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Imprensa de educação e ensino e Educação Física escolar no 

Brasil (1976-1979): reflexões sobre uma proposta de estudo

Prensa educativa y Educación Física Escolar en Brasil (1976-1979): reflexiones sobre una propuesta de estudio

 

Doutorando em Educação – Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

Doutorando em História – Universidade Federal Fluminense (UFF)

(Brasil)

Bruno Duarte Rei

br.duarterei@gmail.com

 

 

 

 

Resumo

          Neste texto, discute-se notas preliminares de uma pesquisa que visa analisar, entre 1976 e 1979, as tensões entre as concepções de Educação Física escolar expressas na imprensa especializada da área e na documentação oficial referente ao ensino desse componente curricular. Debate-se, mais especificamente, as estratégias inicias utilizadas pelo autor do estudo para verificar a hipótese que a imprensa especializada da área, mais do que uma porta-voz do regime militar, caracterizou-se, potencialmente, como um elemento dificultador da implementação das estratégias oficiais de conformação da Educação Física escolar no Brasil (1976-1979). Suspeita-se que, ao pôr em circulação percepções alternativas sobre o componente curricular em questão, os impressos especializados em Educação Física geraram, muitas vezes contraditoriamente, condições para que os profissionais da área pudessem se apropriar de fundamentos distintos dos contidos no modelo propagado pela ditadura militar por meio da “Política” e do “Plano Nacional de Educação Física e Desportos”.

          Unitermos: Educação Física escolar. Imprensa de educação e ensino. Lutas de representações. Ditadura militar (Brasil).

 

Resumen

          En este texto, se analizan las notas preliminares de un estudio que pretende examinar, entre 1976 y 1979, las tensiones entre las concepciones de la Educación Física escolar expresadas en la prensa especializada y en la documentación oficial relativa a la enseñanza de este componente curricular. Se debate, más específicamente, las estrategias iniciales usadas por el autor del estudio para verificar la hipótesis de que la prensa especializada, más que un portavoz del régimen militar, se caracterizó, potencialmente, como un elemento dificultador de la implementación de las estrategias oficiales de conformación de la Educación Física escolar en Brasil (1976-1979). Se sospecha que, al publicar percepciones alternativas sobre el componente curricular en cuestión, la prensa especializada ha generado, muchas veces de un modo contradictorio, condiciones para que los profesionales de la área pudiesen apropiarse de fundamentos distintos de los contenidos en el modelo propagado por la dictadura militar a través de la “Política” y del “Plan Nacional de Educación Física y Deportes”.

          Palabras clave: Educación Física escolar. Prensa educativa. Luchas de representaciones. Dictadura militar (Brasil).

 

Recepção: 31/10/2015 - Aceitação: 04/12/2015

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 20, Nº 211, Diciembre de 2015. http://www.efdeportes.com/

1 / 1

I

    A configuração da Educação Física escolar no período da ditadura militar é um campo de investigação ainda pouco explorado. Após um levantamento bibliográfico realizado, constatei que, além dos trabalhos de Beltrami (1992), Taborda de Oliveira (2001), Pinto (2003; 2012), Rosa (2006), Araújo (2011) e Rei (2013), não existem outros estudos que abordam especificamente esse tema. Afora essas referências, observei algumas publicações que versam sobre aspectos pontuais relativos ao assunto, mas que não tratam esses objetos como elementos centrais de suas pesquisas. Como exemplo, posso citar a conhecida obra de Ghiraldelli Jr. (1988), que, embora não seja um estudo histórico, recorre freqüentemente à história para fundamentar suas posições, interpretações e prescrições. Cabe sublinhar que, dentro dessa perspectiva, o autor criou uma versão explicativa sobre o desenvolvimento da Educação Física escolar nos anos do regime militar. Versão essa que, apesar de suas inconsistências (Rei & Lüdorf, 2012; Taborda de Oliveira, 2002), ainda é bastante reproduzida por pesquisadores que atuam tanto no campo da Educação quanto da Educação Física.

    Entre outros objetos de pesquisa, o que escapou aos poucos estudiosos do tema foi uma análise mais detida dos periódicos especializados em Educação Física e esportes editados durante a ditadura militar. De acordo com Bastos (1997), entendo que a imprensa de educação e ensino, de um modo geral, fornece ao pesquisador possibilidades profícuas para o estudo do pensamento pedagógico de determinados setores ou grupos sociais. Afinal, como chama a atenção à autora, ao prescrever determinadas práticas, valores e normas de conduta, ao construir e elaborar representações do social, esse tipo de imprensa destaca-se como uma fonte privilegiada. A análise dos discursos veiculados e a ressonância dos temas debatidos, dentro e fora do universo escolar, possibilita analisar a política das organizações, as preocupações sociais, as tensões e as filiações ideológicas, as práticas educativas e escolares, entre outros objetos de estudo.

    Nos últimos anos, o interesse pelo estudo e sistematização de informações acerca de periódicos especializados em educação e ensino tem mobilizado pesquisadores de vários países (Catani & Bastos, 1997). No Brasil, já há, no campo da Educação, uma produção consolidada no que diz respeito ao uso dessas modalidades de impressos como objeto de estudo e/ou como fonte.1 Na área de Educação Física, o estudo de impressos de variada tipologia também tem ganhado força.2 Entretanto, como capta Ferreira Neto et al. (2003): “deve-se reconhecer que ainda há um vácuo na investigação dos projetos editoriais em nossa área, quer seja na forma de livro, quer seja em formato de periódico: revistas e jornais” (p. 91).

    Durante os anos da ditadura militar (1964-1985), circularam no Brasil um total de treze impressos especializados em Educação Física e esportes – ver Quadro 1.

Quadro 1. Índice e ciclo de vida dos periódicos especializados em Educação Física e esportes que circularam no Brasil (1964-1985).

Periódico

Ciclo de vida

Arquivos da Escola Nacional de Educação Física e Desportos da Universidade do Brasil

1945-1966*

Artus/Revista de Educação Física e Desportos

1970?-1999

Boletim da Federação Internacional de Educação Física

1969-1989

Comunidade Esportiva

1980-1986

Corpo e Movimento

1983-1985

Esporte e Educação

1969-1977

Revista da Associação de Professores de Educação Física – Londrina

1982-1999

Revista da Associação de Professores de Educação Física – São Paulo

1953-1979

Revista Brasileira de Ciências do Esporte

1979-2015

Revista Brasileira de Educação Física e Desportos

1968-1984**

Revista de Educação Física

1932-2015

Revista Sprint

1982-2005

Revista Kinesis

1984-2015

Total: 13 periódicos

*Houve duas tentativas de recuperar a publicação desse periódico nos anos de 1972 e 1983. Contudo, não foram lançados mais do que o número inicial em cada tentativa (Melo, 2005).

**É importante esclarecer, de acordo com Taborda de Oliveira (2001), que: “até seu número oito (1969) a Revista [...] denominava-se Boletim Técnico e Informativo de Educação Física. Depois seu nome foi alterado para Revista Brasileira de Educação Física e Desportiva (1970), Revista Brasileira de Educação Física (1971) e, finalmente, Revista Brasileira de Educação Física e Desportos (1975)” (p. 69, grifado no original).

Fonte: Adaptado de Ferreira Neto et al. (2002).

    Encontra-se em Taborda de Oliveira (2001) uma análise da série total da “Revista Brasileira de Educação Física e Desportos”, periódico, na época, editado pelo Ministério da Educação. Tal iniciativa é parte de sua tese de doutoramento, que objetivou investigar a relação entre o aparato legal-institucional para a Educação Física escolar brasileira (1968-1984) e suas possíveis apropriações por professores que atuaram durante esse recorte temporal. Para tanto, o autor utilizou como fontes, além da revista citada, os programas de Educação Física da Rede Municipal de Ensino de Curitiba (1972-1983) e os depoimentos de professores que atuaram nessa mesma rede de ensino (1970-1980).

    Em minha dissertação de mestrado (Rei, 2013), investiguei as edições da “Revista de Educação Física” (1976-1979), impresso editado, desde 1932, pela Escola de Educação Física do Exército. Na ocasião, procurei analisar as tensões entre as concepções de Educação Física escolar expressas no referido periódico e na documentação oficial referente ao ensino desse componente curricular. Defendi a hipótese que, mais do que uma porta-voz do regime militar, a “Revista de Educação Física” caracterizou-se, potencialmente, como um elemento dificultador da implementação das estratégias oficiais de conformação da Educação Física escolar no Brasil (1976-1979). Tentei demonstrar que, ao pôr em circulação percepções alternativas sobre o componente curricular em destaque, esse impresso gerou, contraditoriamente, condições para que os profissionais da área pudessem se apropriar de fundamentos distintos dos contidos no modelo propagado pela ditadura militar por meio da “Política” e do “Plano Nacional de Educação Física e Desportos”.

    Em que pesem os esforços entabulados por mim (Rei, 2013) e por Taborda de Oliveira (2001), reconheço que nossos trabalhos tratam de apenas dois dos treze periódicos especializados em Educação Física que circularam durante a ditadura militar. A proposta de pesquisa que discuto neste texto objetiva contribuir para o preenchimento da lacuna citada. Seu objetivo é analisar, entre 1976 e 1979, as tensões entre as concepções de Educação Física escolar expressas na imprensa especializada da área e na documentação oficial referente ao ensino desse componente curricular. Minha intenção é verificar se posso ou não estender a hipótese defendida sobre a “Revista de Educação Física” para a imprensa especializada em Educação Física em sua totalidade.

    Dentro dessa perspectiva, investigarei, afora as já estudadas “Revista de Educação Física” e “Revista Brasileira de Educação Física e Desportos”, todos os impressos da área de Educação Física em circulação entre 1976 e 1979, período de vigência da “Política” e do “Plano Nacional de Educação Física e Desportos”. São eles: “Artus/Revista de Educação Física e Desportos” (1976-1979), “Boletim da Federação Internacional de Educação Física” (1976-1979), “Esporte e Educação” (1976-1977), “Revista da Associação de Professores de Educação Física de São Paulo” (1976-1979) e “Revista Brasileira de Ciências do Esporte” (1979).

    Ora, quais eram as concepções de Educação Física escolar que disputavam espaço e legitimidade nos periódicos especializados da área durante o período aqui enfocado? Em que medida tais concepções se aproximavam do modelo oficial de Educação Física escolar propagado pela “Política” e pelo “Plano Nacional de Educação Física e Desportos”? É possível sustentar que, mais do que uma porta-voz da ditadura militar, a imprensa especializada em Educação Física caracterizou-se, de um modo geral, como um potencial elemento dificultador das estratégias oficiais de conformação da Educação Física escolar no Brasil (1976-1979)? Em resumo, são essas as questões de pesquisa que procurarei desvendar.

II

    A proposta de pesquisa em questão dialoga com contribuições oriundas dos debates travado no âmbito da Nova História Cultural. Para Chartier (1988), a noção de representação deve ser concebida como a pedra angular da abordagem historiográfica citada. Segundo o autor (1988, p. 23), a análise dessa ferramenta conceitual nos possibilita articular três modalidades da relação com o mundo social: (a) “o trabalho de classificação e de delimitação que produz as configurações intelectuais múltiplas, através das quais a realidade é contraditoriamente construída pelos diferentes grupos”; (b) “as práticas que visam fazer reconhecer uma identidade social, exibir uma maneira própria de estar no mundo, significar simbolicamente um estatuto e uma posição”; e (c) “as formas institucionalizadas e objetivadas graças às quais uns representantes (instâncias coletivas ou pessoas singulares) marcam de formas visíveis e perpetuadas a existência do grupo, da classe ou da comunidade”.

    De acordo com Chartier (1988), as representações do mundo social, embora almejem à universalidade de um diagnóstico embasado na razão, serão sempre determinadas pelos interesses dos grupos que as forjam. Desse modo, as percepções do social são entendidas como isentas de neutralidade. E, portanto, diretamente relacionadas com a produção de estratégias e práticas – sociais, escolares, políticas etc. – que visam impor uma autoridade à custa de outras, tendo-se em vista o intuito de legitimar um projeto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas.

    Logo, o estudo das representações, conforme propõe o autor citado, “supõe-nas como estando sempre colocadas em um campo de concorrências e de competições cujos desafios se enunciam em termos de poder e de dominação” (1988, p. 17). Ao tomar a imprensa especializada em Educação Física e os documentos oficiais referentes ao ensino desse componente curricular como objetos de estudo, partirei, assim como Bermond (2007), do entendimento de que essas fontes são suportes materiais privilegiados para se deslindar lutas de representações travadas a fim de se conformar e/ou legitimar práticas da Educação Física no âmbito escolar.

    Como afirma Vainfas (2007), se a noção de representação é vista como a pedra angular da abordagem historiográfica em discussão, a noção de apropriação pode ser considerada o seu centro. Para Chartier (2002):

    A apropriação tal como a entendemos visa uma história social dos usos e das interpretações, relacionados às suas determinações fundamentais e inscritos nas práticas específicas que os produzem. Dar assim atenção às condições e aos processos que, muito concretamente, sustentam as operações de construção de sentido (na relação da leitura, mas também em muitas outras) é reconhecer, contra a antiga história intelectual, que nem as inteligências nem as ideias são desencarnadas e, contra os pensamentos do universal, que as categorias dadas como invariantes que sejam filosóficas ou fenomenológicas, devem ser construídas na descontinuidade das trajetórias históricas (p. 68).

    De acordo com essa perspectiva, procurarei sempre levar em consideração o entendimento de que:

    As obras – mesmo as maiores, ou, sobretudo, as maiores – não têm sentido estático, universal, fixo. Elas estão investidas de significações plurais e móveis, que se constroem no encontro de uma proposição com uma recepção. Os sentidos atribuídos às suas formas e aos seus motivos dependem das competências ou das expectativas dos diferentes públicos que delas se apropriam. Certamente, os criadores, os poderes ou os experts sempre querem fixar um sentido e enunciar a interpretação correta que deve impor limites à leitura (ou ao olhar). Todavia, a recepção também inventa, desloca e distorce (Chartier, 1999, p. 9, grifado no original).

    Portanto, torna-se fundamental ter continuamente em horizonte as múltiplas possibilidades de recepções e apropriações das representações contidas nas fontes que serão aqui analisadas. Dentro dessa perspectiva, procurarei sustentar que, além da “Revista Brasileira de Educação Física e Desportos” e da “Revista de Educação Física”, a imprensa especializada em Educação Física, de um modo geral, não era uma mera propagadora das orientações oficiais para a prática da Educação Física escolar no Brasil (1976-1979). Tentarei demonstrar que também circulavam em suas páginas concepções alternativas acerca dos pressupostos teóricos e metodológicos referentes ao ensino desse componente curricular, que disputavam espaço e legitimidade no período aqui enfocado.

    Creio ser possível ampliar a hipótese defendida em minha dissertação de mestrado, estendendo-a para a imprensa especializada em Educação Física como um todo. É essa a operação que procurarei fazer ao longo da execução desta proposta pesquisa. Espero que, dessa forma, este trabalho consiga lançar novas luzes sobre a configuração da Educação Física escolar no período da ditadura militar brasileira. Ao procurar compreender melhor determinadas especificidades acerca desse assunto, abordando questões pertinentes a ele relacionadas, acredito estar promovendo uma reflexão relevante acerca de um objeto de estudo ainda pouco discutido nas produções historiográficas no que se refere a períodos mais recentes. Ainda que a relação entre Pedagogia, Educação Física e meios militares já tenha recebido atenção de outros pesquisadores no que tange a períodos anteriores.3

III

    Para o desenvolvimento da presente proposta de estudo, pretendo utilizar como fontes todos os periódicos nacionais especializados em Educação Física que circularam no Brasil entre 1976 e 1979 – para mais informações, rever o Quadro 1. As edições desses impressos estão disponíveis para consultas nos acervos de bibliotecas de diversas universidades brasileiras, assim como, em grande medida, na Biblioteca Nacional. Além dos periódicos, também serão mobilizados os documentos oficiais referentes ao ensino da Educação Física publicados ao longo do período em tela. Como se pode presumir, trabalharei, sobretudo, como a “Política” e o “Plano Nacional de Educação Física e Desportos” (1976-1979). De um modo geral, esses documentos estão disponíveis para consultas em sítios eletrônicos, como por exemplo: o http://www.dominiopublico.gov.br. Tais fontes também podem ser localizadas no “Fundo do Ministério da Educação e Cultura”, disponível para consultas no Arquivo Nacional.

    Um cuidado metodológico essencial a ser tomado é analisar a materialidade das fontes mobilizadas para o desenvolvimento desta proposta de pesquisa. De acordo com Luca (2008), entendo como materialidade um conjunto de aspectos relacionados com a forma como os impressos – tanto os periódicos quanto as publicações oficiais – chegaram às mãos de seus leitores, tais como: seu formato, tipo de papel, qualidade da impressão, presença/ausência de ilustrações, estruturação e divisão dos conteúdos, as relações que manteve – ou não – com o mercado, a publicidade, a periodicidade, o público-alvo, os objetivos etc. Em síntese, pode-se definir como materialidade:

    [As] condições materiais e técnicas em si dotadas de historicidade, mas que se engatam em contextos socioculturais específicos, que devem permitir localizar a fonte escolhida numa série, uma vez que esta não se constitui em um objeto único e isolado. Noutros termos, o conteúdo em si não pode ser dissociado do lugar ocupado pela publicação na história da imprensa, tarefa primeira e passo essencial das pesquisas com fontes periódicas (Luca, 2008, p. 138-139).

    Se por um lado, como alerta Luca (2008), não podemos dissociar o conteúdo em si do lugar ocupado pela publicação no campo da imprensa; por outro, como chama a atenção Chartier (1999), devemos conceber os impressos como objetos culturais, em outras palavras: como suportes materiais de textos “cujas formas comandam, se não a imposição de um sentido aos textos que carregam, ao menos os usos de que podem ser investidos e as apropriações às quais são suscetíveis” (p. 8). Em vista disso, ao delinear a análise da materialidade das fontes citadas, partirei do entendimento de que:

    [...] não há texto fora do suporte que lhe permite ser lido (ou ouvido) e que não há compreensão de um escrito, qualquer que seja, que não dependa das formas pelas quais atinge o leitor. Daí a distinção indispensável entre dois conjuntos de dispositivos: os que provêm das estratégias de escrita e das intenções do autor, e os que resultam de uma decisão do editor ou de uma exigência de oficina de impressão (Chartier, 1991, p. 18).

    Minha preocupação em apreciar a materialidade das fontes mobilizadas para o desenvolvimento desta proposta de estudo está, portanto, diretamente relacionada com o reconhecimento dos distintos – mas frequentemente confundidos – procedimentos que permeiam a produção de um texto e a produção de seu suporte material. No que tange à produção de um texto, como lembra Chartier (2009), posso destacar as senhas que um escritor registra em sua obra com a finalidade de produzir uma leitura correta dela, isso é: aquela que estará conforme a sua intenção. Para o autor em questão, essas instruções, dirigidas claramente ou impostas inconscientemente ao leitor, objetivam determinar o que deve ser uma relação correta com o texto e fixar o seu sentido. Entretanto, cabe frisar, ainda de acordo com Chartier (2009), que a produção de sentido durante a prática de leitura também está fortemente articulada com as estratégias de produção do suporte material que veicula o escrito. Em outros termos:

    [...] inscrever nos textos as convenções, sociais ou literárias, que permitirão a sua sinalização, classificação e compreensão emprega toda uma panóplia de técnicas, narrativas ou poéticas, que, como uma maquinaria, deverão produzir efeitos obrigatórios, garantindo a boa leitura. Existe aí um primeiro conjunto de dispositivos resultantes da escrita, puramente textuais, desejados pelo autor, que tendem a impor um protocolo de leitura, seja aproximando o leitor a uma maneira de ler que lhe é indicada, seja fazendo agir sobre ele uma mecânica literária que o coloca onde o autor deseja que esteja (Chartier, 2009, p. 96-97).

    Todavia:

    [...] essas primeiras instruções são cruzadas com outras, trazidas pelas próprias formas tipográficas: a disposição e a divisão do texto, sua tipografia, sua ilustração. Esses procedimentos de produção de livros não pertencem à escrita, mas à impressão, não são decididas pelo autor, mas pelo editor-livreiro e podem sugerir leituras diferentes de um mesmo texto. Uma segunda maquinaria, puramente tipográfica, sobrepõe seus próprios efeitos, variáveis segundo a época, aos de um texto que conserva em sua própria letra o protocolo de leitura desejada pelo autor (Chartier, 2009, p. 97).

    Ao examinar as fontes em tela conforme a perspectiva proposta por Chartier (2009), faz-se importante expor alguns esclarecimentos – também feitos por Barzotto (1998) e Schneider (2003). Chartier (2009) descreve o procedimento supracitado tendo em horizonte o processo que envolve a produção de livros. Portanto, precisamos ter cautela ao utilizarmos as proposições formuladas pelo autor quando analisamos outras modalidades de impressos. Afinal, fazendo uso das palavras de Barzotto (1998): “é necessário supor que os limites da ação dos trabalhadores no processo de produção de revistas periódicas [por exemplo] podem ser diferentes daqueles que se estabelecem para o caso da impressão de livros, mas essa é uma pesquisa empírica ainda a ser feita” (p. 46-47).

    As considerações tecidas nos parágrafos anteriores apontam, portanto, para um tipo de operação metodológica que não se limita a extrair um ou outro texto isolado, por mais representativos que sejam. Antes de mais nada, pretendo levar sempre em consideração o delineamento de uma análise circunstanciada do seu lugar de inserção, desenvolvendo, tal como propõe Luca (2008), uma abordagem que faz dos materiais empíricos a serem analisados, a um só tempo, fonte e objeto da pesquisa historiográfica, rigorosamente inseridos na crítica competente.

Notas

  1. Ver, por exemplo, os estudos de Catani (1994; 1989), Carvalho (1996), Catani & Bastos (1997), Carvalho (1998), Catani & Souza (1999), Toledo (2001), Silva (2003), Chaves (2003), Nascimento (2004), Lopes (2005), Chaves (2006), Morila (2006), Carvalho (2007), Biccas (2008), Schneider & Toledo (2009), Toledo & Revah (2010), Toledo & Carvalho (2011), Carvalho (2013), Catani (2013), Panizzolo (2014), entre outros.

  2. Ver, por exemplo, os estudos de Lima (1980), Bercito (1991), Ferreira Neto (1999), Goellner (1999), Taborda de Oliveira (2001), Schneider (2003), Soeiro (2003), Bermond (2007), Vago (2006), Schneider & Ferreira Neto (2008), Schneider et al. (2009), Schneider, Ferreira Neto & Brusch (2012), Schneider et al. (2013), Ferreira Neto et al. (2014), Assunção et al. (2014), entre outros.

  3. Ver, por exemplo, os estudos de Goellner (1992), Bercito (1991), Castro (1997), Ferreira Neto (1999), entre outros.

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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 20 · N° 211 | Buenos Aires, Diciembre de 2015
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