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Reconfiguração do trabalho e impactos para o trabalhador

La reconfiguración del trabajo y el impacto para el trabajador

 

Licenciada em Educação Física pela Universidade Federal de Goiás

Mestranda em Educação pela Universidade Federal de Goiás – Regional Jataí

(Brasil)

Idayany Araújo Cardoso de Almeida

idayany@gmail.com

 

 

 

 

Resumo

          Este trabalho teve como objetivo compreender como o trabalho, a reconfiguração da produção e a precarização se manifestam. Para tanto realizamos um estudo bibliográfico de caráter teórico, a partir de autores que discutem dentro da perspectiva marxista. Levantamos algumas categorias para nos auxiliar nesse processo, sendo elas: trabalho, trabalho alienado, precarização, fordismo/taylorismo, toyotismo, keynesianismo, neoliberalismo e crise estrutural do capital. Verificamos que o trabalho alienado influencia de alguma forma todas as esferas da práxis social. Urge o enfrentamento dos modelos de gestão do Estado e da produção que desumanizam.

          Unitermos: Trabalho. Neoliberalismo. Toyotismo. Precarização do trabalho.

 

Resumen

          Este estudio tuvo como objetivo comprender cómo se manifiesta el trabajo, la reconfiguración de la producción y la precarización. Por lo tanto, se realizó un estudio bibliográfico de carácter teórico, de autores que discuten dentro de la perspectiva marxista. Hemos planteado algunas categorías para ayudarnos en este proceso, que son: trabajo, trabajo alienado, precarización, fordismo/taylorismo, toyotismo, keynesianismo, neoliberalismo y crisis estructural del capital. Nos encontramos con que el trabajo alienado influye de alguna manera en todas las esferas de la praxis social. Se hace necesario confrontar los dos modelos de gestión del Estado y de la producción que deshumanizan

          Palabras clave: Trabajo. Neoliberalismo. Toyotismo. Precarización laboral.

 

Recepção: 29/03/2016 - Aceitação: 01/06/2016

 

1ª Revisão: 20/05/2016 - 2ª Revisão: 29/05/2016

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 21 - Nº 217 - Junio de 2016. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Este ensaio discute aspectos centrais da reconfiguração do mundo do trabalho e alguns impactos no trabalhador. A questão que nos conduz é: como operaram as reconfigurações dos modelos de gestão e produção no capitalismo e quais seus principais impactos para o trabalhador?

    O trabalho existente sob o modelo capitalista de organização da economia manifesta uma face destrutiva e centrado na exploração do trabalho como elemento de acumulação de lucros. O trabalhador converte-se na mais barata das mercadorias, desvalorizando-se inversamente proporcional à valorização do capital (Marx, 2010).

    Para compreendermos estes processos no mundo contemporâneo, utilizamos das ideias de Marx (2010), Antunes (2009), Miranda (2004) e Anderson (1995).

    Discutimos então as características do fordismo/taylorismo e keynesianismo assim como suas relações na esfera da produção, na esfera política e na esfera do Estado. Depois tratamos o momento de crise estrutural do capital como elemento importante para a compreensão da reestruturação produtiva toyotista e do neoliberalismo no âmbito da política.

    Percebemos que há em curso um processo de desqualificação do trabalho e do trabalhador sob o discurso da flexibilização e qualificação. As reconfigurações do modelo toyotista revelam-se como um importante mecanismo de superexploração e apropriação da subjetividade do trabalhador.

A organização do trabalho a partir do modelo fordista/taylorista de produção

    No início do século XX se desenvolveu o modelo de organização de trabalho conhecido como fordismo, nome proveniente do seu precursor Henry Ford. Logo houve a união da linha de produção fordista com os métodos de organização científica do trabalho de Taylor. Surge então a primeira característica do modelo fordista/taylorista: a produção em massa. (Peres, 2000)

    O grande objetivo deste padrão de produção em massa foi a tentativa de elevar as taxas de lucro através da dominação do processo de trabalho sobre a dinâmica da acumulação capitalista. A produção em massa garantia essa possibilidade, pois se reduzia o custo de produção e aumentaria a produtividade impulsionando enormemente as taxas de lucro.

    No entanto o fordismo/taylorismo ultrapassou a dinâmica do processo produtivo, e influenciou diretamente as condições de trabalho e consequentemente a vida dos trabalhadores, pois a produção em massa constituiu na expansão do número de empregos, mas dentro de uma lógica exploratória e reducionista.

    A segunda característica marcante da indústria automobilística fordista/taylorista foi o desenvolvimento das esteiras de montagem, que possibilitaram a produção de carros em série através do parcelamento de funções e tarefas. (Peres, 2000)

    Essas duas características apontadas impõem ao trabalho condições de intensificação da precarização. O caráter intelectual do trabalho artesanal é retirado do trabalhador, restando-lhe apenas a força física. Os complexos conhecimentos sobre mecânica que alguns possuíam é substituído por resistência muscular (e psicológica), pois o processo de produção se limita aos ilimitados gestos repetitivos, sem variação.

    Um exemplo é o filme “Tempos modernos” de Charlie Chaplin, em que mostra a vida de um trabalhador nestas estruturas do fordismo/taylorismo, após tanto trabalhar de forma repetitiva, apertando porcas de parafusos, ele tem um colapso nervoso. O interessante desse filme é que não se mostra/aparece qual era o produto que estava sendo fabricado, a única pista que temos é que este produto possui porcas. Mas para o trabalhador não importa qual seria o produto final, pois a função dele em todo o processo é apenas uma.

Charlie Chaplin em Tempos modernos (1936)

    Neste momento podemos citar uma terceira característica desse modelo de produção. A linha de montagem era composta por uma esteira rolante em que os trabalhadores permaneciam uns ao lado dos outros ligando as atividades de um para o outro, mas somente isso não estava sendo suficiente para o aligeiramento do processo de produção, pois as várias peças dos automóveis eram terceirizadas de fabricas especializadas e por vezes não se adaptavam ao produto. Dessa forma, Ford padronizou essas peças por meio da compra das fabricantes dessas peças, tornando a fábrica fordista independente de outras fábricas. (Peres, 2000)

    O advento do fordismo/taylorismo trouxe profundos impactos para toda a organização industrial do século XX, bem como para as mais variadas esferas da vida social1.

    Com isso, as condições de trabalho cada vez mais se tornavam precárias, pois a competição acirrada entre empresas resultava na máxima intensificação da precarização do trabalho dos funcionários para aumentar a taxa de lucro da empresa.

    Esta tática de exploração do trabalho através da desqualificação e precarização do trabalho fragmentando-o em várias frações causou uma revolta na classe trabalhadora, resultando em uma “crise estrutural do capital travestido sob a veste do fordismo” (Peres, 2000, p. 3).

O desenvolvimento do sistema ideológico e político neoliberal e a reconfiguração do modelo de gestão da produção

    Para compreendermos essa reestruturação da produção, o capital financeiro, é preciso entender sobre o sistema ideológico/político de dominação do capital designado como neoliberalismo. De acordo com Miranda (2004) o neoliberalismo nasce como um mecanismo ideológico, uma corrente de pensamento do período inicial do século XX. Seu principal idealizador foi o austríaco Ludwing Von Misses (1881-1973), mas somente com Friedrich Von Hayek (1899-1992) que o neoliberalismo desenvolve-se a partir de um caráter teórico, pois ele publica a obra “O caminho da servidão” em 1944, na qual a sua versão em português vem ao Brasil no ano de 1946. Com essa publicação o neoliberalismo ganha uma grande força, pois se torna referência documental para o desenvolvimento neoliberal global.

    O neoliberalismo é uma reação teórica e política contra o Estado intervencionista e de bem-estar social. Para o neoliberalismo, o Estado não deve intervir nas ações e reações do mercado. Um dos grandes inimigos dos neoliberais era o conjunto formado pelo Estado de bem-estar social e pela intervenção estatal na economia, identificando-se com a teoria Keynesiana. (Miranda, 2004. p. 41)

    A teoria Keynesiana advém das posições de John Maynard Keynes (1883-1946) um professor da Universidade de Cambridge da década de 1930 e que desenvolveu uma política de controle da economia através do Estado a partir da adoção de políticas sociais permanentes do Estado Capitalista para apoiar e garantir a manutenção econômica e social. Para garantir essa manutenção Keynes demonstrou em seu estudo de maior importância “Teoria geral do emprego, do juro e da moeda” que a quantidade de emprego está intimamente relacionada com a renda gasta no consumo, de tal forma que somente com investimentos que o desemprego seria combatido e para isso seria necessário que o Estado interviesse com políticas de incentivos e investimentos, bem como regular as taxas de juros e expansão do próprio gasto público. (Ricc; Sotero; Barbosa, 2001).

    Keynes, o pioneiro da macroeconomia, não era “bem visto” principalmente aos olhos de Hayek por tentar desenvolver o chamado terceiro momento do Estado de Bem-Estar Social. Sua política foi utilizada no governo do presidente estadunidense Roosevelt no ano de 1933, portanto, logo após a crise de 1929. Os desdobramentos de sua política culminaram em acordos firmados com empresários para o estabelecimento de salários, produção e preços; houve redução da jornada de trabalho; criação do salário mínimo nacional; convenção coletiva de trabalho houve a criação do programa da casa própria; projetos ambientais foram instaurados para proporcionar o reflorestamento e combater a incêndios; outro projeto vigorado foi o governo assumir a dívida dos agricultores familiares oferecendo a eles maior facilidade de crédito. “Em suma, o keynesianismo acabou por conformar uma forte política de regulação da economia pelo Estado e adoção de políticas sociais permanentes do Estado Capitalista como suporte ao equilíbrio econômico e social.” (Ricc; Sotero; Barbosa, 2001, p. 8)

    Com isso, em 1947, Hayek se reúne com aqueles que compartilhavam da concepção ideológica em Mont Pèlerin (Suiça), para uma conferência com o intuito de formar uma sociedade neoliberal, a partir de uma estrutura bastante organizada, a fim de combater as propostas keynesianas e propor um novo modelo de capitalismo, pois para Hayek a desigualdade social a separação por classes era um fundamento necessário para o desenvolvimento e perpetuação do capital. (Miranda, 2004).

    Em meio a grande crise de 68-73 do modelo econômico pós-guerra toda sociedade capitalista sofreu uma grande recessão por viverem baixas taxas de crescimento e alta taxa de inflação. Com a consequência da superprodução e logo o grande desemprego estrutural e o desequilíbrio inflacionário houve a necessidade de profundas alterações nos meios de produção para garantir a perpetuação do capital, então foi essa a deixa para que os neoliberais interviessem com seus ideais. Para reverter a crise eles deveriam então,

    [...] deter a hiperinflação e acusavam o poder excessivo dos sindicatos, dos movimentos operários e dos altos gastos sociais do Estado como responsáveis pelo desencadeamento da crise. Os únicos métodos de sanear esta crise seriam: um Estado forte que conduziria a uma estabilidade monetária, uma disciplina orçamentária, criação de um exército de reserva (desempregados) e reformas fiscais baixando impostos de rentistas. (Miranda, 2004, p. 42)

    Hayek e seus companheiros culpabilizavam os sindicatos e os movimentos operários pela crise, pois de acordo com eles, a base de acumulação capitalista foi destruída por causa das reivindicações salariais que os trabalhadores faziam, colocando pressão sobre o Estado para que esse utilizasse os recursos financeiros com questões sociais, com isso frearia o desenvolvimento e acumulação do capital.

    Sendo assim, essas articulações trabalhistas e o “rendimento” por parte do Estado seria o suficiente para acabar com os lucros das empresas e, o que resultou em grandes inflações que derivou uma grande crise das economias de mercado. A solução encontrada foi, então, o fortalecimento do Estado para o grande capital. Isso se deu por meio da repressão contra os sindicatos e também no controle do dinheiro, esse controle financeiro se traduz em menos gastos sociais, e em mais investimentos na recuperação dos lucros das empresas. O objetivo do governo seria a estabilidade financeira e para isso acontecer seria preciso desenvolver algumas estratégias, como a limitação de gastos com “bem-estar” e o reparo do desemprego que consequentemente desenvolveriam ações contra os sindicatos trabalhistas. Dessa forma, as reformas fiscais foram indispensáveis para estimular os agentes econômicos, ou seja, foi preciso reduzir os impostos daqueles que possuíam os mais altos rendimentos. (Anderson, 1995)

    Os desdobramentos dessa “tomada de poder” neoliberal foram em prol de manter o controle do Estado2, reduzindo-o a partir de um alerta sobre a sobrecarga que estava imposta ao Estado e que isso impediria governar qualquer democracia, estipulando duas regras para sobrevivência do Estado, sendo elas: privatização dos serviços públicos e empresas estatais, e criação de regulamentação que limitasse a interferência do Estado sobre as empresas privadas.

    Alguns líderes de partido conseguiram grandes conquistas em governos de destaque mundial utilizando de programas neoliberais, como foi o caso da Primeira-Ministra Margareth Thatcher na Inglaterra, sendo o primeiro exemplo de governo neoliberal da história. Nos Estados Unidos essa conquista foi do presidente Reagan, seguido pelo chanceler alemão Helmut Kohl no ano de 1982. No Brasil o modelo neoliberal melhor se caracterizou na presidência do Fernando Collor de Mello no ano de 1989 e em seguida com a presidência do Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) e persiste até a atualidade. A implantação desse modelo neoliberal nesses países conseguiu atingir seu objetivo principal que foi a recuperação dos lucros que havia sido perdida.

    Se o desemprego é algo inerente ao capitalismo, com o neoliberalismo ele se estende e aprofunda muito mais. O desemprego se tornou algo “natural”, bem como necessário para a economia de um mercado mais eficiente, então houve uma grande queda de emprego e salário e,

    A recuperação dos lucros no modelo neoliberal, não leva necessariamente a uma recuperação dos investimentos produtivos, mas sim financeiros, gerando uma desregulamentação neste setor. Esta desregulamentação financeira cria condições mais favoráveis para a especulação do capital do que para a produção e geração de postos de trabalho. (Miranda, 2004, p. 43)

    Para Anderson (1995), o neoliberalismo alcançou pontos altos e baixos. A partir do olhar econômico o neoliberalismo falhou, pois não conseguiu fazer nenhuma reestruturação basal do mais alto nível de capitalismo. Um dos grandes sucessos do neoliberalismo sem dúvidas foi no quesito social, pois ele conseguiu alcançar seu principal objetivo - criar sociedades superiores em níveis de desigualdades. Ideológica e politicamente foi capaz de atingir o mais alto patamar de controle e dominação, pois não há alternativa3 a não ser adaptar as normas neoliberais.

    Atrelado a todos estes feitos e, certamente, causas e consequências destes, há que se destacar o imenso e profundo individualismo do nosso tempo. Os tempos neoliberais foram capazes, de muitas maneiras, de atomizar de tal forma o ser humano, aumentando demasiadamente as já grandes dificuldades de organização e luta da classe trabalhadora.

    Provavelmente nenhuma sabedoria convencional conseguiu um predomínio tão abrangente desde o início do século como o neoliberal hoje. Este fenômeno chama-se hegemonia, ainda que, naturalmente, milhões de pessoas não acreditem em suas receitas e resistam a seus regimes. (Anderson, 1995, p. 22)

    Com a crise anteriormente apontada na década de 1970, o capitalismo entra em um profundo processo de decadência e busca reorganizar também a forma de gestão da produção. No modelo de produção fordista/taylorista a linha de montagem possibilitava a produção em série e isso marcava a separação do processo e da execução do trabalho. O trabalhador era tido como um apêndice dos maquinários.

    Com a crise do modelo de produção fordista/taylorista, (uma das manifestações da crise estrutural do capital), houve a emergência de implantação de processos de reestruturação para se recuperar, tanto de maneira produtiva, como o ideal de dominação da sociedade. Emerge-se então o chamado toyotismo, e a era da acumulação flexível.

    A resposta encontrada para superar temporariamente a crise foi o desenvolvimento de um novo modelo de organização produtiva que elevasse ao limite a superexploração do trabalho, o controle dos movimentos sociais provenientes do trabalho, bem como o controle de todas as esferas da vida social.

    O capital se utiliza de artimanhas para controlar as adversidades que surgem durante o seu desenvolvimento. Com isso o trabalhador que anteriormente apenas executava ações, mas não participava da elaboração e organização do processo de produção, já não é mais lucrativamente interessante para o capital, pois a busca agora é por trabalhadores participativos e polivalentes.

    A luta dos trabalhadores era, entre outras, em prol da melhoria das condições de trabalho e isso refletiu diretamente na lucratividade das empresas (interesse maior do capital), então desenvolve a tentativa de solução a partir da resposta as reivindicações dos trabalhadores. Diante dessa situação o capital investe na “qualificação profissional dos trabalhadores passando a valorizá-la nas políticas de contratação de mão-de-obra e ascensão hierárquica nas empresas” (Peres, 2000, p. 6).

    O capital passa a “moldar” os trabalhadores, requisitando força de trabalho flexível, polivalente, auto-organizado, especializado, participativo etc. É mais rentável um trabalhador que executa e administra o processo produtivo, que é capaz de perceber os erros e corrigi-los do que um trabalhador que apenas executa uma ação parcelada.

    Com isso o toyotismo, originário no Japão (das fabricas de automóveis Toyota), se desenvolveu e estendeu-se de forma globalizada. Tem-se agora um novo modelo com estratégias contra o desperdício, mas com o controle de “qualidade total”. Vale ressaltar também que o neoliberalismo pode ser entendido como receituário político de garantia da intensificação da superexploração do trabalho (também pela via da precarização), respondendo assim, politicamente, a crise estrutural do capital, assim como a resposta na esfera e econômica foi dada pela reestruturação produtiva.

    Essas são as primeiras manifestações da tentativa de recuperação do capital. As tentativas para aumentar a produtividade e elevar as taxas de lucro geram consequências diretas no trabalho, um exemplo, é que a utilização da tecnologia de maneira que ocorre “desemprego em dimensão estrutural, precarização do trabalho de modo ampliado e destruição da natureza em escala globalizada tornaram-se traços constitutivos dessa fase da reestruturação produtiva do capital.” (Antunes, 2009, p. 36)

O discurso da “qualidade total”

    Com as dificuldades encontradas nos modelos de gestão da produção, toma-se como estratégia, por exemplo, o just in time, team work etc., para eliminar os desperdícios, mas garantindo a “qualidade” dos produtos. Entram em pauta os padrões de qualidade dos produtos tais como o ISO 9000, 9001 etc. Estes certificados ISO além de gerar uma padronização, inculcam nos consumidores a ideia de qualidade, seja qualidade dos profissionais, das empresas e das mercadorias.

    Nesse ponto nos deparamos com uma contradição. As empresas desenvolveram e implantaram certificados ISO de “qualidade total”, mas em contra partida desenvolveram métodos para reduzir o tempo de vida útil das mercadorias tornando-as cada vez mais descartáveis e favorecendo o aumento do ciclo produtivo, pois o produto deve durar pouco para que sua reposição no mercado seja rápida, “na empresa enxuta da era da reestruturação produtiva, torna-se evidente: quanto mais ‘qualidade total’ os produtos devem ter, menor deve ser seu tempo de duração” (Antunes, 2009, p. 52 grifos do autor).

    Tomemos como exemplo os sistemas de software de computadores para mostrar o decrescente valor de uso das mercadorias. O tempo de vida desses softwares é mínimo ele se desatualiza rapidamente e já é produzido com várias versões diferentes (nem que seja somente para alterar o layout do sistema). O problema maior está na incompatibilidade dos sistemas atuais com os anteriores, ou até mesmo a incompatibilidade com a máquina de origem. Isso faz com que o consumidor tenha duas opções: comprar o novo software e/ou máquina ou ficar sem. Essa lógica se estende a várias outras mercadorias, os equipamentos eletrônicos de forma geral (celulares, GPS etc.), bem como roupas, utilitários domésticos, móveis, entre vários outros (ou quase todos os outros).

    O discurso da “qualidade total” e sua implementação causa uma série de consequências na vida social. As mercadorias descartáveis, sendo desperdiçadas causam uma degradação incontrolável da natureza, da exaustão dos recursos naturais a imensa quantidade de lixo gerada e da relação entre humano e natureza. Outro aspecto considerado importante para nosso estudo é a destruição da força de trabalho que esse modelo produtivo proporciona. (Antunes, 2009)

    O modelo de organização toyotista se estrutura a partir de uma base de organização produtiva tecnologicamente superior/avançada, pois utiliza de técnicas administrativas próprias da “era da informação” implementando nas fábricas computadores e maquinários para a execução do processo de produção e serviços.

    No aspecto da gestão da força de trabalho novas técnicas são implementadas proporcionando o trabalho em equipe, requisitando dos trabalhadores maior participação nos processos produtivos, embora seja “uma participação manipuladora e que preserva, na essência, as condições de trabalho alienado e estranhado”. (Antunes, 2009, p. 54)

    No auge do modelo fordista/taylorista, o destaque se dava pelo grande número de trabalhadores que em tempo mínimo construíam parceladamente um automóvel. Já na era da acumulação flexível o número de trabalhadores é reduzido ao mínimo possível e que apesar disso conseguem alcançar o índice máximo de produtividade. Isso somente se realiza por meio da intensificação da exploração da força de trabalho desse grupo mínimo de trabalhadores. Se era a velocidade das esteiras que determinavam a rotina de trabalho no fordismo/taylorismo, agora são as luzes (verde, amarela e vermelha) que determinava os ritmos de trabalho nas células produtivas.

    Com essa lógica produtiva e a intensificação da exploração dos trabalhadores se desdobram então outros aspectos que influenciam diretamente o mundo do trabalho como:

    Desregulamentação enorme dos direitos do trabalho, que são eliminados cotidianamente em quase todas as partes do mundo onde há produção industrial e de serviços; aumento da fragmentação no interior da classe trabalhadora; precarização e terceirização da força humana que trabalha; destruição do sindicalismo de classe e sua conversão num sindicalismo dócil de parceria [...] (Antunes, 2009, p.55)

    O toyotismo influenciou várias empresas automobilísticas, mas também foi adotada por várias outras empresas de outros ramos, como é o caso das empresas prestadoras de serviço, como por exemplo, as empresas de telemarketing.

    Nessas empresas de telemarketing, telecomunicações, o controle do trabalho é feita pelo próprio trabalhador (ao contrário do que acontecia nas indústrias fordistas/tayloristas). Esse controle feito pelo próprio trabalhador advém por meio do curso de treinamento realizado alguns meses antes do período de experiência. Nesses cursos são enfatizadas algumas responsabilidades sobre os trabalhadores, tais como: você é responsável pelo seu “salário”, atenda mais e divague menos. O Sucesso da empresa depende somente de você. Você é o único responsável por garantir o seu emprego etc.

    Com isso são contabilizadas todas as vezes que estes trabalhadores para o atendimento para beber água, para ir ao banheiro, entre outros. Essa contabilização vai determinar o bônus salarial no final do mês, bem como a continuidade desse trabalhador na empresa.

Considerações finais

    Algumas ampliações dessa redução da vida ao trabalho assalariado são as maneiras em que os seres humanos começam a pensar e a agir frente a outros seres humanos.

    Ao invés de cada vez mais libertar-se das amarras que impedem o amplo desenvolvimento humano, os seres humanos cada vez mais caminham para o aprisionamento ao produtivismo e individualismo.

    Conseguimos ver crescentes atitudes individualistas, especialmente no estranhamento do outro como ser social. Há uma maior valorização do ter em detrimento do ser, pois o fetiche da mercadoria se torna tão grande que as pessoas passam a ter o valor de objetos e os objetos passam a ter “valor” de pessoas. É difícil passarmos uma semana sem vermos nos noticiários alguém que matou ou feriu outra pessoa por ter arranhado seu carro, derrubado sua moto ou derramado cerveja em sua camiseta que custou “290 reais”. E um dos objetivos do metabolismo social do trabalho reestruturado no capitalismo global é garantir essa perpetuação do particularismo, individualismo e desvalorização do ser social.

    Como produto dos modelos de organização do Estado e da produção (neoliberalismo e toyotismo), a desvalorização do ser social causa o estranhamento de toda a comunidade social, de maneira tal que a coisificação de homens e mulheres que trabalham gera vários outros desdobramentos, um complexo de crises que atassalham a subjetividade do trabalhador reduzindo-o a uma mercadoria viva.

Notas

  1. Podemos pensar na organização clássica das escolas ao longo do século XX (carteiras enfileiradas, fixadas ao chão), professores e alunos separados, não apenas simbolicamente, mas presencialmente na estrutura da sala de aula, elaboração de currículos e planos de ensino separados da escola, aulas divididas em tempos arbitrários sem mediações/relações entre si (primeira aula de português, depois aula de matemática, depois aula de arte etc.). Obviamente isso produz severos impactos no trabalho docente como veremos mais a frente.

  2. O Estado se torna mínimo para as questões sociais (trabalho, saúde, educação, moradia etc.), mas se torna máximo para o capital.

  3. Aqui podemos lembrar a máxima de Margareth Thatcher “There is no alternative” [Não há alternativa], ficando a “Dama de Ferro” conhecida, no Reino Unido, sob o alcunho de TINA [There Is No Alternative].

Bibliografia

  • Anderson, P. (1995). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. In: E. Sader & P. Gentili (orgs.). Rio de Janeiro: Paz e Terra, p. 9-23.

  • Antunes, R. (2009). Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 2ª ed. São Paulo, SP: Boitempo.

  • Marx, K. (2010). Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo.

  • Miranda, E. (2004). A mundialização financeira frente ao neoliberalismo. Revista Eletrônica dos Pós-Graduandos em Sociologia Política da UFSC Vol. 2, nº 1 (2), janeiro-junho, p. 41-51.

  • Peres, M. A. C. (2000). Do taylorismo/fordismo à acumulação flexível toyotista: Novos paradigmas e velhos dilemas. Faculdade Unopec. São Paulo. p. 1-1. Disponível em: http://docente.ifrn.edu.br/josesantos/disciplinas-2012.2/fundamentos-sociopoliticos-e-economicos-da-educacao-para-licqui2n/do-fordismo-taylorismo-a-acumulacao-flexivel

  • Ricc, R. Sotero, F. Barbosa, L. (2001). Descentralização e participação popular em gestões municipais. Belo Horizonte.

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