Iniciação precoce e sua relação com o desenvolvimento motor de praticantes de judô La iniciación temprana y su relación con el desarrollo motor de practicantes de judo Early initiation and its relationship with the motor development of judo practitioners |
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*Professoras de Educação Física com Especialização em Lutas (UFRRJ) **Mestre em Educação Física. Professor da Pós Graduação em Lutas (UFRRJ) (Brasil) |
Anne Nascimento Campos* Iris Reis Liers* Eduardo Rodrigues da Silva** |
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Resumo A prática sistemática do judô tem se iniciado cada vez mais cedo; em alguns estabelecimentos com turmas a partir dos 02/03 anos de idade (Franchini e Del Vecchio, 2010), porém com essa idade a criança está na fase dos movimentos fundamentais, como correr, saltar, quicar etc. (Gallahue, 2002). Sabendo-se disto, esta pesquisa tem por objetivo apontar se há relação entre a iniciação precoce da prática do judô e o desenvolvimento motor do praticante. Como procedimento metodológico foi utilizado uma pesquisa básica na literatura, que é um levantamento bibliográfico em forma de livro, revistas, publicações avulsas e imprensa escrita (Marconi e Lakatos, 1992). Através da literatura consultada podemos dizer que a iniciação precoce da prática, não específica, do judô, pode influenciar no desenvolvimento motor do praticante de forma positiva, desde que sejam respeitadas as fases de desenvolvimento de cada aluno, com atividades lúdicas, em um ambiente que proporcione diversas experiências motoras e que não haja uma especialização precoce. Unitermos: Judô. Desenvolvimento motor. Iniciação precoce.
Resumen Palabras clave: Judo. Desarrollo motor. Iniciación precoz.
Abstract The systematic practice of judo has started earlier and earlier; in some establishments with classes from 02/03 years old (Franchini e Del Vecchio, 2010), but at this age the child is at the stage of basic movements such as running, jumping, bounce etc. (Gallahue, 2002). Knowing this, this research aims to point out if there is a relation between early initiation of the practice of judo and motor development of the practitioner. As a methodological procedure was used a basic literature search, which is a literature in book form, magazines, loose publications and print media (Marconi and Lakatos, 1992). Through literature we can say that the early initiation of practice, not specific, judo, can influence the motor development of positively practitioner, subject to compliance with the stages of development of each student, with recreational activities in an environment that provides various motor experiences and that there is no early specialization. Keywords: Judo. Motor development. Early initiation.
Recepção: 24/11/2015 - Aceitação: 29/03/2016
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 21 - Nº 216 - Mayo de 2016. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
O judô foi criado no Japão, em 1882, por um jovem estudioso, de apenas 22 anos chamado Jigoro Kano. Preocupado com a realidade social de seu país, Kano queria resgatar uma cultura que estava se perdendo, devido ao processo de ocidentalização, trazido pela Revolução Industrial com a abertura dos portos japoneses ao comércio externo (Mesquita, 2014).
Segundo Robert (1964, p.17) “a fúria de viver à moda ocidental originou um relaxamento dos costumes. A tradição cavalheiresca desapareceu, levando com ela as artes marciais”.
Foi então que Jigoro Kano selecionou as melhores técnicas do antigo Ju-Jutsu, excluiu as que eram mais perigosas e criou uma nova luta, sem segredos, mais esportiva, e que pudesse ser praticada por todas as pessoas. Uma luta com fins educacionais e com princípios filosóficos, um estilo de vida. Surge então o Judô- o caminho suave.
Fugindo do conceito do Shin-Ken-Shobu cujo significado é “lutar até a morte”, em seu processo de esportivização o Judô se baseou no Ippon-Shobu que significa “luta pelo ponto completo, pelo golpe perfeito” (Virgílio, 1986).
O professor Jigoro Kano dedicou sua vida a divulgar e apresentar o judô por todo o mundo. Ocupou cargos importantes em universidades, se tornou conselheiro do Ministro de Educação Nacional, é conhecido até hoje como “pai da Educação Física no Japão” (Virgílio, 1986, p.21) e entre tantos outros méritos, foi o primeiro japonês membro do Comitê Olímpico Internacional (COI).
Sobre o judô competitivo e sua introdução nas Olimpíadas, Kano declarou:
“Tenho sido questionado por várias pessoas de diversos setores quanto ao sentido e a possibilidade do judô ser introduzido nos Jogos Olímpicos. Minha opinião sobre o assunto é um tanto passiva. Se esse for o desejo dos membros de outros países, não tenho objeção, mas não me sinto inclinado a tomar nenhuma iniciativa. Por um único motivo: o judô na realidade não é um mero esporte ou jogo. Eu o considero um princípio de vida, arte e ciência” (Bull apud Watson, 2011, p. 23)
Entretanto não conseguiu presenciar a ascensão mundial do judô pois, em 4 de maio de 1938, morreu de pneumonia a bordo de um navio que o levava ao Cairo, para a assembléia geral do COI (Virgílio, 1986).
O judô foi introduzido nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 1964, porém somente como esporte de demonstração. Já em 1972, nos Jogos de Munique, tornou-se oficialmente uma modalidade olímpica (Souza e Mourão, 2011).
O ideal de Kano de uma luta esportiva e para todos vem se mantendo vivo, o judô hoje é praticada em quase todos os países do mundo.
A prática sistemática do judô tem se iniciado cada vez mais cedo, vemos diversos estabelecimentos oferecendo aulas a partir dos 02/03 anos de idade, muitas vezes ministradas por pessoas sem habilitação específica em educação física ou sequer com graduação exigida pelas federações locais (Franchini e Del Vecchio, 2010).
Sabendo-se disto, esta pesquisa tem por objetivo apontar se há relação entre a iniciação precoce da prática do judô e o desenvolvimento motor do praticante.
Como metodologia foram consultadas varias literaturas relativas ao assunto em questão, que possibilitaram que esse trabalho tomasse forma para ser fundamentado, caracterizando-se como artigo de revisão bibliográfica. Segundo Marconi e Lakatos (1992), a pesquisa bibliográfica é o levantamento de toda a bibliografia já publicada em forma de livro, revistas, publicações avulsas e imprensa escrita. A sua finalidade é fazer com que o pesquisador entre em contato direto com todo material escrito sobre um determinado assunto, auxiliando o cientista na análise de suas pesquisas ou na manipulação de suas informações.
O desenvolvimento motor e a iniciação no judô
Gallahue, Ozmun e Goodway (2013), definem desenvolvimento motor como a mudança contínua do comportamento motor ao longo da vida, provocada pela interação entre as exigências da tarefa motora, a biologia do indivíduo e as condições do ambiente. Onde, a tarefa motora seriam os fatores físicos e mecânicos, a biologia individual seria a hereditariedade e fatores intrínsecos e o ambiente seriam as experiências, o aprendizado, a criação e os fatores extrínsecos.
Essas mudanças ocorrem em cada período do ciclo da vida, nas chamadas fases do desenvolvimento motor que, segundo Gallahue (2002), se classificam como:
Período uterino até os 4 meses/1 ano: fase do movimento reflexo;
4 meses/1 ano até 2 anos: fase do movimento rudimentar;
2 anos até 6/7 anos: fase do movimento fundamental (andar, correr, saltar, arremessar, quicar etc.);
7 anos até 13 anos: fase do movimento especializado;
Acima de 14 anos a fase do desenvolvimento motor especializado está no estágio de utilização permanente.
Mesmo que as idades sejam somente referenciais e não marcações rígidas, podemos perceber que as habilidades do judô não são as mais apropriadas na primeira infância (2/6 anos), pois nessa fase a criança irá tirar o maior benefício da aprendizagem de uma grande variedade de atividades motoras. Portanto, é importante que nessa faixa de idade haja uma formação generalizada, poliesportiva, no sentido de aprender um grande número de técnicas básicas, para que depois elas sejam aperfeiçoadas. Deve-se aproveitar o entusiasmo que as crianças têm pelo movimento, oferecendo-lhes atividades motoras motivadoras e acompanhadas de muitas experiências bem sucedidas, para desenvolver hábitos e atitudes sadios para a prática durante toda a vida (Graça, 2006).
Nessa fase a ludicidade associada a atividades que proporcionem a ampliação do repertório motor da criança são de suma importância, pois a ludicidade é a ponte facilitadora da aprendizagem (Motta e Ruffoni, 2006).
Já a partir dos 7 anos a criança é capaz de combinar os movimentos fundamentais (correr e saltar, saltar e arremessar, etc.), nessa fase o ensino das habilidades iniciais do judô já podem ser consideradas, desde que as atividades ministradas para essas crianças sejam adaptadas às suas condições biopsicosociais (Franchini e Del Vecchio, 2010).
No processo de iniciação é que se deve haver maior cuidado com o desenvolvimento da criança, pois um movimento automatizado de forma errada é muito mais difícil de ser corrigido (Santos, 2009).
Franchini e Del Vecchio (2010) citam exemplos de atividades do judô que podem ser adaptadas a essa faixa etária, a fim de que a criança tenha sua integridade assegurada, a saber:
Tarefas de locomoção (no aquecimento) - trabalho de várias formas de deslocamento e combinações de habilidades (correr e saltar, saltar e girar etc.).
Bases para o judô - fundamentos para o desequilibro (kuzushi) em várias direções, especialmente de atividades que combinem a puxada e empurrão.
Tarefa de manipulação (pegada) - explorar diferentes tipos de pegadas e como neutralizá-las.
Tarefa de estabilização (quedas) - correr e realizar o ukemi (educativo de queda).
Iniciação aos golpes de judô - ênfase maior em quando aplicar (qual o momento do deslocamento), que em como aplicar (execução técnica perfeita).
Luta de solo (tarefa de estabilização) - entendimento dos princípios da luta de solo, principalmente buscando a solução de problemas motores para a imobilização (como imobilizar o adversário partindo de diferentes posições).
Randori - ênfase no aspecto da aplicação das técnicas e no aspecto lúdico.
Alguns autores são mais radicais em relação à falta de variação ou adaptação de movimentos na prática do judô, “o judô, como é praticado normalmente, é prejudicial à formação da criança” (Freitas, 1989, p. 35).
Porém Lesch e Sterkowicz apud Franchini e Del Vecchio (2010), fizeram uma investigação minuciosa ao filmar 1.406 técnicas de atletas adultos poloneses em âmbito competitivo e observou-se, além de outras coisas, que a idade de início da prática do judô pode gerar diferenças. Nesse estudo registrou-se que o grupo de judocas que iniciaram a prática antes dos 11 anos tinha maior quantidade de medalhistas, que pode ser observado na figura abaixo.
Figura 1. Comparação entre medalhistas e não medalhistas, segundo idade de início no judô (adaptado de Lesch e Sterkowicz apud Franchini e Del Vecchio, 2010)
Nesse contexto, vale ressaltar que este trabalho trata de iniciação e não de especialização precoce.
Destacamos que toda criança deve ser estimulada no seu desenvolvimento, porque é através da atividade motora, do ato motor, que a criança adquire consciência de si e do mundo a sua volta (Graça, 2006).
Considerações
Essa pesquisa teve por objetivo apontar se há relação entre a iniciação precoce da prática do judô e o desenvolvimento motor do praticante. Percebemos através das leituras, após observar e também na vivência como docentes que a prática do judô tem se iniciado cada vez mais cedo, em idades que exigem ainda mais atenção por parte dos professores. A forma com que as aulas acontecem e suas atividades precisam ser direcionadas e adaptadas, a fim de preservar a integridade do aluno. A prática do judô na primeira infância deve ser de forma lúdica e não específica, em um ambiente que proporcione diversas experiências motoras. Observamos que as condições do ambiente, que são: as experiências, o aprendizado, a criação e os fatores extrínsecos, estão ligados às mudanças contínuas do comportamento motor, ou seja, estão ligados ao desenvolvimento motor do indivíduo (Gallahue, Ozmun e Goodway, 2013). Sendo assim, através da literatura consultada podemos dizer que a iniciação precoce da prática, não específica do judô, pode influenciar no desenvolvimento motor do praticante de forma positiva, desde que sejam respeitadas as fases de desenvolvimento de cada aluno e que não haja uma especialização precoce. Recomendamos mais estudos na área do desenvolvimento motor associado à prática do judô, bem como pesquisas mais aprofundadas, de caráter experimental, na relação entre a iniciação precoce e o desenvolvimento motor do indivíduo.
Bibliografia
Bull, W. (2011). Memórias de Jigoro Kano: o início da história do judô. Prefácio In: B. N. Watson. São Paulo: Cultrix.
Franchini, E. e Del Vecchio, F. B. (2010). Aspectos motores e ensino/aprendizagem do judô. In: FRANCHINI, E. et. al. Judô: desempenho competitivo. 2. ed. Barueri, SP: Manole.
Freitas, F. M. C. (1989). Judô: crítica radical. Revista Motrivivência, v. 1, nº 2, São Cristóvão. p. 35 -43.
Gallahue, D. (2002). Desenvolvimento motor e aquisição da competência motora na educação de infância. In: B. Spodek, Manual de investigação em educação de infância. p. 49-83. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Gallahue, D., Ozmun, J. e Goodway, J. (2013). Compreendendo o desenvolvimento motor: bebês, crianças, adolescentes e adultos. Porto Alegre: AMGH.
Graça, R. (2006). Importância da variabilidade de movimentos para judocas com idade entre 07 e 08 anos. Trabalho de conclusão de curso (Pós-graduação lato sensu em Treinamento Esportivo) - Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC, Criciúma-SC.
Marconi, M. A. e Lakatos, E. M. (1992). Metodologia do trabalho científico. 4ª Ed. São Paulo: Editora Atlas.
Mesquita, C. W. (2014). Judô... da reflexão à competição: o caminho suave. Rio de Janeiro: Interciência.
Motta, A. e Ruffoni, R. (2006). Lutas na infância: uma reflexão pedagógica. Rio de Janeiro: Labesporte.
Robert, L. (1964). O judô. Lisboa: Ed. Notícias.
Santos, S. G. (2009). Judô: filosofia aplicada. Florianópolis, SC: Ed. Da UFSC.
Souza, G. C. e Mourão, L. (2011). Mulheres do tatame: o judô feminino no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Mauad X: FAPERJ.
Virgílio, S. (1986) A arte do judô. 2ª Ed. Campinas, SP: Papirus.
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