Motivação nas aulas de Educação Física: análise da participação de meninas em aulas do ensino fundamental La motivación en las clases de Educación Física: análisis de la participación de las niñas en las clases de escuela primaria |
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Mestre em Ciências do Exercício e do Esporte pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professor do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET-RJ) |
Thulyo Lutz (Brasil) |
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Resumo A motivação dos alunos à prática das aulas de Educação Física escolar é um assunto pertinente aos professores da educação básica e pesquisadores, e torna-se mais interessante ainda quando pensamos na motivação de meninas. Sabendo o esporte é um conteúdo hegemônico das aulas nas escolas, nos deparamos com a possível não motivação e distanciamento das meninas à prática. Com isso, o objetivo deste estudo foi investigar a motivação de onze meninas do ensino fundamental às aulas de Educação Física de uma escola pública do Rio de Janeiro. Unitermos: Educação Física escolar. Motivação. Meninas.
Resumen La motivación de los estudiantes a la práctica de la Educación Física es un tema relevante para los profesores e investigadores de la educación básica y se hace aún más interesante cuando pensamos en la motivación de las niñas. Sabiendo que el deporte es un contenido hegemónico de las clases en las escuelas, nos enfrentamos a la posible no motivación y alejamiento de la práctica por parte de las niñas. El objetivo de este estudio fue investigar la motivación de once niñas en clases de Educación Física en una escuela pública en Río de Janeiro. Palabras clave: Educación Física escolar. Motivación. Niñas.
Recepção: 15/12/2015 - Aceitação: 05/04/2016
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 21 - Nº 216 - Mayo de 2016. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
Um assunto de grande relevância para a prática pedagógica da Educação Física escolar na atualidade é o interesse e a motivação dos alunos em participar das aulas. Há alunos que se mostram interessados pelas atividades propostas pelo professor. Entretanto, há outros que apresentam baixo nível de motivação e acabam, muitas vezes, não participando das aulas.
Os conceitos de motivação usualmente dão ênfase a uma ou a combinação de três tipos de variáveis. São elas: “determinantes ambientais; forças internas (necessidade, desejo, emoção, impulso, instinto, vontade, propósito, entre outros); incentivo, alvo ou objeto que atrai ou repele o organismo.” (Witter, 1984 apud Kobal, 1996, p.45). Com isso, para Feijó (1998), motivar é o processo de mobilizar necessidades pré-existentes que sejam relacionadas com os tipos de comportamento capazes de satisfazê-las.
Quando alguém percebe a relação de convivência entre sua necessidade e o comportamento que lhe foi apresentado, naturalmente se interessará por ele, tentando reproduzi-lo. Com isso, o ser humano está mais propício a determinada aprendizagem a partir do momento em que estiver motivado (interessado) para tal. Portanto, a motivação influi no processo de aprendizagem, bem como a aprendizagem também influencia a motivação. Tal cenário não é diferente no convívio à aprendizagem formal, isto é, na escola.
Percebe-se, em grande parte das escolas, um desinteresse maior por parte das meninas para a prática das aulas de Educação Física. Existem diversas hipóteses para explicar esta situação, dentre elas, o fato do esporte ser o principal conteúdo desenvolvido nas aulas, bem como a extrema valorização da competição, onde normalmente os meninos possuem um desempenho superior ao das meninas. Soma-se a isso, o fato de o esporte, conteúdo hegemônico no campo da Educação Física escolar, ser tido como um universo predominantemente masculino.
Diante do fato de o esporte culturalmente ser mais praticado por meninos do que meninas, as crianças já chegam à escola com um desenvolvimento motor diferenciado, no que trata da relação meninos x meninas. Altmann (1998) apud Cruz & Palmeira (2009), ressalta que “são inúmeros os conflitos e as dificuldades dos educadores no enfrentamento das questões de gênero presentes na cultura escolar, especialmente nas aulas de Educação Física” (p. 123).
Paiano (1998) aponta como razão para a desmotivação das meninas pela prática da aula de Educação Física o conflito de interesses gerado pela ênfase da competição que ocorre quando o professor assume a postura de técnico ou treinador, exige de seus alunos uma postura de atleta cobrando altos rendimentos, que muitas vezes são inadequados e não correspondem ao nível de desenvolvimento motor dos alunos.
Já para Betti & Betti (1996), a desmotivação por parte das alunas se dá por meio do relacionamento delas com os demais alunos do grupo e desinteresse pelo conteúdo e abordagem adotados pelos professores para desenvolvimento das aulas.
Daólio (1997) descreve a atitude de uma de suas alunas em uma aula de Educação Física, que por se sentir incapaz de recepcionar um saque em uma partida de voleibol, denominou-se de “anta”. Segundo ele, por trás dessa frase, havia uma reação dela contra sua inferioridade motora em comparação aos meninos. Assim, o campo da Educação Física escolar parece exigir, no imaginário social, que o aluno tenha competências motoras para realizar as atividades, quando na verdade, deveria ser um tempo e espaço de vivências e aprendizagens.
Diante deste cenário aparente de desmotivação das meninas, frente aos meninos, nas aulas de Educação Física escolar, torna-se necessário investigar e analisar a motivação feminina à participação nas aulas.
Metodologia
A presente pesquisa é de natureza qualitativa e do tipo descritiva (Gil, 2008). Por meio desta abordagem, procurou-se registrar, descrever, analisar e interpretar as respostas fornecidas pelas alunas entrevistadas. Participaram da amostra onze meninas regularmente matriculadas em turmas do nono ano do ensino fundamental, de uma Escola Estadual localizada no município de Duque de Caxias, estado do Rio de Janeiro.
Para a coleta de dados foi utilizado um questionário, contendo cinco questões. O instrumento de pesquisa foi aplicado às onze alunas, que imediatamente responderam as questões e devolveram os questionários ao pesquisador. As questões contidas no roteiro de entrevista procuraram abordar os seguintes temas: aderência à atividade física fora da escola; participação espontânea nas aulas; principal conteúdo abordado nas aulas; principais conteúdos que deveriam ser abordados nas aulas; itens mais e menos satisfatórios durante as aulas; preferência para realização das atividades (grupos de meninos/meninas).
Apresentação e discussão dos resultados
A seguir apresentaremos e discutiremos os dados coletados por meio do questionário. Em algumas questões, utilizamos um quadro que permite melhor compreensão do leitor sobre o aspecto investigado.
A primeira questão buscou identificar se as alunas praticam alguma atividade física fora do ambiente escolar, isto é, além da aula de Educação Física, e quais são essas atividades. Cinco de delas, isto é, quase 50% do grupo não pratica qualquer atividade física. Tal fato pode evidenciar um distanciamento destes alunos à prática cotidiana de atividade física, tema que deveria ser abordado no ambiente escolar e estimulado pelas políticas públicas.
As demais aulas praticam Futebol, voleibol, Basquetebol, Ciclismo e queimada. Essas práticas demonstram o vínculo do brasileiro pelo esporte, que potencializa sua hegemonia no campo das práticas corporais.
Em seguida, na segunda questão, buscamos conhecer se elas participam das aulas apenas porque é obrigatório ou porque se sentem motivadas para tal. Quatro alunos, isto é, aproximadamente 30% responderam que participam das aulas apenas porque são obrigadas, mas não gostam. As demais, 8 alunas, demostraram que a participação é consequência de sua motivação à prática.
Os dados acima nos chamam a atenção. A maior parte do grupo aponta à construção de um novo paradigma no campo da Educação Física e das práticas corporais escolares, onde as meninas começam a ocupar espaço e motivar-se com a prática corporal. Por outro lado, algumas alunas ainda reforçam o cenário de distanciamento das aulas.
A seguir, buscamos conhecer a realidade das aulas por meio da identificação daquilo que as alunas mais fazem nas aulas da referida escola. Assim, é possível encontrarmos questões quem podem influenciar e determinar o grau de motivação delas. Abaixo apresentamos as assertivas da questão, onde as alunas deveriam assinalar quantas assertivas quisessem.
a. Pratica jogos e brincadeiras.
b. Tem aulas teóricas.
c. Pratica Esportes (Futebol, Handebol, Basquetebol e Voleibol).
d. Outras ______________________________________________
As únicas assertivas assinaladas foram “prática de esporte” e “práticas de jogos e brincadeiras”. Nove alunas relataram praticar esportes, e apenas duas relataram praticar jogos e brincadeiras. Nos chama atenção, corroborando nosso texto, a literatura e os dados desta pesquisa, que o esporte parece continuar como principal, e até hegemônico conteúdo das aulas. Ora, sendo um esporte um campo enraizado em valores que segregam aqueles não sabem ou tem baixo rendimento, e exaltam aqueles que pouco ou nada sabem sobre tal, seria natural que as meninas não demonstrassem motivação para tal.
Apesar de nos deparamos com a resposta sobre a prática de jogos e brincadeiras, é possível que utilize de jogos e brincadeiras para realizar a iniciação aos desportos mais conhecidos, bem como para aquecimentos e volta à calma, o que tende a reforçar o lamentável cenário de valorização do esporte nas aulas (Lutz et al., 2014).
A seguir, buscamos investigar como seriam as aulas de Educação Física se as alunas pudessem decidir sobre o processo. O quadro a seguir aponta as diversas respostas.
Quadro 1. Como seriam as aulas
Aluna 1 |
Tenho preferência pelas aulas na quadra, pois não gosto de aulas teóricas. |
Aluna 2 |
Só praticaria o jogo “queimado”. |
Aluna 3 |
Gostaria que as aulas tivessem mais tempo para praticar todos os esportes. |
Aluna 4 |
A aula deveria ser cheia de esportes e brincadeiras. |
Aluna 5 |
O professor ensinaria basquete e handebol. |
Aluna 6 |
Gostaria de mais tempo para os jogos. |
Aluna 7 |
A Educação Física teria três tempos de aula. |
Aluna 8 |
Não faria nada porque não gosto da prática. |
Aluna 9 |
A aula só teria handebol e basquete por serem os que ela mais gosta. |
Alunas 10 e 11 |
A aula só teria basquete. |
Surpreendentemente, três alunas responderam desejar mais tempo para as aulas, quatro alunas queriam mais tempo para praticar o basquetebol; uma aluna prefere aulas na quadra; e outra tem preferência pelo jogo queimada. Portanto, observa-se boa aderência às aulas de Educação Física. Isso pode evidenciar boa adesão do grupo às aulas.
Para nós, o que merece destaque, no universo da motivação, é o fato apenas uma aluna não querer aula prática. Em uma outra questão já discutida acima, três alunas apontaram que participam das aulas apenas por ser obrigatório, mas que não gostam. Neste momento, apenas uma aluna rejeita as aulas. Isto evidencia que o processo pedagógico adotado pelo professor pode influenciar na motivação das alunas.
A última questão investigada buscou identificar se as alunas preferem praticar as aulas mistas, ou seja, com a participação dos meninos, ou se preferem aulas apenas com meninas.
As respostas foram variadas e surpreendentes. Das onze meninas entrevistadas, apenas três preferem praticar as aulas com meninos, e dizem que a aula deve ser mista, pois não deve haver diferenças entre meninos e meninas. Além disso, apontam que quando as aulas acontecem apenas com meninas, há o desejo de uma menina querer “mandar” mais que a outra.
As demais participantes preferem realizar as aulas em grupos compostos apenas por meninas. As respostas encontram no quadro abaixo.
Quadro 2. Preferência pela aula apenas com meninas?
Aluna 1 |
Sim. Porque quando a aula é somente com meninas, uma manda mais que a outra. |
Aluna 2 |
Não. Porque os meninos são muito brutos. |
Aluna 3 |
Não. Porque os meninos são mais violentos. |
Aluna 4 |
Sim. Porque acha importante todos participarem e não haver diferença. |
Aluna 5 |
Não. Porque os meninos as machucam. |
Aluna 6 |
Não. Porque os meninos são brutos e acabam machucando-as. |
Aluna 7 |
Não. Por achar melhor assim. |
Aluna 8 |
Não. Prefere aula só com meninas. |
Aluna 9 |
Não. Porque elas se entendem melhor entre elas do que com meninos. |
Aluna 10 |
Sim. Por achar mais legal |
Aluna 11 |
Não. Gosta da aula só com meninas porque é melhor |
Mais uma vez percebemos que a provável valorização do esporte e da competição acaba por estimular a vitória a qualquer custo, o que pode transcorrer em possíveis lesões e agressões dos meninos às meninas, mesmo sem a intenção de machucar. A busca do desempenho faz com que os meninos, já mais fortes nesta idade, reduzam a participação das meninas nas aulas e aumentem as chances de conflitos físicos prejudiciais às meninas.
Considerações finais
Ao pensarmos nas aulas de Educação Física o resultado é satisfatório, quando nove alunas relatam participar das aulas porque gostam e não simplesmente por ser uma obrigatoriedade do currículo escolar. O mesmo quantitativo, ou seja, nove alunas relatam praticar esportes durante as aulas de Educação Física. Acredita-se que esses esportes relatados sejam: basquetebol, futebol, voleibol e handebol, pois são os esportes mais praticados dentro da maioria das escolas. Apenas duas alunas relataram praticar jogos e brincadeiras, porém, acredita-se que no trabalho do professor dessas alunas existam também jogos e brincadeiras, inclusive como alternativas para aquecimento e iniciação dos grandes jogos.
No que diz respeito à participação de meninos e meninas nas aulas, grande parte das alunas relata preferir realizar as aulas apenas com meninas, e a maioria das justificativas para tal resposta é o fato dos meninos serem mais violentos, brutos e as machucarem. Isto nos faz ressaltar a diferença no desenvolvimento da força muscular, na relação meninos e meninas.
Com os resultados, pôde-se observar que o grupo pesquisado apresenta um considerável nível de motivação para a prática das aulas de Educação Física escolar, pois a grande parte das meninas entrevistadas apresentou respostas suficientemente esclarecedoras dos motivos e das circunstâncias que as levam a participar das aulas. Além disso, tiveram a oportunidade de relatar o porquê desta não participação.
Recomenda-se, que dentro das escolas de formação de professores em Educação Física escolar haja uma maior valorização de disciplinas relacionadas às ciências sociais e humanas, para que os professores egressos sejam capazes de entender e lidar com os conflitos existentes dentro da escola, ainda mais no que diz respeito à manutenção da motivação das meninas nas aulas de Educação Física. Outro aspecto importante é a formação do professor para poder ouvir os alunos e adequar seu currículo às necessidades e expectativas deles, muitas vezes velada.
Acredita-se que outros estudos relacionados à motivação e Educação Física ainda virão para auxiliar cada vez mais o trabalho docente, e que estes futuros estudos possam abranger uma amostra maior de pesquisa, incluindo várias escolas, de várias regiões, distintas não só geograficamente, mas também socioeconomicamente.
Bibliografia
Betti, I. R. & Betti, M. (1996). Novas perspectivas na formação profissional em educação física. Revista Motriz, v. 2 (1): p. 10-15.
Cruz, M.M.S. e Palmeira, F.C.C. (2009). Construção de identidade de gênero na educação física escolar. Revista Motriz, v. 15, n. 1, p. 116-131. Rio Claro/S.P.
Daólio, J. (1997). Cultura: Educação Física e futebol. Campinas. Unicamp.
Feijó, O.G. (1988). Psicologia para o esporte: corpo e movimento. Segunda edição. Revista Shape. Rio de Janeiro.
Gil, A. C. (2008). Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas.
Kobal, M.C. (1996). Motivação intrínseca e extrínseca nas aulas de educação física. Dissertação [mestrado em educação física]. Campinas. UNICAMP.
Lutz, T.; Telles, S.C.C.; Ferreira, M.S. (2014). Educação Física escolar: [ainda] incertezas e indefinições. Revista Salusvita. Bauru, v. 33, n. 2, p. 223-241. Acesso em 10.10.2014. http://www.usc.br/biblioteca/salusvita/salusvita_v33_n2_2014_completa.pdf
Paiano, R. (1998). Ser ou não fazer: o desprazer dos alunos nas aulas de Educação Física e as perspectivas de reorientação da prática pedagógica do docente. Dissertação de mestrado em Educação pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo.
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