Jogos e brincadeiras de crianças de uma escola pública de Mato Grosso Games and plays for children of a public school in Mato Grosso Los juegos de los niños en una escuela pública de Mato Grosso |
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*Aluna/o do curso de Zootecnia – IFMT - São Vicente Bolsista iniciação científica – PROIC - IFMT **Professora do IFMT- São Vicente (Brasil) |
Mariane Benedita Ramos de Arruda* Vinicius Novaes Souza* Ms. Larissa Beraldo Kawashima** |
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Resumo O objetivo desta pesquisa é identificar os jogos e brincadeiras vivenciados por crianças de uma escola pública de Mato Grosso. A pesquisa se configura como qualitativa, sendo seu lócus uma escola pública de Mato Grosso localizada próximo ao IFMT campus São Vicente. Os sujeitos são os alunos matriculados nos anos iniciais do Ensino Fundamental, com idades entre 06 e 11 anos. O instrumento de coleta de dados foi entrevista semiestruturada e a análise de dados se deu de forma interpretativa. Unitermos: Jogo. Brincadeira. Infância. Educação.
Abstract The objective of this research is to identify the games and play experienced by children in a public school in Mato Grosso. The research is configured as qualitative, and its locus a public school in Mato Grosso located near the IFMT campus São Vicente. The subjects are the students enrolled in the early years of elementary school, aged from 06 to 11 years. The data collection was semi-structured interviews and data analysis was interpretively. Keywords: Game. Play. Childhood. Education.
Recepção: 14/05/2016 - Aceitação: 15/09/2016
1ª Revisão: 01/09/2016 - 2ª Revisão: 11/09/2016
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Lecturas: Educación Física y Deportes (EFDeportes.com), Revista Digital. Buenos Aires, Año 21, Nº 220, Septiembre de 2016. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
Ao iniciar sua obra Homo Ludens, Huizinga (2005) deixa claro sua preocupação em integrar o conceito de jogo ao conceito de cultura e não demonstrá-lo como uma manifestação constituinte desse espaço. Assim, busca ver na função social do jogo elementos que comprovem sua hipótese de que o “jogo precede a natureza e a cultura”, e como tal, estrutura-se concomitantemente com ambas.
A intensidade do jogo e seu poder de fascinação não podem ser explicados por análises biológicas. Nessa capacidade de excitar, essa fascinação e intensidade é que reside a própria essência e característica primordial do jogo. Huizinga (2005) ainda considera o jogo uma "totalidade", no moderno sentido da palavra, e assim deve ser avaliado e compreendido.
Para o autor, essa essência do jogo é definida pelo divertimento que é identificada até nos animais. Em contrapartida, ocorrem equivocadas interpretações nas quais o jogo é tido como uma manifestação destituída de seriedade, justamente ausência do caráter que lhe concederia posição de destaque no universo dos estudos culturais. A essa argumentação, Huizinga rebate com o exemplo do jogo de xadrez, ou mesmo de uma partida de futebol entre crianças, questionando se não há seriedade em ambas as ações, se não existe nos dois exemplos respeito às regras, mesmo sendo elas construídas e/ou alteradas pelos próprios participantes. Com isso, Huizinga (2005) nos mostra que não devemos trabalhar, ou melhor, pensar o jogo e a cultura num contexto de polaridades ou submissões, pelo contrário, é pertinente tecermos análises que partam do pressuposto da interdependência, da correlação, da intimidade entre a seriedade e o divertimento, do riso e do prazer, do sagrado e do profano.
É importante também definir os conceitos de Jogo e Brincadeira. Na língua francesa, o vocábulo “jeu” é utilizado como sinônimo de jogo, brincadeira e, no plural, “jeux”, jogos. Segundo Brougère (1998), as diferenças são explicitadas pelos usos sociais do termo. Na língua portuguesa, apesar da discussão sócio-semântica também ser pertinente e válida, há vários termos para denominar aquilo que, em francês, está associado a “jeu”. Em português, “brincadeira” refere-se a atividades preferencialmente infantis, enquanto que “jogo” está associado a atividades lúdicas com regras. A palavra brincadeira existe apenas em nossa língua. Os autores franceses, por exemplo, não distinguem semanticamente o jogo da brincadeira.
Dada a importância do jogo como elemento cultural e social, e ainda, sendo estes conteúdos de ensino do componente curricular Educação Física, este projeto se propõe a identificar os jogos e brincadeiras vivenciados por crianças de uma escola pública de Mato Grosso, bem como as que eram praticadas por seus pais durante a infância.
Apesar de a nossa sociedade pós-moderna incentivar o consumo de brinquedos industrializados e o mercado de consumo ver a criança como potenciais consumidores do amanhã, como anuncia Bauman (2007) em sua obra “Vida Líquida”, acredita-se que esta pesquisa revelará que as crianças não abandonaram os velhos brinquedos artesanais e as brincadeiras populares como pensam os adultos. A criança se interessa por tudo, e tudo vira brinquedo em suas mãos. E enquanto as ruas das cidades, sejam nas capitais brasileiras ou nos vilarejos mais remotos, houver um interstício sequer de segurança, as crianças continuarão a brincar.
O texto que aqui se apresenta é um recorte de uma pesquisa maior que foi realizada com as crianças e seus pais, mas aqui se restringe aos dados referentes às crianças. Assim, o objetivo desta pesquisa é identificar os jogos e brincadeiras vivenciados por crianças de uma escola pública de Mato Grosso.
Metodologia
A metodologia utilizada nesta pesquisa foi a qualitativa que, de acordo com Lüdke e André (1986), tem como características o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento. Os dados coletados são predominantemente descritivos o que se contextualiza como sendo do tipo descritiva e a preocupação com o processo é muito maior do que com o produto. O significado que as pessoas dão as coisas e a sua vida são focos de atenção pelo pesquisador, a análise dos dados tende a seguir um processo indutivo. Os pesquisadores não se preocupam em buscar evidências que comprovem a hipóteses definidas antes do inicio dos estudos. As abstrações se formam ou se consolidam basicamente a partir da inspeção dos dados num processo de cima para baixo.
O lócus da pesquisa foi uma escola pública estadual de Mato Grosso situada próxima ao IFMT campus São Vicente, que atende no período matutino crianças da Educação Infantil e Ensino Fundamental.
Para iniciar a coleta de dados foram entregues aos pais dos alunos participantes da pesquisa um Termo de Consentimento para participação em pesquisa científica, autorizando a gravação de voz, fotografias e filmagens das crianças. Dos 37 termos entregues, apenas um responsável não autorizou a participação da criança na pesquisa, sendo esta do 2º ano do ensino fundamental.
No total, participaram da pesquisa 36 crianças matriculadas no ensino fundamental da Escola Estadual, sendo 8 alunos do 1º ano, 5 alunos do 2º ano, 7 alunos do 3º ano, 7 alunos, do 4º ano e 9 alunos do 5º ano, sendo 16 meninos e 20 meninas.
Portanto, nosso quadro de sujeitos ficou delineado da seguinte forma: 36 crianças/alunos, sendo que as entrevistas foram realizadas com 13 crianças (autorizadas a sair da sala de aula pela professora responsável) e as demais foram observadas durante o recreio e aulas de recreação (dados que não serão apresentados neste texto). Para identificação dos sujeitos, utilizaremos o primeiro nome do mesmo seguido da idade.
Os instrumentos de coleta de dados foram as entrevistas semiestruturadas aplicadas às crianças. A entrevista é uma técnica para recolher dados descritivos, na linguagem do próprio sujeito, o que permite ao pesquisador desenvolver intuitivamente uma ideia sobre a maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo (Bogdan e Biklen, 1994). Lüdke e André (1986) lembram que a grande vantagem da entrevista sobre outras técnicas é que ela permite a captação imediata e corrente da informação desejada, praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos. Esta técnica permite ainda correções, esclarecimentos e adaptações que a tornam eficaz na obtenção das informações desejadas. O tipo de entrevista utilizada nesta pesquisa é a semiestruturada que, segundo Lüdke e André (1986, p. 35), “se desenrola a partir de um esquema básico, porém não aplicado rigidamente, permitindo que o entrevistador faça as necessárias adaptações”.
As análises se basearam na análise interpretativa dos dados coletados, a fim de construir-se um conjunto de categorias descritivas. A análise interpretativa implica a interpretação das ideias do autor, a tomada de posição pessoal sobre as ideias expostas, a qual extrapola os sentidos expressos no texto. Para Severino (2000), a interpretação abrange várias ações, como compreender os posicionamentos do autor perante a cultural filosófica geral, destacando-se os pontos comuns em relação a outros autores e os pontos originais. Há espaço ainda para a crítica pessoal às posições defendidas no texto. A possibilidade dessa crítica está condicionada à maturidade intelectual do leitor e ao seu nível de conhecimentos adquiridos sobre o tema.
Resultados e discussões
De modo geral, as crianças são bem comunicativas, o que nos favoreceu na busca das informações sobre as brincadeiras que mais gostam de fazer e até mesmo nos explicando como funciona certas brincadeira e suas regras também. Alguns, no começo, sentiram vergonha, mas logo depois foram se soltando. As perguntas direcionadas a elas foram: Você gosta de brincar? Por que gosta de brincar? Onde você brinca? Quando? Em casa? Na rua? Exemplifique, Do que você brinca em casa? Do que você brinca na rua? As entrevistas foram feitas individual e/ou coletivamente dependendo da liberação da professora responsável, somando um total de treze entrevistas. A apresentação e análise dos dados seguirá a ordem de apresentação das questões aos alunos.
Todos os alunos afirmaram que “gostam” de brincar, atrelando à resposta porque “é legal”. Apenas três alunos apresentaram outra justificativa:
Porque brincar é legal, a gente se diverte. (Ana, 10 anos)
Porque é divertido (Alexandre, 10 anos)
Porque às vezes eu conheço algumas brincadeiras que as outras pessoas não conhecem, aí a gente troca as brincadeiras. (Larissa, 10 anos)
O gosto pelo brincar está associado ao divertimento, à troca de experiências com outras crianças. Neste sentido, Château (1987, p. 14) observa que “perguntar por que a criança brinca, é perguntar por que é criança”. Segundo Kawashima, Gomes e Gomes (2009), para a criança, quase toda atividade é jogo e é através dele que ela adivinha e antecipa suas condutas superiores. É impossível imaginar a infância sem os risos e brincadeiras das crianças. É pelo jogo/brinquedo que crescem a alma e a inteligência da criança. Sendo assim, uma criança que não sabe brincar será um adulto que não saberá pensar!
Quando pensamos em jogos e brincadeiras, inevitavelmente nos reportamos à infância, ou mais propriamente à criança. É difícil imaginar uma criança que não goste de brincar e/ou jogar, tamanho é o prazer com o qual se entrega a suas atividades lúdicas. Aliás, é próprio de nossa humanidade esse desejo para o jogo, de modo que se engana aquele que acha que um dia deixamos de jogar e/ou brincar como fazíamos na infância. Apenas trocamos a simplicidade das brincadeiras infantis por outras mais complexas como o esporte e a dança, à medida que vamos crescendo e nos desenvolvendo (Rangel, 2010, p. 61).
Ao perguntar às crianças onde elas brincam, todas responderam “na escola” e “em casa”. Quatro crianças justificaram suas respostas, sendo que uma disse gostar de brincar mais em casa por ter a companhia do irmão, e as outras três que não brincam na rua de casa. Vejamos:
Brinco em casa e aqui na escola. Gosto de brinca mais em casa, porque lá eu brinco com meu irmão. (Marcos, 10 anos)
Na escola e em casa, a rua lá em casa é asfaltado ai meu pai não deixa brincar lá. (Guilherme, 11 anos)
Em casa (terreiro), na escola, lá em casa eu tenho uma rua mais eu não brinco lá não (José, 10 anos)
Em casa, na escola, minha mãe não deixa eu brinca na rua. (Ana, 10 anos)
Cinco crianças indicaram outros lugares onde costumam brincar também e, dentre eles, a rua (ou estrada) é o local de destaque. Vejamos as respostas:
Na escola, em casa, na rua. (Matheus, 6 anos)
Na rua, no pátio da escola, em casa. (Andressa, 9 anos)
Na rua, em casa, na escola. (Alexandre, 10 anos)
Em casa eu brinco lá no quintal, na estrada (joga bola, pega-pega, esconde-esconde, pula corda, rouba-bandeira) (Sandro, 9 anos)
As brincadeiras de rua despertam um grande fascínio nas crianças. Araújo (2004) diz que as brincadeiras perpassam o tempo, de geração a geração e a estes se vincula a cultura de jogos infantis tradicionais, que são conhecidos, entre outras denominações, como jogos de rua e brincadeiras populares. Assim, brincar na rua envolve um sentimento de liberdade, no qual a criatividade é seu principal tempero.
Porém, num mundo individualizado e privatizado, brincar na rua pode ser um sinal de perigo, mesmo em localidades rurais, pois a segurança depende de cada indivíduo e não mais da sociedade. Bauman (2003, p. 11) afirma que “não seremos humanos sem segurança ou sem liberdade, mas não podemos ter as duas ao mesmo tempo e ambas na quantidade que quisermos”.
Neste caso, a fala das crianças nos alerta que mesmo na zona rural a sensação de insegurança priva a liberdade de brincarem na rua. Fazendo um contraponto com as crianças que moram na capital (cidades grandes), em que há um predomínio das chamadas “comunidades cercadas” (condomínios), supõe existir mais segurança para as crianças brincarem nestas ruas (fechadas), apesar da liberdade para brincar ser controladas por espaços reduzidos, câmeras de segurança e “lei do silêncio”. Em estudo realizado por Kawashima, Gomes e Gomes (2008) este fato também foi confirmado, pois observaram que nas brincadeiras de rua das crianças do interior de Mato Grosso, onde as cidades são menores e a violência reduzida, gozam de liberdade para brincar nas ruas e com certa dose de segurança. Porém, na capital, apenas nos bairros mais periféricos isso é possível.
Sobre as brincadeiras que acontecem “na escola” e “em casa”, pudemos perceber que as “da escola” são limitadas ao espaço (pátio ou quadra) e tempo (recreio ou recreação) pedagógico. As brincadeiras são repetitivas e dirigidas por um adulto. Vejamos as respostas:
Aqui na escola a gente brinca de pula corda e joga bola na recreação, porque aqui no recreio a gente não pode correr porque pode machucar. (Isis, 7 anos)
Aqui a gente só brinca de pula corda. A gente corre também, mas a professora não pode ver, porque senão ela briga, porque não pode correr pra não machucar. (Matheus, 6 anos)
Pula corda, por que a professora não deixa a gente brinca de corre, porque pode machuca as crianças. (Andressa, 9 anos)
Na escola a gente brinca de mais de pula-corda, a gente fica conversando também (Gabriely, 10 anos)
Pula-pula e pula corda (Ana, 10 anos)
Pula-corda e pega-pega (Alexandre, 10 anos)
Pulo corda, de vez enquanto trago meu carrinho pra eu brinca, a professora não deixa brinca de correr por que se não machuca os pequenos (Sandro, 9 anos)
Pula corda. Teve um dia que a professora saiu da sala e foi para uma reunião, ai a gente começo a brinca de pega-pega escondido dentro da sala. (Michelle, 10 anos)
Pula corda e quando eu trago boneca eu brinco (Larissa, 10 anos)
Pula corda, pega-pega, futebol na recreação. (Marcos, 10anos)
Pula corda e Vaca parida. VACA PARIDA: fica sentado um monte de menino no banco, ai um fica empurrando o outro, quem for saindo do banco vai perdendo até fica só dois, ai que fica mais perto de tira o outro do banco ganha. (Guilherme, 11 anos)
Pula corda, pula-pula, mas o pula-pula não pode por que está estragado. (José, 10 anos)
A gente brinca de pula corda. (Cris, 10 anos).
É comum na fala de todos os alunos o “pular corda”, que parece ser a única brincadeira possível na escola, seja no recreio ou na recreação (não há aula de Educação Física, e sim um momento de recreação dirigida organizada pela própria professora da sala). Duas crianças citam a existência de um pula-pula na escola, o qual está estragado. Ainda, dois alunos discorrem sobre brinquedos que às vezes levam à escola, como boneca e carrinho. O futebol, ou “jogar bola”, aparece na fala de duas crianças e sempre na hora da recreação, sugerindo um momento livre para as crianças, sem intenções pedagógicas.
Uma criança faz menção a uma brincadeira chamada “Vaca Parida”, que para Château (1987) se caracteriza como jogos de valentia (provas), ou seja, como saltar mais longe ou suportar um sofrimento por mais tempo, são jogos em que há competição. Mas não há o objetivo de machucar o outro, e sim de subjugar o outro, provar sua superioridade, expressar-se. Essa é uma oportunidade de afirmação de seu eu, um prazer moral ― e a repetição do jogo.
O que mais chama atenção na fala das crianças é a proibição de brincadeiras de correr para que não se machuquem. Para Gomes (2004, p.6) o pátio parece não ser lugar para a brincadeira livre das crianças, pois “a brincadeira do pátio, por ser semelhante ou sugerir à brincadeira de rua é um perigo! Precisa ser vigiada pela tia especializada em vigiar recreios, ajudada pelos outros tios em outros momentos diferentes de recreio” (Gomes, 2004, p. 6). Oliveira e Gomes (2010) afirmam que a escola é um espaço em que aparentemente não é possível brincar, ou seja, divertir-se, pois sempre há pessoas orientadas à “impedir” a bagunça das crianças.
Porém, as crianças denunciam que basta a professora se ausentar aos seus olhos que as “brincadeiras de correr” emergem naturalmente em forma de transgressão. Gomes (2004, p. 6) observou dados semelhantes em seu estudo:
Entretanto, pelo que pude ouvir e já parece sabido pelo senso comum, os meninos brincam escondido, longe dos olhos da professora que não sabe ou finge que não sabe dessas peripécias clandestinas. Basta que a “tia” vire as costas. A sala vira um pandemônio, com meninos e meninas correndo, fazendo pega-pega, subindo em carteiras, gritando e gargalhando... até a “tia” voltar da secretaria.
É comum ouvirmos dos adultos de hoje que “as crianças já não brincam mais como antigamente”, sentindo um ar de decepção nestas falas. Benjamim (1984) observa que muitas vezes o adulto tem essa impressão porque se tornou indiferente a essas coisas que continuam a chamar a atenção da criança, como os brinquedos. As crianças brincam sim, e muito! O que mudou foi o tipo de brincadeira, o que deveríamos achar normal, já que os tempos mudam, as pessoas mudam, tudo muda... e por que não os brinquedos e brincadeiras?
Pudemos perceber na fala das crianças que, ao contrário do que acontece na escola, em casa ou na rua as brincadeiras fluem livremente. Muitas delas fazem parte do rol das brincadeiras consideradas tradicionais, passadas de geração a geração, como pega-pega, esconde-esconde, rouba-bandeira, corridas. E também brinquedos como bicicleta, carrinho, bola e boneca, além das atividades simples da infância como subir em árvores ou brincar com animais. Vejamos as respostas:
Eu brinco de boneca, de pega-pega, de casinha, de escolinha. CASINHA: eu e as minhas coleguinha, a gente pega as bonecas e faz comidinhas de mentiras, coloca pratinhos copinhos de plásticos (Isis, 7 anos)
Joga bola, esconde-esconde, carrinho. (Matheus, 6 anos)
Pula corda, brinco de boneca, casinha. Gosto mais de brinca de pula corda (Andressa, 9 anos)
Anda de bicicleta (Gabriely, 10 anos)
Anda de bicicleta no quintal da minha casa. (Ana, 10 anos)
Joga bola. Meu pai e minha mãe gostava de brinca de rouba-bandeira (Alexandre, 10 anos)
Eu brinco de joga bola e aposta corrida (bicicleta e a pé), eu posso joga no telefone, mas meu pai disse que só posso jogar depois das 18 horas. (Sandro, 9 anos)
Pega-pega, esconde-esconde, pique – bandeira. Pique bandeira (4 pessoas, faz uma linha no meio do terreiro, coloca duas galhas dentro de círculos, ai cada dupla tenta rouba a bandeira da outra.) (Michelle, 10 anos)
Brinco de pula corda e joga bola com meu primo, e gosto de brinca de stop. (Larissa, 10 anos)
Rouba-bandeira, Vídeo Game, pega-pega, anda de cavalo, em casa eu gosto mais de anda de cavalo, jogo bola. (Marcos, 10 anos)
Joga bola, pega-pega, carrinho, anda de bicicleta, brincar com os cachorros (Guilherme, 11 anos)
Brinco de joga bola, pega- pega, esconde-esconde, tem vez que eu e meu irmão brinca de bola dentro de casa. Também brinco com meus cachorros. (José, 10 anos)
Gosto de subir nas árvores, anda de bicicleta (Cris, 10 anos)
Observa-se também que os jogos eletrônicos, seja videogame, jogos de computador ou celular, são pouco citados pelas crianças. Com o passar dos anos, algumas práticas vão se perdendo e dando espaço a outras mais modernas. Como observado, a brincadeira de rua ainda se mantém viva, mesmo com o bombardeio de outras opções de diversão para as crianças. Então, nada melhor do que a célebre frase de Château (1987) para explicitar a importância das brincadeiras de rua: “uma criança que não sabe brincar será um adulto que não saberá pensar!”.
Considerações finais
Esta pesquisa tentou identificar os jogos e brincadeiras vivenciados por crianças de uma escola pública de Mato Grosso. Com a análise das entrevistas das crianças, pode-se perceber que todas gostam de brincar e sempre está associado ao divertimento, à troca de experiências com outras crianças. Ao contrário do que acontece na escola, em casa ou na rua as brincadeiras fluem livremente, mas a sensação de insegurança é fortemente lembrada mesmo pelas crianças que moram na zona rural. Muitas das brincadeiras citadas pelas crianças fazem parte do rol das consideradas tradicionais, passadas de geração a geração, como pega-pega, esconde-esconde, rouba-bandeira, corridas.
Assim, é comum ouvirmos dos adultos de hoje que “as crianças já não brincam mais como antigamente”, sentindo um ar de decepção nestas falas. Benjamim (1984) observa que muitas vezes o adulto tem essa impressão porque se tornou indiferente a essas coisas que continuam a chamar a atenção da criança, como os brinquedos. As crianças brincam sim, e muito! O que mudou foi o tipo de brincadeira, o que deveríamos achar normal, já que os tempos mudam, as pessoas mudam, tudo muda... e por que não os brinquedos e brincadeiras?
Bibliografia
Araújo, K. T. (2004). Os jogos sob diferentes vertentes: para além do ensino de Educação Física. In: Terra e Cultura, ano XX, nº 38 (p. 25-36). Londrina: Unifil.
Bauman, Z. (2003). Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.
Bauman, Z. (2007). Vida Líquida. Rio de Janeiro: Zahar Editores.
Benjamim, W. (1984). Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação. São Paulo: Summus.
Bogdan, R. C. e Biklen, S. K. (1994). Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto, Portugal: Porto Editora.
Brougère, G. (1998). Jogo e Educação. Porto Alegre: Artes Médicas.
Château, J. (1987). O jogo e a criança. São Paulo: Summus.
Gomes, C. F. (2004). Pela porta ou pela janela? Notas etnográficas sobre a ludicidade escolar. Seminário do CBCE-MT, Cuiabá.
Huizinga, J. (2005). Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo: Perspectiva.
Kawashima, L. B.; Gomes, L.A. e Gomes, C. F. (2008). Praças, ruas e universidade: um olhar sobre os jogos e brincadeiras em espaços públicos. In: III Congresso Centro-Oeste de Ciências do Esporte (p. 01-07). Cuiabá: UFMT.
Kawashima, L. B.; Gomes, L.A. e Gomes, C. F. (2009). As diferentes percepções de educação física em um mesmo ambiente escolar. In: Anais do XVI Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte e III Congresso Internacional de Ciências do Esporte (p. 01-14). Salvador: CBCE.
Lüdke, M. e André, M. (1986). Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU.
Oliveira, S. C. e Gomes, C. F. (2010). Adolescência e ludicidade: jogos e brincadeiras de adolescentes autores de atos infracionais. Cuiabá: EdUFMT.
Rangel, I. C. A. R. (2010). Educação Física na infância. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.
Severino, A. J. (2000). Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez.
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