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Aprendizagem motora: uma breve revisão sobre a 

construção e progressão do conhecimento científico

Aprendizaje motor: una breve revisión sobre la construcción y progresión del conocimiento científico

Motor learning: a brief review of the construction and progress of scientific knowledge

 

Mestre em Educação Física - Escola Superior de Educação Física

Universidade Federal de Pelotas, RS

(Brasil)

Daniela Hollweg Gonzalez

danielahgonzalez@yahoo.com.br

 

 

 

 

Resumo

          O presente trabalho busca fazer uma revisão sobre a construção do conhecimento científico em aprendizagem motora. Para isso, fez-se uma retrospectiva histórica do campo de estudo, submetida aos olhares epistemológicos. A abordagem Kuhniana se mostrou como a mais satisfatória para explicar o progresso científico da área de aprendizagem motora. Juntamente a esta reflexão sobre a construção do conhecimento científico, fizemos também uma breve revisão sobre o progresso, os enfoques teóricos e fatores influenciadores em aprendizagem motora.

          Unitermos: Aprendizagem motora. Enfoques teóricos. Fatores influenciadores.

 

Abstract

          This present study is a review of the construction of scientific knowledge in motor learning. A historical account of the field of study was done from an epistemological viewpoint. Kuhn's theory was the best explanation of the progress of scientific knowledge in motor learning. Together with this survey of the construction of scientific knowledge, the progress, theoretical foci and influential factors of motor learning are briefly reviewed.

          Keywords: Motor learning. Theoretical approaches. Influential factors.

 

Recepção: 28/08/2015 - Aceitação: 11/12/2015

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 20, Nº 211, Diciembre de 2015. http://www.efdeportes.com/

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Considerações iniciais

    O presente estudo de revisão aborda o progresso científico em aprendizagem motora. Sob olhares epistemológicos fizemos uma reflexão acerca das teorias científicas e buscamos relacionar aos enfoques teóricos da aprendizagem motora. Conhecendo a necessidade e a importância dos estudos de revisão, espera-se fornecer subsídios acerca da construção e progressão do conhecimento científico em aprendizagem motora, suas bases e origens, e assim possibilitar reflexões e possibilidades de novos estudos neste campo de conhecimento.

Construção/desconstrução de teorias científicas

    Temos como uma das primeiras visões de ciência, o indutivismo, inaugurado por Francis Bacon no século XVI que, para Chalmers (1993), foi a base do empirismo na tradição científica. O indutivismo tem como princípio que a observação, neutra e imparcial, é a unidade a partir da qual se constrói uma teoria científica. Uma vez apresentados os dados, adquiridos da observação e da experiência, pode-se, sob certas condições, generalizar afirmações singulares para afirmações universais. Segundo Chalmers (1993) “no indutivismo as proposições de observação formam a base a partir da qual as leis e as teorias que constituem o conhecimento científico devem ser derivadas”. No entanto esta visão de ciência deparou-se com uma série de problemas, entre os quais se encontram a indefinição do número de observações e de circunstâncias para a derivação da teoria e o fato de a própria observação não conseguir comportar total objetividade.

    Em função disso, Karl Popper propõe, nos anos 30, um novo critério de cientificidade, denominado “falsificacionismo. Nesta concepção a ciência não começa com a observação, mas sim com a elaboração da teoria que, para ser considerada verdadeira, deve ser testada pelas proposições de observação. Caso a observação/experimento apresente dados incoerentes com a teoria esta última passaria a ser considerada falsificada. Um dos pontos comuns pertencentes aos discursos indutivista e falsificacionista está relacionado ao papel decisivo e incontestável da racionalidade na construção do conhecimento científico. De caráter essencialmente normativos, essas visões de ciência propõem regras bem definidas para distinguir a ciência da não-ciência.

    Todavia, dois novos discursos surgem na década de 60 no sentido de contestar esse papel. São eles o anarquismo epistemológico de Paul Feyerabend e a “Estrutura das Revoluções Científicas” de Thomas Kuhn. Paul Feyerabend, segundo Oliveira (1997), contesta o caráter normativo dado a construção do conhecimento científico, assim como a condição de superioridade da ciência face a outras formas de conhecimento lança, em sua obra “Contra o Método: Delineamento de Uma Teoria Anarquista do Conhecimento”, as bases do que seria chamado de anarquismo epistemológico. Epstein (1990) afirma que, “Feyerabend fundamentou-se em evidências historiográficas e sociológicas para propor a inoperância de normas universais para a aferição do produto da atividade científica”. Feyerabend passa, então, a defender, segundo Oliva (1990) “o anarquismo como pré-condição para o efetivo progresso do conhecimento científico e como única forma de se evitar o autoritarismo científico, cuja idéia central é a de que ‘nada vale fora da ciência’”.

    O estudo de Oliveira (1997) aponta argumentos de Thomas S. Kuhn, em que o conhecimento não se dá de forma linear e cumulativa, mas sim por trocas sucessivas de visões teóricas. Essencial para a abordagem Kuhniana é o conceito de paradigma, que é definido como um “conjunto de realizações universalmente reconhecidas que por um tempo fornecem um modelo de problemas e soluções para uma comunidade de pesquisadores.” (Kuhn, 2000)

    Seguindo a idéia de paradigma, Thomas Kuhn define quatro fases em que se daria o progresso científico.

    A primeira, a pré-ciência - nesta fase não há um paradigma que orienta o campo de estudo. Para Thomas Kuhn, nesta fase uma diversa faixa de tópicos são estudados da forma mais tênue possível, e as tentativas de testagem e desenvolvimento de teorias são baseados quase que inteiramente em teorias de outros campos.

    A segunda fase, a ciência normal – o campo de estudo é caracterizado pela vigência de um paradigma, que estabelece regras tanto de natureza teórica, quanto experimental. Nesta fase, a produção do saber científico tem um caráter cumulativo e convencionalista. Segundo Epstein (1990), para Thomas Kuhn “a ciência normal não tem como objetivo trazer à tona novas espécies de fenômenos; na verdade aqueles que não se ajustam aos limites do paradigma freqüentemente nem são vistos”.

    A terceira fase é a crise de paradigmas – a partir do momento que as anomalias, ou seja, dados experimentais ou advindos de observação incoerente com uma ou com mais premissas do paradigma dominante, são explicadas por um novo modelo teórico surge um paradigma rival, que entra em disputa com o anterior pela condição de ser o paradigma dominante. Assim como Feyerabend, Kuhn estabelece que paradigmas rivais são incomensuráveis e que o resultado da crise também é influenciado por “fatores externos não racionais”.

    A quarta fase, a revolução – é caracterizada pela batalha de paradigmas diferentes e pela posterior emergência de um outro paradigma como sendo o dominante. Esse faz emergir novas questões que não eram consideradas pelo paradigma anterior.

    Após a revolução, o novo paradigma passa a entrar, novamente, na fase de ciência normal, até que surjam anormalidades que façam com que o ciclo se repita novamente.

    Oliveira (1997) afirma que existem alguns indicadores que apontam a possibilidade da abordagem Kuhniana ser explicativa do progresso científico da área de aprendizagem motora. O primeiro deles diz respeito à troca de referenciais teóricos, ao longo da história do campo de estudo. Este começou com um referencial embasado no behaviorismo, em que o homem era pensado em termos de estímulo-resposta. Logo, o campo passou a ser dirigido por teorias que preconizavam a relação homem-máquina.

    Agora, esta visão é questionada por uma abordagem que, ao invés de ser baseada nas concepções da cibernética, é originária, segundo Paiva (1992) de teorias físicas da biologia, da termodinâmica não-linear e da teoria dos sistemas complexos. Desta forma, se não podemos afirmar que a abordagem Kuhniana de ciência está correta, podemos em face a esta reflexão, dizer que esta se mostrou, dentro das abordagens em filosofia da ciência apresentadas, como a mais satisfatória para explicar a construção do conhecimento científico dentro do campo de estudo da aprendizagem motora.

Aprendizagem e enfoques teóricos

    Ensinar tem como objetivo a aprendizagem. Esta é definida como a alteração relativamente permanente ao comportamento originária da experiência e da prática. Experiência, pode-se dizer que trata de situações nas quais pessoas produzem tentativas deliberadas para aumentar sua performance em uma atividade (Schmidt, 1988, 2001).

    Em complemento, Hilgard na citação abaixo deixa transparecer que existe a possibilidade de confundirmos fatores como maturação, estados temporários de organismo, entre outros, com aprendizagem.

    Aprendizagem é o processo pelo qual uma atividade tem origem ou é modificada pela reação a uma situação encontrada, desde que as características da mudança de atividade não possam ser explicadas por tendências inatas de respostas, maturação ou estados temporários de organismo. (Hilgard, 1966, p.3).

    Embora seja difícil estabelecer uma definição satisfatória, de modo a incluir todas as atividades de processos que desejamos incluir, a dificuldade não chega a ser embaraçosa como acontece com as teorias da aprendizagem. Estas buscam reconhecer as relações existentes entre os atos de ensinar e aprender, ou seja, o processo ensino-aprendizagem. Para isto, as teorias partem do reconhecimento da evolução cognitiva do homem, e tentam explicar a relação entre o conhecimento pré-existente e o novo conhecimento.

    Existem três principais enfoques teóricos que expressam o conceito de aprendizagem: o Behaviorismo, o Cognitivismo e o Construtivismo.

    O behaviorismo define aprendizagem como a aquisição de novos comportamentos que se manifestam num quadro de respostas e estímulos específicos, entende o aprendiz como um ser que responde a estímulos do meio exterior, não levando em consideração o que ocorre dentro de sua mente durante o processo.

    O cognitivismo, como o próprio nome aponta, trata-se da cognição, de como o indivíduo conhece, processa a informação, compreende e dá significado a ela, ou seja, as novas informações recebidas relacionam-se com as informações já existentes do aprendiz.

    Já a idéia do Construtivismo, é embasada no princípio do ensino centrado no aluno, a aprendizagem é auto-centrada e estimulada pela relação entre aluno e professor. Fatores como experiência de vida, clima psicológico do ambiente, interação professor/aluno, são importantes para a aprendizagem. O enfoque propõe que o aluno participe ativamente do próprio aprendizado, mediante a experimentação, a pesquisa, o estímulo à dúvida e o desenvolvimento do raciocínio.

    Na década de 70 estas teorias ganharam visibilidade, predominaram os estudos dos fatores que afetam o processo de aprendizagem motora, com grande influência das teorias acima citadas. Estes enfoques eram limitados quando destinados a explicar os processos internos responsáveis pelo movimento.

Aprendizagem motora e enfoques teóricos

    O Comportamento Motor Humano pode ser estudado através de três áreas distintas. A primeira é a área de Controle Motor, que tem por objetivo estudar e compreender como o ser humano organiza e controla suas ações; a segunda é a área é o Desenvolvimento Motor, que investiga as mudanças que acontecem no ser humano em decorrência das alterações sofridas ao longo do ciclo de vida; e a terceira é a área é a Aprendizagem Motora, essa área tem basicamente dois objetivos a investigar: primeiro, as alterações cognitivas que ocorrem em decorrência da prática, ou seja, como as pessoas partem de um estado que não dominam uma habilidade e, após um período de prática, passam a executá-la com grande proficiência; segundo, quais os fatores que afetam a aquisição dessas habilidades.

    A Aprendizagem Motora é um campo de investigação com mais de cem anos de tradição. Hoje, pode-se dizer que a Aprendizagem Motora é um campo consolidado, como pode ser verificado pela sua presença recorrente nas estruturas curriculares de graduação e pós-graduação, pela existência e disseminação de laboratórios na maioria das faculdades de Educação Física e Esporte das universidades de todo o mundo e pela publicação de um volume notável de trabalhos em periódicos científicos de reputação (Tani, 2004).

    As pesquisas em Aprendizagem Motora tiveram duas fases distintas, uma anterior e outra após a década de 70. Na primeira fase, as pesquisas tinham por objetivo investigar a melhor forma de ensinar determinadas tarefas motoras, ou qual a forma de corrigi-las, com temas como prática maciça e distribuída, prática pelo todo ou pelas partes, entre outras. Como as pesquisas eram realizadas visando soluções de problemas de tarefas específicas, as pesquisas dessa fase ficaram conhecidas como tendo uma abordagem orientada à tarefa (AOT). Após a década de 70 houve uma mudança, influenciada pela Psicologia Cognitiva, e as pesquisas passaram a investigar os processos subjacentes à aprendizagem. Para isso criaram tarefas simples de laboratório que permitiam responder às questões investigadas, e as tarefas não eram mais o objetivo dos estudos. Essa época ficou conhecida como tendo uma abordagem orientada ao processo (AOP) (Schmidt, 1988).

    Ao considerar o fenômeno aprendizagem motora, é preciso inicialmente compreendê-lo no contexto da literatura, com base em suas definições e conceitos. Um destes conceitos que tem destacado é a proposição de Rose (1997) que apresenta a aprendizagem motora como mudança relativamente permanente no comportamento motor, conforme as experiências anteriores, ocorrida em virtude de prática e inferida por meio de desempenho.

    A aprendizagem motora não pode ser diretamente observada por tratar-se de um processo interno, ela é deduzida a partir de mudanças observadas no comportamento motor e na performance do aprendiz. Schmidt (1988) define aprendizagem motora como uma série de processos associados com a prática ou experiência que conduzem a mudanças relativamente permanentes na capacidade de responder. Tais processos são uma série de eventos que devem ocorrer ordenadamente para que, com a prática, resulte em aprendizagem ou em uma aquisição de capacidade para responder. São fenômenos complexos que ocorrem a nível de sistema nervoso central, o que explica a impossibilidade de serem observados diretamente. A aprendizagem motora acontece quando as mudanças são relativamente permanentes, mudanças passageiras ocasionadas por motivações, humor ou por drogas administradas não configuram aprendizagem motora, pois são de permanência insuficiente. (Schmidt, 1988)

    Outra definição para aprendizagem motora é a melhora na capacidade da pessoa em executar uma habilidade motora, induzida a partir de uma mudança relativamente permanente do desempenho decorrente da prática ou da experiência passando-as de estados menos organizados, caracterizados pela rigidez e inconsistência, a estados mais organizados apresentando um comportamento consistente e flexível (Magill, 2000; Schmidt & Wrisberg, 2001).

    No processo de aprendizagem, é importante caracterizar os praticantes desde o momento que vão iniciar a prática até o momento que já conseguem dominá-la. Na fase inicial se aceita que o praticante encontra-se no estágio cognitivo, onde predomina a cognição e ele precisa prestar atenção em cada parte da ação. Ele reconhece que não atingiu a meta, mas não sabe porquê, ou seja, ele sabe que errou mas não sabe como corrigir; ou seja, ele é dependente de uma informação externa. Em seguida o aprendiz entra no estágio associativo, onde começa a apresentar certa consistência, mas ainda é muito impreciso. Começa a ser formado um programa para aquela ação. Por último o aprendiz já domina a habilidade praticada, ele sabe o que errou e já não depende mais informação externa, usando basicamente uma informação interna. Esse estágio é denominado autônomo (Fitts & Posner, 1967; Adams, 1971).

    Na busca por explicar esse processo, de quando o aluno não tem o domínio de uma habilidade, para quando passa a dominá-la, surgem algumas teorias da aprendizagem motora. Entre elas podemos citar:

    A Teoria do Circuito Fechado de Adams, elaborada em 1971, foi a primeira teoria consolidada sobre o papel do feedback na aprendizagem motora e controle motor (Stelmach, 1982; Abernethy e Sparrow, 1992). O autor propôs dois estados de memória denominados traços, sendo um o de memória e outro o perceptivo. O primeiro é responsável por iniciar o movimento, e pode ser considerado um modesto programa motor. O segundo é o responsável pela comparação entre o que foi planejado e a ação executada. Para que uma ação seja executada, é necessário haver tempo suficiente para o processamento do feedback do primeiro movimento, e então serem feitas as correções e ajustes para o movimento seguinte. Isso trás alguns problemas, tais como armazenar um programa motor para cada ação (capacidade limitada de armazenamento), adaptação à movimentos nunca executados anteriormente (novidade) e a execução de movimentos rápidos (explica movimentos lentos). Schmidt & Wrisberg (2001) em complemento aos autores citados anteriormente, define Controle de circuito fechado como um tipo de controle que envolve o uso do feedback e a atividade dos processos de detecção de erro para manter a meta desejada, este tipo de controle seria utilizado por indivíduos para dominar movimentos lentos e voluntários.

    A Teoria do Circuito Aberto, cujo conceito de Programa Motor proposto por Keele (1968), citado por Schmidt (1982), defendia que todo movimento bem aprendido era controlado centralmente mesmo na ausência de feedback.

    Programa motor pode ser apresentado como um conjunto de comandos motores que é pré-estruturado no nível executivo e que define os detalhes essenciais de uma ação habilidosa. Sendo este como um sistema de circuito aberto, envolve o uso de comandos centralmente determinados e pré estruturados enviados para o sistema efetor e executado sem feedback (Schmidt & Wrisberg, 2001).

    A Teoria do Esquema de Richard Schmidt, elaborada em 1975, que introduzindo conceitos como “Programa Motor Generalizado” e “Esquema”, buscou se constituir em um modelo híbrido em relação às teorias do Circuito Aberto e do Circuito Fechado (Schmidt, 1982; Abernethy e Sparrow, 1992). Nessa teoria seriam mantidas as premissas básicas do planejamento central, mas com a idéia de que o Programa Motor Generalizado (PMG) teria seu produto, no caso o movimento, modificado e desenvolvido através do feedback. O PMG nada mais é que um programa motor que define um padrão de movimento em vez de um movimento específico, esta flexibilidade permite que o executante adapte este programa para produzir variações do padrão para satisfazer às demandas ambientais alteradas.

    Os esquemas são um conjunto de regras abstratas, um sistema de conhecimento que é fortalecido pela relação das informações das experiências anteriores. O esquema de lembrança é adicionado ao PMG selecionado para uma determinada ação, determinando a força, velocidade, direção da ação. O esquema de reconhecimento compara a ação planejada e a natureza das condições iniciais, comparando com o feedback da ação realizada. Por exemplo, ao planejar um arremesso, a pessoa seleciona o PMG do arremesso e o esquema de lembrança especifica os parâmetros dessa ação. Após a sua execução, o esquema de reconhecimento compara o que foi planejado com o executado com as informações do feedback.

    Uma nova abordagem de estudo do movimento humano, cujo pano de fundo são as críticas a uma visão dualista entre homem e ambiente, assim como à idéia de que o movimento humano seria controlado centralmente. Essa abordagem é conhecida como Teoria dos Sistemas Dinâmicos, também denominada “paradigma ecológico” (Santos, 1992). Nessa abordagem, o movimento é fruto da interação dinâmica entre homem e ambiente e não apenas do Sistema Nervoso Central (SNC).

    Entre os principais estudos que constituíram esta abordagem, encontram-se:

    A perspectiva de Bernstein (1967) que, em face dos problemas de Graus de Liberdade e de Variabilidade Condicionada pelo Contexto, introduziu o conceito de Estrutura Coordenativa (Turvey, Fitch e Tuller, 1982). Nesse novo conceito, o sistema motor, composto de ossos, músculos e articulações, ao invés de receber comandos individualizados pelo SNC, seria estruturado para atuar como uma unidade com propriedades de autoorganização, com restrições advindas do organismo, do ambiente e da tarefa. Neste sentido, Saltzman e Munhall (1992, citados por Pettersen e Catuzzo, 1995) definem a estrutura coordenativa como uma “organização funcional, temporal e flexivelmente montada, que está definida sobre um grupo de músculos e articulações e que converte estes componentes dentro de uma tarefa específica, coerente com um agrupamento de múltiplos graus de liberdade”;

    A Teoria da Percepção Direta de Gibson que em 1966 redefiniu a idéia de percepção. Nesta nova perspectiva o estímulo já implica em informação, sem a necessidade de um agente epistêmico no SNC. Segundo Pellegrini e Gonzales (1997) “o pressuposto básico da visão gibsoniana é de que o ser vivo não precisa transformar os estímulos ambientais em informação para a ação; a informação está lá, na relação que se estabelece entre a própria a ação do sujeito e o ambiente em que ele age” (grifo dos autores).

    A maioria das teorias da aprendizagem motora compreendem a aquisição de habilidades à partir de um modelo de equilíbrio. A partir disso, um modelo de não-equilíbrio em aprendizagem motora tem sido proposto, que envolve duas fases: estabilização e adaptação. A estabilização ou automatização, sugerida como fase final da aprendizagem nos modelos de equilíbrio, nesse modelo representa apenas um estágio dentro de um processo contínuo de mudança, atingida por meio do feedback negativo, que resulta na padronização espaço-temporal da ação. A inconsistência inicial e a falta de coordenação dos movimentos são gradualmente eliminadas, dando lugar a movimentos coordenados e precisos. Nesse momento a função estabiliza e infere-se que uma estrutura foi formada. Contudo, em uma perspectiva de não equilíbrio, a aprendizagem motora não se encerra com a estabilização ou automatização, mas é vista como um processo contínuo, pois quando uma estrutura já existente é perturbada, se modifica, e a sua reorganização leva e um aumento de complexidade, quando ocorre a segunda fase: adaptação. Dessa forma, a aprendizagem passa a ser vista como um processo adaptativo (TANI, 1982).

    Além das diversas teorias e modelos, existem fatores que podem afetar a aquisição de habilidades motoras, tais como fatores internos e externos, motivação, feedback, características individuais, ambiente da aprendizagem e organização da prática e a tarefa a ser aprendida.

Fatores que influenciam a aprendizagem motora

    A área de estudo Aprendizagem Motora procura estudar os processos e mecanismos envolvidos na aquisição de habilidades motoras e os fatores que a influenciam. As características individuais, que são relacionadas com o desempenho de habilidades motoras como sexo, idade, inteligência, nacionalidade, variáveis sociológicas e constituição do corpo (altura, cor dos olhos, peso, percentual de gordura e aptidão física); ambiente de aprendizagem, e a tarefa a ser aprendida são alguns dos fatores influenciadores. Além deste, existe outros fatores que afetam ou influenciam a aquisição de habilidades motoras. Entre estes fatores, têm-se os fatores internos (capacidade de processamento de informações, capacidades físicas e motoras herdadas, características da personalidade, entre outros) e fatores externos (instrução, organização da prática, foco de atenção, feedback, entre outros).

    Entre os fatores internos temos a capacidade de processamento de informações. Segundo Shmidt & Wrisberg (2001), existem estágios de processamento, estes são caracterizados por várias operações discretas (identificação do estímulo, seleção da resposta e programação da resposta) que os indivíduos realizam sobre a informação entre estímulo e resposta. O mesmo autor aponta que existem três estágios de processamento de informação: identificação do estímulo, durante este estágio o indivíduo reconhece e identifica o estímulo; seleção da resposta, durante este estágio o indivíduo decide qual, se é que alguma resposta deveria ser dada; e programação da resposta, durante este estágio o indivíduo organiza o sistema motor para produzir o movimento desejado.

    As capacidades físicas e motoras herdadas é outro fator importante, estas são relativamente permanente e estável do indivíduo que embasam ou dão suporte a vários tipos de atividades ou habilidades. As capacidades, na maioria dos casos, são consideradas geneticamente determinadas e essencialmente não-modificadas pela prática ou experiência. Podemos representá-las como um conjunto de ferramentas que os indivíduos trazem consigo para as situações de performance e aprendizagem.

    As características da personalidade é outro fator influenciador na aquisição de uma habilidade motora. Além das diferenças individuais e capacidades já mencionadas, existe outra variedade de capacidade que está relacionada com as características da personalidade. Certos tipos de personalidade são mais sujeitos para a prática de esportes coletivos, já outros tipos de personalidade são mais sujeitos para a prática de esportes individuais. Essas diferenças individuais relacionadas à personalidade também podem afetar o desempenho e a aprendizagem de habilidades motoras. Mais especificamente, temos as características peculiares a indivíduos introvertidos e a indivíduos extrovertidos, estas podem causar efeitos distintos tanto no desempenho quanto na aprendizagem de habilidades motoras. Eysenck citado por Keafer (2009) faz a seguinte descrição do extrovertido e do introvertido típicos:

    O extrovertido típico é sociável, gosta de festas, tem muitos amigos, precisa ter pessoas com as quais conversar e não gosta de ler ou de estudar sozinho. Ele precisa de excitação, assume riscos, geralmente confia nas pessoas, age no impulso do momento e, de modo geral, é um indivíduo impulsivo. Ele gosta de piadas, sempre tem uma resposta pronta, e geralmente gosta de mudanças; ele é descuidado, despreocupado, otimista, e gosta de ‘rir e divertir-se’. Ele prefere ficar em movimento e fazer tarefas, tende a ser agressivo e a perder a calma facilmente; seus sentimentos não são mantidos sob grande controle e ele nem sempre é uma pessoa confiável. O introvertido típico é uma pessoa quieta, retraída, introspectiva, que gosta mais de livros do que de pessoas; ele é reservado e distante, exceto com amigos íntimos. Ele tende a planejar antecipadamente, ‘olha bem antes de saltar’ e desconfia do impulso do momento. Ele não gosta de excitação, lida com os problemas do cotidiano com seriedade adequada e gosta de um modo de vida bem organizado. Ele guarda seus sentimentos sob grande controle, raramente se comporta de maneira agressiva e não perde a calma facilmente. Ele é confiável, um tanto pessimista, e valoriza muito padrões éticos. (Eysenck & Eysenck, 1975, p. 5).

    Entre os fatores externos temos a instrução, que pode ser verbal e escrita. As instruções tipicamente contêm informações gerais sobre aspectos fundamentais da habilidade. As instruções podem, contudo, não ser efetivas. Um ponto relevante é que algumas vezes as palavras falham ao descrever aspectos sutis dos movimentos. Neste sentido é que podemos recorrer as formas de informação visual, como demonstrações presenciais e/ou através de recursos audiovisuais, fotográficos, entre outros.

    A organização da prática é outro fator externo relevante. Sobre os tipos de práticas Schimidt & Wrisberg (2001) cita duas: a prática em blocos, definida como uma seqüência prática na quais os indivíduos treinam repetidamente a mesma tarefa; e a prática randômica, definida como uma seqüência prática na qual os indivíduos realizam uma variedade de diferentes tarefas sem ordem específica, assim evitando, ou minimizando, repetições consecutivas de qualquer tarefa única. A construção do conhecimento científico em aprendizagem motora possibilita reflexões e relações, neste sentido é que surge o Efeito da interferência contextual, este é um fenômeno que surge da pesquisa experimental comparando os efeitos das escalas da prática em blocos com os da prática randômica na aprendizagem de muitas tarefas; especificamente, apesar de a prática em blocos produzir melhor performance do que a prática randômica durante o treinamento inicial, quando a performance é comparada mais tarde com testes de retenção, esta prática produz melhor aprendizagem do que a prática em blocos. Além dos tipos de prática, temos as formas de prática, que são as técnicas de prática física (simuladora, parcial, por detecção de erros e câmera lenta), ou uma técnica de treinamento mental (mental, imaginação). Entre as técnicas de prática física temos: a prática de simulador, em que temos um aparelho que imita várias características da tarefa real; a prática parcial, esta é um processo envolvendo a prática de uma habilidade complexa em uma forma mais simplificada, temos três tipos, fracionalização, segmentação e simplificação; a prática em câmera lenta, esta, como o próprio nome diz, é a diminuição da velocidade na execução da tarefa; e a prática de detecção de erros, nesta o indivíduo torna-se capaz de detectar os erros em seus movimentos, assim tornam-se aptos a interpretar o feedback resultante de seus movimentos. Entre as técnicas de treinamento mental encontramos a prática mental, que nada mais é que um procedimento de treinamento mental no qual os executantes pensam sobre os aspectos cognitivos, simbólicos ou processuais da habilidade motora na ausência de movimento observável; outra técnica de treinamento mental é a imaginação, este é um procedimento no qual os indivíduos se imaginam executando uma habilidade motora na perspectiva de si mesmo ou de uma terceira pessoa. (Schmidt e Wrisberg, 2001).

    Outro fator é o foco de atenção. De acordo com Schmidt & Wrisberg (2001), a definição de foco de atenção é:

    Ato de direcionar a atenção para fontes de informação ou para o objeto de atenção do indivíduo. Uma pessoa pode direcionar seu foco para fontes externas ou internas de informações e pode estreitar ou ampliar o foco para incluir pouco ou muitos estímulos (Schmidt & Wrisberg, 2001, p.217).

    Nideffer citado por Schmidt & Wrisberg (2001), sugeriu algumas orientações úteis para o professor, a fim de auxiliar seus aprendizes no direcionamento do foco de atenção. Para este autor, os indivíduos podem controlar duas dimensões do foco de atenção. A primeira delas é a direção que pode ser um foco externo, que se caracteriza com pela atenção do indivíduo em dicas e informações do ambiente; ou um foco interno, este é utilizado quando os indivíduos prestam atenção aos seus próprios pensamentos ou sentimentos. A segunda dimensão é a amplitude, esta pode ter um foco estreito, envolvendo um pequeno número de informações; ou ter um foco amplo, que é sensível a um grande número de dicas ao mesmo tempo.

    Dentre esta gama de fatores que influenciam a aprendizagem de habilidades motoras, tem-se o feedback como um dos mais importantes. Para Schmidt & Wrisberg (2001), feedback é uma informação sensorial que indica algo sobre o estado real do movimento de uma pessoa. É uma resposta ao movimento executado. O feedback é uma informação disponível para o indivíduo durante ou após a execução. O feedback pode ser intrínseco ou extrínseco. O intrínseco é aquela informação sensorial disponível durante ou após a execução, que depende de haver tempo suficiente para a sua utilização. O extrínseco é a informação fornecida por uma fonte externa (professor, vídeo) que o aluno pode utilizar para uma próxima execução. O feedback é uma informação essencial para a aprendizagem, pois ela serve para diminuir a diferença entre o planejado e o executado. Sem essa informação a aprendizagem fica comprometida.

    O feedback tem diferentes denominações, tais como conhecimento de resultados (CR) ou ainda conhecimento de performance (CP). O CR é uma informação sobre o resultado da ação, redundante com o feedback intrínseco, muito utilizado durante as pesquisas pela sua facilidade de controle. Já o CP é uma informação sobre a cinemática da ação, que não é diferente do feedback intrínseco, e é comumente utilizado na aprendizagem de habilidades motoras complexas (Schmidt, 1991).

    Como já explicitado, o CR, tem sido amplamente estudado na literatura, por ser considerado um dos mais importantes fatores que afetam o processo de aprendizagem de habilidades motoras. Ainda que a maioria dos estudos realizados na área tenham utilizado freqüências controladas pelo experimentador, alguns estudos recentes têm demonstrado que arranjos de freqüência autocontrolada de feedback levam a superior aprendizagem quando comparados a arranjos externamente controlados (Chiviacowsky & Wulf, 2002, 2005; Janelle, Barba, Frehlich, Tennant & Caraugh, 1997; Janelle, Kim & Singer, 1995).

    Esta nova forma de fornecimento de CR, a autocontrolada, tem sido proposta para investigar o feedback extrínseco na aprendizagem motora. Nos estudos que investigam o feedback autocontrolado, o próprio aprendiz decide se deseja ou não recebê-lo após realizar a tentativa, isto é, ele controla a freqüência de feedback extrínseco (Chiviacowsky & Wulf, 2005). Segundo Chiviacowsky & Wulf (2005), os experimentos de aprendizagem motora têm sido caracterizados por um total controle do experimentador nas variáveis que estão sendo manipuladas. Este seria o diferencial da abordagem autocontrolada, pois maior ênfase é depositada no aprendiz, permitindo que ele tenha controle sobre a variável investigada.

    Diante dos estudos, é inquestionável a influência benéfica que a aprendizagem auto-controlada exerce sobre a aprendizagem de habilidades motoras. Neste contexto, os estudos também mostram os benefícios da freqüência auto-controlada de fornecimento de feedback, que atende mais adequadamente as necessidades do aprendiz, envolvendo-o mais ativamente no processo de aprendizagem, o que faz com que ele esteja mais motivado para a execução da tarefa.

Considerações finais

    Acreditando que a filosofia da ciência é de fundamental importância na formação de professores e pesquisadores, seja qual for o campo de estudo, é que ao longo deste artigo tivemos contato com uma breve retrospectiva histórica da aprendizagem motora. Através desta conseguimos fazer uma reflexão da construção e progressão científica do campo com a busca aos enfoques teóricos. Sabendo que as teorias por si só não são suficientes para definir maneiras eficientes de ensinar habilidades motoras, é que fizemos uma revisão dos principais fatores influenciadores em aprendizagem motora. Sendo assim, espero ter fornecido subsídios para uma compreensão e reflexão deste campo de estudo consolidado e de tradição.

Bibliografia

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