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O lazer no contexto do espaço público: algumas aproximações

La recreación en el contexto del espacio público: algunas aproximaciones

Leisure in the context of public space: some approaches

 

*Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais Aplicadas

da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Professora do Instituto Federal do Paraná

Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Esporte, Lazer e Sociedade

**Professor Doutor da Pós-Graduação em Ciências Sociais Aplicadas e docente

do Departamento de Educação Física da Universidade Estadual de Ponta Grossa

Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Esporte, Lazer e Sociedade

Mariana Ciminelli Maranho*

maranho.mari@gmail.com

Constantino Ribeiro de Oliveira Junior**

constantinojr@uol.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O espaço e o lazer, no contexto dos grandes centros urbanos, são indissociáveis e complementares. Nesse âmbito, apresentar os conceitos de lazer e espaço, e compreender de que forma relacionam-se, é relevante para a discussão destas temáticas, visto que o lazer se insere no processo de produção e apropriação do espaço da cidade. Para tanto, foi realizada pesquisa bibliográfica com alguns autores que abordam esses temas em suas pesquisas, tais como: Dumazedier (1979), Elias e Dunning (1992), Gomes (2004), Marcellino (2007), Mascarenhas, (2003), Pimentel (2010), Gutierrez e Almeida (2008), Gomes (2014), Santos (1988-2006), Magnani (2015) e Rechia (2003). O artigo em questão irá, então, apresentar diferentes conceitos de espaço e lazer, em um primeiro momento. Em um segundo momento, se buscará relacionar os conceitos apresentados, de forma a delinear uma aproximação entre os mesmos.

          Unitermos: Cidade. Espaço. Lazer.

 

Abstract

          Space and leisure, in the context of large urban centers, are inseparable and complementary. In this context, present the concepts of leisure and space, and understand how they relate, it is relevant to the discussion of these issues, since leisure is included in the process of production and appropriation of urban space. Therefore, literature search was performed with some authors that address these issues in their research, they are: Gomes (2004), Marcellino (2007), Mascarenhas, (2003), Pimentel (2010), Gomes (2014), Santos (1988-2006), Magnani (2015) and Rechia (2003). The article in question will present different concepts of space and leisure, at first. In a second step, it will seek to relate the concepts presented in order to draw a connection between them.

          Keywords: City. Space. Leisure.

 

Recepção: 03/03/2016 - Aceitação: 28/04/2016

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 21 - Nº 216 - Mayo de 2016. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    A cidade, como paisagem artificial criada pelo homem, é composta por ruas, praças, avenidas, casas, edifícios, parques e praças, constituída por objetos e imagens influenciados pela dinâmica entre a vida pública e privada, onde se articulam tempo/espaço, política, trabalho, cultura, consumo, lazer, entre outras dimensões. É neste sentido que se entende que as grandes cidades contemporâneas constituem-se em múltiplas práticas sociais. Para Santos (1988), assim como o espaço para o lazer é o espaço urbano, as cidades são os grandes espaços e equipamentos de lazer.

    A partir desta concepção, pode-se afirmar que pensar o lazer pressupõe considerar o espaço como categoria de análise, que apresenta relevância para a compreensão da realidade, ao ponto que o espaço é determinado pelo sujeito, assim como pode determinar as ações dos sujeitos. Dessa forma, lazer e espaço são indissociáveis e complementares no contexto atual.

    Atualmente no país há diversos autores que discutem a categoria lazer, e espaço, mas poucos são aqueles que buscam articular essas duas concepções, como no caso de Magnani (2015), Rechia (2003). Diante desse quadro, no artigo em questão, buscar-se-á compreender a relação entre o lazer na cidade e os espaços públicos, permeada principalmente pelas diferentes estratégias de apropriação pela sociedade, utilizando-se de levantamento bibliográfico de autores considerados clássicos como Dumazedier (1979), Elias e Dunning (1992), Gomes (2004), Marcellino (2007), Mascarenhas (2003), Pimentel (2010), Gutierrez e Almeida (2008), Gomes (2014), Santos (1988-2006), Magnani (2015), Rechia (2003), de alguma forma associados à discussão desta temática. Ressalta-se no entanto, que o presente artigo não pretende esgotar autores que abordam o lazer, espaço e a articulação entre eles, mas apontar num estudo exploratório pistas de como iniciar a compreensão destas categorias.

    É válido ressaltar que esta discussão está inserida dentro da tese de doutoramento em desenvolvimento intitulada “Lazer e o direito à cidade: o caso das assessorias esportivas nos parques públicos de Curitiba/Pr”, a qual busca analisar as práticas desenvolvidas por assessorias esportivas, no Parque Barirgui em Curitiba/Pr, e sua relação com a cidadania enquanto direito à cidade. Durante o processo de construção da referida tese, tem sido constatada a necessidade de avaliação das estratégias de apropriação dos espaços públicos, e é neste contexto que a discussão entre o lazer na cidade e os espaços públicos assume relevância.

Lazer e suas múltiplas concepções

    O conceito de lazer é debatido por diversas correntes teóricas, e em função do lazer ser um fenômeno multifacetado e inserido nas transformações que ocorrem na sociedade, há inúmeras concepções acerca do mesmo. Algumas características apontadas por diferentes autores, mesmo que divergentes, podem auxiliar na busca pela compreensão deste fenômeno em uma perspectiva sociológica.

    Partindo da dicotomia entre lazer e trabalho, Dumazedier (1979) define o lazer como o conjunto de ações escolhidas pelo sujeito para diversão, recreação e entretenimento, num processo pessoal de desenvolvimento, em oposição ao trabalho. Apesar de possuírem características distintas, o trabalho e o lazer compõem a mesma dinâmica social e se relacionam. Nesse âmbito, o autor identifica três funções do lazer: divertimento, liberação do tédio e expressão do poder criativo.

    Dessa maneira, o autor coloca o lazer em oposição ao conjunto das necessidades e obrigações da vida cotidiana, especialmente do trabalho profissional. Tem caráter voluntário e é contraponto ao trabalho urbano-industrial. O lazer, nessa concepção, é o conjunto de atividades, individuais e coletivas, voltado para a satisfação de determinados interesses (no plano de criação, formação e aprimoramento pessoal, entretenimento, descanso, dentre outros), realizado no tempo livre das obrigações impostas pelo trabalho profissional e por responsabilidades sociais.

    Com base nas concepções de Dumazedier, estudiosos do tema realizaram considerações, mas redimensionadas em alguns pontos. Ressalta-se, dentre eles, Nelson Carvalho Marcellino (2007), o qual avança na possibilidade de compreensão do lazer, considerando o mesmo como uma alavanca de transformação social. O autor, com base nessa concepção, compreende o lazer como cultura, vivenciada ou praticada no “tempo disponível”, com um caráter “desinteressado”. Assim, não se almeja, fundamentalmente, outra recompensa além da satisfação provocada pela situação.

    Os autores com orientação marxista criticam a posição de Dumazedier e seus seguidores como sendo “funcionalistas”. Contestam que o tempo do não trabalho, resultado da luta operária e de avanços tecnológicos possa ser chamado de “livre”, visto que tanto um quanto o outro estão sob o controle do capital. Mascarenhas (2003, p.97), nesta linha de compreensão, define o lazer como “um fenômeno tipicamente moderno, resultante das tensões entre capital e trabalho, que se materializa como um tempo e espaço de vivências lúdicas, lugar de organização da cultura, perpassado por relações de hegemonia”. Para Mascarenhas (2003), o lazer compõe uma esfera da vida cotidiana perpassada pelas mesmas forças que atuam sobre a sociedade como um todo, configurando-se conforme estabelece interfaces com a dinâmica da economia, da política e da cultura.

    Sob uma outra ótica da relação entre trabalho e lazer, Norbert Elias e Eric Dunning (1992) compreendem o lazer como uma atividade que se insere no tempo livre, colocando o indivíduo como transformador da sua realidade. E este, enquanto sujeito social, pode dotar de sentido a atividade de lazer e aproximá-la da busca da excitação ou do prazer. Assim, pensam o lazer por seu caráter decisional.

    O lazer, para os autores, tem como função fazer oposição às rotinas da vida social, dentre as quais se encontram as ocupações profissionais. O tempo livre, na compreensão moderna, segundo Elias e Dunning (1992), é o tempo liberto das ocupações de trabalho, bem como apenas uma parte deste pode ser voltado para as atividades de lazer. Algumas das atividades de lazer modernas, partindo da concepção dos autores, são um meio de produzir um “descontrole” controlado de emoções agradáveis, possibilitando a vivência em público de fortes emoções. O elemento principal em grande parte das atividades de lazer, portanto, é a excitação, a criação de tensões e não o relaxamento.

    Outra concepção relevante em relação ao lazer, são as delineadas por Habermas. O lazer e o trabalho, a partir de uma visão influenciada pelo autor, conforme afirma Gutierrez e Almeida (2008) situam-se em marcos conceituais distintos, ou seja, enquanto o lazer encontra-se no mundo da vida, o trabalho está nos sistemas orientados pelos meios poder e moeda. Baseado nas concepções de Habermas, o lazer estaria fundamentado e definido a partir da sociabilidade espontânea, determinado historicamente e caracterizado pela busca do prazer.

    Destaca-se, nesse sentido, que as discussões delineadas por Gutierrez (2001; 2008), o qual se apóia na Teoria da Ação Comunicativa de Habermas1, auxiliaram o desenvolvimento da temática lazer, especialmente quando analisada na contemporaneidade. O autor compreende o lazer, enquanto objeto de pesquisa, pela busca do prazer, perpassado, ao mesmo tempo, em uma dimensão subjetiva e social, e inserido no contexto das relações econômicas e de realização do lucro. Para Gutierrez (2001), há algumas características marcantes das atividades de lazer, podendo estas ser determinadas por meio de características como: liberdade de escolha, atividade não lucrativa, opção pessoal, tempo livre e busca do prazer.

    Mais recentemente, outro autor tem apresentado significativa contribuição para o entendimento de lazer, Christianne Luce Gomes (2004). A autora compreende que trabalho e lazer, apesar de possuírem características distintas, integram a mesma dinâmica social e estabelecem relações dialéticas. O lazer, para Gomes (2004), é uma dimensão cultural construída socialmente a partir de quatro elementos inter-relacionados: tempo, espaço-lugar, manifestações culturais e ações (ou atitude). O lazer, então, não deve ser compreendido como um fenômeno isolado, pois está inter-relacionado com o contexto no qual está inserido. A partir de sua concepção de lazer, Gomes (2004) sugere uma ampliação do olhar sobre a temática, compreendido como um fenômeno complexo, permeado por conflitos, tensões e contradições.

    Com base na reflexão das concepções expostas, pode-se afirmar que o lazer é uma categoria em constante construção (Marinho e Pimentel, 2010). Dessa forma, para compreender o significado do fenômeno do lazer, é necessário recorrer à cultura, política, economia, diferentes formas de saber, crenças, mas, acima de tudo, ao momento histórico vivido. No mesmo sentido, para compreender o espaço que estamos inseridos, é necessário apreender o contexto em que o mesmo está inserido. O conceito de espaço, então, se atrela ao conceito de lazer, visto que as práticas de lazer são condicionadas pelo espaço, assim como o espaço está condicionado às formas de apropriação do mesmo.

O espaço em questão

    A compreensão do espaço no início das produções científicas, segundo Elias (1994), era concebida apenas pela forma concreta, definida pela largura, profundidade e altura. No entanto, com o avanço dos estudos, esse conceito foi ampliado e associado à categoria tempo. Segundo o autor, a localização de um fato em um espaço não é possível a menos que ela esteja acompanhada de sua localização no tempo. Nessa perspectiva, os acontecimentos devem estar situados não só no espaço, mas também no tempo para que tenham sentido. Conforme Santos (1988), é a própria sociedade que se faz e se pensa espacialmente. Nas palavras do autor,

    O espaço não é um pano de fundo impassível e neutro. Assim, este não é apenas um reflexo da sociedade nem um fato social apenas, mas um condicionante condicionado, tal como as demais estruturas sociais. O espaço é uma estrutura social dotada de um dinamismo próprio e revestida de uma certa autonomia, na medida em que a evolução se faz segundo leis que lhe são próprias. Existe uma dialética entre forma e conteúdo, que é responsável pela própria evolução do espaço. (Santos, 1988, p. 14)

    Dessa maneira, o espaço deve ser considerado um conjunto indissociável em que participam objetos geográficos, naturais e sociais, bem como a sociedade em movimento. Ou seja, o espaço deve ser considerado como fator social, instância da sociedade, e não um reflexo social. Para Santos (2006), os espaços são reflexos dos acontecimentos, fenômenos, ações e relações realizadas pelos sujeitos que os planejam, constroem, e que deles se apropriam. O espaço deve ser visto como um importante instrumento para a compreensão da realidade e não como um “palco inerte”2 onde os indivíduos executam suas ações.

    Nesse âmbito, Luchiari (1996) afirma que as sociedades se articulam no espaço e no tempo, sendo que no espaço elas se inscrevem criando lugares singulares, produtos de desenvolvimentos e processos sociais desiguais. O espaço, concomitante com o tempo e o ser social, para Luchiari (1996), é composto por dimensões existenciais abstratas que são dotadas de vida como uma construção social, bem como moldam a realidade empírica e são simultaneamente moldadas por ela.

    Atrelado ao conceito de espaço, é importante destacar o conceito de lugar. Espaço e lugar são componentes básicos do mundo vivo. O que inicia como espaço indiferenciado, transforma-se em lugar conforme o conhecemos melhor e o dotamos de valor. No âmbito dessa discussão, é necessário inserir o conceito de “espaço público”, o qual pode ser conceituado como o local onde as afinidades sociais e as diferenças são vivenciadas (Gomes, 2014). O autor delimita o espaço público como aquele que apresenta ligação com a vida pública, que estabelece uma presença conjunta de indivíduos, com capacidade de estabelecer diálogos e exprimir opiniões.

    Os principais espaços públicos de uma cidade constituem lugares de sociabilidade, como espaços-síntese da vida coletiva. A utilização e a apropriação dos espaços públicos, no entanto, só se mantêm conforme o significado que a comunidade lhes atribui. Tal significado diversas vezes está relacionado com as maneiras de apropriação e utilização na esfera da vida cotidiana do sujeito, geradas ao longo do tempo, tornando-se referencial para o lugar.

    Pode-se afirmar, então, que o processo da produção da vida ocorre através das formas de apropriação do espaço. E seu uso envolve o indivíduo e seus sentidos, seu corpo. É por meio dele que o sujeito marca sua presença, que constrói e se apropria do espaço. A análise da vida cotidiana abarca o uso do espaço pelo corpo, o espaço imediato da vida, das relações cotidianas mais finas: as relações de vizinhança, o ato de ir às compras, os jogos, o caminhar, as brincadeiras, o encontro. As práticas cotidianas compostas por pequenos atos corriqueiros, e aparentemente sem sentido, criam laços profundos de identidade, habitante-habitante, e habitante-lugar, marcadas pela presença.

    As relações sociais se materializam enquanto relações espaciais, ou seja, a vida cotidiana se realiza num espaço/tempo passível de ser apropriado, vivido, representado. O espaço se transforma ao longo do tempo, determinando e sendo determinado pela realização da vida social no território, revelando, assim, em suas transformações, modificações importantes na sociedade.

    A produção do espaço é condição, meio e produto da reprodução da sociedade. E assim como a própria sociedade, pode ser definido como um processo/movimento em constituição. A cidade, nesse âmbito, é fruto de um contexto social, caracterizando-se pelas relações de uso e apropriação dos espaços construídos.

O lazer na perspectiva do espaço: colocações iniciais

    Com base nas discussões apresentadas até o momento pode-se afirmar que, por mais que as dimensões espaciais sejam responsáveis por dar forma ao espaço, é por meio da apropriação pelas pessoas que o mesmo adquire sentido e significado. Santos (2006, p. 34) coloca que o espaço se impõe por meio das combinações que ele oferta para “a produção, para a circulação, para a residência, para a comunicação, para o exercício da política, para o exercício das crenças, para o lazer e como condição de ‘viver bem’”.

    Magnani (2015) destaca que pensar o lazer atrelado à paisagem urbana vai além de identificar espaços e equipamentos de encontro e entretenimento. A discussão deve ser ampliada, abrangendo o direito ao lazer na cidade, visto que este não é nem superficial, nem supérfluo, pois faz parte dos elementos constitutivos e definidores de determinados modos de vida. Para o autor, o lazer, como direito social, potencializa o exercício da cidadania com fim em si mesmo e não se constitui como parte de outras ações políticas.

    Nesse âmbito, pode-se identificar a criação de parques públicos urbanos como uma estrutura construída que possibilita o exercício da cidadania. É no tempo-espaço de lazer que os espaços públicos, produtos do poder público, podem se transformar em obras significativas das pessoas que o apropriam. Por meio das experiências no âmbito do lazer pode-se desenhar uma nova maneira de relação entre o espaço, a cidade e o cidadão. As características de altura, largura e profundidade colocadas por Elias (1994) dão forma física ao espaço, mas é pela apropriação dos sujeitos que ele adquire sentido e significado.

    Compreendendo o espaço como fruto das práticas sociais, as formas de uso e práticas de lazer nos espaços públicos dotam-no de uma dimensão qualitativa, capaz de identificá-lo como democratizante ou elitizado. O lazer, neste contexto, destaca-se como uma importante dimensão social do espaço público contemporâneo, tendo em vista o seu caráter de promotor de cidadania e de direito social.

    Ainda em relação aos espaços públicos e ao lazer, diretamente associados aos mesmos, há as relações com a natureza, expressas, em geral, pela criação e apropriação de parques e praças. As transformações urbanas vivenciadas a partir do século XIX introduziram novas dinâmicas que regem o espaço e o transformam, provocando o crescimento urbano e a “estrangulação” de áreas verdes destinadas ao lazer, antes presentes no cotidiano das pessoas.

    Nesta perspectiva, as práticas sociais desenvolvidas nos interstícios da vida cotidiana em parques urbanos podem significar uma certa "linha de fuga" ao conturbado meio urbano. Ao menos aparentemente, essas práticas na natureza urbana envolvem uma relação ética com a natureza e o convívio um pouco mais harmonioso com a diferença, a autonomia e a vivência com a cultura local.

    Neste contexto, onde se busca voltar à natureza, Tuan (1980) afirma que quando uma sociedade chega a certo grau de desenvolvimento e complexidade, a população começa a observar e apreciar a natureza na sua relativa simplicidade. Ainda, segundo o autor, cada indivíduo percebe o espaço e relaciona-se com ele de maneira particular, que inclui um elo afetivo entre o indivíduo e o meio físico em que vive.

    O tempo e o espaço de lazer mostram-se, nesse contexto, como uma brecha de diálogo com a existência cotidiana, por meio da interação entre a vida urbana e os sujeitos. No entanto, Gomes (2004) ressalta que o lazer tanto pode representar uma possibilidade de questionamento e resistência, quanto pode contribuir para o mascaramento das contradições sociais.

    Assim, o lazer pode possibilitar aos indivíduos novas perspectivas de agir, pensar e comportar­-se no cotidiano no qual se constrói uma interligação e, ao mesmo tempo, complementa uma relação dialética. Neste sentido, o espaço de lazer é um ambiente que possibilita diferentes emoções por meio das vivências lúdicas, práticas de atividades físicas e relações sociais.

    Os espaços públicos, então, podem ser compreendidos como locais legítimos de sociabilidade, palco de transformações sociais e de resistências. Para Rechia (2003), estes são uma espécie de síntese do aspecto físico da cidade e a partir da apropriação, que pode vir a transformar aquele espaço em lugar, torna-se possível desvelar o pulsar da vida urbana, ou seja, a vida na cidade. Esses espaços são uma proposta para viabilizar o direito de todos, indo além do espaço físico.

Considerações finais

    A cidade pode ser compreendida como paisagem artificial, criada pelo homem, composta entre espaço natural e criado, formada por objetos e imagens, perpassada pela dinâmica entre vida pública e privada, onde se articulam tempo/espaço, política, trabalho, cultura, consumo, lazer, dentre outras dimensões. Nesse âmbito, Borja (1998) compreende a cidade como encontro, intercâmbio, cidade de lugares, e não apenas espaço de fluxos.

    As grandes cidades contemporâneas, nessa concepção, constituem-se em um espaço denso, com funções diversas, por meio das quais se estabelecem inúmeras práticas sociais. Neste contexto, para Carlos (2001, p. 31), a "metrópole aparece como o lugar de uma superposição de eventos que acontecem ao mesmo tempo em lugares diferentes, além de uma simultaneidade de eventos no mesmo espaço".

    Nesse sentido, no contexto em que a sociedade está inserida, as definições sobre a cidade e o lugar que os cidadãos ocupam, ou podem ocupar, são influenciados por diversos fatores internos e externos. O planejamento, uso e apropriação dos espaços públicos geram identidades para a cidade, não apenas pela integração à paisagem local, mas pelas maneiras de uso do espaço no cotidiano, construindo as diversas faces da cidade.

    Pode-se associar Curitiba a esta discussão ao ponto que é reconhecida pelos seus cenários naturais e por seus projetos de intervenção urbanística arquitetonicamente pensados. Nesse sentido, há um grupo de obras que imprimiram novas marcas à materialidade urbana, espaços relacionados com as atividades de lazer e cultura, dentro os quais se destacam especialmente os parques públicos urbanos. Ressalta-se que o projeto de modernização do espaço incorporou como valor a ética e a estética do lazer na cidade.

    O fenômeno do lazer insere-se no processo de produção e apropriação da cidade, o qual é perpassado por bens materiais e simbólicos. Pensar o espaço urbano é essencial para a compreensão dessa realidade, ao considerar que o espaço vai além de um “palco inerte”, em que os atores sociais realizam suas ações, ao ponto que o espaço é determinado pelo sujeito, e as ações do sujeito são determinadas pelo espaço. O lazer, então, enquanto instrumento de apropriação dos espaços públicos, reflete-se nesse processo ao dotar de sentido a ação do sujeito nesse espaço. Os usos e apropriações desse sujeito no espaço são elementos constitutivos da realização da existência humana.

Notas

  1. Miryam Mager realiza uma síntese da busca de Habermas na Teoria Comunicativa: “Por um lado, a permanente tarefa da crítica do desenvolvimento social e histórico, característica que afeta todos os homens (universal), e por outro, a tarefa de analisar criticamente o contexto situacional presente (particular), característica essa que afeta apenas indivíduos desta situação e momento particular” (2008, p.30).

  2. Luchiari (1996) compreende o espaço não como um “palco inerte”, pois este se caracteriza como um cenário em que se desenvolve a história do ser social, e é responsável pela definição das ações dos indivíduos.

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