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Dança e Futebol enquanto conteúdos da 

Educação Física: semelhanças e diferenças

Danza y Fútbol como contenidos de Educación Física: similitudes y diferencias

Dance and Soccer as contents of Physical Education: similarities and differences

 

*Graduada em Educação Física (Licenciatura), Universidade Estadual do Centro-Oeste

**Mestre em Educação, docente da Universidade Estadual do Centro-Oeste

(Brasil)

Priscila Agostinho Xavier*

Debora Gomes**

deboragomes@irati.unicentro.br

 

 

 

 

Resumo

          Dança e Futebol são conteúdos da Educação Física e ambos constituem-se historicamente manifestações culturais brasileiras, porém na escola observamos uma desproporcionalidade na inserção destas atividades enquanto práticas pedagógicas, despertando-nos para analisar as semelhanças e diferenças da dança e do futebol enquanto manifestações culturais brasileiras e como elas se expressam enquanto conteúdo da Educação Física escolar. A pesquisa sustentou-se em livros, artigos, monografias e questionários respondidos por vinte e nove professores de Educação Física atuante nas escolas do núcleo regional de educação do município de Irati-PR. Em relação à Educação Física, o futebol sobrepõe à dança enquanto conteúdo, pois recebe maior incentivo pelos meios de comunicação se constituindo numa possibilidade de atividade com retorno financeiro; recebe destaque na formação do professor; e tem maior aceitação dos alunos; a dança encontra-se pouco evidenciada nos currículos de formação; sendo uma atividade que aos olhos dos alunos somente irá ocupar o tempo que deve ser utilizado para o futebol que é uma “paixão nacional”; além disso, estruturalmente as escolas estão arranjadas para a prática do futebol e não para a dança. Enfim, embora futebol e dança constituem-se em manifestações corporais da cultura brasileira, e encontram-se expressos como conteúdo da Educação Física, a vivência do primeiro sobrepõe, dada a forma como socialmente este é tratado, pois o futebol traz para muitos jovens e famílias a expectativa de ascensão social; também na formação dos professores a priorização do futebol em detrimento à dança, gera a inserção majoritária de aulas de futebol em seus planejamentos.

          Unitermos: Dança. Futebol. Escola. Educação Física.

 

Abstract

          Dance and Soccer are contents of Physical Education and both constitute historically Brazilian cultural manifestations, but in school observed a disproportionally in the insertion of these activities while teaching practices, awakening us to analyze the similarities and differences of dance and soccer as Brazilian cultural events and how they are expressed as content of school physical education. The research held up in books, articles, monographs and questionnaires answered by twenty-nine physical education teachers active in schools of the regional center for education in the municipality of Irati-PR. Regarding Physical Education, soccer overlaps the dance as content as receive greater encouragement by the media constituting a possibility of activity with financial return; gets highlighted in teacher education; and has greater acceptance of students; the dance is little evident in the training curricula; It is an activity that in the eyes of students will only take up time that should be used for soccer which is a "national passion"; Furthermore, schools are structurally arranged to soccer practice and not for dancing. Finally, although soccer and dance constitute in bodily manifestations of Brazilian culture, and are expressed as content of physical education, the experience of the first overlaps, given how socially it is treated, because soccer brings many young people and families the expectation of social mobility; also in teacher training prioritizing soccer over the dance generates the majority insertion soccer lessons in their planning.

          Keywords: Dance. Soccer. School. Physical Education.

 

Recepção: 29/10/2015 - Aceitação: 03/12/2015

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 20, Nº 211, Diciembre de 2015. http://www.efdeportes.com/

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1.     Introdução

    A Educação Física a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9.394/96, passou a ser tratada como componente curricular obrigatório da Educação Básica, ou seja, encontra-se como disciplina integrante da base nacional comum.

    De acordo com os documentos nacionais e estaduais, são conteúdos da Educação Física, esportes, danças, ginásticas, lutas, jogos e brincadeiras; os quais devem ser distribuídos e vivenciados ao longo da Educação Infantil, do Ensino Fundamental e do Ensino Médio.

    Dentre estes conteúdos destacamos o futebol e a dança, tendo em vista que os mesmos são reconhecidos como manifestações culturais representantes da cultura brasileira. Propomos, portanto, por meio deste estudo identificar, quais as semelhanças e diferenças da dança e do futebol enquanto manifestações da cultura brasileira e conteúdos estruturantes da Educação Física nos anos finais do Ensino Fundamental.

    Num país em que pulsam o samba, o bumba-meu-boi, o maracatu, o frevo, o afoxé, a catira, o baião, o xote, o xaxado entre muitas outras manifestações, é surpreendente o fato de a Educação Física ter promovido apenas a prática de técnicas de ginástica e (eventualmente) danças europeias e americanas. A diversidade cultural que caracteriza o país tem na dança uma de suas expressões mais significativas, constituindo um amplo leque de possibilidades de aprendizagem (Brasil, 1997, p. 39).

    Quanto ao futebol, de acordo com Bruhns (2000, p. 56), “podemos seguir a trajetória desse esporte – introduzido no país há mais de cem anos, por uma elite, até se tornar o esporte mais popular do Brasil [...]”.

    Diante do exposto podemos afirmar que tanto a dança quanto o futebol além de serem atividades produzidas e vivenciadas ao longo da história da humanidade, constituem-se em representações simbólicas da população brasileira.

    Na história da dança sua essência está associada à existência da raça humana que desde suas manifestações mais primitivas, já se utilizava da dança para dar sentido e significado às suas expressões.

    De acordo com registros históricos a dança surgiu pelos homens habitantes das cavernas. Nos períodos Paleolítico, Mesolítico e Neolítico a dança estava diretamente ligada às expressões relacionadas à sobrevivência. Nesse período o homem se alimentava por meio da caça, pesca, colheita de frutos e vegetais; suas expressões buscavam ser semelhantes aos movimentos feitos pelos animais, a fim de domá-los para se alimentarem e também com forma de proteção ao seu grupo (Langendonck, 2010).

    No Brasil, inicialmente o que se tinham eram as danças dos índios realizadas como forma de rituais de comemorações, agradecimentos e pedidos relacionados aos eventos naturais. Com a colonização e a chegada dos escravos trazidos da África, a dança característica desse povo também adentra os espaços brasileiros.

    A família real trouxe para o Brasil mestres de dança que aqui ensinaram o balé e as danças de salão realizadas na Europa. Por fim, com a imigração dos povos diversos, as entradas de suas culturas também influenciaram o contexto das danças, dando origem também às novas formas de dança categorizadas de maneira gerais como populares, folclóricas e de salão.

    Desde então a dança é representada em várias épocas, vivenciada como manifestação inerente as ações humanas. É importante destacar que a dança é uma manifestação da cultura corporal que no Brasil tem evoluído e desenvolvido entre seu povo por meio dos ensinamentos passados de geração a geração. Tal fato faz com que o Brasil tenha um universo de festas e comemorações realizadas ao longo de todo ano, onde dentre as mais variadas atividades realizadas, a dança tem se constituído em um elemento central. Dentre estas festas podemos mencionar o Carnaval, conhecido mundialmente e que traz para o Brasil a conotação de país do samba, ou ainda a leitura de que os brasileiros têm “ginga” e “molejo”.

    Quanto ao futebol, este chegou no Brasil por meio de Charles Miller retornando de uma viajem à Inglaterra no ano de 1894, ainda com algumas características e linguagem em inglês, como players, clubs, match o novo esporte conquistou as famílias da sociedade, sendo praticado como atividade da elite do período.

    Mal sabia Charles Miller que este esporte causaria um marco na sociedade e que representaria diversas manifestações políticas, econômicas e sociais na população brasileira, além de se caracterizar por uma diferenciação representativa pela aptidão do povo brasileiro, renomeando sua originalidade e tornando o Brasil conhecido como “o país do futebol”.

    A princípio a prática deste esporte era somente pela elite burguesa e universitária. Assim como tênis, esgrima e golfe praticado nos dias atuais, o futebol era considerado esporte de gentlemen1, e que em sua maioria eram brancos, ricos ou pelo menos pessoas de boa família (Santos, 1993). O povão (considerados negros e operários) praticava este esporte em qualquer espaço e sem os materiais que dispunham a elite e o futebol adequava-se os diferentes lugares e classes.

    Os diferentes nomes interpretados pela sociedade vêm das construções simbólicas marcadas principalmente pelos negros. Expressões como “peladas”, sugiram por serem praticados em pequenos vilarejos, ruas, praias, ou seja, em qualquer espaço. “[...] São jogadas com qualquer coisa semelhante a uma bola e na maioria das vezes os jogadores jogam descalços em campos precários” (Bellos, 2003, p. 223).

    Pode-se afirmar que o futebol constituiu-se uma prática com contrastes, pois ao mesmo tempo em que se tornou esporte de elite transcendeu as delimitações do campo e adentrou os becos tornando-se esporte do povo. É, portanto uma manifestação da cultura corporal do povo brasileiro e esta condição faz com que também esteja integrado ao escopo de conteúdos da Educação Física na escola.

    Verifica-se que ambos conteúdos, dança e futebol, constituem-se historicamente manifestações culturais brasileiras; porém na escola observamos uma desproporcionalidade na inserção destas atividades enquanto práticas pedagógicas. Neste sentido, justificou-se este estudo, a fim de analisar as semelhanças e diferenças da dança e do futebol enquanto manifestações culturais brasileiras e como elas se expressam enquanto conteúdo da Educação Física escolar.

2.     Metodologia

    Esta pesquisa encontra-se caracterizada como do tipo descritiva, pois

    [...] visa descrever as características de determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de relações entre variáveis, [...] por meio da técnica padronizada de coleta de dados [...] realizada por meio de um questionário. Assume, em geral, a forma de Levantamento (Gil apud Silva, 2005, p. 21).

    Como fontes de consulta foram utilizados livros, artigos publicados em periódicos, monografias, e questionários respondidos por professores de Educação Física atuante nas escolas do núcleo regional de educação do município de Irati-PR.

    Foi utilizado um questionário contendo na primeira parte dados sóciodemográficos (colégio/escola, idade, gênero, tempo de atuação como professor, formação e o ano de conclusão, em que etapa atua como professor quer Educação Infantil, Anos Iniciais do Ensino Fundamental, Anos Finais do Ensino Fundamental, Ensino Médio) e na segunda parte duas questões relacionadas ao objeto de estudo (sendo que a primeira questão refere-se às semelhanças e diferenças em relação ao futebol e a dança, enquanto manifestações culturais no Brasil e a segunda questão observando que ambos os conteúdos estão inseridos no cotidiano da Educação Física o por que um sobrepõe o outro?).

    Os questionários foram respondidos e recolhidos no período de seis de agosto à vinte e nove de setembro de 2014, por meio de visitas no curso do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), vinculado à Universidade Estadual Centro-Oeste, Campus Irati; ao campeonato escolar chamado Piá Bom de Bola, praticado no Clube Atlético Olímpico do município de Irati; e aos colégios estaduais pertencentes ao núcleo regional de Irati-PR.

    Foi utilizado como critério de inclusão ser docente de Educação Física pertencente ao núcleo de Irati-PR. Como critério de exclusão, os docentes que estavam afastados de seu cargo, prestando serviço em outro setor, assim como escolas muito distantes da zona urbana, com indisponibilidade de horários de hora atividade do professor que coincidisse com os horários do pesquisador, assim também, professores que optaram por não contribuir com a pesquisa.

    A pesquisa envolveu vinte e nove professores de Educação Física da rede estadual de educação pertencentes ao núcleo do município de Irati-PR, sendo quatorze do gênero feminino e quinze do gênero masculino.

    Os professores participantes atuam em dezesseis colégios integrantes do núcleo de Irati, sendo treze do município de Irati, dois professores de colégios do município de Prudentópolis, um professor de colégio do município de Guamiranga. Totalizando dezesseis colégios participantes.

    A média de idade foi de 38,13 anos e o tempo de atuação dos professores é em média de 12,27 anos, sendo que o que atua há menos tempo possui um ano lecionando e o que atua a mais tempo leciona a vinte e oito anos.

    Todos os professores são graduados em Educação Física, sendo que a maioria (vinte e seis) possui pós-graduação em nível de especialização, um encontra-se cursando mestrado e dois possuem somente graduação.

    Distribuídos quanto à etapa em que atuam, quinze professores atuam nos anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio; um professor nos anos iniciais no Ensino Fundamental e Ensino Médio; cinco professores nos anos finais do Ensino Fundamental; seis professores nos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio; um professor na Educação Infantil e anos iniciais e finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio e um professor somente nos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental, sendo que alguns professores atuam em mais de uma escola.

3.     Apresentação e discussão dos dados

    Na primeira questão foi indagado sobre as semelhanças e diferenças em relação ao futebol e a dança enquanto manifestações culturais no Brasil.

    Quanto às semelhanças, as que mais se destacaram foram o apontamento de que ambas são e fazem parte das manifestações da cultura corporal (75%), vinte e quatro por cento dos professores apontaram que ambos têm gestos e movimento semelhantes além de possuírem ritmo e gingas, o mesmo percentual afirmaram que ambos abrange a grande massa, futebol esporte do povão, assim como o samba, forró, funk característico também (escala social); dez por cento consideram ambos como atividade física, seis por cento destacaram que qualquer um pode praticar e associaram ambos ao esporte lúdico de competição e que se constituem em manifestações que representam o Brasil (país do samba e do futebol); três por cento descreveram que no futebol e na dança se realiza movimentos que buscam perfeição; são espetáculos; futebol quando jogado com arte, assemelha-se ao bailarino; hierarquia racial: maior praticantes negros e os organizadores (líderes) brancos (ambos); ideologia política; ambos têm particularidades dos diferentes locais brasileiros; promovem integração do sujeito nas relações sociais; expressão corporal – movimento espontâneo.

    De fato, tais declarações fomentam esta concepção, que o futebol e a dança possuem memoráveis registros históricos, caracterizando-se como construções culturais do povo brasileiro.

    O futebol, na qualidade de esporte que é, com suas características de competição, de vitória e derrota, com suas lógicas e contradições e como um evento coletivo de larga e profunda repercussão, demonstra e exercita a sociedade na qual está inserido.

    Como forte elemento da vida coletiva, finca suas raízes nos modos de ser, pensar e agir, nos valores das identidades do lugar. Como instituição social, organiza-se em síntese de uma determinada cultura e via de acesso à compreensão de seus fundamentos e de sua história (Murad, 2007, p. 18).

    A dança pode ser relacionada ao esporte, aonde vimos em determinadas regiões brasileiras um grau elevado de competitividade entre os grupos. Um evento em que abrange grande massa da população brasileira é o Carnaval.

    O Carnaval além de ser um espaço em que vemos representações de inúmeros contextos e temas, expressos por gestos, movimentos, fantasias, adereços, instrumentos e símbolos, nos revela a competitividade dos participantes desta manifestação. Por fim, o objetivo do carnaval, além da competição em si, se volta nas apresentações e demonstração de seus significados.

    A dança como o futebol, são atividades que qualquer pessoa pode praticar. Cabe lembrar que “[...] cultura é apreender as determinações, os valores, as normas e as éticas. Além disso, as pessoas se apropriam destes elementos culturais ressignificando-os, o que faz da cultura algo vivo, objeto de confronto, conflitos e contradições constantes” (Paraná, 2006, p. 197). Isso explica, as particularidades de alguns fenômenos culturais em diferentes locais brasileiros.

    Estes dois conteúdos têm muito mais semelhanças do que imaginamos. Vejamos o depoimento de Lourival Batista Silva, jogador de futebol aos 22 anos, volante do Náutico, relatado em entrevista publicado na Revista Placar Magazine em 18 de fevereiro de 1983.

    [...] Começou a gostar de Carnaval – que em Pernambuco, sua terra, é sinônimo de frevo – desde a infância [...]. Foi ali que Lourival ouviu a primeira orquestra de frevo, ainda garoto. “Fiquei encantado”, recorda, “e não resisti a tentação. Saí ensaiando os primeiros passos e depois fui aprendendo com a massa”. Foi também em Dois Unidos (cidade onde nascera) que o menino Lourival chutou – pés descalços – as primeiras bolas de meia. Desde pequeno o jogador aprendeu que entre os dois as diferenças são pequenas: “o frevo é quente como o futebol”, compara. “quem se dispõe a acompanhá-los tem que cair de corpo e alma. Se observarmos os detalhes, veremos uma identificação muito grande entre a dança e o futebol”. [...] Lourival, troca os chutes, cabeceadas e dribles do ano inteiro pela coreografia dos parafusos, tesouras, saca-rolha e dobradiças – movimentos básicos do frevo – nos dias de Carnaval.

    Alguns professores em seus depoimentos compartilharam que ambos (dança/futebol) possuem ginga. Mas o que exatamente significa ginga?

    Nós brasileiros, entendemos bem essa linguagem. Metaforicamente, sabemos quanto nosso cotidiano está permeado por situações em que evocamos nossa “capacidade de gingar” – e aqui referimo-nos ao negociar, permutar, ceder, confabular: uma aprendizagem constante, numa realidade densa de contradições, conflitos, desigualdades, e que requer entendimentos bastante complexos, com possibilidades de ação, às vezes bastante reduzidos, porém sempre necessárias (Bruhns, 2000, p.148).

    Essa capacidade de gingar remete ao “jeitinho brasileiro de ser” expresso em várias dimensões como resolução de problemas por meio do jogo de cintura como estilo nacional. Ela também pode apresentar-se como gesto corporal e que está presente nas duas manifestações. Mas sem excluir a capacidade de jogar e dançar com força e técnica. A questão da ginga como gesto corporal, abre um leque de possibilidades de movimentos definindo aparentemente determinada ação. Talvez no futebol é expresso de determinada maneira, pede-se para o jogador apontar o chute para uma determinada direção, chutando para outra. Na dança, a ginga nos mostra que sem ela, ninguém consegue sair do lugar.

    Enfim, de maneira geral a maioria apontou que futebol e a dança são manifestações da cultura brasileira vivenciadas pela maioria da população e, portanto, está presente no cotidiano brasileiro sob as mais variadas formas que se apresentam.

    Quanto às diferenças entre a dança e o futebol enquanto manifestações culturais brasileiras, as que mais se destacaram foi que o futebol caracterizado como esporte nacional e a maior manifestação cultural no Brasil, atraindo grande número de torcedores, recebe o apoio maior da indústria cultural e da mídia (31%); futebol é o esporte mais praticado (27%) e recebe um grande incentivo pela cultura brasileira (17%); a dança é praticada por apenas alguns grupos regionais (17%), é caracterizada como do gênero feminino enquanto o futebol do gênero masculino (17%). O futebol é esporte, regras, táticas – competição/vencedor – (13%) e pode ser praticado em qualquer espaço enquanto a dança é expressão rítmica em que exige mais ritmo e coordenação motora; a dança não é valorizada em algumas regiões e está sendo esquecida (13%).

    Mídia pode ser compreendida, segundo Thompson (1998, p. 5), “[...] como todos os aparatos técnicos usados como meios de comunicação. E, ainda, a comunicação como um tipo distinto de atividade social que envolve a produção, a transmissão e a recepção de formas simbólicas e implica a utilização de recursos de vários tipos”.

    Sem dúvida na atualidade a influência da indústria cultural e midiática determina diretamente o tipo de atividades realizadas/consumidas pela grande população. No entanto, de acordo com Sborquia e Gallardo (2002, p. 106), ao veicular determinadas atividades/ações estas, – indústria cultural e midiática – levam as pessoas

    [...] a entender esses comportamentos como normais, e, o que é pior, a escola é outra instituição que reproduz este comportamento ou, então, nega a existência deste fato. A escola tem a função da transmissão do conhecimento, cabe a ela a análise dos conhecimentos que ocorrem na sociedade e a sistematização destes junto aos alunos, para que eles possam compreender a realidade na qual estão inseridos.

    Neste contexto, quando os participantes do estudo afirmam que o futebol é mais praticado do que a dança, cabe-nos refletir sobre os motivos pelos quais determinadas práticas passam a fazer parte do cotidiano das pessoas transformando-se em culturas é realmente porque tem representações inerentes à mesma ou porque se tornam e necessidades impostas pela mídia. Outro questionamento é qual o interesse da veiculação em massa de determinadas atividades e daí a lógica do lucro, sem dúvida, é o que prevalece.

    Ainda em nosso questionário analisando ambos os conteúdos, por estarem sempre presentes e inserido no cotidiano dos brasileiros, assim como nas escolas (jogos, recreio, festas, apresentações comemorativas), buscamos compreender o porquê, na opinião dos professores, como conteúdo da Educação Física um (futebol) sobrepõe ao outro (dança).

    Dentre tais, trinta e um por cento acreditam que há incentivo maior ao futebol pelos meios de comunicação (mídia) e indústria (que encontram um retorno financeiro), vinte e sete por cento escreveram que não tiveram a disciplina dança na formação, treze por cento encontram dificuldade para sistematizar o conteúdo de dança, realizar os movimentos, que faltam incentivo cultural, estímulo e interesse por parte do docente pelo conteúdo dança.

    Outros destaques apontados pelos professore foram que o ensino do futebol é culturalmente construído por gerações; há resistência dos alunos em relação a dança, pois esta é vista como atividade para meninas enquanto que o futebol é para meninos, além do fato da maioria se sentirem expostos nas aulas de dança; o futebol é caracterizado como “paixão nacional”.

    Três professores (dez por cento), afirmaram que nem sempre o futebol sobrepõe à dança, e isso depende da cultura regional e da forma como são trabalhados.

    Alguns professores afirmaram que têm facilidade para ensinar um conteúdo em que se acredita ter domínio (futebol), outros acreditam que a falta de espaço físico para a prática da dança dificulta, assim como o excesso de conteúdo para desenvolver na Educação Física é um fator implicador, o fenômeno esporte é mais valorizado do que a dança, pois a dança destina-se a “alguns grupos” que gostam da prática e consomem seus produtos, o futebol é “inato” e pode ser praticado em qualquer espaço, segundo um professor.

    Os professores apontaram ainda que ambos os conteúdos desenvolvem habilidades cognitivas e motoras, mas há pouco incentivo nos cursos de especialização voltados a dança.

    Vários fatores já apresentados anteriormente expõem ao entendimento de que o futebol sobrepõe à dança. Destacam-se por parte dos docentes que encontram dificuldade em sistematizar os conteúdos, além de sentirem que no trabalho com a dança ficam expostos e sentem-se limitados na demonstração por não dominarem a vivência da dança. No entanto, ressaltamos, que assim como não precisa ser atleta para ensinar o futebol, não é necessário ser bailarino para demonstração do conteúdo dança, o professor não necessita ser ou ter tido experiência como jogador de futebol para demonstrar seus movimentos. Se assim fosse, não poderíamos ensinar outro conteúdo na escola, além do que já vivenciamos, portanto, o professor deve conhecer de uma forma abrangente os diversos conteúdos da Educação Física.

    Ainda àqueles que dizem que o futebol sobrepõe a dança, pelo esporte ser caracterizado para alguns sendo inato. Não podemos caracterizar a maioria da população com o natos à prática esportiva, podemos aferir este conceito pelo estímulo influente que a sociedade nos remete. Principalmente no estímulo familiar, que segundo Daolio (2010, p. 72),

    Se pensarmos no Brasil, o contexto familiar é relevante para aprendizagens e experiências de nossos alunos acerca do jogo de futebol. Ao nascer neste país, na maioria dos casos, o humano está posto em um grupo doméstico ou lar familiar, ou o que se aproxime disso, e vivencia formas de falar, comer, vestir-se, dormir, jogar, chutar uma bola, dançar, amar, brigar, assistir à televisão, navegar pela internet, dentre outras; e aprende a agir de acordo com essas formas de vivência. [...] O fato de nascermos em um contexto que nos preexiste contribui para pensar que ações humanas possuem “naturalidade” e “acessibilidade”, e isso pode englobar o jogo de futebol discente. Vejamos o caso da bola. Uma criança pode ganhar uma bola de presente de familiares. Ela aprende com as pessoas desse grupo que a bola requisita modos específicos de agir, que podem ser realizados com os pés. Esta ação pode ser ilustrada na cena em que pais e/ou responsáveis seguram uma criança pelas mãos suspensas ao ar, e dizem “chuta”, referindo-se à bola que se aproxima lentamente em direção aos pés das crianças. A aprendizagem e experiência dessa ação passam a adquirir “naturalidade” e “acessibilidade”. [...] Portanto, é na família que se iniciam aprendizagens e experiências de nossos alunos em relação a suas ações ao futebol.

    Muitos professores e alunos têm preconceito com alguns conteúdos da Educação Física. A dança encontra-se nessa situação. Muitos não o praticam por catalogar a dança como conteúdo específico do público feminino, demonstrando a necessidade de superarmos questões culturais relacionadas a determinação de que algumas atividades são para homens e outras para mulheres.

    O que necessita por parte primeiramente dos docentes é o reconhecimento da dança como conteúdo da Educação Física. Após o reconhecimento, teremos que lecioná-lo transcrevendo a sua importância na formação dos discentes.

4.     Considerações finais

    Em relação à Educação Física, o futebol sobrepõe a dança enquanto conteúdo, pois recebe maior incentivo pelos meios de comunicação se constituindo numa possibilidade de atividade com retorno financeiro; recebe destaque na formação do professor; e tem maior aceitação dos alunos; a dança encontra-se pouco evidenciada nos currículos de formação; sendo uma atividade que aos olhos dos alunos somente irá ocupar o tempo que deve ser utilizado para o futebol que é uma “paixão nacional”; além disso, estruturalmente as escolas estão arranjadas para a prática do futebol e não para a dança.

    Embora futebol e dança constituem-se em manifestações corporais da cultura brasileira, e encontram-se expressos como conteúdo da Educação Física, a vivência do primeiro sobrepõe, dada a forma como socialmente este é tratado, pois o futebol traz para muitos jovens e famílias a expectativa de ascensão social; também na formação dos professores a priorização do futebol em detrimento à dança, gera a inserção maioritária de aulas de futebol em seus planejamentos.

Nota

  1. Gentleman: Cavalheiro, homem de fino trato e educação (Michaelis Dicionário de Phrasal Verbs, Inglês-Português, editora Melhoramento, 2010).

Bibliografia

  • Bellos, A. (2003). Futebol: o Brasil em campo. Tradução. Jorge Viveiros de Castro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

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  • Bruhns, H. T. (2000). Futebol, carnaval e capoeira: entre as gingas do corpo brasileiro. Campinas: Papirus.

  • Daolio, J. (2010). Educação física escolar: olhares a partir da cultura. Campinas: Autores Associados.

  • Langendonck, R. V. (2010). História da dança. En D. Tozzi, M. M. Costa e T. Honório, Teatro e Dança: repertórios para a educação (pp. 122-154). São Paulo: PDE.

  • Murad, M. (2007). A violência e o futebol: dos estudos clássicos aos dias de hoje. Rio de Janeiro: FGV.

  • Paraná. Secretaria de Estado da Educação (2006). Educação Física: ensino médio. Curitiba: SEED/PR.

  • Paraná. Secretaria de Estado da Educação (2013). O contexto do futebol no mundo: do senso comum à crítica pedagógica. Curitiba: SEED/PR.

  • Santos, J. R. dos (1993). História política do futebol brasileiro. São Paulo: Brasiliense.

  • Sborquia, S. P. e Gallardo, J. S. P. (2002). As danças na mídia e as danças na escola. Rev. Bras. Cienc. Esporte, 23 (2), 105-118.

  • Silva, E. da. (2005). Metodologia da pesquisa e elaboração de dissertação. 4ª ed. Florianópolis: UFSC.

  • Thompson, J. B. (1995). Ideologia e cultura moderna. Petrópolis: Vozes.

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