Marxismo” (EFEMARX)
e também do Projeto de Extensão “Educação e Educação Física: Aproximações de Análise
à Luz da Crítica marxiana da Economia Política”


Ana Claudia Rodrigues Russi

ana.russi@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Este estudo tem como objetivo principal analisar a função social da ênfase na valorização da diversidade presente no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (2007). Para atender a esse objetivo, realizamos uma análise documental, baseada nos pressupostos teórico-metodológicos do materialismo histórico. Constatamos que a proposta do referido documento apresenta como um de seus eixos principais a necessidade de valorizar e respeitar a diversidade. Concluímos que essa valorização tem exercido a função social de manutenção e conservação da ordem capitalista, pois, tem convergido com as necessidades da reestruturação produtiva, contribui para o controle das minorias e também para a manutenção da coesão social.

          Unitermos: Direitos Humanos. Diversidade. Sociedade capitalista.

 

Abstract

          This study aims to analyze the emphasis of social function in appreciation of this diversity in the National Plan for Human Rights Education (2007). To meet this goal, we conducted a documentary analysis based on the theoretical and methodological assumptions of historical materialism. We note that the draft of the document has as one of its main axes the need to value and respect diversity. We conclude that this appreciation has had the social function of maintenance and preservation of the capitalist order, therefore, has converged with the needs of productive restructuring, contributes to the control of minorities and also to maintain social cohesion.
          Keywords: Human Rights. Diversity. Capitalist society.

 

Recepção: 13/06/2016 - Aceitação: 18/09/2016

 

1ª Revisão: 02/09/2016 - 2ª Revisão: 15/09/2016

 

 
Lecturas: Educación Física y Deportes (EFDeportes.com), Revista Digital. Buenos Aires, Año 21, Nº 220, Septiembre de 2016. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    O objeto de estudo do presente artigo é o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) publicado em 2007. Devido à delimitação deste estudo, discutiremos apenas um dos aspectos de que trata este documento: a questão da valorização e do respeito à diversidade como aspecto imprescindível para a proteção e garantia dos direitos humanos. Nosso intuito é analisar qual a função social da questão da diversidade ressaltada neste documento ou, mais detalhadamente, qual a motivação social, política ou econômica que levou os responsáveis pelo documento a apresentar determinada ênfase nesta questão.

    Constatamos que as discussões acerca da diversidade, diferença, respeito, tolerância e solidariedade para com as diferentes culturas, etnias, etc., estão cada vez mais presente no âmbito das políticas educacionais brasileiras. De acordo com Carvalho (2012a), essas questões são primeiramente apresentadas pelos organismos internacionais, em especial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Desde esse período, essa temática foi sendo cada vez mais fomentada e as organizações internacionais passaram a produzir orientações que atualmente influenciam diversos países do mundo, incluindo o Brasil, que compartilha da agenda internacional desses organismos.

    A temática da diversidade está presente não só em documentos educacionais, mas também em documentos de outras áreas, por exemplo, da saúde, do comércio, do meio ambiente, das relações internacionais, etc. Esse fato tem chamado a atenção dos pesquisadores da área de políticas educacionais e estes passaram a buscar maiores compreensões sobre essa questão. Como não poderia ser diferente, o PNEDH também aborda a temática da diversidade dando a ela uma importância significativa. Grosso modo, este documento baseia-se na proposta de uma educação centrada nos direitos humanos e busca incentivar a introdução desta temática nos diferentes ambientes educacionais e também nos mais diversos setores da sociedade.

    Constatado este fato, surge a necessidade de responder a seguinte questão: qual a motivação e função social da ênfase dada à valorização da diversidade presente no PNEDH. Este estudo pretende responder a essa questão a partir de uma análise documental baseada nos pressupostos teórico-metodológicos do materialismo histórico de Karl Marx e Friedrich Engels e, também, nas contribuições de Evangelista (2012), Castanha (2011) e Shiroma, Campos e Garcia (2005) no que tange aos requisitos para o trato com os documentos de política educacional.

    As reflexões deste estudo serão expostas em dois itens: primeiramente, apresentaremos o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (BRASIL, 2007) e os seus apontamentos sobre a temática da diversidade, e; na sequência, discutiremos o surgimento, desenvolvimento e função social da temática da valorização da diversidade nas políticas educacionais brasileiras.

O PNEDH (Brasil, 2007) e a questão da diversidade

    O PNEDH foi produzido pelo Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Esse comitê foi composto pela Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), Ministério da Educação (MEC), Ministério da Justiça (MJ) e pela UNESCO. Na apresentação do documento aponta-se que ele é fruto de uma parceria entre Estado, sociedade civil organizada e os organismos internacionais. Além disso, ressalta-se que “[...] o PNEDH incorpora aspectos dos principais documentos internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário, agregando demandas antigas e contemporâneas de nossa sociedade” (Brasil, 2007, p. 11, grifos nossos).

    Dessa forma, o documento ressalta a importância da proteção dos direitos humanos para a efetivação de uma sociedade democrática, justa e desenvolvida, e evidencia que a questão dos direitos humanos deve ser um dos princípios do Estado e das ações estatais (políticas). Nesta perspectiva, o Estado precisa considerar os direitos humanos “[...] na perspectiva da construção de uma sociedade baseada na promoção da igualdade de oportunidades e da eqüidade, no respeito à diversidade e na consolidação de uma cultura democrática e cidadã” (Brasil, 2007, p. 11, grifos nossos).

    Afirma-se que desde o surgimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, em 1948, logo após a Segunda Guerra Mundial, desencadeou-se um processo que deu origem a um sistema global e regional de proteção dos direitos humanos. No entanto, mesmo com avanços nos aspectos jurídicos, ainda existem muitos problemas que afetam a proteção dos direitos humanos. Um dos problemas apontados pelo documento e sob o qual se impõe maior ênfase é a questão da intolerância, que tem se agravado, mesmo em sociedades historicamente mais tolerantes “[...] tem-se observado [...] a generalização dos conflitos, o crescimento da intolerância étnico-racial, religiosa, cultural, geracional, territorial, físico-individual, de gênero, de orientação sexual, de nacionalidade, de opção política” (Brasil, 2007, p. 21, grifos nossos).

    Destaca-se que a intolerância para com a diversidade é um risco aos direitos humanos, pois gera conflitos entre as pessoas. Afirmam que a globalização tem aumentado o contato entre as pessoas de diferentes países e regiões e, por isso, é preciso aprender a ser tolerantes para construir relações mais harmônicas.

    Ao tratar da relação entre os povos e as nações, o documento destaca que, esse processo de globalização tem provocado uma concentração de riqueza que beneficia apenas um terço da humanidade, gerando conflitos que se originam das parcelas mais afetadas pelo problema. No entanto, eles afirmam que, ao mesmo tempo, a globalização possibilitou novas oportunidades de reconhecer e proteger os direitos humanos. O Plano aponta algumas medidas que podem contribuir para esse reconhecimento, tais como a “[...] adoção do princípio de empoderamento em benefício de categorias historicamente vulneráveis (mulheres, negros(as), povos indígenas, idosos(as), pessoas com deficiência, grupos raciais e étnicos, gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, entre outros)” (Brasil, 2007, p. 21, grifos nossos). Esse empoderamento faz parte da proposta de educação em direitos humanos, defendida pelo documento, e é apontado como essencial para garantir que não haja violação dos direitos humanos desses grupos vulneráveis.

    O documento destaca que o debate sobre direitos humanos no Brasil ganha espaço e relevância a partir da década de 1980 com o fim da Ditadura Civil-Militar. A promulgação da Constituição Federal de 1988 reconheceu os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais de todas as pessoas e abriu o espaço político para a garantia dos direitos humanos fundamentais. Com isso, o Brasil passou a participar dos tratados e acordos internacionais de proteção dos direitos humanos e se mobilizou internamente, construindo um sistema nacional de direitos humanos. Mas, apesar dos avanços do Brasil, destaca-se que:

    Ainda há muito para ser conquistado em termos de respeito à dignidade da pessoa humana, sem distinção de raça, nacionalidade, etnia, gênero, classe social, região, cultura, religião, orientação sexual, identidade de gênero, geração e deficiência. Da mesma forma, há muito a ser feito para efetivar o direito [...] às diversidades cultural e religiosa, entre outras (BRASIL, 2007, p. 23, grifos nossos).

    O PNEDH está apoiado em documentos nacionais e internacionais e demarca a inserção do Estado brasileiro na história de luta pelos direitos humanos. A construção deste Plano faz parte das obrigações do Brasil como um país que aderiu aos objetivos estabelecidos pelo Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos (PMEDH), dentre os quais está: “[...] c) fomentar o entendimento, a tolerância, a igualdade de gênero e a amizade entre as nações, os povos indígenas e grupos raciais, nacionais, étnicos, religiosos e lingüísticos” (Brasil, 2007, p. 21).

    Observa-se que a questão dos direitos humanos tem sido debatida mundialmente e, a partir disso, os organismos internacionais, os Estados e a sociedade civil tem ressaltado a importância dessa questão, no intuito de, segundo o Plano, possibilitar que todas as pessoas tenham garantidos os seus direitos fundamentais (civis, políticos, econômicos, culturais, sociais e ambientais). O documento apresenta a educação centrada em direitos humanos como um instrumento essencial para garantir esses direitos humanos. Sobre isso, o PNEDH ressalta:

    Sendo a educação um meio privilegiado na promoção dos direitos humanos, cabe priorizar a formação de agentes públicos e sociais para atuar no campo formal e não-formal [...] a educação é compreendida como um direito em si mesmo e um meio indispensável para o acesso a outros direitos. A educação ganha, portanto, mais importância quando direcionada ao pleno desenvolvimento humano e às suas potencialidades, valorizando o respeito aos grupos socialmente excluídos. (Brasil, 2007, p. 25, grifos nossos).

    O PNEDH busca, por meio da educação: garantir os direitos humanos a todos os cidadãos e fomentar a tolerância e o respeito com as minorias ou grupos excluídos. Ele destaca que esses são aspectos importantes para efetivar sua proposta de educação em direitos humanos. Portanto, fica claro que essa proposta de educação apresenta, como um de seus eixos, o respeito à diversidade, como se constata no excerto a seguir:

    [...] a mobilização global para a educação em direitos humanos está imbricada no conceito de educação para uma cultura democrática, na compreensão dos contextos nacional e internacional, nos valores da tolerância, da solidariedade, da justiça social e na sustentabilidade, na inclusão e na pluralidade (Brasil, 2007, p. 24).

    Na perspectiva deste documento, a educação pode contribuir para estimular o “[...] respeito, a tolerância, a promoção e a valorização das diversidades (étnico-racial, religiosa, cultural, geracional, territorial, físico- individual, de gênero, de orientação sexual, de nacionalidade, de opção política, dentre outras) e a solidariedade entre povos e nações” (Brasil, 2007, p. 25).

    Sendo assim, o documento também apresenta quais são os meios e estratégias necessários para efetivar a sua proposta de educação elencando uma série de ações necessárias, que envolve não só as escolas básicas e a formação de professores, mas também os demais setores da sociedade, como saúde, cultura, segurança, esporte, lazer, etc. Além disso, determina-se quais os mecanismos de controle, monitoramente e avaliação necessários para o sucesso de aplicação de suas propostas.

    Cabe mencionar que, ao tratar da educação básica, o Plano define o que seria uma educação em direitos humanos e, nesse momento, reafirma que o respeito e valorização à diversidade é um de seus princípios fundamentais. Em suas palavras:

    [...] a educação em direitos humanos deve abarcar questões concernentes aos campos da educação formal, à escola, aos procedimentos pedagógicos, às agendas e instrumentos que possibilitem uma ação pedagógica conscientizadora e libertadora, voltada para o respeito e valorização da diversidade, aos conceitos de sustentabilidade e de formação da cidadania ativa (Ibidem, p. 31).

    Em todos os demais itens do documento se faz menção a necessidade de respeitar, promover e valorizar a diversidade. Esse aspecto não é algo exclusivo deste documento, como já afirmamos. Esta temática vem sendo tratada e mencionada em documentos nacionais e internacionais desde o final do século passado. Nosso intuito é compreender qual é a motivação social que tem levado instituições, órgãos e agentes de diversos campos (especialmente na área educacional) a afirmar e reafirmar em diversos documentos a necessidade de valorização da diversidade. Por isso, no próximo item buscaremos nos aprofundar no entendimento dessa temática nos documentos nacionais.

A valorização da diversidade nos documentos nacionais

    A discussões sobre temáticas como respeito à diversidade, combate ao preconceito, igualdade de direitos a todos, convivência harmônica entre as diferentes culturas, etc., não é uma invenção da atualidade. Esta temática já foi discutida, de diferentes maneiras, em outros momentos da história da humanidade.

    Contudo, para além do modesto objetivo de refletir sobre as diferenças, existiram outras motivações, muitas de caráter econômico e político, que tem promovido, atualmente, a introdução destas questões no âmbito das políticas educacionais. De acordo com Dale e Gandin (2014), agências e organizações internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a UNESCO tem um papel importante na introdução desta e várias outras temáticas nas políticas educacionais de diversos países, inclusive no Brasil.

    Observa-se que os organismos internacionais iniciam a formulação de orientações a respeito da diversidade cultural no final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Porém, é na década de 1970 e 1980 que tais orientações ganham expressividade, devido à crise econômica e o acirramento dos problemas sociais. Inicialmente, as discussões sobre o respeito à diversidade/diferenças surgem no Canadá, nos Estados Unidos da América e na Europa1 e, posteriormente, se configuram como políticas públicas nestes países. (Carvalho e Faustino, 2010).

    Segundo Faustino e Carvalho (2014), a formulação de políticas em prol da diversidade em todo o mundo é decorrência do processo de reorganização política, econômica e ideológica da sociedade capitalista. Para se adequar a este novo contexto, os organismos internacionais passam a formular e disseminar novas orientações aos seus países membros, dentre as quais está a questão da valorização e do respeito à diversidade. Sendo o Brasil um país que compartilha da agenda política desses organismos, os princípios apontados nestes documentos passam a fazer parte dos documentos de políticas educacionais brasileiros.

    Para compreender porque as organizações internacionais, e consequentemente o Brasil, passaram a introduzir essa temática nos documentos de políticas educacionais é preciso compreender, minimante, as principais características desse contexto de reorganização, dentre as quais estão: a reestruturação produtiva (acumulação flexível), a globalização, as migrações, a desterritorialização da política, um novo conceito de cidadania, novas formas de sociabilidade, a investida pós-moderna, a estratégia política neoliberal da Terceira Via e as novas formas de luta política (Harvey, 2014).

    Contudo, devido a variedade de questões, todas de suma importância, e, por conta dos limites deste artigo, discutiremos apenas os três primeiros fatores elencados acima: reestruturação produtiva, globalização e fluxos migratórios. Compreende-se que esses são fatores basilares e que suas compreensões permitem apreender os fatos que influenciam as políticas em prol da diversidade. Além disso, a questão da globalização e das imigrações foi bastante mencionada no PNEDH, assim, esclarecê-la contribuirá para a compreensão do nosso objeto de estudo. É importante ressaltar que, esses três fatores estão intimamente ligados e mantém uma relação de influências recíprocas entre si.

    Abordaremos, primeiramente, a temática da reestruturação produtiva. Observamos que essa reestruturação foi impulsionada pela crise econômica iniciada em meados da década de 1970 que, por sua vez, desencadeou todo o processo de reorganização política, social, cultural, ideológica, etc. de que estamos tratando.

    Segundo Coriat (1988), nesse processo de reestruturação produtiva, o modelo taylorista-fordista de produção perde força dando lugar ao sistema de acumulação flexível (toyotismo). De acordo com o autor, resguardadas as suas diferenças, estes modelos de produção provocaram grandes alterações em toda a lógica produtiva e promoveram uma elevação da taxa de extração da mais-valia considerável.

    Contudo, segundo Harvey (2014), as principais características do taylorismo-fordismo são a padronização, rigidez e uniformização da produção e do consumo. Estes aspectos acabaram influindo na padronização dos gostos chocando-se com culturas e grupos diferentes em um momento onde as minorias excluídas estavam reivindicando seus direitos e criticando essa padronização. Sobre isso, Harvey (2014, p. 133) destaca:

    As críticas e práticas contraculturais dos anos 60 eram, portanto, paralelas aos movimentos das minorias excluídas e à crítica da racionalidade burocrática despersonalizada. Todas essas correntes de oposição começaram a se fundir, formando um forte movimento político-cultural, no próprio momento em que o fordismo como sistema econômico parecia estar no apogeu.

    Sendo assim, além do esgotamento desse modelo de produção havia também o descontentamento das minorias excluídas que criticavam o avanço de um processo de padronização que não considerava a diversidade. Desse modo, o surgimento do modelo flexível, aliava-se a um discurso pró-diversidade, que buscava aumentar as taxas de lucro e, de quebra, amenizar as tensões sociais geradas pelos movimentos sociais. Sobre isso, Harvey (2014, p. 140) faz as seguintes considerações:

    A Acumulação Flexível, como vou chamá-la, é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional.

    Ao tratar da relação entre essas mudanças e a questão da valorização e reconhecimento da diversidade, Carvalho (2012a, p. 27) o discurso de defesa da diversidade “[...] ganha ênfase, já que o avanço da globalização econômica, associado a flexibilização produtiva, implica a necessidade de produzir bens diversificados e ampliar as possibilidades de escolha do consumidor. A diversidade fomenta a criação e a inovação necessárias a um mercado em expansão”.

    Utilizando-se do discurso da valorização da diversidade, a acumulação flexível busca conquistar novos mercados através da produção de produtos diferenciados. Nesse momento, a diversificação torna-se mais produtiva que a padronização generalizada, pois ela atinge um número maior de consumidores, na medida em que, o mesmo produto poderia ter adesão em determinado país ou região e não ter adesão em outro, devido aos hábitos, costumes e cultura daquelas pessoas.

    Ademais, como nos alertou Carvalho (2012a), a flexibilização produtiva está associada ao fenômeno de globalização econômica. Apesar de não ser um fenômeno totalmente novo, a globalização é um processo foi potencializado no século XX por conta do desenvolvimento de meios e instrumentos, como as tecnologias de comunicação e os transportes, que permitiram uma comunicação mais rápida e eficaz. No que tange à questão da diversidade, constatamos que estes fatores intensificaram a migrações e receberam uma atenção especial dos agentes políticos nacionais e internacionais, por conta dos conflitos que daí se originaram. Sobre isso:

    [...] atualmente, em decorrência da crise econômica e das imigrações que se intensificaram nas últimas décadas do século passado, um número crescente de países tem vivenciado mudanças drásticas em termos populacionais. Com a intensificação das dinâmicas migratórias, em geral de populações advindas dos países periféricos, associadas ao agravamento da pobreza e da exclusão, aumentaram os conflitos e as tensões, bem como as manifestações de racismo, de xenofobia e de intolerância (Carvalho, 2012c, p. 21).

    Observa-se que as políticas em prol da diversidade foram impulsionadas por processos extrínsecos, de caráter essencialmente econômico e político. Consideramos que a realidade é constituída por complexos sociais que se encontram em um processo de múltiplas determinações e de influências recíprocas. No entanto, ao considerar isso não se pode abdicar da noção de que a objetividade é o momento determinante na construção da realidade, ou seja, que em última instância são os processos econômicos (o trabalho) que exercem maior influência sobre os outros complexos (Tonet, 2013).

    É preciso enfatizar que, a reestruturação produtiva não surgiu para responder às reivindicações populares das minorias, ou seja, não foram os movimentos contrários à padronização e em prol da diversidade que impulsionaram o surgimento do modelo de acumulação flexível. No entanto, parece-nos que o discurso em prol da diversidade foi utilizado para legitimar essa nova lógica de mercado.

    Para exemplificar esta questão: Lessa (2013), ao discutir a luta do movimento negro nos EUA na segunda metade do século XX em prol da igualdade de direitos, explica que as pautas desse movimento foram atendidas, pois, convergiam com os interesses dos capitalistas nacionais. Lessa (2013) ressalta que isso não diminui a importância desse movimento, mas, que o momento determinante da conquista destes direitos estava no aspecto econômico. Segundo ele, “A confluência objetiva entre a luta dos negros e os interesses do grande capital é a razão tanto para o avanço quanto para o limite da luta dos negros estadunidenses pela cidadania” (LESSA, 2013, p. 71).

    A questão do respeito e valorização da diversidade é e já foi pauta de diversos movimentos sociais, como o movimento dos negros, mencionado acima. A mobilização social é importante, mas é preciso estar atento para as formas pelas quais são atendidas as pautas destes movimentos. Observa-se que, na busca de manter a coesão social, essas pautas são atendidas de forma que a reprodução do capital não seja prejudicada.

    Como apontou Martineli (2013), por vezes ele ressignifica essas pautas, dando a elas o caráter que lhe convém na busca de conter os movimentos sociais, ou, por vezes, até atende essas pautas integralmente se elas não impuserem limites a sua reprodução. Observamos que os movimentos em prol da diversidade, quando não tem a finalidade de alcançar a revolução social, não ultrapassam o limite da emancipação política, e, por isso, não caracterizam riscos a continuidade do sistema. É por esse motivo que, defender a valorização da diversidade nessa perspectiva, não é uma incoerência ou uma contradição insolúvel à sociedade capitalista.

    Além disso, como pudemos constatar, uma análise mais aprofundada nos mostra que a defesa da diversidade é totalmente coerente e vantajosa ao sistema do capital, pois, auxilia na elevação dos padrões de lucratividade através da conquista de novos mercados e contribui para conter os conflitos advindos globalização e das imigrações. Assim, Leiman apud Lessa (2013, p. 72) afirma: “Ou seja, tanto a política de discriminar (no passado) quanto a de discriminar menos (no pós-guerra) “(...) visavam aumentar os lucros nas condições presentes, e a manutenção e ampliação dos lucros é chave para a viabilidade do sistema capitalista””.

    Em síntese, verificamos que o discurso político presente no PNEDH, que endossa a valorização da diversidade, não demonstra claramente as reais motivações que introduziram estas questões no âmbito das políticas educacionais. No discurso ressalta-se a necessidade de promover a igualdade de direitos para diferentes grupos sociais, o respeito à diversidade cultural, a minimização do preconceito e discriminação, a inclusão social, a convivência harmônica entre diferentes grupos, etc. Contudo, ao observarmos os determinantes do contexto em que surgem essas orientações, constatamos que elas não surgiram da sensibilização para com as necessidades das minorias, mas sim, como uma forma de manutenção da sociedade capitalista. Sobre isso, Carvalho e Faustino (2012, p. 12) destacam:

    [...] desde o final da segunda grande guerra mundial empreendida pelas potências capitalistas, foi levantada a bandeira da diversidade cultural, a qual vem se constituindo como um tema que remete ao reconhecimento e à aceitação das diferenças. [...] Assim, engendrou-se um sistema baseado no preconceito, na discriminação, na exploração humana, na abundância para alguns e escassez para milhares, nas guerras periódicas, na devastação ambiental e em outras atrocidades que precisam ser “toleradas” pela multidão de trabalhadores desempregados e grupos excluídos. Os discursos e políticas sobre a tolerância escamoteiam os interesses de dominação e exploração econômica que norteiam as guerras empreendidas pela burguesia.

    As discussões que envolvem as políticas educacionais em prol da valorização da diversidade são complexas e exigem uma análise que leve em consideração a totalidade e suas múltiplas determinações. A introdução desta temática nas políticas educacionais brasileiras é um fato já constatado pelos autores que tratam do assunto. O PNEDH é apenas mais um dentre os diversos documentos publicados que, se não tem como tema principal a diversidade, mencionam ela em algum momento. O intuito deste breve texto foi evidenciar que o PNEDH é apenas parte de algo mais amplo que, em última instância, visam manter e elevar as taxas de reprodução do capital.

Considerações finais

    Constatamos que este Plano é parte componente de um movimento mundial que apresenta como objetivo principal, a defesa dos direitos humanos fundamentais. Dentre os aspectos necessários para proteger estes direitos está a questão do respeito e valorização da diversidade. Nesse sentido, o PNEDH ressalta que uma educação em direitos humanos deve ensinar os indivíduos a serem tolerantes para com as diferenças e valorizar a diversidade cultural. Ressaltam a importância do empoderamento das minorias vulneráveis e a necessidade de estabelecer uma convivência harmônica entre os países, grupos, regiões, etc.

    Entretanto, quando realizamos uma análise mais aprofundada e atenta ao contexto histórico de surgimento e desenvolvimento da temática da diversidade nos documentos educacionais internacionais e nacionais, observamos que o intuito deste documento não é simplesmente garantir a proteção dos direitos humanos. Este contexto nos mostra que, o discurso em prol da diversidade converge com as necessidades da reestruturação produtiva e contribui com a manutenção da coesão social em um contexto de globalização e de aumento dos fluxos migratórios. A partir dessa análise, consideramos que o PNEDH é uma particularidade de um processo mais amplo, processo esse que vê a valorização e o respeito à diversidade como um instrumento de manutenção e conservação da atual forma de sociabilidade.

Nota

  1. Segundo Carvalho e Faustino (2010) existem diversos termos que são utilizados quando se trata das discussões acerca das políticas de valorização e reconhecimento da diversidade cultural. São eles: multiculturalismo, interculturalidade, identidades, diferenças, diversidade e pluralismo. O termo utilizado no Canadá e nos Estados Unidos da América, inicialmente, foi o multiculturalismo, já na Europa utilizou-se o termo interculturalidade. De acordo com Carvalho e Faustino (2010) as ações dos governos nestes países ensejaram as discussões sobre essas temáticas em outros países. As autoras alegam que “No âmbito das políticas, o ideário do multiculturalismo se disseminou também nos países menos desenvolvidos, como os latino-americanos. A política multicultural se expressou na formalização de uma agenda de compromisso a ser implementada pelo Estado como garantia à igualdade formal” (Carvalho e Faustino, 2010, p. 9).

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