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FC Barcelona e Athletic Club: o futebol como orgulho nacionalista

FC Barcelona y Athletic Club: el fútbol como el orgullo nacionalista

FC Barcelona and Athletic Club: the football as nationalist pride

 

*Mestrando em Estudos Culturais na Escola de Artes, Ciências

e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP)

**Professor titular da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade

de São Paulo (EACH-USP), atuando nos mestrados de Turismo e de Estudos Culturais

e na graduação de Lazer e Turismo. Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas

Guilherme Silva Pires de Freitas*

guilhermespfreitas@usp.br

Dr. Luiz Gonzaga Godoi Trigo**

trigo@usp.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Este artigo tem como objetivo analisar e estudar a relação dos tradicionais clubes Fútbol Club Barcelona e Athletic Club com a população das comunidades autônomas espanholas da Catalunha e do País Basco, respectivamente, ao longo da história. Fundados por estrangeiros, mas com forte ligação cultural e lingüística com seus semelhantes, eles se tornaram importantes representações simbólicas em prol do nacionalismo e orgulho de soberania, além de servir como válvulas de escape para combater as políticas opressivas da ditadura instaurada pelo general Francisco Franco entre 1939 e 1975. Através de suas equipes de futebol ajudaram a sociedade local em poder manifestar sua identidade cultural e enfrentar o regime. Mesmo com trajetórias diferentes durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e a ditadura franquista, os dois clubes têm algumas similaridades como manter-se próximo aos seguidores e jamais negar suas origens mesmo tendo sofrido pressão por parte do governo autoritário. Até hoje representam esses ideais que se mantêm presentes na relação entre clube e torcedor, um exemplo de como o futebol pode ser muito mais do que um simples jogo.

          Unitermos: Futebol. Espanha. Nacionalismo. Catalunha. País Basco. Identidade.

 

Resumen

          Este artículo tiene como objetivo analizar y estudiar la relación de los clubes tradicionales Fútbol Club Barcelona y del Athletic Club con la población de las comunidades autónomas españolas de Cataluña y el País Vasco, respectivamente, a lo largo de la historia. Fundado por los extranjeros, pero con fuertes vínculos culturales y lingüísticos con sus semejantes, ellos se convirtieron en representaciones simbólicas importantes a favor del nacionalismo y el orgullo de la soberanía, así como servir como válvulas de escape para luchar contra las políticas opresivas de la dictadura establecida por el general Francisco Franco entre 1939 y 1975. A través de sus equipos de fútbol han ayudado a la comunidad local para ser capaz de expresar su identidad cultural y enfrentar al régimen. Con diferentes trayectorias durante la Guerra Civil Española (1936-1939) y la dictadura franquista, los dos clubes tienen algunas similitudes como permanecer cerca de sus seguidores y nunca negar sus orígenes a pesar de que sufrieron la presión de un gobierno autoritario. Hoy representan esos ideales que permanecen presentes en la relación entre el club y los aficionados, un ejemplo de cómo el fútbol puede ser mucho más que un simple juego.

          Palabras clave: Fútbol. España. Nacionalismo. Cataluña. País Vasco. Identidad.

 

Abstract

          This article analyze and study the relationship of traditional clubs Fútbol Club Barcelona and Athletic Club with the population of the Spanish autonomous communities of Catalonia and the Basque Country, respectively, throughout history. Founded by foreigners, but with strong cultural and linguistic connection with their fellows, they became important symbolic representations in favor of nationalism and pride of sovereignty, as well as serving as powerful valves to combat the oppressive policies of the dictatorship established by General Francisco Franco between 1939 and 1975. Through its football teams helped the local community to be able to express their cultural identity and confront the regime. Even with different trajectories during the Spanish Civil War (1936-1939) and the Franco dictatorship, the two clubs have some similarities to remain close to the followers and never deny their origins even having suffered pressure from authoritarian rules. Today they represent those ideals that remain present in the relationship between club and fans, an example of how football can be much more than a simple game.

          Keywords: Soccer. Spain. Nacionalism. Catalonia. Basque Country. Identity.

 

Recepção: 11/12/2015 - Aceitação: 18/01/2016

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 20, Nº 213, Febrero de 2016. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    A história da Espanha é marcada por guerras e conquistas. Localizado na Europa meridional, na Península Ibérica, este território foi habitado por diversos povos ao longo da história. O país que conhecemos atualmente começou a tomar a forma depois do período do domínio romano em 218 a.C. Desde então celtas, gregos, cartagineses, germânicos, vândalos, visigodos e mouros já habitaram a região. Após séculos de lutas e invasões, a Espanha teve finalmente sua primeira unificação no ano de 1469 através do casamento de Isabel I de Castela e Fernando II de Aragão. Porém, a união matrimonial do novo casal real não resultou em uma união total. Embora existisse um reino espanhol, cada comunidade conservou suas leis, fronteiras, moedas, línguas, culturas e identidades. E são essas divisões que sobreviveram ao tempo e permanecem presentes até os dias de hoje.

Camp Nou, estadio do FC Barcelona. Mes que um club. Foto: TG, 03/04/2012

    Com o fim da Guerra da Sucessão, conflito que aconteceu entre 1702 e 1713 devido à morte do monarca Carlos II e que não deixou herdeiros ao trono espanhol, o país voltou a se unificar mais uma vez com a ascensão de Filipe V ao trono. Em 1812 foi promulgada uma nova Constituição que ratificou de vez a formação do reino. Apesar de todos esses acontecimentos a Espanha ainda é um país com divisões profundas. Atualmente o país é composto por 17 comunidades autônomas e duas delas são conhecidas pela postura desconfiada e oposicionista em relação ao governo central de Madri: a Catalunha e o País Basco.

    Essas duas regiões foram as mais perseguidas pela brutal ditadura imposta pelo general Francisco Franco entre 1939 e 1975. Líder da rebelião nacionalista que venceu a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), o militar adotou posturas repressivas contra quem fosse contrário ao governo. Durante o período, catalães e bascos foram impedidos de se expressar em suas respectivas línguas e de expor publicamente suas culturas e tradições. Instituições e organizações políticas foram abolidas e dissidentes perseguidos, presos e mortos. Como fim do regime franquista foi sancionada uma nova Constituição que permitia a todas as comunidades o direito de autonomia para praticar suas culturas:

    La Constitución se fundamenta en la indisoluble unidad de la Nación española, patria común e indivisible de todos los españoles, y reconoce y garantiza el derecho a la autonomía de las nacionalidades y regiones que la integran y la solidaridad entre todas ellas. (Espanha, Artículo 2, 1978)

    A promulgação desta Carta foi uma alternativa encontrada para tentar resolver a questão das reivindicações democráticas das nacionalidades e as relações delas com o poder central de Madri. Uma dessas reivindicações são as línguas faladas na Espanha:

    La riqueza de las distintas modalidades lingüísticas de España es un patrimonio cultural que será objeto de especial respeto y protección. (Espanha, Artículo 3.3,1978)

    O espanhol, também conhecido como castelhano, é o único idioma oficial em todo o país. Catalão, basco (euskera) e galego foram considerados como idiomas co-oficiais da Espanha em seus respectivos territórios após o fim da ditadura franquista. Outras línguas como o asturiano e o aragonês, por exemplo, foram reconhecidas, mas não são consideradas oficiais. Mesmo com esta Constituição em vigor e o respaldo de autonomia cultural, existem resquícios de separatismo e nacionalismo, principalmente nas comunidades catalã e basca. O futebol, através dos populares clubes Fútbol Club Barcelona e Athletic Club, funcionou ao longo da história com uma válvula de escape para evasão destes sentimentos.

As conseqüências do franquismo e a Guerra Civil Espanhola

    Para entendermos melhor como o futebol se encaixa neste contexto político e cultural da Espanha é preciso voltar um pouco no tempo. O clima político e social no país durante as décadas de 1920 e 1930 era tenso e recheado de conflitos internos. Entre 1923 e 1930 a Espanha viveu sob a ditadura do General Primo de Rivera que perseguiu grupos nacionalistas e baniu costumes e tradições de povos oriundos de regiões autônomas, principalmente na Catalunha. Após o período autoritário foi implantada a Segunda República Espanhola, porém, a era da democracia na Espanha foi breve. No dia 17 de julho de 1936 o general Francisco Franco comandou o exército na tentativa de derrubar o regime da Segunda República. Como o golpe fracassou o país ficou dividido entre os nacionalistas, de tendências conservadoras e de direita, e os republicanos, de tendências comunistas e de esquerda.

    O ato de Franco desencadeou a Guerra Civil Espanhola, um conflito armado de grandes proporções que envolveu toda a população local e alguns países estrangeiros. Durante os quase três anos seguintes a Espanha passou por um dos momentos mais trágicos de sua história recente com prisões, perseguições, bombardeios e mortes. Em abril de 1939, a guerra terminou com a vitória das forças nacionalistas e com a implantação da ditadura franquista. O conflito deixou um saldo terrível com centenas de milhares de mortos e desalojados, cidades destruídas por extensos bombardeios e uma grave crise econômica as vésperas da II Guerra Mundial.

    Após o fim do conflito civil teve início a ditadura do general Franco, que durou de 1939 até 1976, e onde a Espanha viveu sob uma forte repressão política e cultural. Apoiado em uma ideologia fascista e nacionalista, Franco buscava promover um país unido em torno de seu regime mesmo que tivesse que fazê-la a força. Através desse autoritarismo ele encontrou resistência por parte de algumas comunidades autônomas. Para evitar que movimentos separatistas ganhassem força e adeptos, uma de suas primeiras medidas foi oficializar o castelhano, como o único idioma oficial do país. Nas ruas e outros locais públicos era possível ver imagens do ditador acompanhadas com mensagens pintadas nos muros com a frase “si eres español habla español” ou “aquí se habla la lengua del Imperio”, uma clara forma de intimidar aqueles que insistissem em não aceitar a nova norma do regime. (Melchior; Branchadell, 2002, p. 160).

    Conseqüentemente, as demais línguas regionais foram banidas e quem ousasse desrespeitar a lei sofreria punições como multas em dinheiro ou prisões. Com essa medida diversas comunidades da Espanha tiveram suas liberdades cassadas e não podiam falar seus idiomas em público. Por outro lado esse autoritarismo também fortaleceu algumas comunidades, como os catalães que passaram a aprender e falar cada vez mais o idioma, tornando-se uma linguagem cultural estabelecida e institucionalizada (Hobsbawm, 2013). Nomes de instituições que não estivessem em castelhano tiveram que ser alterados para se enquadrar na lei. Porém, a força popular foi capaz de mostrar ao regime que a identidade catalã não seria silenciada facilmente:

    Ameaçada durante séculos e, mais recentemente, durante a ditadura franquista – quando o próprio idioma catalão fora proibido de ser falado em público, juntamente com a manifestação de seus costumes mais caros -, a identidade catalã só sobreviveu como resultado de muita luta, inclusive no plano simbólico. (Cardoso de Oliveira, 2006, p. 120)

    E é neste momento que o esporte, mais precisamente o futebol, entra em cena. Algumas agremiações esportivas tradicionais tiveram que mudar sua nomenclatura para continuar podendo existir e disputar competições. Em alguns casos, como do FC Barcelona, os símbolos e escudos também acabaram tendo que ser alterados. O escudo tradicional do clube tinha quatro faixas vermelhas e cinco amarelas, alusivas à bandeira catalã. Porém, durante o novo regime as quatro listras vermelhas se tornaram duas para serem similares a bandeira nacional da Espanha. Em 1949, ano do cinqüentenário do Barcelona, a agremiação foi autorizada pelo governo a utilizar o escudo antigo com a bandeira da Catalunha (Fútbol Club Barcelona, El Escudo).

    O nome de alguns clubes pode ter mudado, mas o que eles representam não. E isso aconteceu principalmente na Catalunha, mas precisamente na figura do FC Barcelona que se tornou um dos grandes personagens da história ao enfrentar o autoritarismo do poderoso ditador espanhol.

FC Barcelona: mais que um clube

    Fundado em 1899 por Joan Gamper, um empresário protestante suíço, o Foot-Ball Club Barcelona tornou-se em pouco tempo um dos maiores clubes da Espanha. Além das conquistas dentro de campo, a instituição esportiva sempre teve uma forte ligação com seus torcedores e sócios. Curiosamente, foi fundado por um estrangeiro que se apaixonou pela cultura e sociedade catalã e que sonhava em criar um símbolo que ajudasse na causa da Catalunha pela autonomia. De acordo com Foer (2004), o Barcelona tornou-se um claro exemplo do nacionalismo cosmopolita. Devido a essa relação de proximidade o clube adotou como lema a frase “Més que un club”, que em português significa “Mais que um clube”. Essas palavras se tornaram um mantra e estão grafadas em vários patrimônios da instituição catalã, como nas cadeiras do estádio Camp Nou e nas dependências de seu museu. E a história mostra que o Barça, apelido dado pelos seus torcedores, é muito mais que um clube.

    Até o início da Guerra Civil Espanhola o Barcelona já havia conquistado nove títulos nacionais, entre eles a primeira edição da Liga em 1929 e tinha milhares de sócios que consideravam o clube como legítimo representante da cultura catalã. Porém, suas posições nacionalistas em prol da Catalunha não contavam com a simpatia da parcela mais conservadora e do general Franco que viriam a vencer o conflito civil. Durante a Guerra o Barça sentiu na pele os efeitos do conflito tendo seu estádio e sala de troféus bombardeados. Em um dos casos mais chocantes do conflito seu presidente Josep Sunyol foi assassinado por soldados franquistas. Político de tendências esquerdistas, Sunyol chegou à presidência do clube em 1935 e ano seguinte acabou sendo preso e fuzilado pelas tropas do general quando seu motorista errou o caminho na estrada da Serra de Guadarrama e deu de encontro com soldados (Carvalho, 2012, p 52).

    Além de todas essas perdas físicas o clube também teve baixas econômicas, principalmente no número de sócios que caiu vertiginosamente em pouco tempo devido a Guerra Civil. Muitos homens foram convocados para combater nos campos de batalha e de quase 8 mil sócios em 1936, o Barça passou para cerca de 3 mil membros associados em 1939 quando o conflito terminou (Martí, 2005, p. 3). No início da ditadura franquista o clube sofreu com a perseguição do regime, tendo que mudar seu nome para Club de Fútbol Barcelona e alterar seu escudo. Em campo os resultados também foram ruins com uma seca de títulos entre 1930 e 1941. Muitos torcedores creditam a época de vacas magras a Franco, que utilizava o esporte em várias ocasiões como instrumento político e nunca escondeu sua admiração pelo Real Madrid. Porém, como afirma Sant’ana (2012) não existe nenhum dado concreto que comprove favorecimentos de Franco ao clube da capital, já que no decorrer da década de 1940 o Barcelona voltou a ser campeão.

    Mas foi durante a ditadura que o Barça se tornou o grande símbolo de união dos catalães. Se expressar o patriotismo e falar o idioma em locais públicos era proibido, tudo isso podia ser feito no estádio de futebol. Em dias de jogos as arquibancadas do antigo estádio Les Corts, e posteriormente do Camp Nou, tornavam-se palco para cantos e manifestações nacionalistas. Franco tolerava esses atos porque os via como uma forma de restringir os gritos a um mero estádio de futebol. Ledo engano, afinal foi nas arquibancadas que o povo podia expor com orgulho sua identidade catalã, ajudando a perpetuar ainda mais a aura de “mais que um clube” do Barcelona:

    E o que é mais importante, segundo o folclore institucional: o clube foi um heróico centro de resistência a ditadura militar franquista. Somente o Camp Nou fornecia um lugar onde os catalães podiam gritar e brandar contra o regime em sua própria e banida língua (Foer, 2004, p. 171).

    O fato de servir como um canal para que o povo pudesse se expressar é um dos principais motivos que fizeram o clube se tornar um símbolo de orgulho para boa parte da comunidade, além de se tornar a instituição social catalã mais famosa internacionalmente. Por outro lado, isso não aconteceu com o outro grande clube da cidade, o Real Club Deportivo Espanyol que nunca teve a mesma empatia com o povo da Catalunha. Além de levar a alcunha de Real no nome e ter uma coroa em seu escudo, a instituição nunca demonstrou o mesmo empenho do Barça pela causa catalã e sempre foi considerado como o clube “madrilenho” da Catalunha. Um exemplo é o fato de parte dos torcedores ultras do Espanyol costumar levar bandeiras da Espanha em suas partidas, principalmente quando há o derby entre os dois times para provocar os rivais.

    Com o passar dos anos, e o enfraquecimento da ditadura franquista, o Barça foi recuperando sua autonomia. Em 1974 novamente mudou de nome e passou a adotar o nome atual de Fútbol Club Barcelona. No mesmo ano, para celebrar os 75 anos do clube, foi composta a canção “Cant del Barça”, que passou a ser adotada como hino oficial sendo executada antes e depois de cada partida. Sua letra, recheada de menções as suas origens, mostra muito bem que a ligação entre o Barça e sociedade catalã é muito profunda, com trechos que remetem a irmandade sob uma bandeira [una bandera ens agermana], a união que faz a força entre torcedores e jogadores [Jugadors, Seguidors, tots unit fem força], os tempos difíceis durante a era Franco [son molts d'anys plens d'afanys], que ninguém poderá abater o clube [que mai ningú no ens podrà tòrcer] e a alusão a um grito que todos conhecem [tenim un nom, el sap tothom: Barça!, Barça!, Barça!] (Fútbol Club Barcelona, Himno).

    A queda do franquismo e a implantação da democracia na Espanha fez com que os torcedores do Barcelona também pudessem se manifestar mais livremente. Uma dessas ações foi a criação da famosa torcida organizada Boixos Nois, que em português significa “Caras Loucos”. Nos primórdios do grupo, fundado em 1981 por jovens fãs do clube blaugrana, predominava uma ideologia política mais a esquerda, socialista e pró-separatismo da Catalunha. Porém, a influência do hooliganismo inglês e o crescimento de skinheads no futebol europeu alteraram o perfil majoritário da torcida que passou a ser mais de direita e simpatizante do fascismo, mas ainda assim separatista. Após graves casos de violência, os Boixos Nois foram banidos de freqüentar o Camp Nou em 2003 por ordem do então presidente Joan Laporta (El País, 2003). Desde então a torcida esta proibida de ir ao estado, mas costuma acompanhar jogos do Barça fora de casa.

    O clube também cresceu internacionalmente e indiretamente, ajudou a espalhar pelo mundo a causa catalã. A criação do Museu de Futebol do Barcelona em 1984, hoje um dos mais visitados da Espanha, e a contratação de grandes estrelas internacionais como Diego Maradona, Hristo Stoichkov, Romário, Luis Figo, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho entre os anos 1970 e 2000, firmaram o clube como um dos maiores do mundo.

    Nas últimas temporadas o sentimento nacionalista voltou com bastante força. Em 2012 durante uma partida contra o Real Madrid pelo Campeonato Espanhol, a torcida barcelonista fez um enorme mosaico da Senyera, a bandeira da Catalunha, e gritou “Independência” quando o cronômetro marcou 17min14s de jogo (As, 2012). O número é um simbolismo em alusão ao ano de 1714 quando um levante separatista catalão foi derrotado pelas tropas da monarquia dos Bourbons, que governava a Espanha à época. Em 2014 para celebrar os 300 anos da data o clube lançou o uniforme reserva nas cores da bandeira catalã, com faixas listradas em vermelho e amarelo. E também declarou em nota oficial seu apoio em prol da campanha pelo referendo dos catalães de decidirem pela independência da Catalunha (Reuters, 2014). Um exemplo de que o Barça segue a risca seu lema de ser “mes que um club”.

Athletic Club: orgulho da causa basca

    Assim como os catalães, os bascos lutam para manter sua língua, cultura, modo de vida e identidade. Este povo ocupa a Península Ibérica há mais de cinco mil anos e resistiu a diversas invasões ao longo da história preservando seus costumes e tradições. O idioma falado no País Basco é o euskera, também conhecido como basco, e é considerado como o mais antigo da Europa. Localizado entre o extremo norte da Espanha e o extremo sudoeste da França, a região sofreu com as ações militares das tropas franquistas durante Guerra Civil Espanhola e a cidade de Guernica y Luno chegou a sofrer um forte bombardeio por parte dos nazistas alemães que apoiavam o futuro ditador espanhol. Este fato motivou a pintura da famosa tela “Guernica” do pintor Pablo Picasso.

    Franco adotou medidas autoritárias no País Basco semelhantes as que implantou na Catalunha, que visavam sufocar a oposição na região. Porém, despertou na comunidade local um fortíssimo sentimento nacionalista e separatista. Nesse vácuo de repressão a identidade, nasceu o Euzkadi Ta Askatana, grupo guerrilheiro conhecido como ETA que foi um dos grandes protagonistas na história da Espanha no século XX. Criado em 1959 como um movimento socialista, o ETA foi fundado por um grupo de jovens estudantes através da união de diversos personagens políticos que atuavam na região. Inicialmente o movimento exigia a independência do País Basco, mas influenciado pelas guerras de libertação nacional que aconteciam pelo mundo e decepcionado com a atuação do Partido Nacionalista Basco, a principal força de oposição ao governo, o ETA logo aderiu à campanha armada e teve apoio de boa parte da população basca.

    Autointitulado como uma organização paramilitar separatista, o ETA começou a ganhar força durante a ditadura devido à forma radical e agressiva com que lutava contra o governo. Entre as décadas de 1960 e 2000, o ETA participou de diversos atos armados, sendo responsabilizado por mais de 800 mortes, entre tiroteios, emboscadas ou atentados a bomba e passou a ser considerado como órgão terrorista pela Espanha, União Européia e Estados Unidos. Um dos atos mais conhecidos do grupo foi o assassinato do então presidente do Governo espanhol, o almirante Luis Carrero Blanco, considerado como favorito a suceder Franco, em 1973. Com a volta da democracia e com maior respeito à diversidade cultural e lingüística através da nova Constituição, o ETA perdeu apoio popular e se enfraqueceu. Depois de anos negociando e rompendo tréguas com o governo, o movimento anunciou em comunicado oficial que encerrava suas atividades armadas em outubro de 2011, porém, continuaria a lutar pela independência basca de outras formas (El Mundo, 2011).

    O ETA não foi o único personagem que apresentou ao mundo a causa basca. O esporte também teve o seu representante. Se a Catalunha teve o Barcelona como grande símbolo de suas tradições, o País Basco tem no Athletic Club o seu representante. Assim como o Barça, o Athletic também tem origens estrangeiras em suas raízes. O clube foi fundado em 1898 por imigrantes ingleses que chegaram alguns anos atrás em Bilbao atraídos pelo poder de industrialização que começava a surgir naquela região. Os fundadores, que também eram atletas e queriam ter um local para poder jogar futebol e praticar esportes, nomearam o novo clube na grafia basca chamando-o de Athletic ao invés de Atlético, em castelhano. Essa foi uma primeira demonstração dos patriarcas em criar uma instituição que representasse a cultura basca.

    Conhecido internacionalmente como Athletic Bilbao, devido à cidade em que está situado, o clube é famoso por ser um claro exemplo do orgulho basco e de se manter fiel as suas origens. A começar pelo escudo que apresenta referências a região do País Basco como Árvore de Guernica (que sobreviveu ao bombardeio nazista durante a guerra civil), a Cruz de San Andrés (presente na Ikurriña, a bandeira do País Basco) e a igreja e ponte de Santo Antão. O uniforme titular é a camisa listrada em vermelho e branco. Em 2011 a equipe fez o uniforme reserva na cor verde em alusão a Ikurriña (El Correo, 2011). A idéia foi aceita pelos torcedores e na temporada 2014-15 o clube repetiu a cor verde no uniforme reserva. Outro exemplo de aproximação com a comunidade local se dá ao fato da agremiação ficar muito tempo sem estampar um patrocinador em seu uniforme. E quando o fez, abriu espaço para empresas bascas. Hoje o clube é patrocinado pela Petronor, petrolífera basca e pelo Bilbao Bizkaia Kutxa, banco local. Uma trajetória similar a do Barcelona que também só aceitou ceder espaço a publicidade na década de 2000.

Escudo do Athletic Club de Bilbao

    Porém, até os dias de hoje uma tradição mantém-se viva no clube de Bilbao: apenas atletas de origem basca ou que foram criados na cultura da região podem envergar a camisa alvirrubra. A regra já foi muito mais rígida no passado e foi sendo abrandada com o passar do tempo. Em uma era onde o futebol é cada vez mais globalizado e um lucrativo negócio para o mercado financeiro, o clube afirma que se sente orgulhoso em manter suas tradições e ligações culturais com o País Basco:

    El Athletic Club como institución, así como el conjunto de sus seguidores, se caracterizan por la defensa de unos valores cada vez menos frecuentes en el fútbol y en el deporte del siglo XXI. El orgullo por lo propio, reflejado en su máxima expresión con su política de cantera, se convierte en un componente de unión por encima de cualquier otro aspecto de discrepancia en la vida diaria y marca la diferencia con cualquier otra filosofía o manera de entender el balompié en todo el mundo (Athletic Club, Datos del Club).

    No início da década de 1910 foi criada a regra de que apenas jogadores da província de Biscaia poderiam defender a equipe. Tudo começou devido à reclamação de outros clubes bascos que não concordavam com a escalação de imigrantes ingleses durante as partidas. Com o passar do tempo o clube passou a aceitar jogadores de províncias bascas vizinhas e depois admitiu atletas estrangeiros desde que possuíssem origens bascas. Estrangeiros sem raízes no local podem jogar atualmente com apenas uma condição: terem sido educados na cultura basca. Na prática é preciso ter algum vínculo com o País Basco para atuar pelo Athletic. Vínculo que dois jogadores têm e entraram para história do clube recentemente. Em 2009 o jogador Jonás Ramalho, filho de um angolano com uma basca e nascido na região, fez sua estréia pelo time e em 2015 Iñaki Williams, filho de um ganês e de uma liberiana, mas nascido em Bilbao, marcou seu primeiro gol como profissional. Ambos foram pioneiros pelo fato de serem os primeiros negros a jogarem e marcarem pela instituição.

    Essa tradição de contar apenas com atletas de origem basca já foi considerada xenofóbica e racista por torcedores de outros times e parte da opinião pública (BBC Mundo, 2012), mas tanto o Athletic, como seus fãs negam a fama. Uma prova é a Herri Norte Taldea, uma das principais torcidas organizadas do clube. Fundada em 1981 por alguns jovens bascos, a torcida é conhecida por se definir como “101% antifascista e antirracista”. Membros do grupo já se envolveram em brigas com ultras de tendências fascistas devido sua postura política e é comum durante os jogos do Athletic ver faixas e bandeiras contra atos de preconceito o setor onde a organizada assiste as partidas.

    Durante a ditadura franquista o clube também sofreu perseguições pela sua intensa ligação com a cultura basca e teve seu nome mudado para o castelhano. Com o fim do regime autoritário o clube voltou a utilizar seu nome original e em dezembro de 1976 em uma partida contra a Real Sociedad, equipe que também é da região basca, os dois capitães entraram em campo juntos segurando uma Ikurriña que havia sido banida por Franco. Um claro exemplo de apoio a Pátria Basca. O clube não conquista um título da Liga Nacional desde 1984 e também nunca foi rebaixado para a segunda divisão. A instituição pode não ter se tornado um ícone internacional como o Barcelona, com torcedores espalhados pelo mundo, porém não esconde de ninguém o orgulho de ser basco e permanece muito próximo a seu povo assim como o gigante catalão.

Conclusão

    Como vimos ao longo deste artigo o futebol esteve sempre presente na vida das populações catalãs e bascas, tornando-se mais do que um mero esporte. Tornou-se um grande personagem da cultura popular das duas regiões graças às trajetórias do Barcelona e do Athletic. Outras regiões da Espanha como as comunidades de Astúrias, Galícia e Valência também sofreram com as duras políticas repressivas do franquismo, porém, com menor intensidade em relação à Catalunha e o País Basco. Os idiomas destas regiões também foram censurados, assim como a exibição da cultura popular em locais públicos e os clubes de futebol que também tiveram que adaptar seus nomes para o castelhano, mas não foram tão a fundo em se agarrar firmemente a suas origens nacionalistas como o Barça ou o Bilbao.

    O esporte sempre foi considerado por catalães e bascos como uma ferramenta para divulgação de suas respectivas culturas. Na Catalunha, durante o sangrento conflito civil na década de 1930, o esporte era visto como uma forma de promoção da cultura. Mesmo com o país em guerra e diversos atletas tendo sido convocados para lutar, eventos de diversas modalidades com atletas locais, como futebol, natação, ciclismo e basquete, continuaram sendo realizados (Martí, 2005, p. 3). No País Basco, no mesmo período, houve forte incentivo para a prática de esportes coletivos. O futebol era considerado um jogo democrático e começou a ganhar adeptos e popularidade entre os bascos chegando a tomar o lugar da pelota basca, modalidade tradicional da região. (Noci, 200, p. 2). E no campo político o esporte também teve espaço já que o Athletic usou sua posição de representante basco para se opor as práticas violentas do ETA.

    O sentimento separatista está presente até hoje na sociedade espanhola e ganhou novo fôlego com o pedido de referendo pela independência da Catalunha nos últimos anos. Os dois clubes continuam sendo grandes catalisadores da identidade de suas respectivas comunidades. Um exemplo aconteceu na partida entre as equipes na temporada 2014-15, no dia 13 de setembro de 2014 no Camp Nou. Os times disputaram a partida com seus uniformes reservas alusivos as cores das bandeiras de suas regiões. O Barcelona, de vermelho e amarelo, e o Athletic, de verde, vermelho e branco. No mesmo jogo a torcida do Barça estendeu uma enorme bandeira lembrando os 300 anos do levante catalão contra a monarquia (As, 2014).

    Em 1953 um jogo entre os dois clubes em Barcelona levou 60 mil pessoas ao estádio. Dois meses antes a seleção da Espanha havia enfrentado a Bélgica no mesmo local e só levou 45 mil torcedores as arquibancadas, mostrando como a união de duas equipes que detestavam e eram perseguidas pelo governo podia ser mais forte do que a simpatia pela seleção nacional (Franco Júnior, 2007, p. 105). As duas equipes também protagonizaram recentemente manifestações nacionalistas. Em 2009 os dois times fizeram a final da Copa do Rei, disputada em Valência. O Barça foi o campeão, mas o grande momento foi antes do jogo com torcedores catalães e bascos vaiando juntos a execução do hino espanhol o que fez com que a emissora TVE censurasse o momento em sua transmissão (As, 2009). Em 2015 as duas equipes voltaram a decidir o mesmo torneio e novamente foram ouvidas vaias no momento do hino (El Mundo, 2015). O jogo aconteceu no Camp Nou, mas os dois clubes tentaram até o último instante realizar a decisão no estádio Santiago Bernabeu, casa do Real Madrid, que negou o pedido.

    Além das diferenças históricas com o governo espanhol e de terem clubes de futebol tão simbólicos, os dois povos tem em comum o fato da cultura nacional buscar unificá-los dentro de uma identidade cultural, não importando as diferenças de classe, gênero ou raça. Como afirma Hall (2014), essa identidade nacional busca representá-los todos como pertencentes à mesma e grande família nacional. Catalunha e País Basco também se encaixam na teoria da comunidade imaginada proposta por Anderson (2008) devido suas culturas, idiomas e particularidades quem lembram um Estado, porém, não o são e ainda sonham pela independência e soberania. Atualmente são aquilo que Baumann (2005) considera como uma nação sem Estado e segundo o sociólogo, nesse caso, se esta destinado a ser inseguro sobre o passado, incerto sobre o presente e duvidoso do futuro, assim sendo fadada a uma existência precária. Apenas o tempo dirá se as duas comunidades conseguirão esse direito e se terão uma existência instável.

    Embora catalães e bascos tenham diferenças na forma de demonstrar suas causas separatistas, ambos seguem em suas batalhas pela independência. E como podemos ver ao longo deste artigo o futebol, especialmente nas figuras do Fútbol Club Barcelona e do Athletic Club, teve e tem um papel bastante relevante nesta história, servindo ao mesmo tempo como uma válvula de escape para demonstração do sentimento nacionalista e como uma influente manifestação popular em prol da questão identitária.

Bibliografia

Livros e Artigos Científicos

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Sites

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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 20 · N° 213 | Buenos Aires, Febrero de 2016
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