Aspectos essenciais do processo sócio-histórico da homossexualidade no ocidente Aspectos esenciales del proceso socio-histórico de la homosexualidad en occidente Essential aspects of the socio-historical process of homosexuality in the West |
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*Pedagogo, Mestre em Educação pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM) Professor da Secretaria Municipal de Educação do Amazonas **Psicóloga, Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB) Professora da Universidade Federal do Amazonas – UFAM ***Psicólogo, Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM) Professor da Universidade do Estado do Amazonas – UEA (Brasil) |
Ângelo Cabral Esperança* Iolete Ribeiro da Silva** André Luiz Machado das Neves*** |
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Resumo O presente artigo visa apresentar um panorama da construção sócio-histórica da busca da (in)visibilidade da homossexualidade. Por meio de uma revisão da literatura, buscou por meio de livros e artigos nacionais e internacionais, sistematizar o percurso no Ocidente de atribuição de significados, silenciamentos e conquistas, que permeiam a Homossexualidade. Evidenciou-se, que os significados sobre a homossexualidade aderem a outras conotações, sobretudo, as da vivência da liberdade garantida pelas leis magnas de países que aderiram às égides de regimes políticos democráticos. Mesmo com o poderoso discurso ideológico médico-religioso atrelado a sanções jurídicas e estatais, a visibilidade identitária das categorias sexuais reivindicadas e divulgadas pelos movimentos, hoje nomeados e compostos por LGBT, ressoaram em ambientes e instituições sociais onde jamais se pensou cogitar este tema, por exemplo, a escola, a família, a igreja e o Estado. O artigo, nesse sentido, conclui que se faz necessária formulações de problematizações em torno da relação sexualidade-homossexualidade nessas instituições. Unitermos: Homossexualidade. Construção histórica. Sexualidade.
Resumen Este artículo tiene como objetivo presentar una visión general de la construcción socio-histórica en la búsqueda de la (in)visibilidad de la homosexualidad. A través de una revisión de la literatura, se buscó a través de libros y artículos nacionales e internacionales, sistematizar el recorrido en occidente de la asignación de significados, silenciamientos y logros que atraviesan la homosexualidad. Se evidenció que los significados sobre la homosexualidad se adhieren a otras connotaciones, sobre todo, la experiencia de la libertad garantizada por las leyes de los países que se unieron a los regímenes políticos democráticos. Incluso con el potente discurso ideológico médico-religioso vinculado a sanciones jurídicas y estatales, la visibilidad identitaria de las categorías sexuales reivindicadas y difundida por los movimientos, hoy nombrado y compuesto por LGBT, impactaron en ámbitos e instituciones sociales donde nunca se consideró pensar este tema, por ejemplo, la escuela, la familia, la iglesia y el Estado. Este artículo, en este sentido, concluye que son necesarias formulaciones de problematizaciones en torno de la relación sexualidad-homosexualidad en estas instituciones. Palabras clave: Homosexualidad. Construcción histórica. Sexualidad.
Abstract This paper aims to present an overview of the socio-historical building of the pursuit of (in)visibility of homosexuality. Through a literature review, sought through books and national and international articles, systematize the route in the West of assignment of meanings, silenciamentos and achievements, which permeate the Homosexuality. It was evidenced that the meanings on homosexuality adhere to other connotations, especially, the experience of freedom guaranteed by the laws of the countries that joined the democratic political regimes. Even with the powerful medical-religious ideological discourse coupled to legal and State sanctions, the identity of the claimed sexual categories visibility and disseminated by the movements, today appointed and composed of LGBT, resonated in environments and social institutions where never thought he contemplated this theme, for example, the school, the family, the Church and the State. This article, in this sense, concludes that problematizations necessary formulations about the relationship sexuality-homosexuality are in these institutions. Keywords: Homosexuality. Historical building. Sexuality.
Recepção: 20/05/2016 - Aceitação: 08/07/2016
1ª Revisão: 23/06/2016 - 2ª Revisão: 04/07/2016
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 21 - Nº 218 - Julio de 2016. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
Na atualidade, a sexualidade configura-se como uma das mais importantes e complexas dimensões da condição humana, em que diversos saberes, construções teóricas, epistemológicas, culturais, sociais e cientificas, mostram-se presentes na construção histórica de seu significado. Inicialmente, observam-se uma ambiguidade entre os termos semânticos “sexo” e “sexualidade”, embora utilizados como sinônimos apresentam significados distintos.
De maneira histórica, a sexualidade mostra-se estreitamente relacionada às ações e relações do sujeito consigo mesmo e com os outros, constituída e constituinte das relações sociais, marcada por sentimentos, afetos singulares e coletivos ao mesmo tempo, permeada pelos significados biológicos, sociais, culturais, econômicos e políticos, que variam conforme a sociedade, a cultura e a história coletiva e pessoal dos sujeitos.
Observa-se, assim, que a sexualidade humana, apresenta uma ligação direta com a história das sociedades, sobretudo, de suas organizações:
Segundo o evolucionismo, a História pode ser contada em termos de um enredo que impõem uma imagem ordenada sobre uma mixórdia de acontecimentos humanos. A história começa com culturas pequenas, isoladas, de caçadores e coletores, se movimenta através do desenvolvimento de comunidades agrícolas e pastoris e daí para a formação de estados agrários. Culminando na emergência de sociedades modernas no Ocidente (Giddens, 1991:15).
Bourgignon (1990), diz que foi com fim do nomadismo e, com fixação do homem em um lugar que a organização social denominada Patriarcal, incorporou-se na sociedade Ocidental. No intuito de se estabelecer plenamente, esta organização efetivou-se através de pressupostos ideológicos e se utilizou de inúmeras táticas, que variaram de intensidade ao longo da história, para garantir a dominação masculina sobre mulheres, crianças e “desviantes” da sexualidade, tendo como premissa discursos “normatizadores”, na tentativa de se pré-estabeleceram papéis sociais e de gênero1.
No que tange a sexualidade vivida na antiguidade, nos lugares onde foram encontrados códigos morais anteriores ao código mosaico como na Babilônia, a 1700 a. C., os atos sexuais eram considerados como partes de cultos religiosos, onde deuses e deusas detinham uma ambivalência sexual (bissexualidade), sendo uma prática de sua norma teológica, atos comuns entre deuses e deusas e em seus cultos e, muitas vezes, fazia parte de rituais de iniciação sexual dos sujeitos (Naphy, 2006).
As relações sexuais apresentavam-se indiferenciadas, importando somente as distinções entre papéis ativo e passivo. Sujeitos, sobretudo, homens de idade superior a 20 anos que se entregassem nos atos sexuais de maneira passiva, eram tidos como fracos e abomináveis, denotando desde tal momento, pressupostos patriarcais de dominação.
Dentro desta ideologia patriarcal, homens e mulheres tornavam-se objeto do desejo “masculino” e, o ato sexual, apresentava-se como um fazer alguma coisa com alguém, somente visto como problemática quando feitos de assalto, configurando-se como estupro (Naphy, 2006).
Muitos relatos e referências à homossexualidade na contemporaneidade, remetem à Grécia Antiga, contudo, tais posições, têm sido reiteradamente questionadas, devido às diferentes características e significados atribuídos a vivência sexual e social entre sujeitos do mesmo sexo gregos e modernos.
As práticas realizadas pelos gregos eram nomeadas de pederastia, em que um cidadão adulto poderia ter uma vivência sexual com sua esposa e manter relações sexuais com um adolescente. Tal relacionamento algumas vezes era acompanhado pelos pais do rapaz, e tinham uma conotação pedagógica e educativa2.
Esse relacionamento se dava a partir de uma relação hierárquica, a pederastia era regida por normas rígidas, inclusive normas de conquista e cuidados para com o escolhido. A partir dos 20 anos de idade, este neo-adulto deveria sair deste relacionamento, tomar uma esposa e constituir família. Bremmer (1995), considera que rapazes envolviam-se sexualmente com homens mais velhos e importantes na sociedade, poderiam conquistar status e ascensão social na vida adulta.
Atributos como desejo, o endeusamento do corpo e da beleza também ajudaram a ditar padrões sexuais de tal época, dando lugar a uma conduta particular nas relações entre indivíduos do sexo masculino. Já a vivência sexual entre homens e mulheres, os atos sexuais eram determinados somente para fins reprodutivos, afastando-se de outras peculiaridades da vivência da sexualidade como: afeto e prazer (Foucault, 1994).
A existência da prática sexual entre duas mulheres nomeada de lésbicas, mostra a clara ligação à Ilha de Lesbos terra natal da poetisa Safo, onde as relações sexuais eram igualmente as vividas na Grécia Antiga e, onde a iniciação sexual, as regras e condutas também eram significadas a partir de uma hierarquia social e econômica (Navarro-Swain, 2000).
Segundo Lardonois (1995), a interpretação da obra de Safo de Lesbos como a primeira obra homossexual, fez com que a palavra lésbica, se tornasse sinônimo de homossexual feminino até os dias atuais. Já na Civilização Romana, posterior a Grega, devido algumas influências do nascente cristianismo, no que tange as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo, sobretudo, do sexo masculino, foram inicialmente criticadas, contudo, nos últimos anos antes da morte de Cristo, Roma já era um grande exponencial e reverenciava os relacionamentos sexuais entre homens. Mas, com a vivência religiosa cristã, os significados das relações e dos atos sexuais ganharam outra conotação.
Os códigos morais apoiados em conceitos judaicos e cristãos, nesse sentido, serviram de base para a explicação e para a vivência da sexualidade nesta cultura, atravessando eras. Para Foucault (1994), foi no nascimento da Modernidade, no final do século XVII e início do século XVIII que, as ideias cristãs, ganharam maior difusão no Ocidente, através da sua principal interlocutora, a Igreja Católica Cristã.
Apoiada nas concepções históricas, engendradas pelas primeiras civilizações que aderiram ao monoteísmo, difuso por pequenas tribos de Judeus libertos pelo imperador Ciro em 539 a.C, a Igreja Católica Cristã, ao assumir como dogma as concepções daqueles exilados que perante as agruras vividas no cativeiro de um mundo hierarquizado e assombrado por bons e maus poderes, criou a ideia de “salvação” em um mundo extraterreno (Lins & Braga, 2005).
Para tomar posse neste lugar, posteriormente nomeado de “céu”, fazia-se necessário o controle e a purificação dos corpos, posto que, somente corpos “puros e justos” que “aderissem às leis” impostas por tal tribo seriam ressuscitados por Deus em uma nova vida.
A ideia de adoração a um “Deus Invisível” e “Superior” à forma humana, irá sobrepor-se ao pensamento de “superioridade da alma sobre o corpo” e, sobre toda intelectualidade de homens e mulheres, desta forma, este pensamento irá restringir a manifestação mais próxima da identidade dos seres humanos, fazendo com que, as pessoas, se sentissem mais orgulhosas e superiores aos que permaneceram sob o domínio do corpo (Lins & Braga, 2005). A feição, portanto, deste Deus, afasta-se da sexualidade (do humano), elevando o ideal ético de ser humano atraído pelo pensamento de superioridade da alma.
Por meio deste pensamento, o cristianismo como forma da cultura hebraica, instaurado no Ocidente, vai implantar seu projeto civilizatório ideológico, demográfico/pré-natalista, no qual a religião e a moral irão ensinar que os atos sexuais se destinam precipuamente à reprodução humana, tendo como ordem do Divino, do Criador o “Crescei e Multiplicai-vos” (Mott, 2003).
Os constantes interditos sobre a sexualidade se darão, a partir de narrativas, organizadas em textos nomeados posteriormente de Bíblia, junto ao discurso moralizador de vários seguidores do cristianismo. Precedidos por grandes bandeiras repressoras, através de sermões, códigos e leis rígidas, o grande ditame de tais cristãos se torna a ordem de “não pecar”, o que consistia precipuamente na “vontade de obter prazer sexual sem a ideologia sexo/reprodução”. Os discursos adotados para banir tais práticas, eram embasados no pensamento de uma “ordem natural”3 das práticas sexuais (Spencer, 1996).
Esta ideologia atravessou eras, e durante o reinado político da Igreja Católica que vai da Idade Média até o Renascimento, ao implantar a Santa Inquisição como regime vingativo e punitivo, norteará diretamente o discurso sobre a vivência da sexualidade4. Discurso esse, atualmente adotado pelas igrejas evangélicas.
Durante a Idade Média, a nomenclatura utilizada para se referir à cópula entre indivíduos do sexo masculino era “sodomia”5. Na tradução bíblica do Rei James, tal palavra sodomia traduzia atos sexuais de qualquer tipo entre pessoas dos dois sexos que, não fosse a penetração vaginal, na posição dita “ortodoxa” (Spencer,1996).
Com a instauração da Santa Inquisição6 em 1231, pelo Papa Gregório IX, os discursos proferidos pela Igreja Católica, relacionavam a homossexualidade com desastres, fome e terremotos (como o acontecido na antiguidade, na cidade de Sodoma e Gomorra), pestes como a Peste Negra, que assolou a Europa em 1350, de maneira geral, acontecimentos catastróficos que, segundo suas concepções, se davam sob a égide da ira de Deus, provocada pela “imoralidade sexual”. Desta maneira, a sodomia foi reafirmada como “causa de desgraça” para a humanidade (Naphy, 2006).
Logo, Igreja e Estado, ao proibirem a manifestação das “sexualidades desviantes”, levam ao chicote, a humilhação em público, à morte7 na forca e na fogueira, todas e todos que, dantes ou depois, viviam sobre a égide das leis desta civilização (Spencer, 1996).
Estas ideias atravessam o oceano e chegam ao Brasil Colônia. Novais (1997), nessa acepção, ao observar de maneira histórica o cotidiano das vidas privadas na América portuguesa, confirma a visão de uma cultura sexual brasileira cheia de contradições, num embate entre, os preceitos sexuais permeado pela cultura dos nativos e, a nova ordem que se estabelecia. Apresentadas sob os fundamentos históricos da ordem social patriarcal, dominada pelos preceitos da Igreja Católica, “perversidade e proibição”, “práticas sexuais e culpa”, coadunavam-se, cabendo aos seus habitantes, sobretudo, aos nativos, tomar uma entre duas posições: “aceitar a normatização ou transgredi-la”.
Trevisan (2007), ao relatar o discurso de religiosos, estudiosos, viajantes e colonizadores do século XVI e XVII sobre sadomia e, sobre os sadomitas no Brasil Colônia, traduz a “orgeriza”, causada pelo que tais sujeitos nomeavam de “costumes devassos dos habitantes do paraíso tropical”, ganhando conotação pecaminosa e nefasta, as práticas sexuais realizadas entre os nativos do mesmo sexo eram nomeadas de “peccatum nefandum” (p.65).
Este mesmo autor ainda, ao observar a maneira como os indigenas nomeavam tais práticas, no seio de suas tribos se referiam aos sujeitos praticantes como de “tivira (ou tibirô), cudinas (ou cudinhos), e as mulheres, nomeadas de tríbades. reafirma a existência de práticas sexuais nesta colônia (Trevisan, 2007, p.65).
Entende-se, contudo, que é exatamente a partir da transgressão, fruto da rebeldia e da não aceitação do controle sexual imposto pelos europeus que, tornou-se possível acontecerem identificações históricas, capazes de constatar de fato a vivência e as práticas sexuais entre pessoas do mesmo sexo na época do Brasil Colônia. Atos que, variaram entre ataques sexuais violentos de brancos colonizadores contra nativos e nativas e, posteriormente contra negros e negras (demostrando a maneira unilateral das relações sociais), até casos de extrema paixão e amor8.
Tais identificações, podem ser encontradas nas célebres Confições da Bahia, estudadas por Vainfas (1989), e em documentos variados sobre a inquisição no Brasil, investigados por Mott (1988), nos documentos das visitações do Santo Ofício9, a patir de 1591, denominados de denunciações e confissões como “As denunciações da Bahia”, “As denunciações de Pernambuco”, livros de visitações do “Santo Ofício” e documentos no estado do Pará, Maranhão e Sergipe, todos, intrinsecos de descrições miniciosas, das práticas sexuais entre sujeitos do mesmo sexo na Colônia.
O período conhecido como Renascimento, no Ocidente, marcado dentre outros fatores como a introdução da filosofia moderna, a recuperação de valores da Antiguidade Clássica (greco-romana), atingiu diversos campos da atividade humana como a literatura, a filosofia, as artes plásticas, política e a ciência, restaurando valores adormecidos na Idade Média, determinando novos estímulos sociais e políticos, sobretudo, os da Burguesia, que se estabelecia cada vez mais como classe social (Burns, 1993).
Mas, para a nascente sociedade Capitalista e Burguesa, o objetivo natalista de reprodução da espécie, já vivido em épocas anteriores à Revolução Industrial (séculos XV-XVII), juntava-se a crescente necessidade de mão-de-obra para a produção, o que colaborou para, estigmatizar mais uma vez, as “sexualidades” e os “atos sexuais” que não tivessem fins (re)produtivos.
Muito embora, durante esta época, alguns escritores, pintores e artistas se revelassem praticantes de atos sexuais com pessoas do mesmo sexo, esta vivência da sexualidade, apresentava-se “fora das normas sociais impostas”, por não ter a finalidade da reprodução.
O século XVII, também protagoniza a repressão contra toda manifestação da sexualidade fora do casamento, através da ideia apregoada pelo “puritanismo protestante”, que se inscrevia na história da humanidade a partir da Inglaterra. Os reformadores das leis cristãs, encabeçados por Martinho Lutero (1483-1546) e João Calvino (1509-1543), impuseram a partir de então uma moralidade sexual restritiva, onde a sexualidade atrelada a noções da ortodoxia religiosa, fazendo a sodomia mais uma vez, ganhar significado de pecado infame (Mott, 1988).
Tais imposições, contudo, não eram aceitas sem contestação e, na tentativa de contraporem-se tais normas. Na Europa do século XVIII, uma das manifestações visíveis foram a criação das casas de “veados”10. Ousando exporem-se às diversas formas de violência de rejeição social, homens e mulheres que se arriscam a viver fora dos limites impostos, encontravam várias saídas, sobretudo, a de travestir-se a partir do vestuário masculino ou feminino, na tentativa de garantir a vivência de suas sexualidades11 (Spencer, 1996).
Como observa Foucault (1990), o discurso cristão, somente foi diversificado e fragmentado aos poucos, pelas diversas ciências surgidas a partir do século XIX, dando a sexualidade e suas matizes novos significados:
A homossexualidade apareceu como uma das figuras da sexualidade, quando foi transferida da prática da sodomia, para uma espécie de androgenia interior, um hermafroditismo da alma. O sodomita era um reincidente, agora o homossexual é uma espécie (Foucault, 1990: 44).
Entre outros acontecimentos históricos, observa-se por fim que, a nascente das ciências modernas, encontra-se atrelada ao advento das doutrinas pragmáticas, liberais e positivistas ligadas a Revolução Francesa e Americana, permeada pela Revolução Industrial, e desta maneira, fez-se necessário a criação de novas malhas sutis de poder e controle sobre as novas populações ocidentais que surgiam (Trevisan, 2007).
Considerações finais
Este artigo, por sua vez, a partir dessa contextualização histórica e social, pontuar a necessidade de se conhecer os conceitos e significados construídos a partir do nascimento destas novas malhas da contemporaneidade, para a compreensão do que é dito, velado, vivido e construído na atualidade sobre a homossexualidade. Buscamos, portanto, apresentar um panorama da construção sócio-histórica da busca da (in)visibilidade da homossexualidade no Ocidente. E, nesse contexto, visou-se despertar a necessidade de fomentar problematizações em torno de instituições que sócio-historicamente tem o propósito de disciplinar, regular e controlar corpos e comportamentos dos seres humanos, como, por exemplo, a escola, a igreja, a família e o Estado a partir de um modelo heteronormativo de sexualidade.
Notas
Neste momento histórico, o conceito de Gênero estava atrelado à naturalidade da composição biológica dos corpos de machos e fêmeas permeado pelo pensamento religioso. De maneira universalista, este feito ajudou a operacionalizar a composição binária dos gêneros, servido de estratégia para regulamentar e homogeneizar à vivência da sexualidade de homens e mulheres até a sociedade Moderna (Bento, 2006).
Observa-se desta maneira, que a pederastia vivida pelos gregos, embora tenha sua conotação sexual, seguramente mostra-se vivência permeada por uma conotação social. Dover (2007), de maneira categórica descreve os sentimentos e comportamentos homossexuais retratados na arte e na literatura grega pontuando entre o oitavo e o segundo século a.C., e oferece detalhes sobre os aspectos sexuais da arte, da sociedade e da moralidade grega.
Mott, cita que atos sexuais fora da ordem homem X mulher denota desperdício de sêmem e, assim, um boicote ao ambicioso projeto civilizatório de Javé prometido à Abrão.
Além de nortear discursos, tal ideologia transformou-se em prática, sobretudo, no que tange a renuncia do ato sexual e da sexualidade. Ver em: Brown, P. Corpo e sociedade: o homem, a mulher e a renúncia sexual no início do cristianismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.
Contudo, os seguidores do cristianismo relacionavam o termo sodomia ao acontecimento bíblico duas cidades Sodoma e Gomorra que foram destruídas por Deus devido a “licenciosidade” dos atos sexuais realizados entre os homens. Posições diversas sobre tal acontecimento ainda nos dias atuais mostram uma realidade contraditória a tal acontecimento, configurando-se como uma questão ainda discutida por diversos teólogos e estudiosos da Bíblia sobre tal catástrofe (Spencer, 1996).
Sobre os documentos e acontecimentos sobre a homossexualidade na época da Santa Inquisição no Brasil consultar os artigos categóricos do Professor Dr. Luiz Mott em: www.luizmott.cjb.net
“A pena de morte para a sodomia foi (...) finalmente abolida na Inglaterra e País de Gales em 1861 substituída por penas que variavam de 10 anos a prisão perpétua”. (Spencer, 1996, p. 259).
Ver em Mott, L. (1988). O sexo proibido: Virgens, gays, lésbicas e escravos nas garras da santa inquisição. Campinas. Papirus.
O Tribunal do Santo Ofício, braço secular da Igreja católica e mecanismo de controle moral e doutrinário, “(...) começou a funcionar em 1536 e lá continuou em atividades até 1765. Na metrópole portuguesa, tanto o poder eclesiástico quanto o poder real preocupavam-se em encontrar formas mais efetivas de controlar a população da colônia brasileira (...)”. (p.128)
Com a evidência de uma nova categoria criada para nomear a homossexualidade, os “veados”, eram homens na sua maioria casados, que vestiam-se com roupas femininas freqüentavam as tavernas e clubes chamados de molly houses as “casas de veados” (Spencer, 1996, p.177).
Entre outras obras que citam a manifestação da sexualidade a partir da “trasgressão de gênero” de maneira histórica destacam-se a de: Farina, R. (1982). Transexualismo: do homem à mulher normal através dos estados de intersexualidade e das parafilias. São Paulo: Novalunar.
Bibliografia
Bento, B. (2006). A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro: Garamond.
Bourgignon, A. (1990). História Natural do Homem - 1. O Homem Imprevisto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
Bremmer, J. (1995). Pederastia grega e homossexualismo moderno. Em J. Bremmer (Org.), De Safo a Sade: Momentos na história da sexualidade (pp. 11-26). Campinas: Papirus.
Burns, E. B. (1993). A history of Brazil (3ª ed.). New York: Columbia University Press.
Dover, K.J. (2007). A homossexualidade na Grécia antiga. Trad. Luis Sérgio Krausz. São Paulo: Editora Nova Alexandria.
Foucault, M. (1990). História da sexualidade I: a vontade de saber. Trad. de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque (10ª ed.). Rio de Janeiro, Edições Graal.
Foucault, M. (1994). História da sexualidade 2: O uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Edições Graal.
Giddens, A. (1991). As consequências da Modernidade. Trad. Raul Fiker. São Paulo: Editora UNESP.
Lardonois, A. (1995). Safo lésbica e Safo de Lesbos. In: J. Bremmer (Org.). De Safo a Sade: momentos da história da sexualidade (p. 27-50). São Paulo: Papirus.
Lins, R. N. & Braga. F. (2005). O livro de Ouro do Sexo. Rio de Janeiro: Ediouro.
Mott, L. (1988). O sexo proibido: Virgens, gays, lésbicas e escravos nas garras da santa inquisição. Campinas: Papirus.
Mott, L. (2003). Crônicas de um gay assumido. Rio de Janeiro: Record.
Naphy, W. (2006). Born to be gay: história da homossexualidade. Lisboa: LDA.
Navarro-Swain, T. (2000). O Que é Lesbianismo. São Paulo: Brasiliense.
Novais, F. A (1997). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras.
Spencer, C. (1996). Homossexualidade: uma história. (Trad.). Rubem Mauro Machado. Rio de Janeiro: Record.
Trevisan, J. S. (2007). Devassos no paraíso: a homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade. Ed. Ver. e Ampliada (7ª Ed.). Rio de Janeiro: Record.
Vainfas, R. (1989). Trópicos dos Pecados: Moral, Sexualidade e Inquisição no Brasil. Rio de Janeiro: Campus.
Outros artigos em Portugués
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