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Mudanças no mundo do trabalho e implicações para

Educação Física: análise da produção científica

Los cambios en el mundo del trabajo y las implicancias para la Educación Física: un análisis de la producción científica

Changes in the world of work and implications for Physical Education: analysis of the scientific production

 

*Graduado, Licenciatura Plena em Educação Física (UEPA)

**Professora orientadora, Mestre em Educação (UEPA)

(Brasil)

Bernardo Ferreira da Silva*

beafs@hotmail.com

Eliane do Socorro de Sousa Aguiar Brito**

eliane_aguiar@yahoo.com.br

 

 

 

 

Resumo

          Pesquisa a inter-relação “mudanças no mundo do trabalho e implicações para a educação física” disseminados na produção científica brasileira da área entre as décadas de 1980 e 2000. A partir do levantamento bibliográfico em 16 periódicos científicos listados no Qualis/Capes e no BoletimEF foram selecionados 11 artigos, os quais apontam que as particularidades sociais, políticas e econômicas expressaram-se por meio de um conjunto de políticas implementados no contexto nacional no final da década de 1980, e aprofundados em meados da década de 1990, mediados principalmente pela ideologia que sustenta e justifica as reformas políticas de ajuste ao novo regime de acumulação capitalista – acumulação flexível –, denominada neoliberalismo. Como implicações dessas alterações mais abrangentes no mundo do trabalho para a educação física destacam-se: desvalorização/secundarização da educação física na escola; educação física como um diferencial na escola particular; regulamentação da profissão; precarização do trabalho do professor de educação física; ampliação da atuação no espaço não escolar; fragmentação na formação profissional; educação física/cultura corporal como mercadoria; criação do sistema do Conselho Federal de Educação Física/Conselho Regional de Educação Física (CONFEF/CREF). Conclui que as particularidades sociais, políticas e econômicas que afetam a educação física, assim como as implicações que emergem desse contexto são decorrentes não de uma realidade natural, mas sim expressões da lógica brutal do capitalismo na tentativa de superar as crises comuns desse sistema.

          Unitermos: Análise da produção do conhecimento. Mudanças no mundo do trabalho. Educação Física.

 

Abstract

          Research the interrelationship "changes in the world of work and implications for physical education" disseminated in the Brazilian scientific production in the area between the 1980s and 2000. From the literature in 16 scientific journals listed in the Qualis / Capes and BoletimEF were selected 11 articles, which show that the unique social, political and economic expressed by means of a set of implemented policies in the national context at the end of 1980s, and deepened in the mid-1990s, mainly mediated by the ideology that sustains and justifies the setting of policy reforms to the new capitalist accumulation regime - flexible accumulation - called neoliberalism. As implications of broader changes in the world of work for physical education highlight: devaluation / undervaluation of physical education at school; physical education as a spread in the private school; regulation of the profession; precariousness of physical education teacher work; expansion of activity in the non-school; Fragmentation in vocational training; physical education / physical culture as a commodity; the establishment of the Federal Council of Physical Education / Regional Council of Physical Education. It concludes that the unique social, political and economic conditions that affect physical education, as well as the implications that emerge from this context are the result not of a natural reality but expressions of the brutal logic of capitalism in an attempt to overcome the common crises that system.

          Keywords: Analysis of knowledge production. Changes in the working world. Physical Education.

 

Recepção: 30/03/2016 - Aceitação: 30/07/2016

 

1ª Revisão: 19/07/2016 - 2ª Revisão: 28/07/2016

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 21, Nº 219, Agosto de 2016. http://www.efdeportes.com

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1.    Introdução

    O interesse pela investigação surge no decorrer do curso de Licenciatura Plena em Educação Física da Universidade do Estado do Pará (CEDF/UEPA), a partir dos estudos desenvolvidos nas disciplinas Pesquisa e Prática Pedagógica e Estágio Supervisionado, momento que pude perceber problemas preocupantes que se manifestam na educação física, dentre os quais: a predominância do conteúdo esportivo, desinteresse docente e discente nas aulas, intensas jornadas de trabalho, falta de espaço físico adequado, representações distorcidas por parte da comunidade escolar, falta de legitimidade e desvalorização frente a outras áreas do conhecimento.

    Da busca constante por respostas, veio à motivação para a construção do trabalho, pois com o avançar dos estudos, pesquisas e discussões acadêmicas, tornou-se evidente que os frequentes problemas presentes na educação física não são apenas particularidades de contextos educacionais isolados, mas estão inseridos em uma realidade muito mais ampla e foram e são influenciados por um fenômeno global: o das transformações no mundo do trabalho.

    Soares (1996) explicita que até chegar ao que conhecemos hoje como educação física, esta sofreu uma série de mudanças. O histórico da área evidencia que ela recebeu, desde sua gênese, influências do setor médico, militar, esportivo e da ideologia dominante (Castellani Filho, 1988). Tal fato justifica a vinculação e fundamentação – hegemônicas por mais de um século – do conhecimento da educação física nos referenciais próprios das ciências biológicas e explica, também, sua ligação com os ideais de ordem e crescimento do estado nacional, uma vez que os valores e finalidades eram forjados conforme os interesses dos grupos dominantes. Dessa forma, a educação física manteve por muito tempo um papel imprescindível e indiscutível no projeto de formação humana, mas que será posto em xeque nos dias atuais, devido às modificações no mundo do trabalho.

    Há algumas décadas, o mundo do trabalho passou por profundas mudanças, ocasionadas pelas medidas que o sistema capitalista implementou para tentar se recompor diante da crise estrutural, na qual estava inserido (Antunes, 2001). Tal crise, verificada nos anos de 1970 e mais marcadamente a partir do final da década de 1980, teve alcance global e seus impactos irromperam em diferentes esferas da vida social (Andrade, 2000).

    Diante do quadro problemático apresentado, temos interesse em entender a inter-relação “mudanças no mundo do trabalho e implicações para a educação física” disseminados na produção cientifica da área entre as décadas de 1980 e 2000. Tal investida justifica-se pelo interesse na compreensão de diretrizes e tendências políticas para a educação física escolar desenvolvidas nessa trajetória temporal. Para conseguir alcançar efetivamente o delineamento proposto, elaboramos as seguintes questões: Quais são as principais particularidades apresentadas pela produção científica da área sobre a inter-relação mudanças no mundo do trabalho e implicações para a educação física? Quais são as particularidades sociais, políticas e econômicas das mudanças contemporâneas no mundo do trabalho? Quais as implicações dessas mudanças para a educação física?

2.     Método e procedimentos metodológicos

    Em relação à natureza dos dados, a pesquisa caracteriza-se por ser quanti-quali, que implica na utilização conjunta da abordagem quantitativa e qualitativa, e, se justifica, segundo Minayo (2008, p. 57), pelo fato de que, “[...] ambos podem conduzir a resultados importantes sobre a realidade social [...]”. No que diz respeito ao tipo de estudo, a pesquisa vincula-se ao de cunho exploratório, que para Gil (2007, p. 42) “[...] têm como propósito proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipótese”.

    Para tanto, realizamos uma pesquisa bibliográfica, que, segundo Gil (2007, p. 44) “[...] é elaborada com base em material já publicado. Tradicionalmente, esta modalidade de pesquisa inclui material impresso, como livros, revistas, jornais, teses, dissertações e anais de eventos científicos”. Segundo este autor, a pesquisa bibliográfica, em fontes adequadas, tem como vantagem possibilitar ao pesquisador a cobertura de uma maior gama de fenômenos, ao contrário do que ocorre quando se pesquisa diretamente.

    Para analisar a produção científica em questão, a coleta de dados foi realizada considerando o material referente à temática pesquisada, difundido entre as décadas de 1980 a 2000, disponível principalmente em periódicos científicos da área, em virtude de entendermos estes como o principal meio de veiculação da produção científica, ao que pese também a rigorosidade, regularidade e atualidade relativas às suas publicações.

    A justificativa pelo recorte temporal deu-se devido ao profícuo debate realizado a partir da década de 1980, que nos permitiu identificar naquele momento histórico, expressivas transformações sociais, politicas e econômicas, que influenciaram sobremaneira a educação física, inclusive a produção teórica que passou a incorporar as discussões sobre as mudanças no mundo do trabalho.

    Os critérios estabelecidos para a escolha de tais periódicos científicos foram os seguintes: a) serem classificados no Qualis1 / Capes da área da Educação Física; b) interlocução na subárea pedagógica e sociocultural da educação física; c) serem periódicos científicos brasileiros; d) conteúdo disponibilizado na Internet.

    Os periódicos selecionados foram: Arquivos em Movimento; Conexões; Motrivivência; Motriz; Movimento & Percepção; Movimento; Pensar a Prática; Revista Brasileira de Ciências do Esporte; Revista Brasileira de Educação Física e Esporte; Revista da Educação Física; Atividade Física, Lazer & Qualidade de Vida: Revista de Educação Física; Caderno de Educação Física: Estudos e Reflexões; Cadernos de Formação da RBCE; Educação Física em Revista; Biomotriz (UNICRUZ); Kinesis. Além destes, selecionamos também o Boletim Brasileiro de Educação Física (BoletimEF)2, um importante portal de conteúdo científico, que armazena e disponibiliza trabalhos científicos da área da educação física.

    Para encontrar pesquisas que tratassem da temática, realizamos levantamento nos 16 periódicos selecionados e no BoletimEF, considerando o recorte temporal e material indicado para fins deste estudo. A busca se deu por meio da leitura do título e do resumo dos trabalhos disponíveis em cada edição publicada nos periódicos. Na área biblioteca digital do BoletimEF, procedemos à busca por palavras-chave, utilizando os seguintes termos: mudanças no mundo do trabalho e educação física; reordenamento no mundo do trabalho e educação física; mediações na educação física.

    Nesse momento, no entanto, identificamos a existência de um quantitativo elevado de trabalhos científicos escritos em diversos gêneros textuais como teses, dissertações, artigos, ensaios, pontos de vista. Dentre os quais, optamos por selecionar apenas os artigos como objetos de nossa análise, em função de sua originalidade, qualidade teórica e estrutura. Essa opção possibilitou a identificação de 11 artigos, como explicitado na Figura 1 a seguir:

Figura 1. Quantidade de artigos selecionados nos bancos de dados

Ano

Tipo

Periódico

Título

Autor (es)

01

1997

Artigo

Motrivivência, Dez

Neoliberalismo e Globalização: Vias Transitadissimas e Engarrafadas e a Questão da Cultura Corporal

 

Maria do Carmo Morales Pinheiro

Professora de Educação Física; pós-graduanda na Especialização em Educação da UFPeI

02

1997

Artigo

Motrivivência, Dez

Globalização: a Nova Cultura do Trabalho e seus impactos na Educação Física

 

Paulo da Trindade Nerys Silva

Departamento de Educação Física. Laboratório de Estudos e Pesquisas em Educação Física. Universidade Federal do Maranhão. Doutorando pela Faculdade de Educação/UNICAMP

03

1999

Artigo

Revista da Educação Física/UEM Maringá, v. 10, n.1, p. 3-12

O mundo do trabalho e o reordenamento da Educação física brasileira

HajimeTakeuchi Nozaki

Departamento de Desportos da Faculdade de Educação Física, Universidade Federal de Juiz de Fora – RJ

04

2003

Artigo

Revista da Educação Física/UEM Maringá, v. 14, n. 2, p. 85-95, 2. sem.

A centralidade analítica da categoria trabalho para a Educação física

Carlos Herold Junior

Doutorando em Educação

pela UFPR. Professor do Departamento de Pedagogia da Unicentro - Universidade do Centro-Oeste do Estado

05

2006

Artigo

Motrivivência Ano XVIII, Nº 26, p. 69-87 Jun.

A formação do professor de Educação física e as novas Diretrizes curriculares frente aos Avanços do capital

Álvaro de Azeredo Quelhas;

Hajime Takeuchi Nozaki

06

2008

Artigo

Motriz, Rio Claro, v.14 n.4, p.408-417, out./dez.

Educação, Educação Física e Sociedade: implicações escolares na atualidade

Luciene Ferreira da Silva

NEPEF do Departamento de Educação, UNESP Bauru, SP, Brasil

GEPEFFE da FEF-UNICAMP, Campinas, SP, Brasil

Grupo de Pesquisas em Lazer da UNIMEP, Piracicaba, SP, Brasil

07

2008

Artigo

BoletimEF

Mediações que integram a educação física ao projeto pedagógico dominante

Leonardo Docena Pina

Mestrando em Educação (PPGE-UFJF) Bolsista da CAPES Membro do GETEMHI (UFJF)

08

2010

Artigo

Motrivivência Ano XXII, Nº 35, p. 62-78 Dez.

 

O reordenamento do trabalho do professor de educação física e a organização empresarial do âmbito do fitness: CONFEF/CREF, ACAD e SINDACAD

Tatiane Carneiro Coimbra

Mestre em Educação - UFF

09

2010

Artigo

Motrivivência Ano XXII, Nº 35, p. 166-183 Dez.

Reordenamento do mundo do trabalho e pedagogia das competências: implicações para a Educação Física escolar (período pós 1990)

Marcelo Silva dos Santos

Professor da Faculdade Sudamérica no curso de Licenciatura em Educação Física na cidade de Cataguases/MG e Rede Municipal de Juiz de Fora/MG

10

2011

Artigo

Motrivivência Ano XXIII, Nº 36, p. 75-93 Jun.

Profissional de Educação Física

no segmento fitness: reflexões a partir da categoria trabalho

Alvaro de Azeredo Quelhas

Professor do Departamento de Educação – faculdade de Educação/UFJF

11

2011

Artigo

Motrivivência Ano XXIII, Nº 36, p. 45-62 Jun.

Crise estrutural do capital, mudanças no mundo do trabalho e suas mediações na Educação Física

 

Vilmar José Both

Mestre em educação Física pela ESEF-UFPel. Professor de Educação Física na Rede Municipal de Ensino de Florianópolis.

Informações elaboradas pelos autores a partir do levantamento nos Banco de dados

    Para a realização da análise dos dados, utilizamos a análise de conteúdo, que, de acordo com Triviños (1987, p. 61), realiza-se em três etapas: 1) pré-análise; 2) descrição analítica dos dados; e 3) interpretação referencial. Assim, no desenvolvimento deste trabalho constaram metodologicamente os seguintes passos: a) levantamento da produção científica da educação física referente às mudanças no mundo do trabalho e implicações para a educação física; b) leitura do material para identificar os textos de interesse; c) leitura dos trabalhos selecionados e análise do conteúdo; d) organização e interpretação do material coletado à luz do referencial teórico.

3.     Discussão da produção científica

    Em meio ao quantitativo elevado de artigos científicos publicados nos 16 periódicos e arquivados no banco de dados BoletimEF, localizamos 11 trabalhos versando sobre a inter-relação “mudanças no mundo trabalho e implicações para a educação física”. A análise desse material nos permitiu perceber, com clareza, que as pesquisas convergiram para a mesma direção ao apontar as transformações ocorridas no mundo do trabalho, a partir da profunda crise do capitalismo nos anos 1970. De acordo com o objetivo pretendido por este estudo, verificamos certas regularidades no que diz respeito às particularidades políticas, econômicas e sociais dessas mudanças, assim como nas implicações destas para a educação física.

3.1.     Particularidades sociais, políticas e econômicas das mudanças contemporâneas no mundo do trabalho

    Os estudos apontam que diante da referida crise, houve evidente necessidade de o capital tentar sair da situação de instabilidade em que se encontrava nos anos 1970 para conseguir se reerguer, o que implicou promover mudanças no próprio modelo político e econômico, e trouxe conseqüências negativas, sobretudo para a classe trabalhadora, que viu seus direitos evanescerem.

    No plano político, os estudos assinalam a emergência e fortalecimento do Neoliberalismo como forma do capitalismo gerir a crise (Pinheiro, 1997, Silva, 1997, Nozaki, 1999, Quelhas & Nozaki, 2006, Pina, 2008, Coimbra, 2010, Silva dos Santos, 2011, Both, 2011). Conforme sustenta Pinheiro (1997, p. 97) “[...] é no boom dos anos 70, com as altas taxas de juros, economias inflacionadas e crise do modelo fordista de produção que o neoliberalismo se ergue como suposta tábua de salvação para uma crise real do capital”.

    Neste contexto, os 11 artigos analisados trazem a ideia da configuração de um Novo Modelo de Estado, nos dias atuais. Os textos indicaram a existência de um Estado Mínimo, no sentido garantir os direitos sociais básicos à população, mas que se mostra forte quando se trata de intervir para promover ajustes estruturais e reformas, determinadas pelo capital. Como afirma Pinheiro (1997, p. 9),

    No estado neoliberal é o mercado que, de forma geral, regula as relações sociais [...] É produzido a partir disto um Estado Mínimo, descentrado economicamente, mas forte e centrado politicamente, trazendo sérias conseqüências sociais, uma vez que a democracia fica a mercê das leis do mercado [...]

    Sobre outro fator ligado as especificidades dessas transformações no campo político, os trabalhos de Pinheiro (1997), Nozaki (1999) e Pina (2008), destacam que a queda do socialismo europeu se tornou campo fértil para o crescimento do neoliberalismo. Nas palavras de Pina (2008, p. 6), “Outro fato que parece ter contribuído de forma decisiva para o capital manter sua hegemonia foi a falência do que se convencionou chamar de socialismo real”.

    Na análise dos autores citados, os anos 1970 representaram, portanto, o período de surgimento e fortificação da doutrina neoliberal. Com o agravamento da crise econômica, o método encontrado pelos países capitalistas para enfrentar essas dificuldades foi implantar uma política de liberalização e desregulação financeira, criando um novo modelo de Estado (Silva, 1997, Herold Júnior, 2003) em que o mercado regula as necessidades humanas (Silva, 1997). Assim, a desregulamentação, desestatização, privatização, terceirização se expandiram e passaram a ser práticas comuns dos governos de orientação neoliberal.

    Concomitantemente a isso, foi recorrente encontrar na literatura analisada referências diretas a reestruturação produtiva (padrão de acumulação flexível), ao avanço na tecnologia e na microeletrônica, os quais, em esfera global, foram os articuladores centrais da nova transformação no processo de produção e da redefinição do perfil do trabalhador. A reestruturação produtiva do novo panorama que se instaurou, denominado regime de acumulação flexível ou toyotismo, ocorreu em substituição ao fordismo, mediante a crescente introdução de novas tecnologias como a robótica, a microeletrônica e a informática na produção, que como ressalta Pinheiro (1997, p. 99) “[...] redimensiona o mundo do trabalho, ultrapassando de vez o modelo fordista de produção, entrando na era do trabalho toyotista”.

    Essa nova forma de organização do modo de produção capitalista permitiu, em escala mundial, o crescimento das empresas, corporações e conglomerados transnacionais (Silva, 1997, Silva dos Santos, 2011), ao mesmo tempo em que houve “[...] uma investida do trabalho morto (materializado na máquina) contra o trabalho vivo” (Herold Júnior, 2003).

    Em face das mudanças acima listadas, com relação ao campo social, os estudos denunciaram, com clareza, que a adequação à nova ordem, acarretou como conseqüência, uma série de problemas para vida dos trabalhadores, advindos da crise de desemprego, perda dos direitos sociais e trabalhistas, maior exploração do trabalho e aumento da exclusão, pois na nova perspectiva política e econômica, a tentativa de assegurar e expandir a acumulação do capital exige estratégias para diminuir de maneira acentuada os gastos, quer seja na esfera da produção de mercadorias, bens e serviços, quer seja na esfera estatal.

    Assim, a consolidação da política neoliberal e da reestruturação produtiva, formas estratégicas desenvolvidas pelo capital para sair da crise em que estava imerso e recuperar suas taxas de lucro, implicou uma nova morfologia da classe trabalhadora (Quelhas, 2011). Both (2011, p. 49) ressalta que:

    As atuais mudanças no mundo do trabalho vêm ampliando o denominado desemprego estrutural, haja vista que ocasionam uma diminuição do emprego estável e assalariado, ampliação do desemprego e do trabalho precário. Ou seja, um número crescente de trabalhadores é levado a sobreviver na economia informal, sem direitos trabalhistas, ou ainda, a desenvolver trabalhos com contratos temporários, sem a garantia de que no dia seguinte continuarão atuando em tais postos

    Logo, compreendemos que as novas formas desenvolvidas para sustentação do sistema em vigor trouxeram sérios desdobramentos para a vida dos trabalhadores, obrigando-os a sobreviver em um ambiente de incerteza, informalidade e exploração do trabalho, ao qual deveriam necessariamente se adaptar.

3.2.     Implicações das mudanças no mundo do trabalho para a Educação Física

    Em relação às implicações das mudanças no mundo do trabalho para a educação física, encontramos as seguintes: a) desvalorização/secundarização da Educação Física na escola; b) educação física como um diferencial na escola particular; c) regulamentação da profissão; d) precarização do trabalho do professor de Educação Física; e) ampliação da atuação no espaço não escolar; f) fragmentação na formação profissional; g) educação física/cultura corporal como mercadoria; h) criação do sistema do Conselho Federal de Educação Física/Conselho Regional de Educação Física (CONFEF/CREF).

    Ao considerar a inserção da educação física neste contexto caracterizado por constantes mudanças, foi regular nas discussões da produção teórica analisada, a afirmação de que, no Brasil, a partir da década de 1980, houve crescimento acelerado das atividades físicas, que se expandiram principalmente nos campos de atuação não escolares, alavancados pelo discurso da promoção da saúde por meio da prática de exercícios físicos. Processo este que ampliou o mercado das práticas corporais, abrindo espaço para investimento da iniciativa privada, em conformidade com a doutrina neoliberal e os novos processos flexíveis de produção.

    Entretanto, no âmbito escolar, a educação física tornou-se desvalorizada, por não ser mais considerada disciplina importante para a formação humana frente às atuais necessidades do capital. Pois, em face da nova qualificação para o trabalho, não interessava à nova ordem a formação do trabalhador executor de tarefas repetitivas e segmentadas, tal como no modelo taylorista/fordista, mas a formação do trabalhador de novo tipo com capacidades de abstração, facilidade de trabalho em equipe, comunicabilidade, resolução de problemas, decisão, criatividade, responsabilidade pessoal sob a produção, conhecimentos gerais e tecnológicos (Nozaki, 1999, Coimbra, 2010).

    Nozaki (1999, p. 6), ao perceber a importância de certas disciplinas estratégicas para a formação das competências necessárias ao novo modelo de trabalhador, aponta que “[...] para esta investida, algumas outras disciplinas, tais como educação física e educação artística, parecem ser descartáveis [...]”.

    Do mesmo modo, Silva (1997, p. 133) avalia que “[...] a exclusão de alguns componentes curriculares, caso da educação física, será a garantia de outros componentes considerados mais necessários”.

    Assim, podemos inferir que a educação física, por ser compreendida como atividade voltada ao ensino do movimento motor, acaba sendo marginalizada/desvalorizada em relação às outras disciplinas dotadas do conhecimento necessário a formação do trabalhador de novo tipo, uma vez que, segundo Nozaki, (2004, p. 146) no projeto de formação humana dominante, esta “[...] não atende mais, de forma imediata, aos anseios de compor um quadro formativo para o trabalhador de novo tipo que o capital necessita [...]”.

    Por outro lado, apesar da não centralidade da educação física enquanto componente curricular tanto na escola pública como na escola privada, os estudos evidenciaram que, na escola particular, ela e/ou seus conteúdos foram valorizados como artigo de luxo. Tornando-se um diferencial na formação daqueles que podem pagar para consumi-la (Pina, 2008).

    Uma vez secundarizada/desvalorizada enquanto componente curricular no novo modelo de qualificação, a educação física, de acordo com Nunes (2007, p. 8), deixa de ser um direito para se tornar mercadoria “[...] que pode ser consumida mesmo fora dos muros da escola [...] em academias, clubes, escolinhas de esporte e demais espaços possíveis de compra e venda de atividades físicas”.

    Se antes era um direito de todos, hoje ela perde essa característica, passa a ser negada aqueles que não podem comprá-la. Isso obedece também à lógica privatizante e de desmontagem dos direitos sociais, próprias do neoliberalismo, que retira do estado à obrigação de investir nos serviços básicos para população, delegando ao cidadão a responsabilidade de adquiri-los mediante compra.

    Nesse movimento de “compra” e “venda” das atividades físicas, visualizamos modificações no campo da educação física brasileira, nas décadas finais do século XX. Nesse período, surgiu a designação profissional de educação física como substituto do termo professor de educação física; Criação do curso de bacharelado em 1987; Elaboração das primeiras tentativas de regulamentação da profissão que, mais tarde, culminariam na regulamentação da profissão e na criação do conselho federal e conselhos regionais educação física (Sautchuk, 2005).

    Houve assim, segundo Nozaki (2004) um reordenamento no trabalho do professor de educação física, inserido no contexto da reestruturação produtiva, da globalização e do neoliberalismo. Ou seja, “[...] uma mudança do trabalho formal, assalariado nas escolas, para o trabalho não formal de bens e serviços” (Nozaki, 1999, p. 9). Esse processo significou, portanto, a descaracterização do trabalhador da educação física como um professor assalariado da educação formal e a caracterização do mesmo como um profissional liberal, flexível ou empreendedor da área não formal (Nozaki, 1999, Quelhas & Nozaki, 2006).

    Atentos a este movimento, tomaram o cenário da educação física brasileira os grupos privatistas que, seduzidos pela possibilidade da ocupação do assim denominado mercado das atividades físicas que se erigia, apologizavam tal campo, esquecendo-se das enormes contradições de precariedade que este último apresentava (Faria Júnior, 2001 apud Quelhas & Nozaki, 2006, p. 74).

    Esse crescimento e a defesa do mercado das atividades físicas, bem como a desvalorização da educação física escolar, impulsionaram o trabalho dos professores nos espaços não formais. Ou seja, junto com a desvalorização da disciplina e a mercantilização das práticas corporais, ampliou-se a inserção desses trabalhadores no campo não escolar, que engloba, dentre outras atividades, principalmente o segmento do fitness (Quelhas, 2011). Resulta uma série de questões relativas a área, dentre as quais à regulamentação da profissão e a fragmentação na formação profissional (Quelhas & Nozaki, 2006, Coimbra, 2010).

    No que diz respeito a formação, a criação do bacharelado previsto na resolução 03/873, defendida pelos grupos privatistas, que decorreu exclusivamente da necessidade de formar um profissional para atender as demandas do mercado de trabalho, aponta para fragmentação da formação profissional em educação física (bacharelado x licenciatura) (Quelhas & Nozaki, 2006).

    Foi em função dos interesses de conquista desse crescente mercado, por parte de um grupo que buscou monopolizá-lo, que a regulamentação da profissão educação física e a criação do Conselho Federal de Educação Física (CONFEF) e dos Conselhos Regionais (CREF) se materializaram por meio da lei 9696/984, de 1º de setembro de 1998, com o pretexto de garantir para este profissional, a exclusividade de atuação na área das atividades físicas no campo não escolar (Coimbra, 2010).

    Entretanto, entendemos que, sob esta perspectiva, os professores de educação física neste novo campo de trabalho, onde existe um enorme exército de reserva, ao contrário do que se pode pressupor, estão submetidos à lógica de mercado, ao trabalho temporário, precário, sem direitos trabalhistas, vivenciando intensas condições de exploração de sua força produtiva e convivendo com a possibilidade de demissão a qualquer momento, pois, é através da extração da mais valia destes profissionais que os empresários do âmbito das atividades físicas conseguem obter lucro (Nozaki, 1999; Coimbra, 2010; Both, 2011; Quelhas, 2011).

4.     Conclusão

    As recentes mudanças no mundo do trabalho provocaram transformações no campo político, social e econômico, gerando assim um novo cenário, no qual o capitalismo, apesar de tantas contradições existentes, tem, cada vez mais, fortalecido ideologicamente sua supremacia enquanto único modo capaz de organizar a vida humana em sociedade.

    É necessário compreender as mudanças ocorridas no mundo trabalho, a fim de que, de acordo com Meszáros (2008), possamos romper com a lógica irreformável do capital, para elaboramos propostas e estratégias que viabilizem uma transformação social, ampla e emancipadora.

    As discussões e reflexões evidenciadas nesse estudo em relação a compreensão das implicações nas mudanças no mundo do trabalho para a educação física, são de fundamental relevância para o entendimento da realidade como ela realmente é, e não como ela tem sido apresentada a nós.

    Diante das informações encontradas na produção cientifica, concluímos que os grandes problemas que atingem a educação física são decorrentes não de uma realidade natural na qual estamos inseridos, mas expressões da lógica brutal do capitalismo na tentativa de superar as crises comuns desse sistema.

Notas

  1. Qualis é o conjunto de procedimentos utilizados pela Capes para estratificação da qualidade da produção intelectual dos programas de pós-graduação. Tal processo foi concebido para atender as necessidades específicas do sistema de avaliação e é baseado nas informações fornecidas por meio do aplicativo Coleta de Dados. Como resultado, disponibiliza uma lista com a classificação dos veículos utilizados pelos programas de pós-graduação para a divulgação da sua produção. Disponível em: http://www.capes.gov.br/avaliacao/qualis Acesso em: 01 abril 2014.

  2. Ver mais informações no endereço eletrônico: http://boletimef.org

  3. Resolução Nº 3, de 16 de Junho de 1987. Fixa os mínimos de conteúdo e duração a serem observados nos cursos de graduação em Educação Física (Bacharelado e/ou Licenciatura Plena). Para acessar a Resolução na íntegra: http://www.ufpb.br/sods/consepe/resolu/1990/Res0387-cfe.htm

  4. Para visualizar Lei na integra acessar o site: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9696.htm

Bibliografia

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