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A construção de Adônis: um olhar semiótico da representação 

do homossexual masculino nas capas da revista Junior

La construcción de Adonis: una mirada semiótica de la representación homosexual masculina en las portadas de la revista Junior

The building of Adonis: a semiotic look on the representation of the male homosexual image on the covers of the Junior magazine

 

Doutorando e Mestre em Processos e Manifestações Culturais. Pós graduando em Modelagem

de Vestuário e graduado em Moda, todos pela Universidade Feevale. Docente do bacharelado

de Design de Moda do IPA – Centro Universitário Metodista e Tutor EaD do curso

de Bacharel em Moda da Universidade Feevale

Carlos Augusto Reinke

carlosar@feevale.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Esta pesquisa tem como objetivo, de forma geral, refletir sobre a forma como o homossexual masculino contemporâneo é representado nas imagens ofertadas pela mídia impressa, direcionada a este segmento, quando se avalia por meio da semiótica os elementos textuais e fotográficos que compõem suas capas, e suas relações possíveis com o reconhecimento e a formação da identidade deste grupo. Diante disto, são possíveis recortes que possibilitam objetivos específicos, os quais citamos, discutir sobre a fragmentação identitária na contemporaneidade; as representações ofertadas pela mídia impressa gay; e as tendências comportamentais que irradiam desta mídia dentro do universo gay. A metodologia utilizada é a pesquisa exploratória e a bibliográfica, para tanto, faz-se um levantamento acerca de possíveis relações de influência entre identidade e mídia na estruturação identitária do indivíduo homossexual masculino, podendo tanger inclusive aspectos relacionados ao consumo, mediada pelos conceitos de autores como Stuart Hall (2005), Zigmunt Bauman (2005) e John Thompson (1998). Desta forma, a análise consiste em um exercício da metodologia semióticas de Lucia Santaella (2007), buscando assim refletir sobre a forma de representação deste grupo e repensar a homossexualidade a partir de significações constituídas e mediadas pela mídia impressa, as quais se relacionam com aspectos de identidade, cultura e consumo; como práticas de inclusão e exclusão social em meio à complexidade da sociedade contemporânea.

          Unitermos: Homossexualidade. Identidade. Cultura. Semiótica.

 

Abstract

          This research has as its main objective, to reflect on how the contemporary male homosexual is represented in the images offered by the media, directed at this segment of the market, observing the textual and photographic elements that composes its covers through semiotics, as well as its possible relationship with the formation of the identity and the acknowledgment of this group. There are also more specific objectives, such as, discuss the identity fragmentation in contemporaneity; the representation offered by the gay media; and the behavioral trends that radiate from the gay universe. The methodology used is an exploratory and bibliographic research, developing an analysis of a possible relationship influence between media and identity in the construction of the male homosexual's identity figure, enabling to touch in aspects related to consumption, based on concepts of authors such as Stuart Hall (2005), Zigmunt Bauman (2005) and John Thompson (1998). The analysis consists in a semiotic methodology exercise by Lucia Santaella (2007), aiming to reflect on how this group is represented and to rethink homosexuality from meanings constituted and mediated by the media, in which relate to the aspects of identity, culture and consumption; inclusion practices and social exclusion within the complexity of the contemporary society.

          Keywords: Homossexualidade. Identidade. Cultura Semiótica.

 

Recepção: 12/02/2016 - Aceitação: 10/03/2016

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 20, Nº 214, Marzo de 2016. http://www.efdeportes.com/

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1.    Introdução

    Vivemos em uma sociedade contemporânea, com aspectos e características únicas e que tornam este período riquíssimo em conteúdo de estudos para as ciências humanas. Baseado nestas colocações é que o tema deste artigo se delimita em discutir formas possíveis de representação da identidade homossexual na mídia impressa direcionada a este público.

    Diante destas relações surgem questionamentos e que dentro do que tange os objetivos deste artigo é possível focar na seguinte questão norteadora: como o homossexual masculino contemporâneo é representado pela mídia impressa, direcionada a este segmento, quando se avalia por meio da semiótica os elementos que compõem suas capas e suas relações possíveis com a identidade deste grupo?

    Com base nesta questão norteadora surge a hipótese, de que a mídia oferta uma imagem corporal e estética masculina padrão que representaria o desejo e a identificação dos homossexuais.

    Desta forma o objetivo geral deste artigo está focado na busca por uma resposta a esta pergunta, que possibilitará discutir acerca da forma como a identidade do homossexual masculino se consolida dentro da sociedade contemporânea, uma vez que esta pode ser vista como resultado do processamento e interação de imagens ofertadas pela mídia impressa. Dentro disto, é possível delimitar certos objetivos específicos, dos quais podemos citar, por exemplo: A discussão sobre os aspectos relacionados à fragilidade e à multiplicidade das identidades dos sujeitos nos dias atuais; e a análise das representações ofertadas nas mídias impressas direcionadas ao público homossexual masculino por meio das imagens dos corpos masculinos e se elas podem evidenciar determinadas tendências de comportamento que se irradiam dentro do universo gay.

2.     Identidade e mídia

    Para compreendermos os conceitos e as relações entre identidade e mídia, que nortearão este artigo, partiremos do conceito de cultura de McCraken. Segundo o autor, cultura são as idéias e as ações por meio das quais um determinado grupo ergue e baseia os significados que irão compor o mundo no qual vive. Estes significados podem ser reconhecidos por meio de atos que conseqüentemente se relacionam com as questões identitárias. O autor ainda afirma que os grupos marginalizados – homossexuais – que vivem no limiar entre o socialmente aceito – heterossexuais – e o gueto são os responsáveis em lançar tendências junto às culturas dominantes, tornando-se assim “provedores de significados” (McCraken, 2003, p.11).

    Já os conceitos de identidade e mídia se baseiam nos conceitos de autores como Stuart Hall (2005), Bauman (2005) e Thompson (1998). Sobre a identidade do sujeito contemporâneo, é importante compreendermos que antes do advento dos meios de comunicação e da globalização, as interações e experiências dos sujeitos se restringiam a referências culturais da localidade, ou seja, os valores e ideologias representados pelo sujeito eram referenciados na cultura local. Hoje, os meios de comunicação e a globalização encurtaram distâncias e consumiram as fronteiras, conseqüentemente permitiu uma troca de experiências e valores com regiões mais distantes. Possibilitando ao sujeito ter contato com outras culturas. Conseqüentemente, o indivíduo pode agora escolher entre tantas outras culturas quais valores e ideologias adotar como referência na construção de sua identidade. Stuart hall coloca isto em sua obra da seguinte forma:

    [...] a medida que as culturas nacionais tornam-se mais expostas a influências externas, é difícil conservar as identidades culturais intactas ou impedir que elas se tornem enfraquecidas através do bombardeamento e da infiltração cultural. (Hall, 2005, p.74)

    Para Hall (2005) a conseqüência desta amplitude de referenciais culturais é o fato de que os indivíduos deixam de ter uma identidade única e centrada, passando a se caracterizar como dinâmicas e continuamente deslocadas, possibilitando assim que o sujeito assuma tantas identidades quanto necessárias para os diferentes momentos de sua vida. Hall (2005, p.11) ainda acrescenta que estas identidades ainda poderão ser “algumas vezes contraditórias ou não-resolvidas”. Neste sentido é possível se basear nos apontamentos do mesmo autor e afirmar que as identidades se esvaem e se dispersam em várias possibilidades de coexistência social. O sujeito contemporâneo é descentrado e multifacetado, como reflexo de uma “crise” ou de uma fragmentação identitária.

    Bauman (2005) reafirma a fragilidade da identidade do sujeito na atualidade, porém ele relaciona esta característica à fluidez da sociedade contemporânea, ou seja, as identidades nunca alcançarão uma concretude plena uma vez que o mundo líquido exige dos indivíduos uma contínua mudança de hábitos. Na obra Identidade Bauman (2005, p.91), que associa a construção e a pluralidade identitária como um processo de “experimentação infindável”, no qual os “experimentos jamais terminam”. O autor reafirma que a identidade do sujeito poderá se alterar pelos diferentes valores e crenças tomados como referência, assim como, de acordo com as suas interações e o mundo no decorrer de sua existência.

    Outro autor que estrutura um pensamento muito próximo ao de Bauman (2005) e que aproxima sua teoria às relações com a mídia é Thompson (1998). Ele diz que a identidade não é estanque, mas sim mutável, que se encontra em constante e gradual processo de transformação por meio dos diferentes elementos simbólicos que o sujeito passa a ter contato e experiências. Isto se confirma quando Thompson (1998, p.181) coloca que a identidade se forma por meio da assimilação de “materiais simbólicos mediados”. Em outras palavras, percebesse uma possível relação entre a formação identitária e os meios de comunicação, uma vez que o conteúdo ofertado pelos meios de comunicação é um fragmento da realidade traduzido pela ótica da mídia, ou seja, a realidade não será exposta na sua forma mais pura e sim mediada por meio da ótica que a publicação percebe a realidade.

    A partir dos conceitos de identidades destes autores observou-se que em nossa sociedade contemporânea, as mídias – revistas, jornais e televisão – se valem da fragilidade e da abertura das identidades para inferir sua influência que transcende diversos aspectos da natureza humana, o que as torna fluidas como afirma Bauman (2005).

    Discorrendo ainda na dimensão das questões relativas à identidade e que tangem certos aspectos relacionados a mídias; e aproximando estas questões ao universo homossexual, é possível observar certos aspectos correlacionados às teorias de Hall (2005) e Bauman (2004).

    A primeira questão são as múltiplas identidades que o sujeito pode possuir e que se caracterizam como fluídas e descentradas. Isto se relaciona com a homossexualidade no momento em que se observa que um único sujeito poderá assumir diferentes identidades dentro do universo gay. Os desdobramentos identitários dentro deste grupo em sua maioria são estruturados com base em aspectos relacionados a estereótipos corporais, estéticos e de comportamento. Nunan (2002) fala sobre alguns destes desdobramentos possíveis da identidade homossexual e ao mesmo tempo menciona as características corporais e de comportamento a eles associadas, onde citamos por exemplo, as bichas, como homossexuais afeminados; os bofes, homens masculinos que não se consideram, necessariamente, homossexuais; os ursos, que se caracterizam por serem gordos e peludos; e os Barbies, reconhecidos como homossexuais musculosos que vivem para modelar o corpo.

    Retomando as colocações de Thompson (1998) de uma possível relação entre a formação identitária e os meios de comunicação, observa-se que dentro do universo homossexual isto pode ser reconhecido, por exemplo, na forma como as mídias direcionadas a este público ofertam determinadas imagens corporais estéticas que são assimiladas por seus leitores e encaradas como padrões de beleza a serem desejados e mimetizados.

    Sendo assim, perceber-se que pelos conceitos expostos acima há uma relação entre as questões de identidade e mídia que evidenciam determinados padrões comportamentais associados à aceitação, revelação e compreensão da identidade homossexual na atualidade.

3.     Semiótica: um olhar por Santaella

    Tendo em vista as considerações relativas as relações possíveis entre identidade e mídia levantadas no referencial teórico e os objetivos deste artigo, nesta etapa será dado um enfoque a metodologia na qual este artigo se alicerça. Portanto, será apresentado o corpus estudado, que se refere as capas da Junior, publicação direcionada ao público homossexual masculino; a metodologia semiótica empregada, onde se optou pelos conceitos de Lucia Santaella (2007); e por fim a discussão sobre os resultados da análise semiótica nas capas das edições trabalhadas.

a.    A revista

    A Junior chega às bancas brasileiras em 2007, sendo um dos produtos da editora Sapucaia, em 2009 o grupo MixBrasil assume a publicação da revista.

    Apresentada aos seus leitores por André Fischer (2007, p.11), diretor do grupo MixBrasil, como uma publicação “assumida sem ser militante, sensual sem ser erótica, cheia de homens lindos, com informação para fazer pensar e entreter”. Observando este posicionamento da revista em fazer “pensar e entreter”, “sem ser erótica” e “assumida” foi possível constatar-se que a Junior busca se contrapor ao erotismo que permeava o mercado editorial gay na época de seu surgimento e traz de volta uma imprensa informativa e com conteúdo que desde o fim da Sui Generis não havia sido resgatado.

b.     A metodologia

    Dando seqüência ao estudo, adentramos nos aspectos relacionados a metodologia, que segundo Prodanov e Freitas (2013, p.126), “é o conjunto de processos ou operações mentais que devemos empregar na investigação”. Portanto, tendo em vista que o corpus do estudo se refere a capa da Junior, composta por elementos textuais e fotográficos, optou-se em buscar uma metodologia que abarcasse estas duas formas de comunicação e ao mesmo tempo tangenciasse as possíveis relações existentes de identificação, que os signos – elementos que podem vir a representar outro elemento de qualquer espécie (Santaella, 2007) – presentes nos componentes textuais e nas imagens da capa poderiam emitir ao público homossexual masculino.

    Diante disto, observou-se que o uso de uma metodologia semiótica, mais especificadamente as teorias de Lucia Santaella, possibilitariam alcançar estas relações uma vez que a autora coloca que a semiótica “nos permite compreender palavras, imagens, sons em todas as suas dimensões e tipos de manifestações” (Santaella, 2007, p.59). Esta metodologia se estrutura em três etapas, denomina como “ponto de vista”:

    O primeiro, a Análise qualitativa-icônica, “refere-se aos aspectos qualitativos de um produto, peça ou imagem” (Santaella, 2007, p.70), ou seja, engloba elementos como cores, volumes, iluminação, composição, formas, etc. A autora coloca que estes elementos são os responsáveis pela primeira impressão que o receptor terá em relação ao produto percebido, em outras palavras, estas primeiras impressões são, na verdade, relações de comparação reconhecidas como icônicas. Por fim a autora coloca:

    Com tudo isso quero dizer que, quando se analisam as qualidades de que um produto, peça ou imagem se constitui, pode-se, de um lado, determinar as qualidades abstratas que as qualidades visíveis sugerem. (Santaella, 2007, p.70)

    Vale ressaltar que esta mensuração das qualidades abstratas não é precisa, uma vez que são elementos não muito bem delineados e mensurados, mas Santaella (2007, p.70) menciona que são “[...] hipóteses que apresentam uma certa garantia de estarem corretas”

    O segundo ponto de vista é a Análise Singular-Indicativa, que avalia a relação entre a imagem e o contexto dela dentro da realidade, sendo um elemento da construção da mensagem da capa. Santaella (2007, p.71) coloca que este ponto avalia as imagens de acordo com “as qualidades de que esse existente se compõe – cores, formas, tamanhos, matéria – e passam a ser vistas em função da manipulação e uso.”

    O terceiro é a Análise Convencional-simbólica, que está relacionado à forma como a publicação vê o seu leitor e quais significados podem ser percebidos por este grupo em relação à revista. Portanto, aqui se observou o sentido que as capas podem transmitir para o homossexual.

    A análise de cada capa foi dividida em três elementos, que compreenderam a estrutura das teorias de Santaella (2007). No entanto, no último item da análise – convencional simbólico – estruturou-se uma relação com os conceitos de Orlandi (2010) de forma a apoiar as constatações dentro deste item.

    Assim sendo, as próximas considerações a serem apresentadas dizem respeito aos apontamentos obtidos da análise semiótica das edições 45 e Nº 56 da Junior.

c.     Discussões e resultados

    Antes de adentrarmos nas discussões e resultados da análise é importante justificar a escolha das edições Nº 45 e Nº 56 da Junior para serem analisadas. Ambas foram publicadas no mês de Novembro, período que antecede o verão, estação esta que se destaca pela valorização exacerbada de corpos ricamente trabalhados em academia, principalmente dentro do universo homossexual. Já em relação ao ano de publicação, respectivamente 2012 e 2013, teve como objetivo verificar se as observações se caracterizavam como uma tendência do contexto do período ou algo intrínseco ao comportamento do indivíduo homossexual masculino.

    Sendo assim, são apresentados os apontamentos relativos à edição Nº 45 da Junior.

Figura 1. Capa da Revista Junior edição Nº 45

    Dando seqüência ao processo de estudo foi possível apontar que dentro dos itens qualitativos-icônicos observados na edição Nº 45 da Junior, publicada em Novembro de 2012, não há uma variação de cores, onde o azul predomina na imagem, com uso de tons branco e marrons nos elementos textuais. Além disto, observou-se que o elemento textual de maior destaque se associa ao elemento fotográfico apresentado na capa: o beijo.

    Já em relação aos elementos singulares-indicativos, constatou-se uma preocupação em evitar que os itens textuais presentes na capa escondessem os corpos dos modelos, sendo a diagramação estruturada de forma a ocupar toda a parte externa do plano da imagem. Outro aspecto observado foi que esta é uma das poucas capas onde há a presença de mais de um modelo na fotografia. Além disto, esta imagem é a única na qual os modelos realizam um contato físico sensualizado, uma vez que protagonizam um beijo.

    Esta imagem pode ser interpretada de duas maneiras, a primeira é que ela possibilita que o título da reportagem que é apresentada somente no índice da revista, e que diz: “Quer saber por que o beijo gay incomoda tanto?” (Junior, 2012, p. 3) fique subentendido já na capa da revista. A segunda forma, é que a revista busca se destacar diante das demais revistas do segmento ao apresentar esta imagem uma vez que em outras publicações restringem este tipo de imagem ao interior das publicações.

    Ainda no que tange a fotografia há outros elementos que se destacaram durante a análise. O modelo que se encontra no primeiro plano se posiciona de forma que representa uma entrega total ao momento do beijo uma vez que realiza o ato de olhos fechados caracterizando assim uma total passividade diante do outro modelo que se encontra no segundo plano. No entanto, este segundo modelo está em uma posição mais elevada do outro, mantendo o olhar fixo ao leitor e sua expressão facial transmite um convite que pode ser interpretado como a possibilidade de fazer parte da cena com os dois modelos, assim como o de poder estar no lugar do modelo que está em primeiro plano.

    Por último, e não menos importante, observou-se que no terceiro plano da fotografia é apresentada uma menção à cidade do Rio de Janeiro, o que pode ser explicado pelas colocações de Nunan (2002, p. 30), em que ela menciona que a cidade apresenta uma importância e um reconhecimento junto à comunidade gay nacional, uma vez que o centro desta metrópole é reconhecido desde o começo do século XX como um dos focos da vida gay.

    Já em relação ao que permeia as observações de caráter convencional-simbólico observou-se que a reportagem de destaque e que se associa ao ensaio fotográfico da capa, que diz: “Beijar. Nós podemos beijar. Nós devemos beijar. Nós queremos beijar. Nós vamos beijar.” (Junior, 2012, ed. 45, capa). Ela utiliza o pronome pessoal “nós” no plural, de forma a estruturar um posicionamento semelhante do enunciador com o leitor. Além disto, fica evidente a militância por parte do enunciador que é indicado pelo emprego dos verbos “podemos”, “devemos”, “queremos” e “vamos”. No entanto, há um detalhe que se destacou, no elemento textual desta reportagem, em nenhum momento são associados os termos gay ou homossexual ao título.

    Dando seqüência na análise, são apresentadas as considerações a respeito da edição Nº 56.

Figura 2. Capa da edição Nº 56 da Revista Junior

    Em relação ao ponto de vista qualitativo-icônico observou-se o predomínio no segundo e no terceiro plano da imagem os tons mais escuros do que em relação ao primeiro plano, o que concede um destaque aos corpos dos modelos presente na capa. Outro aspecto que se percebeu é o uso de cores quentes no título da revista e nas reportagens destaques, com intuito de estruturar um contexto com o verão, período do ano com temperaturas mais quentes.

    Já em relação aos elementos singulares-indicativos, observou-se novamente uma preocupação de não interferência na imagem dos modelos presentes na capa. Esta capa, assim como a edição Nº 45, apresenta dois modelos interagindo em uma imagem típica de um momento de lazer entre jovens em locais como piscina e praias e é importante observar como ela é uma imagem ambígua, podendo ser interpretada como um ingênuo momento de diversão e lazer entre dois homens ou como uma forma de aproveitamento para um contato físico mais íntimo uma vez que os modelos são apresentados usando somente sungas. Esta imagem de certa forma se relaciona com o título em destaque “Vem Chegando o Verão”.

    Ainda dentro dos elementos singulares-indicativos constatou-se certa relação conotativa entre a foto produzida pelo fotógrafo Xavier Samré para esta edição da Junior e o trabalho de Bruce Weber, que segundo a Revista Criação (1998), foi um dos pioneiros na inserção do corpo masculino na publicidade norte americana em campanhas de moda para marcas como Calvin Klein e Banana Republic e hoje se destaca nas fotografias de moda desenvolvidas para a marca Abercrombie and Fitch. A relação conotativa entre os trabalhos destes dois fotógrafos se baseia no contexto expresso pela fotografia, ou seja, o contato físico entre os modelos dentro da imagem estrutura uma representação de inocência no qual toda a sensualidade presente na fotografia se concentra na beleza física do modelo, estruturando assim uma imagem erotizada e não pornográfica, isto pode ser observado na imagem a seguir, onde é apresentada uma fotografia feita por Weber para o editorial “Principal NYCB Dancers”, publicado na revista Vanity Fair (1996).

Figura 3. Fotografia do editorial The Elements of Style da revista Vanity Fair de Dezembro 1996

    Além disto, outro elemento que evidencia esta relação entre a capa da Junior e o trabalho de Weber é a inserção de cães na fotografia pelo fato da sua adoração por estes animais, que é evidenciada em sua entrevista a concedida a Folha de São Paulo em dezembro de 1994.

    Dentro do terceiro e último item avaliado, o convencional-simbólico, há três reportagens que ganham destaque dentro da diagramação da capa da revista. A primeira: “Vem Chegando o Verão. Sungas com recheios que fazem subir a temperatura.”, se relaciona de duas formas com o contexto desta edição. O primeiro, se avaliarmos o título de forma superficial, se caracteriza como um complemento da fotografia de forma a esclarecer a imagem utilizada na capa. Já o segundo, se trabalharmos separadamente cada elemento do título veremos que a expressão “Vem Chegando o Verão.” se associa com o contexto temporal desta edição, que compreende ao mês de novembro, período que antecede o começo da estação do verão e evidencia que na edição Nº 56 o conteúdo irá apresentar reportagens com temas relacionados a esta estação. Já em relação à segunda expressão do título, “Sungas com recheios que fazem subir a temperatura.”, está relacionada ao editorial fotográfico, onde uma de suas fotos é a capa da revista, no qual os modelos utilizam sungas Slick, que por sua modelagem mais justa evidencia o volume do falo masculino sem expor o mesmo em um nu frontal, seguindo assim os ideais da revista de não expor conteúdo adulto em suas páginas.

    Já o segundo título em destaque na revista: “Namorado Cruza o oceano em busca de final feliz.”, este título se refere a uma reportagem que a Junior realizou com um dos seus leitores, que apresentou as dificuldades sociais, familiares e materiais que os dois entrevistados passaram para firmar sua união, à partir do entendimento do conteúdo da reportagem e relacionando com o título utilizado na capa, observou-se que há uma certa dramaticidade do fato pelo uso da expressão “cruza o oceano”, dando a este um idéia de distanciamento e ao mesmo tempo dificuldade em alcançar o “final feliz”, termo este que se refere ao encontro entre o leitor e seu companheiro. Esta colocação se reafirma nos primeiros trechos da entrevista, que pode ser vista à seguir:

    “A história dele é daquelas que muitas vezes as pessoas acham que só existe no cinema, principalmente os gays, que ainda, infelizmente, são obrigados a enfrentar muitos obstáculos em nome de um sentimento tão nobre” (Junior, ed. Nº 56, 2013, p. 40)

    Porém, quase que se opondo a esta estrutura de casal monogâmico ideal, muitas vezes idealizados por instituições heteronormatizantes, a terceira reportagem que se destaca é: “Relação a três. Como você fica no meio?”, que aborda questões sobre as relações de casais homossexuais masculinos que com o intuito de instigar a relação com seu parceiro abdicam da monogamia e aceitam a inclusão de uma terceira pessoa em suas relações sexuais, o que pode ser também reconhecido por termos coloquiais como ménage à trois ou relação aberta.

    A presença desta dualidade de temas em uma mesma edição da revista pode ser relacionada aos apontamentos de Bauman (2004) em sua obra Amor Líquido, onde o autor estrutura a teoria da fluidez das relações sociais contemporâneas, onde os indivíduos deixam de valorizar o estado permanente / solidificado e passam a valorizar o temporário / frágil da sociedade contemporânea. Esta mudança de valores é segundo o autor mimetizada pelos indivíduos em suas interações sociais com o outro, podendo ser percebida por meio da fragilidade dos relacionamentos, sociais ou afetivos, dentro da sociedade contemporânea.

4.     Considerações

    Ao refratar as capas das edições da Junior analisadas – Nº 45 e Nº 56 – e relacioná-las com o viés do leitor, o primeiro elemento que se destacou foi o uso de gírias e termos reconhecidos quase que somente entre os gays. Já em relação as imagens, observa-se que a revista usa destas como uma forma de alocar dentro do imaginário social dos seus leitores um padrão estético a ser alcançado e desejado por estes indivíduos e que os produtos nela ofertados poderão servir de instrumentos para alcançar os padrões representados

    O emprego desta forma de linguagem, referindo-se tanto a verbal como a fotográfica, visa estruturar um vocabulário capaz de ser reconhecido e molda uma identificação entre o leitor e a revista, além de proporcionar um sentimento de pertencimento ao grupo de leitores. Já por meio do viés da revista, observou-se que esta estrutura discursiva é uma estratégia que visa evidenciar que a revista conhece e se posiciona dentro deste universo homossexual, dando a ela credibilidade ao tratar de questões de tendências e assuntos latentes dentro da comunidade gay.

    Desta forma, no que tange os aspectos da linguagem presente na capa da revista, é possível observar que a estratégia discursiva estrutura uma forma de reconhecimento identitário com o leitor, e não se restringe somente à capa da publicação, mas permeia todo seu conteúdo. Esta relação possível entre linguagem midiática e reconhecimento identitário é um dos conceitos de Orlandi (2010), onde a autora diz que, ao falar, o sujeito constitui um sentido e, assim como a si próprio, um processo de formação da identidade na relação com a linguagem.

    Sendo assim, após as análises realizadas foi possível observar que tanto quanto defender o movimento homossexual e buscar os direitos a este grupo, a Junior estrutura nos discursos de suas capas uma forma de orientação, que de certa maneira pode ser encarada como uma forma de fundamentação e fortalecimento da identidade do homossexual leitor da revista. Estas colocações podem ser relacionadas com as afirmações de Kathryn Woodward (2008, p. 8), em que a autora menciona que “as identidades adquirem sentido por meio da linguagem e dos sistemas simbólicos pelos quais elas são representadas.”

    No entanto, não consideramos este estudo como um ponto final para os conceitos estudados, mas sim apenas um encerramento textual para este artigo e que abre portas para diferentes desdobramentos.

Bibliografia

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  • Woodward, K. (2009). Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. En T. T. da Silva, (org.), Identidade e Diferença: a perspectiva dos estudos culturais. 9ª ed. Petrópolis: Vozes. (pp. 7-72).

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