O ensino de futebol nos cursos de Educação Física: reflexões a partir das grades curriculares das universidades públicas de Minas Gerais La enseñanza del fútbol en los cursos de Educación Física: reflexiones a partir de los planes de estudio de las universidades públicas de Minas Gerais The teaching of soccer in the physical education courses: opinions based on subjects taught in Public Universities in Minas Gerais |
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*Licenciado em Educação Física pela Faculdade Sudamérica Aluno do curso de Especialização em Futebol da Universidade Federal de Viçosa Coordenador técnico da Academia de Futebol do Aliança Atlética Futebol Clube – Núcleo Minas Gerais **Bacharel e Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora Professor de Antropologia e Sociologia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo – campus São Paulo |
Júlio César Pinto Procópio* Carlos Eduardo Pinto Procópio** (Brasil) |
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Resumo Os debates sobre a formação e atuação do treinador de futebol no Brasil colocam lado a lado aqueles que defendem a formação acadêmica em um curso de Educação Física e aqueles que julgam que é a socialização no esporte uma garantia fundamental para atuar como treinador na modalidade. Pelo lado dos defensores da formação acadêmica, suas posições se sustentam antes pela crença em um saber-fazer dado pela condição de um diploma universitário do que pela reflexão em relação ao conhecimento disseminado no interior da disciplina de futebol no interior do curso acadêmico. Procurando problematizar o lugar do futebol nos cursos de Educação Física, o objetivo deste artigo é analisar seu ensino nas grades curriculares dos cursos superiores ofertados nas Universidades Públicas do Estado de Minas Gerais. Unitermos: Futebol. Treinador. Educação Física.
Abstract Meetings performed with the purpose of formation and performance of a soccer coach in Brazil, examine two points of view, the one in favor of an academic formation in a course of Physical Education and another which defends the socialization or integration in the sports as a basic aspect to perform the profession of a coach in above said sports modality. By examining the opinion supported by those in favor of an academic formation, their positions are based mainly in a know-how acquired at Universitary or college level according to educational standards. Related to soccer as a subject the main object of the present article is that of making a research in the field of soccer in the way such subject is taught in Public Universities in the State of Minas Gerais. Keywords: Soccer. Coach. Physical Education.
Recepção: 06/10/2015 - Aceitação: 18/02/2016
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 21, Nº 215, Abril de 2016. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
Quando se fala em formação do técnico de futebol, um debate corrente coloca de um lado aqueles que acreditam que a acumulação de um determinado habitus profissional ao longo da trajetória como futebolista garantiria a possibilidade de transferir um saber-fazer aos jovens em processo de iniciação ou já iniciados na modalidade quase que de forma mimética. Por outro lado se colocam aqueles que defendem que a função de técnico de futebol deve estar centrada na figura do professor de Educação Física, que acumularia a partir de uma trajetória acadêmica em um curso multidisciplinar um saber-fazer significativo que serviria como suporte para ensinar e dirigir bem uma equipe de futebol. Entre esses dois polos estão ex-jogadores, ex-jogadores-professores e professores, que para um lado ou para o outro, ou para os dois lados ao mesmo tempo, sustentam muito daquilo que se debate sobre a formação do técnico de futebol, especialmente no Brasil (Cunha, 2009; Chagas, 2015).
Direcionando a atenção para aqueles que defendem a idéia de que o técnico de futebol deve ser formado e capacitado em cursos de Educação Física, se faz necessário olhar de forma crítica para o lugar que gradua este tipo de profissional, analisando a qualidade dos elementos que o formam e se estes são suficientes para desenvolver sua vocação. Cabe ressaltar que as justificativas em defesa deste perfil de profissional não questiona seu saber-fazer, como se seu diploma bastasse pura e simplesmente para lhe dar protagonismo na compreensão e discernimento sobre como e de que forma jogar futebol. Por outro lado, aquilo que se justifica sobre as vantagens de seu diploma na hora de conduzir equipes de qualquer nível é bastante plausível em termos de processo de ensino-aprendizagem, o que coloca em vantagem o educador físico quando o assunto é ensinar futebol. Entretanto, é preciso olhar por dentro dos cursos de Educação Física e olhar como o ensinar a ensinar futebol aí dentro funciona e com isso compreender até que ponto esta formação faz diferença na formação do técnico de futebol. Desse modo, tomar os cursos de Educação Física como objeto de análise e a disciplina de futebol aí trabalhada, permite avançar na compreensão dos dilemas que envolvem a formação do técnico de futebol no Brasil.
Objetivos
O objetivo deste artigo é analisar o ensino da disciplina de futebol nas grades curriculares dos cursos de Educação Física, circunscrevendo o universo da análise às Universidades Públicas do Estado de Minas Gerais. Para este estudo, consultamos o site do Ministério da Educação, onde fizemos um levantamento sobre as instituições públicas do referido estado que ofereciam as modalidades de licenciatura e/ou bacharelado em Educação Física. Nesta pesquisa foram encontradas 10 instituições, sendo 8 Universidades Federais (UFSJ - Universidade Federal de São João Del Rei, UFTM - Universidade Federal do Triângulo Mineiro, UFU - Universidade Federal de Uberlândia, UFV - Universidade Federal de Viçosa, UFVJM - Universidade Federal dos Vales Dos Jequitinhonha e Mucuri, UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais, UFOP - Universidade Federal de Ouro Preto e UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora), e também 2 Institutos Federais (IF-SUL DE MINAS - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais/Campus Muzambinho; IFSEMG - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sudeste de Minas Gerais/Campus Barbacena).
No intuito de deixar a análise mais clara, dividimos os dados encontrados em três momentos. O primeiro momento trata do lugar do futebol nos cursos de Educação Física, analisando a presença percentual da modalidade específica diante das matérias gerais que compunham cada grade curricular e diante dos demais esportes coletivos que cada instituição oferecia em suas licenciaturas e bacharelados. O segundo momento focaliza as ementas das disciplinas de futebol, procurando avaliar quais os aspectos são os mais valorizados na bibliografia básica e complementar em cada um dos cursos. Com isso, o que se deseja ver são as ênfases dadas nos aspectos técnicos, táticos e físicos, entre outros, que podem ser visualizados a partir da exploração do conteúdo de cada livro referenciado nos programas bibliográficos dos cursos. O terceiro e último momento trata do futebol como saber transversal nos cursos de Educação Física, onde o interesse é ver a alocação do futebol como tema a ser debatido do interior de outras ementas dos cursos, o que faria do futebol não só algo bom para pensar questões no interior de outras disciplinas acadêmicas como também algo que pode ser pensado a partir destas outras disciplinas.
O lugar do futebol nos cursos de Educação Física
Em relação ao lugar do ensino de futebol nos cursos de Educação Física, o que pudemos constatar pela coleta de dados foi que entre os cursos observados, 60% ofereciam a modalidade de Licenciatura e Bacharelado (6 instituições: UFU, UFV, UFVJM, UFMG, UFOP e UFJF), 30% ofereciam a modalidade Licenciatura (3 instituições: IF-Sul de Minas, IFSEMG e UFSJ) e 10% ofertavam apenas a modalidade Bacharelado (1 instituição: UFTM). Em todas as instituições a disciplina de futebol era contemplada em sua grade curricular, estando esta disciplina concentrada entre o 3º e 5º período de cada curso, mesclando aulas teóricas e práticas, numa carga horária variando entre 30h a 75 h. No aspecto carga horária, 50% das instituições possuíam carga horária de 60 h (IFSEMG, UFTM, UFU, UFV E UFJF), 20% das instituições carga horária de 30 h (UFMG e UFOP), 10% das instituições com carga horária de 55 h (IF-Sul de Minas), 10% das instituições com a carga horária de 75 h (UFVJM). Em apenas em 10% das instituições não foi possível mensurar a carga horária, pois estava indeterminado em sua grade curricular (UFSJ).
Comparado com o ensino de outras modalidades coletivas, o que se pode perceber é que a modalidade futebol, dentro de cada instituição, tem a mesma carga horária que os esportes como o handebol, voleibol e basquetebol. Se formos olhar de uma maneira geral, o ensino do futebol ocupa entre 0,93 % a 2,56 % do total da carga horária dos cursos de Educação Física das instituições analisadas. Cabe ressaltar que, dentro da disciplina futebol, seu ensino é combinado entre futebol de campo e futebol de salão, não sendo possível determinar corretamente através das grades curriculares qual a percentagem para cada tipo de futebol ensinado.
Em relação à estrutura física das instituições, conforme apresentado em seus Projetos Políticos Pedagógicos, todas continham pelo menos um campo de futebol para a realização das práticas no que se refere ao ensino de futebol de campo. Isso torna possível desenvolver na disciplina de futebol não só aspectos teóricos, mas também práticos, onde o aluno pode vivenciar em termos reais as dinâmicas inerentes ao ensino e treinamento da modalidade.
O que se ensina nas disciplinas de futebol nos cursos de Educação Física
No que se refere ao ensino de futebol nos cursos de Educação Física nas Instituições Públicas em Minas Gerais, tomamos como ponto de reflexão o número de títulos bibliográficos, os autores mais utilizados, o ano de publicação das referências e uma análise de conteúdo onde procuramos apontar as principais temáticas aplicadas no ensino do futebol nos cursos de Educação Física no Estado de Minas Gerais.
O primeiro ponto que podemos destacar é a quantidade de títulos e autores apresentados nas bibliografias básica e complementar dos cursos. No total encontramos 61 títulos e 39 autores, que tratavam o futebol nos seus mais variados aspectos. 74% dos títulos tratavam o futebol como um fenômeno específico (como ensinar e o que ensinar sobre esta modalidade, onde a abordagem recaia sobre aspectos físicos, técnicos, táticos e pedagógicos do jogo). 26% tratavam o futebol a partir de um vetor mais transversal (como fenômeno social e cultural). Dentre os cursos, apenas os cursos de licenciatura e bacharelado da UFVJM privilegiavam mais o vetor transversal do que o específico. Na modalidade licenciatura, dos 9 títulos citados, 6 tratavam do vetor transversal, enquanto 3 títulos tratavam do vetor específico. Nos demais cursos, o peso recai sobre o vetor específico. Na modalidade bacharelado da UFVJM o vetor transversal apresenta 6 títulos, enquanto outros 4 títulos citados nas bibliografias básica e complementar do curso correspondiam ao vetor específico. O curso com maior percentual de conteúdo específico é o do IF Sul de Minas (87,50%), seguido pelo curso da UFU (81,81%), IFSEMG (75%), UFMT, UFOP e UFJF (todos com 71,42%), UFV e UFTM (ambos com 66,66%)
Dentre os autores citados nas bibliografias dos cursos analisados, o que ocorre em relação ao vetor específico é uma variedade de nomes (40) e trabalhos (45). O trabalho de Turbílio Barros & Isabela Guerra (A ciência do futebol – 2004) aparece em 4 bibliografias diferentes. Já os trabalhos de João Batista Freire (Pedagogia do Futebol - 2006), Ariobaldo Frisselli & Marcelo Mantovani (Futebol Teoria e Prática, 1999). Antônio Carlos Gomes & Juvenilson de Souza (Futebol: treinamento desportivo de alto rendimento, 2008) são referenciados em três ementas diferentes. Já em relação ao vetor transversal (15 nomes e 16 trabalhos), as obras de Heloisa dos Reis (Futebol e Sociedade - 2006; Futebol e Violência - 2006) e Jocimar Daolio (Cultura: educação física e futebol – 1997; Futebol, cultura e sociedade, 2005) são as que mais aparecem nas ementas. Reis aparece em duas ementas, enquanto Daolio aparece em quatro.
Em relação à data de publicação dos títulos citados, foram catalogados 29 datas diferentes e 3 datas não puderam ser determinadas. As datas foram divididas em 5 décadas distintas: 1949, que representa 3,12 % das obras; 1970 a 1979 com 15,62 % das obras; 1980 a 1989 com 12,50 % das obras; 1990 a 1999 com 21,87 % das obras; 2000 a 2009 com 31,25 % das obras; 2010 a 2015 com 6,25 % das obras. Dentre as instituições de ensino estudadas, os cursos do IF-Sul de Minas, IFSEMG, UFMT, UFV, UFVJM e UFOP usam bibliografias majoritariamente produzidas a partir da década de 2000. Destas, IF-Sul de Minas, UFMT e UFV já indicam literatura da década de 2010. Se estas instituições poderiam estar representando o acesso à produção sobre futebol mais recente, é no curso da UFU onde poderíamos encontrar de forma majoritária referências mais antigas, datadas da década de 1970. UFMG e UFJF, por sua vez, se colocam num lugar intermediário, pois referenciam predominantemente bibliografia da década de 1990.
No que tange à qualidade dos livros apresentados nas referências bibliográficas básicas e complementares dos cursos de Educação Física nas instituições públicas, o que se encontra é focalização do ensino do futebol a partir dos mais variados temas: a história do futebol, o futebol como fenômeno social, planejamento, o futebol visto e entendido como ciência, aspectos físicos, fundamentos técnicos e táticos, desenvolvimento do futebol em cada faixa etária, regras, o futebol na escola, o ensino do futebol através da ludicidade, dentre outros muitos temas que o futebol pode proporcionar, sempre unindo a teoria com a prática. Nesse sentido, podemos afirmar que, apesar dos mais variados temas abordados e linhas de pensamento apresentados, tudo passa pelos quatro pilares que tange o futebol, que são: a técnica, a tática, a parte física e psicológica.
Através da avaliação dessas ementas, o que percebemos foi que na sua maioria delas existe a preocupação com os fatores amplos para o ensino do futebol para que possa dar um suporte pedagógico para o ensino do mesmo em escolas, projetos e clubes desportivos, onde o futuro profissional poderá planejar, organizar, executar e avaliar o ensino do mesmo. Dentro das bibliografias utilizadas pelas instituições, percebesse que há uma preocupação nas abordagens técnicas, táticos, físicos e psicológicos. Sendo assim fica claro que os objetivos do ensino de futebol nestes cursos são dar conhecimento teórico e prático para sua prática pedagógica, através de uma metodologia de ensino que seja eficaz, acrescidas de preceitos históricos, éticos e socioculturais, importantes para a aprendizagem.
O futebol como saber interdisciplinar
O futebol também é conteúdo em outras disciplinas como, por exemplo, Planejamento Esportivo, Sociologia e Antropologia da Educação Física, História da Educação Física/Esportes, Fundamentos do Treinamento Aplicados a Educação Física Escolar e Prática Pedagógica. Esta presença difusa do futebol no ementário de outras disciplinas permite com que afirmemos que esta modalidade esportiva se conforma como conteúdo interdisciplinar, bom para pensar as dinâmicas de outras disciplinas. Observando as ementas das disciplinas citadas, tanto os aspectos sociais e culturais do futebol serão objeto de interesse, para o caso de disciplinas ligadas às ciências humanas, sociais, pedagógicas e gerenciais, quanto seus aspectos fisiológicos, motores, técnicos e táticos, para o caso de disciplinas voltadas para o treinamento desportivo e prática pedagógica.
Dos autores citados, ressaltam-se mais uma vez uma grande diversidade de obras (9) e nomes (6), estando presente inclusive aqueles já mencionados nas bibliografias dos cursos sobre futebol. José Roberto Borsari (Futebol de campo, Esporte e Educação – 1974), apesar de sua obra ser referente ao futebol de campo, é utilizado na disciplina Futebol de salão. Daolio (obras citadas anteriormente) é mencionado em três disciplinas, uma na UFSJ, na disciplina metodologia de Ensino da Educação Física Escolar, outra no IF-Sul de Minas, na disciplina Sociologia e Antropologia da Educação Física e outra usada na UFV, na disciplina Prática Pedagógica I. Freire (idem) é utilizado na UFSJ na disciplina Metodologia de Ensino dos Esportes Coletivos II. Antônio Carlos Gomes & Juvenilson de Souza (idem) tem suas obra citada em duas instituições: no IF-Sul de Minas, na disciplina Estágio Supervisionado IV, e outra na UFV, na disciplina Fundamentos do treinamento aplicado a Educação Física Escolar. Turbílio Barros & Isabela Guerra (idem) é mencionado na disciplina Prática Pedagógica I, na UFV. Micael Heschmann (Lance de Sorte - O futebol e o jogo do bicho na Belle Époque carioca - 1993) é utilizada na disciplina História da Educação Física/Esportes na UFV. Cabe por último ressaltar que o livro de Regras de Futebol é utilizada na disciplina Planejamento Esportivo do IF Sul de Minas.
Conclusão
Segundo Figueiredo (1997), o que é importante na formação do treinador, para que este possa conduzir o treino de forma coerente, é um saber-técnico que articula 4 saberes: o saber físico, onde o mesmo poderá entender o limite do treino no que se refere a volume x intensidade; o saber tático, onde o mesmo organiza sua equipe, dando uma forma de jogar tendo um modelo de jogo; o saber psicológico, onde o treinador conseguirá entender ou compreender cada atleta; o saber pedagógico, onde respeita as formas mais eficazes de gerir o processo de ensino-aprendizagem inerente ao treino tornando um saber organizacional. Na mesma direção vai Drubscky (2014), na medida em que ressalta que o que é importante para ser um bom treinador é que o mesmo tenha o conhecimento sobre as áreas da preparação física, fisiológicas, pedagógicas e psicológicas, ou seja, o domínio de um saber-fazer que é multifacetado.
Olhando para o lugar do futebol nos cursos de Educação Física, podemos concluir que sua importância para a formação do técnico de futebol é bastante ambígua. A carga horária muito reduzida e o pouco suporte teórico e prático pode reduzir a capacidade de ação para o futuro profissional. Muitos cursos de futebol oferecidos nas modalidades de Cursos Livres, Extensão, Complementação e Aperfeiçoamento por universidades, federações, sindicatos e empresas especializadas possuem uma carga horária igual ou maior àquela que encontramos nos cursos analisados. Os cursos de educação física primam pela formação integral do profissional, dando a ele formação geral em muitas áreas para que possam se orientar diante da diversidade da profissão. Isso impossibilita com que o futebol, como qualquer outra modalidade coletiva ou individual se conforme como hegemônica no interior dos cursos, cabendo ao formado procurar se aperfeiçoar nas áreas sobre as quais tem maior interesse. Os cursos de educação física formam especialistas em educação física, não técnicos esportivos. Estes últimos só se formam na interação entre o profissional formado e a especialização na modalidade esportiva ao longo do tempo.
Por outro lado, não se pode negar que a condição generalista dos cursos de educação física venha a dar suporte para os técnicos esportivos, como o de futebol, uma vez que socializou o egresso em experiências de cunho pedagógico que vão de certo modo orientar a maneira como ele vai lidar com iniciantes e iniciados no interior da modalidade na qual passará a se dedicar. Estudos como o de Fernandes et al. (2013) têm demonstrado como que o curso de educação física faz parte da trajetória de muitos treinadores, sendo para alguns lugar importante para aprenderem novas maneiras para lidarem com seus jogadores. A formação em Educação Física, nesse sentido, acaba sendo buscada como um complemento do capital acumulado durante a vivência como atleta no interior da modalidade (Cunha, 2009).
Em relação ao que se ensina nas disciplinas de futebol nos cursos de Educação Física, o que nossos dados provam é a cobertura da modalidade por um aspecto multidimensional, na medida em que foca aspectos técnicos, táticos, físicos, psicológicos, fisiológicos, administrativos, entre outros. Tal disposição se coloca ao encontro das necessidades interdisciplinares que envolvem a atuação do técnico de futebol, salientada pela literatura especializada (Figueiredo, 1997; Costa, 2005; Cunha et al. 2010; Drubscky, 2014).
Contudo, seria apressado dizer que essa formação futebolística interdisciplinar acumulada nos curso de educação física seria o suficiente para garantir uma boa formação como técnico de futebol. A literatura utilizada nas grades curriculares não dão margem para pensar a imprevisibilidade do jogo e seu dinamismo, conhecimento basilar para a ação do treinador de futebol. Aquela literatura referenciada nas ementas dos cursos analisados se resumem a apontar caminhos que podem ser seguidos pelo profissional onde ele possa conduzir da melhor forma possível seus treinamentos. Isso deixa espaço para pensar que a busca do conhecimento deverá ser sempre continua e não se resume à aquisição do diploma universitário e ao saber-fazer que o ambiente universitário imprime naqueles que procuram nela qualificação.
Por fim, a transversalidade do futebol, diante dos dados explorados, salienta dois aspectos: o que o futebol faz outras disciplinas fazerem; o que outras disciplinas fazem o futebol fazer. No primeiro aspecto o futebol se transforma em tema de outras disciplinas, tais como Planejamento Esportivo, Sociologia e Antropologia, História, Fundamentos do Treinamento e Prática Pedagógica. O futebol se apresenta como algo bom para pensar, na medida em que se perfaz como: complexidade que deve ser organizada, seja enquanto modalidade em disputa que deve ser dirigida a partir de aspectos de orientação e sistematização do jogo, seja como evento em realização que deve ser administrado; fato social e cultural que envolve sujeitos em torno de uma causa comum que aproxima e distancia as pessoas e comunidades, que territorializa e desterritorializa sentimentos e pertencimentos; agente histórico na medida em que atravessa e é atravessado por disputadas classistas, étnicas e políticas, agregando, desagregando e reagregando signos de pertença; modalidade que precisa ser submetida a entendimento específico nos âmbitos do treinamento e da pedagogia, por guardar consigo particularidades que não podem ser confundidas com outras modalidades.
Por outro lado, essas disciplinas trazem para o futebol elementos que podem ajudar no próprio entendimento do jogo em sua dimensão prática. O futebol é um jogo em que se disputa uma partida onde os confrontantes almejam a vitória, dinâmica que se é dedicação para uns, é lazer para os outros. Se para ganhar o jogo é preciso com que se treine de determinada maneira, que condições ideais de jogo sejam possibilitadas para que os atletas possam dar o seu melhor, para usufruir deste jogo enquanto forma de diversão e com ele se deleitar é necessário que uma considerável infraestrutura seja imaginada, que envolve toda a logística que possibilita com que o jogo seja apreciado. Por estar impregnado de sociedade, cultura e historicidade, o futebol passa a se compreender como responsável por muito daquilo que molda e sustenta a imaginação das pessoas e comunidades, sendo mais que um jogo que se resume em ganhar ou perder. Ganhar ou perder, em cada circunstância, mobiliza sentimentos que não podem ser negligenciados por aqueles que jogam e especialmente por aqueles que fazem jogar, o técnico de futebol. Toda sociedade, cultura e história do jogo pode ser colocado em favor do técnico, servindo para mobilizar a imaginação de seus atletas e do público que os prestigia. E por fim, uma vez que a especificidade do futebol demanda tratamento motor e pedagógico diferenciado, se faz necessário compreender os efeitos que isso pode vir a ter no trabalho no futebol, o que faz avançar a maneira de ensinar a jogar e a treinar, rompendo permanentemente com as formas convencionais e avançando a modalidade em seus múltiplos aspectos.
Bibliografia
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Chagas, G. P. (2015). A formação acadêmica para treinadores: ter ou não ter o diploma? Universidade do Futebol, Brasil. Disponível em http://www.universidadedofutebol.com.br/Artigo/15738/A-formacao-academica-para-os-treinadores-de-futebol-ter-ou-nao-ter-o-diploma. Acessado em 22/05/2015 às 12:42.
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Costa, J. P. A. (2005). Análise de Competências, modelos e necessidades de formação. Dissertação de Mestrado. Universidade Técnica de Lisboa.
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