efdeportes.com

Brincar, jogar, se divertir. Como acontece com as crianças Apinajés

Recrearse, jugar y divertirse. Eso que pasa con los niños Apinajés

Play, game, have fun. As with children Apinajés

 

*Graduada em Educação Física e Jornalismo

Doutora em Educação. Professora da FAHESA/ITPAC

**Graduada em Educação Física e Pedagogia

Especialista em Educação Inclusiva. Professora Educação Básica

***Graduada em Educação Física. Especialista em Educação Infantil

e Séries Iniciais. Professora Educação Básica

****Graduada em Educação Física e Pedagogia

Especialista em Educação Inclusiva, professora de Esporte Adaptado

(Brasil)

Edla Odebrecht*

edlaob@hotmail.com

Camila Odebrecht Balasso**

camila.balasso@gmail.com

Emanuelle Odebrecht Balasso***

maobalasso@hotmail.com

Bruna Odebrecht Balasso****

odebrecht@verdelli.com.br

 

 

 

 

Resumo

          Esse artigo propõe lançar um olhar sobre as crianças Apinejés no que se refere aos seus jogos, brinquedos e brincadeiras. O estudo desenvolvido nas Aldeias São José e Mariazinha, ambas da etnia Apinajé no Tocantins, tem como objetivo mostrar a diversidade socioambiental, cultural e simbólica dos povos indígenas especialmente as crianças. Como essas crianças brincam, com que brinquedos, o que fazem no dia a dia, foram as inquietações que nos levaram até a aldeia. Utilizamos uma pesquisa qualitativa, bibliográfica, de campo, num estudo de caso. Para tal, foram feitas observações em loco, com registros fotográficos e entrevistas com um questionário com perguntas subjetivas direcionados aos caciques das aldeias e ao professor coordenador de educação física não indígena; outro questionário de múltiplas escolhas e subjetivas para meninos e meninas de cada aldeia, escolhidos de forma aleatória. Constatamos que as crianças indígenas também se encontram contrapostas entre as tradições e a modernidade.

          Unitermos: Brincar. Brinquedos. Jogos. Apinajés.

 

Abstract

          This article proposes to cast an eye on children Apinajés with regard to their games, toys and games. The study developed in the Villages St. Joseph and Gretel, both of Apinajé ethnicity in Tocantins, aims to show the diversity socio-environmental, cultural and symbolic of indigenous people especially children. As these children play with toys that, what they do on a daily basis, were the concerns that led us to the village. We use a quali-quantitative research, literature, field, a case study. To do this, observations were made in loco, with photographic records and interviews with a questionnaire with questions directed to the chiefs of the villages and the teacher coordinator of non-indigenous physical education; another questionnaire of multiple choices and subjective for boys and girls in each village, chosen at random. We found that indigenous children also are opposed between traditions and modernity.

          Keywords: Play. Toys. Games. Apinajés.

 

Recepção: 10/11/2015 - Aceitação: 09/12/2015

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 20, Nº 211, Diciembre de 2015. http://www.efdeportes.com/

1 / 1

1.     Introdução

    O povo indígena Apinajé ou Apinayé, pertencem ao tronco Macro-Jê (cerrados do interior), língua da família Jê descendentes do grupo Timbira, sendo classificados como Timbira Ocidentais e possui uma população de 2.412 (Siasi/Sesai, 2012), tendo 141.904 hectares em reserva indígena. Até no início do século XX, tinham como limite meridional da área dado pelas bacias dos rios Mosquito (no divisor de águas do Tocantins) e São Bento (no rio Araguaia). No estado do Tocantins, encontramos indígenas de sete etnias: Karajá, Xambioá, Javaé (que formam o povo Iny) e os Xerente, Krahô Canela, Apinajé e Pankararú.

    Os primeiros registros sobre os Apinajé encontrados são de 1774, quando eram conhecidos como grandes guerreiros e poderosos índios da região Norte. Mas os confrontos com os exploradores de ouro da época trouxe as guerras e doenças, obrigando os índios a viverem em aldeias para a sobrevivência da comunidade. Atualmente, a Terra Indígena Apinajé está localizada nos municípios de Tocantinópolis, Itaguatins e São Bento, norte do estado no conhecido “bico do papagaio”.

    As aldeias Apinajé encontram-se divididas sob a administração de dois Postos Indígenas da Funai. O PIN São José, que compreende as aldeias: Buriti Comprido, Cocalinho, Palmeiras, Patizal, Prata, Cocal Grande, Bacabinha, Abacaxi, Areia Branca, Serrinha e Boi Morto, e a PIN Mariazinha: Botica, Bonito, Girassol, Brejão e Riachinho.

    O povo Apinajé sobrevive da agricultura de subsistência, da caça e da coleta de babaçu - do qual extraem o óleo das amêndoas e aproveitam a palha para fabricar utensílios domésticos, fazer a coberturas de suas casas e as cascas como lenha para cozinhar. Cultivam a mandioca, milho, feijão, amendoim, inhame, banana e batata-doce; da produção nativa coletam andu, pequi, buriti, bacaba, bacuri, babaçu, açaí, murici, tucum e palmito, comem peixe, a preguiça, o teju e a sucuri, que complementam a alimentação.

    Com sementes nativas do cerrados e palhas do babaçu confeccionam artesanatos para serem comercializados. Na aldeia geralmente, as mulheres: trazem lenha, coletam frutos, cuidam das crianças e produzem artesanato; os homens: caçam, pescam e trabalham na roça e as crianças devem estudar quando estiverem na idade e brincar livremente, não existindo mais uma separação rígida de tarefas.

    A pesquisa desenvolvida nas Aldeias São José e Mariazinha, ambas da etnia Apinajé e situada no município de Tocantinópolis, Tocantins, tem como objetivo mostrar a diversidade socioambiental, cultural e simbólica dos povos indígenas especialmente as crianças. Como estas crianças brincam, com que brinquedos, o que fazem no dia a dia, foram as inquietações que nos levaram até a aldeia.

    Utilizamos uma pesquisa qualiquantitativa, bibliográfica, de campo, num estudo de caso. Para tal, foram feitas observações em loco, com registros fotográficos e entrevistas com um questionário com 14 perguntas subjetivas direcionados aos 2 caciques das aldeias Mariazinha (Emilio Dias Apinajé), São José (Davi Wamimen Chavito) e ao professor coordenador de educação física não indígena (Ataides de Jesus Sousa); um questionário com 13 perguntas: uma de múltipla escolha e 12 subjetivas para dez meninos e dez meninas, em cada aldeia, escolhidos de forma aleatória.

    As visitas em loco foram realizadas por quatro vezes, duas vezes em cada aldeia, entre 2014 e 2015, durante o acompanhamento do Projeto de extensão realizado uma vez por semestre pelos acadêmicos do sexto período, no curso de Educação Física ITPAC/FAHESA, na disciplina de Educação Física e Diversidade da professora Sônia Maria Bastos.

2.     Desenvolvimento

Como são os Apinajés

    Para compreender sua organização, entendemos que uma aldeia se constitui em um "grupo local" autônomo, isto é, que age politicamente e se apresenta frente as outras aldeias como unidade. Essa unidade do grupo local se manifesta ainda na chefia (o pa'hi que possui delegação dos grupos domésticos para decidir autonomamente sobre os interesses da aldeia).

    Cada aldeia tem seu "chefe" (pa'hi) e possui autonomia de decisão. Conhecido como cacique, ele é escolhido pela comunidade e tem que ser preparado, saber ler e escrever, conversar, ter bom conhecimento para tratar com os políticos, trabalhar pela comunidade, procurar solucionar os interesses e necessidades do seu povo. Não pode ser qualquer pessoa, segundo eles.

    Não existe idade mínima ou determinada para ser cacique, o da aldeia Mariazinha possui trinta e um anos, tendo sido eleito com vinte e sete, sendo o mais novo cacique conhecido pela etnia. É graduado em Licenciatura voltada a Linguagem Cultural, em Goiânia e afirma que a maioria dos índios que saem para estudar fora, esquecem seu povo e não voltam mais. O cacique da aldeia São José fez Educação no Campo, também em Goiânia.

    Nas tribos jês, em geral a aldeia se compõe de várias casas (ocas), dispostas em círculo em torno de um pátio central. Todas as atividades desenvolvidas na aldeia, são reguladas diariamente pelas atividades do “pátio”, que é um local circular no centro da aldeia. Ali, pela manhã e à tarde, eles se reúnem para decidirem ou avaliarem as atividades do dia (quem vai para a roça, o que será feito no dia, fazer apresentações, ensaios, etc.).

    Sobre o I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas – 2015, que acontece em Palmas TO, de 23 de outubro à 01 de novembro, afirmam que os Apinajés não irão participar. Apesar de possuírem pessoas preparadas para participarem principalmente na corrida de toras e no futebol, eles estarão fora do evento. Consideram os Jogos importantes para mostrarem os povos indígenas, sua cultura mas, esse não é um evento que vai resolver os problemas dos índios, por este motivo após se reunirem, decidiram por não participar.

    A Tecnologia chegou também nas aldeias. Em algumas ocas existem parabólicas, na escola computador e internet e vários celulares entre a população. Para os caciques ela não vem colaborando para manter a cultura do seu povo por que as crianças não querem mais aprender as coisas dos índios mas sim o que vem na televisão. Os mais velhos estão indo embora (morrendo) cada vez mais e os jovens de hoje, estão aprendendo mais as coisas que vem de fora, deixando a cultura indígena para trás.

    Eles temem que sua cultura seja esquecida futuramente, mas para Canclini (2003) “[...] a modernização diminui o papel do culto e do popular tradicionais no conjunto do mercado simbólico, mas não os suprime”. Para o autor, o período atual não trará um encerramento total da modernidade, sobre as tradições.

    Nas escolas existem dois tipos de professores, os indígenas que ensinam a língua materna, cosmologia, saúde indígena, esporte e lazer, em fim todas com fundamentação na cultura e origem indígena; os da cidade que ministram os demais conteúdos escolares. Por exemplo, no esporte e lazer indígena eles aprendem sobre corrida de tora, corrida de flecha, jogos indígenas e suas pinturas, artesanatos, etc. Já nas aulas de educação física eles vêm sobre futebol, lutas, vôlei, etc. Sendo claro que como o objetivo é educacional tanto professores como disciplinas se entrelaçam entre índios e brancos.

    A língua materna (Apinajé) tem início dentro de casa com os pais, mães e avós; elas só vão aprender o português quando iniciam na escola aos 6 anos, sendo conhecedores a partir de então de duas línguas. Esse fato, só não acontece quando o índio se casa fora da aldeia, pois aí o bebê começa aprender as duas línguas já com os pais. No dia a dia e enquanto brincam, as crianças conversam entre eles somente na língua materna.

    Até na aldeia não existe mais separação de tarefas, o que seja trabalho para homens ou para mulheres, como conta a história antiga. Hoje todos têm as tarefas juntos. Por exemplo, quando vão para roça, seguem homens, mulheres, os avós e até as crianças, todos trabalhando juntos. A única coisa feita só pelas mulheres são os colares, pulseiras, brincos, os adornos de sementes e penas, estes são feitos apenas por mulheres, mas todos usam.

    Poucos estudos na Educação Física tem atentado para uma análise dos rituais, jogos ou brincadeiras indígenas, apesar da estreita ligação entre os deles e os das nossas crianças. Encontramos a importância desse foco e interpretação em Peirano (2003), onde a autora diz que tais manifestações trazem a possibilidade de saber aspectos de como uma coletividade pensa, vive e se transforma. As crianças que carregam o sentido mais puro de uma tradição em seu sorriso, seu olhar, no corte de cabelo, no seu modo de viver; não escondem, mostram isso estampado em seus atos e convivências.

Festas e rituais

    Existem festas entre eles da própria aldeia, como também festas grandes com outras aldeias. Não existem dias determinados para festas, depende da vontade de uma pessoas, quando quer conversa no “pátio” e faz a festa. Para os Apinajés, a música, o canto e a dança, estão presentes em todas as atividades da tribo, ordenando as relações sociais e a comunicação com os espíritos.

    Uma festa grande (amjĩ kĩn) importantes no calendário cultural acontece no mês de julho (época sem chuva), são rituais como Mẽôkrepôx mex e Mẽôkrepôx runhti, que estão diretamente relacionados ao luto e a memória das pessoas que faleceram, com cantorias a noite toda.

    Outra festa importante dentro da aldeia é a do corte do cabelo – batismo. É feito para integrar a pessoa na comunidade, geralmente feito com crianças pequenas, quando um ancião corta o seu cabelo como um sinal daquele novo membro. Em seguida todos são convidados a cortar o cabelo também, pelo menos uma ponta, como demonstração de união e integração do grupo.

    Para os indígenas a pintura é um adorno para seu corpo, os desenhos em sua maioria são baseados na natureza trazendo para a pele animas como peixe, tartaruga, ou cobra. A tinta utilizada é extraída do cerrado sendo a cor preta do Genipapo e o vermelho do urucum. A princípio a pintura fica meio clara, vindo a escurecer mais tarde, tornando o desenho mais bonito e podendo durar até 15 dias no corpo.

    Qualquer indígena pode fazer a pintura, mas eles têm um cuidado e atenção muito especial quando estão pintando, o que demostra que aquele ato tem um significado muito maior. Para eles as pinturas para corridas, por exemplo, fazem a pessoa mais leve. Para Grando (2005) a educação do corpo se dá também pela pintura e ornamentos que se constituem no chamou de “segunda pele”.

As danças

    Desde cedo aprendem as danças e cantos, participam dos rituais e aprendem a valorizar a cultura. Manter esta cultura depende de muito esforço nos dias de hoje, as crianças tem assistido muito televisão, tem celular, internet na escola e tudo isso vem as afastando das tradições. As danças são ensinadas primeiramente pelas mães, avós, na escola e depois ensaiando no “pátio”.

    Existem danças só de homens, só de mulheres, dos dois juntos e das crianças, que não deixam se perder as tradições e cultura indígena. Cada uma delas representa um estado de espírito, uma ocasião especial e tem seu significado dentro da etnia. Normalmente para dar o ritmo usa-se um instrumento chamado maraka, que é feito de uma conhecida árvore-de-cuia, cabaceira, coité, cuité, e Cuiteseira.

    O corpo inteiro pode se tornar uma fonte sonora, com chocalhos presos aos tornozelos, coxas, braços, pescoço e cintura, dependendo do material utilizado.

    A música é utilizada como socialização, em rituais religiosos, ligação com ancestrais, magia e cura, estando presente em festas comemorativas, guerreiras, sazonais, ritos de passagem e congraçamento entre as tribos. No compasso da apresentação fica presente ao bater dos pés, numa vibração do solo que serve para ordenar e animar os movimentos da dança.

As crianças

    Para os Apinajés as crianças são de 6 até 10 anos, daí para frente não são mais crianças e com seus 13 a 14 anos já começam a se casar. Quando crianças não tem nenhuma obrigação em casa, tem que brincar, sair para o mato, caçar passarinho, jogar peteca e estudar quando entram para escola aos 6 anos. Elas possuem um olhar curioso, desconfiado, reservado, mas alegre. Elas são ensinadas pelas mães, mas respeitam sempre os mais velhos.

    Respeitar os mais velhos e as crianças, são características importantes nos índios. Os anciãos, são considerados como arquivos, sempre sabem o que é o certo e como fazer para resolver qualquer problema. Contam histórias e fazem artesanatos para as crianças. Quando falam com as crianças, os adultos se agacham e olham nos seus olhos, dando a impressão de quererem ficar do mesmo tamanho para não causar medo pela diferença de tamanho, então falam baixo e com paciência.

    Os adultos sorriem sempre das coisas de crianças deixando-as viver como crianças, sem interferências em seus convívios sociais. Para Benjamim (2002), os aspectos sociais das brincadeiras deve estar presente em todas as culturas, seus estudos mostram a sensibilidade com que a criança administra brincando frente aos problemas encontrados.

    Já as crianças, também choram, brigam, se desentendem, mas é de uma forma rápida e decidida entre elas mesmas, nada de adultos no meio. Quando quer algo que não lhe dão, logo vai procurar outra coisa, pois já sabe que o adulto não irá atendê-la se já disse não. Os índios consideram que as crianças tem seu próprio aprendizado e que deve ser vivido por elas.

    As crianças raramente são castigadas e apesar de viverem em plena liberdade, elas tem um convívio em família onde são introduzidas ao respeito às leis, aos costumes, nas práticas dos rituais. A família tem um papel importante em sua formação, por isso a criança tem uma profunda relação familiar e principalmente com sua mãe.

    Mesmo indo para a escola, cabe aos mais velhos transmitirem os conhecimentos e as tradições. Os anciões, contam histórias da natureza, do povo indígena, das lendas e assim o referencial do seu povo vai passando de geração em geração.

    Concordamos com Benjamim (2002) sobre a valorização da infância estar vinculada ao retorno à tradição e a memória. Assim vivenciar o dia a dia, as brincadeiras da criança indígena, possibilita trabalhar com diferentes dimensões da identidade de um povo, onde encontramos valores bastante peculiares.

Jogos e brincadeiras

    No Esporte Voleibol, as duas Aldeias possuem equipe masculina e feminina e segundo o professor de Educação Física eles participaram dos Jogos Estudantis do Tocantins - JET’S 2015 (jogos disputado entre as escolas da rede pública e particular do Estado entre as idades de 12 à 17 anos subdivididos em categorias de idade e sexo), conseguindo no feminino primeiro lugar no regional e quinto no estadual desta modalidade.

    Assim como o vôlei, a Luta Corporal não é uma modalidade comum entre os Apinajés, mas tem sido ensinado na escola pelo professor de Educação Física não índio e pudemos observar que vem sendo apreciado pelas crianças e adolescentes.

    A Corrida de Tora é uma corrida de revezamento muito comum nesta etnia. As crianças são enfeitadas e preparadas para carregar toras feitas da árvore conhecida como Pau de Cigarra, mais leve e apropriada para testar a força das crianças. Em todas as atividades esportivas exercidas por suas equipes, os Apinajé sempre se dividem nos dois partidos Katám (do oete) e Vanmégn (do leste). Os participantes se diferem pela pintura, os primeiros, as pontas das testeiras são tingidas de preto, os outros de vermelho.

    Elas não se dividem em metades, ao correr, mas se opõem por sexos: meninos contra meninas. O percurso é sempre em linha reta, pelos caminhos vindo até o pátio; partindo do ponto mais alto da aldeia para o mais baixo.

    O cacique afirma que a corrida de tora é o seu principal esporte cultural. Mas, hoje em dia, os mais novos só querem praticar esportes não-indígenas, como o futebol e menos a corrida de tora. Isso põe o risco de um dia perder a língua, a nossa cultura e a nossa tradição, diz ele.

    No futebol destacam o aspecto lúdico do esporte já inserido no contexto cultural dos indígenas, sendo disputado pelos meninos e pelas meninas, eles brincam no “pátio” ou no campo de futebol. Como dizem os índios eles gostam de jogar bola, as crianças começam a tardezinha e vão até sete horas jogando.

    O jogo de flecha é uma corrida de revezamento. O percurso é demarcado ao redor do centro da aldeia, sendo colocados os participantes de ponto em ponto marcado. A saída é dada com um corredor com a flecha na mão, que deverá atingir o primeiro índio passando-lhe a flecha, assim sucessivamente até o final. Ganha a equipe que chegar primeiro e como na corrida de tora, são meninos contra meninas.

    A corrida do ôhô ou corrida de disputa é realizada de dois em dois, ode demarca a saída, um local onde a criança deverá tocar a mão e a chegada que normalmente é batida na mão de um ancião. É uma prova de velocidade e ganha quem chega primeiro.

    Como conta a história, a relação da vida dos indígenas está sempre entrelaçada com a água. Grande parte da recreação das crianças é realizada também na água, atravessando de uma margem a outra, pulando ou mesmo mergulhando, mas segundo eles esta atividade é apreendida pela própria criança, começam banhando, depois afundam, mergulham com outras crianças e quando se vê nadam e não se afogam mais. Brincam de pega-pega nos rios, onde as crianças têm que pegar as outras nadando pela água.

    O tiro com arco, prática de utilizar um arco e flechas para atingir um alvo, surgiu como atividade de caça e guerra nos primórdios da civilização, com indícios de sua prática ainda na pré-história, mas atualmente não é muito utilizado pelos Apinajés. As crianças preferem badogui (feito com tiras), estilingue ou baladeira (feito com borracha), eles utilizam para matar passarinhos ou acertar em calangos.

    O contato com a natureza traz um complexo de brincadeiras para as crianças indígenas, eles possuem muitos jogos e brincadeiras, algumas conhecidas entre os não índios também, como a peteca, a perna de pau, o pião. Podemos observar que o lúdico das crianças indígenas encontra-se em grupos, no coletivo.

    O contato constante com a natureza e os animais é traduzido nas brincadeiras e nas confecções com barro de argila. Eles fazem panelinhas, bichos, pessoas e muito mais, com argila. A Peteca (bola de gude) antigamente era feita de barro, quando secavam, estavam prontas para o uso, existindo vários tipos de disputas, hoje são as de vidro, vindo da cidade.

    Cada um tem um jeito diferente de brincar e utilizam de elementos da natureza como pedras, sementes, folhas e galhos, na hora das brincadeiras. Mas, não estão mais distante os brinquedos da cidade e encontramos bonecas, carrinhos e até roda de uma bicicleta velha, nas brincadeiras nas aldeias.

    No pau de sebo, o objetivo é subir pelo tronco até o topo, onde é colocada uma prenda. O pau além de lixado é melado com sebo de animal o que o torna muito escorregadio, originando o nome pau-de-sebo. As crianças tentam, escorregam, caem, o que torna a brincadeira muito divertida. Alguns tentam até ajudar, mas o vencedor tem que conseguir pegar a prenda no alto sozinho.

    O jogo da bolinha é uma mistura de vôlei com peteca (aquela com penas que conhecemos) onde as crianças permanecem espalhadas. O ancião segura várias bolinhas (feitas por eles mesmos) e vai jogando uma de cada vez. As crianças têm que bater nas bolas com a palma das mãos e não deixar que caiam, passando umas para as outras. O interessante é que ficam várias bolinhas em jogo ao mesmo tempo.

    Entre a contradição das tradições e a modernidade as crianças indígenas brincam, sorriem e se diverte como toda criança. Também já assistem televisão e gostam de desenhos animados.

    O brincar é sempre visto de forma positiva e permeia todas as culturas. Com e lúdico constrói-se em poucos tempo a compreensão de regras que na escola levamos anos para compreender e respeitar. Por essa razão não devemos destinar a brincadeira apenas às crianças, o lúdico é necessário a todos e por toda a vida. Uma pessoa não pode perder o prazer pela brincadeira e liberdade, ao contrário é assim que o indivíduo busca de subterfugio para preencher seus vazios e questões incompletas.

3.     Considerações finais

    No estudo observamos que a vida da criança indígena ainda difere um pouco das crianças da cidade (como chamam), mas esta realidade não está mais tão distante uma da outra. Elas ainda participam das tradições de seu povo, vivem muito integradas à natureza, aprendem observando os mais velhos e os respeitam. Tomam banho de rio, brincam de peteca, pião, jogos com sementes, bola, bonecas, carrinhos e os pequenos índios vão à escola. As crianças participam e aprendem assim da própria cultura, mas estão sendo foco de preocupação dos mais velhos e cacique que sentem o afastamento das raízes em função da tecnologia.

    Comprar bonecas, carrinhos, assistir televisão, gostar de desenhos e até ter celular, é um hábito que já existe nas tribos indígenas. Dá para imaginar? Tudo o que eles precisam para se divertir está dentro na natureza e eles mesmos não confeccionam mais os próprios brinquedos. Não é uma realidade um tanto obscura para um povo que se prende as raízes? 

    As brincadeiras indígenas coletivas onde todo mundo se diverte junto e, de quebra, aprende brincando a respeitar e dar valor à natureza estão sendo trocadas por TV e celular. Idiomas, danças, festas, vestuário... A cultura indígena também vem sendo transformada e aderindo a evoluções do nosso século. Ficando assim questionamentos para próximas pesquisas... isso é bom ou ruim?

    Mesmo com alguns direitos garantidos na Constituição Federam ou na Declaração das Nações Unidas sobre o Direito dos Povos Indígenas que consta “[...] o direito a manter, controlar, proteger e desenvolver seu patrimônio cultural, seus conhecimentos tradicionais, suas expressões culturais tradicionais e [...] os esportes e o jogos tradicionais” (Organização das Nações Unidas, 2007), constatamos que seu patrimônio cultural e tradições encontram-se ameaçadas.

    Finalizamos na concordância de Dieckert e Meringer (1994) que colocam as práticas corporais tradicionais como estáticas, não podendo ser ressignificadas, na afirmação “[...] cultura corporal, do movimento, da dança, do lúdico diminuirá nos próximos anos e finalmente será esquecida” (Dieckert e Meringer, 1989). A modernidade fica então entendida como: um produto de evoluções socioculturais que tornaram as sociedades cada vez mais civilizadas, perdendo muitas vezes o contato com suas origens.

Bibliografia

  • Albuquerque, F. E. (1999). Contato dos Apinajé de Riachinho e Bonito com o português: aspectos da situação sociolingüística. Dissertação de Mestrado. Goiânia: UFGO.

  • Benjamin, W. (1976). O brinquedo e a educação. 34ª ed. São Paulo: Brasiliense.

  • Canclini, N. G. (2008). Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo.

  • Damatta, R. (1976). Um Mundo Dividido: A estrutura social dos índios Apinayé. Petrópolis: Ed. Vozes.

  • Dieckert, J. e Mehringer, J. (1989). Cultura do lúdico e do movimento dos índios Canela. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. v.11, n.1, set.

  • Dieckert, J. e Mehringer, J. (1994). A corrida de toras no sistema cultural dos índios brasileiros Canela. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v.15, n. 2, jan.

  • Giraldim, O. (2000). Axpên Pyrak. História, Cosmologia, Onomástica e Amizade Formal Apinajé. Tese de doutoramento, IFCH/UNICAMP. Campinas/SP.

  • Grando, B. S. (2005). Corpo e cultura: a educação do corpo em relações de fronteiras étnicas e culturais e a constituição da identidade bororo em Meruri-MT. Pensar a Prática, Goiânia-GO, v. 8, n. 2.

  • Ladeira, M. E. e Azanha, G. (1996). Os "Timbira atuais" e a disputa territorial. In: C. A. Ricardo (Ed.). Povos Indígenas no Brasil: 1991/1995. São Paulo: Instituto Socioambiental.

  • Nimuendajú, C. (1983) Os Apinayé. Belém: MPEG.

  • Organização das Nações Unidas (2007). Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Brasília: Senado Federal.

  • Peirano, M. (2002). O dito e o feito: ensaios de antropologia dos rituais. Rio de Janeiro: Relume Dumará.

  • Peirano, M. (2003). (Org.). Rituais ontem e hoje. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

  • Poleck, L. (1994). (Org.) Receitas Krahô e Apinajé. Goiânia: UFGO; Brasília: Funai (Textos Indígenas, Série Receituário).

  • Rocha, R. P.(2000). A Questão de Gênero na Etnologia Jê: A partir de um estudo sobre os Apinajé. Dissertação de Mestrado IFCH/UNICAMP. Campinas/SP.

  • Salanova, A. P. (2001). A nasalidade me Mebengokre e Apinaye: o limite do vozeamento soante. Dissertação de Mestrado. Campinas: Unicamp.

Outros artigos em Portugués

www.efdeportes.com/

EFDeportes.com, Revista Digital · Año 20 · N° 211 | Buenos Aires, Diciembre de 2015
Lecturas: Educación Física y Deportes - ISSN 1514-3465 - © 1997-2015 Derechos reservados